Pesquisador reconhece seus erros para entender a esquizofrenia

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Em um novo artigo, publicado no Schizophrenia Bulletin, o psiquiatra Sir Robin Murray reflete sobre a história da pesquisa em “esquizofrenia” e os erros cometidos. Murray é professor do Instituto de Psiquiatria, Psicologia e Neurociência em Londres. Esse renomado pesquisador afirma que por muito tempo ignorou os fatores sociais que contribuem para a “esquizofrenia”. Relata também haver negligenciado os efeitos negativos que a medicação antipsicótica tem sobre o cérebro.

Murray afirma:

“Surpreendentemente, tal é o poder do modelo kraepeliniano, alguns psiquiatras ainda se recusam a aceitar as evidências, e se apegam à visão niilista de que existe um processo esquizofrênico intrinsecamente progressivo, uma visão muito prejudicial para seus pacientes”.

Robin-murrary2Robin Murray, psiquiatra escocês e professor de pesquisa psiquiátrica no Instituto de Psiquiatria, Kings College em Londres

Murray, que começou seu trabalho como psiquiatra em 1972, descreve a mudança na psiquiatria dos EUA durante os meados da década de 1970: “quando a psiquiatria deixa de ser totalmente psicanalítica e passa a ser quase que totalmente biológica”. A partir dessa mudança, tem havido um maior enfoque no papel da dopamina e dos fatores genéticos na “esquizofrenia.” Durante a década de 1970, a “esquizofrenia” passou a ser entendida como uma doença neurodegenerativa. Essa teoria foi apoiada por um estudo que encontrou ventrículos aumentados no cérebro para indivíduos diagnosticados com “esquizofrenia.” Murray lamenta que ele e muitos outros tenham ignorado outro estudo publicado nessa mesma época, a mostrar o que pode resultar com o uso prolongado da medicação antipsicótica: alterações cerebrais persistentes, principalmente na sensibilidade dos receptores da dopamina, o que pode implicar em discinesia tardia.

Em 2008, ao ter contato com um estudo mais recente mostrando os efeitos da medicação antipsicótica sobre o volume ventricular, que Murray começou a prestar atenção aos efeitos a longo prazo do uso de antipsicóticos. Pra ele “ficou claro que os antipsicóticos em altas doses contribuem, não para as sutis alterações cerebrais presentes no início da esquizofrenia, mas para as subsequentes mudanças progressivas”. Murray também revisa a teoria do desenvolvimento neurológico da “esquizofrenia”, a ideia de que a doença é causada por problemas durante o nascimento e seu desenvolvimento precoce. Agora, Murray se refere a esta teoria como um “exagero” das evidências.

Murray também discute a supersensibilidade à dopamina, quer dizer, que o tratamento antipsicótico de longo prazo pode resultar em um aumento significativo nos receptores da dopamina, consequentemente aumentando a sensibilidade à dopamina e diminuindo a eficácia da medicação antipsicótica.

“Nós levantamos a possibilidade que a medicamentação antipsicótica pode fazer alguns pacientes esquizofrênicos mais vulneráveis à recaída futura do que seria o caso no curso natural da doença.” Murray acredita no uso da medicamentação antipsicótica para tratar a esquizofrenia, mas tornou-se mais cauteloso no seu uso a longo prazo, dizendo:

“Não há dúvida de que os antipsicóticos são necessários na psicose aguda ativa. Mas temos (nós) que continuar a prescrevê-los em alguns pacientes, porque tornamos o receptor D2 [dopamina] supersensível ao excesso de dopamina liberada? Eu, e na verdade a maioria dos pesquisadores, negligenciei esta questão vitalmente importante. “

Murray afirma que espera que o conceito de “esquizofrenia” – como uma desordem clara e objetiva – se torne obsoleto, assim como ocorreu com  a “hidropsia”. Ele escreve:

“Nas décadas seguintes à 1976, passei mais tempo e energia do que gostaria de recordar, tentando descobrir que mudanças a esquizofrenia causou no cérebro. Infelizmente, não percebi que os efeitos de fatores de risco, como eventos obstétricos adversos, na estrutura e função do cérebro, e que podem ser facilmente observados em amostras com os não-esquizofrênicos, são obscurecidos em pessoas com  a esquizofrenia estabelecida pelos efeitos com antipsicóticos e outros fatores não específicos. “

É significativo haver um psiquiatra proeminente admitindo erros da Psiquiatria e pedir mais investigação sobre fatores ambientais e epigenéticos. Talvez ele sinalize uma mudança no campo da psiquiatria se outros seguirem a liderança de Murray. Ele conclui,

“Se eu tivesse a chance de ter uma segunda carreira, eu me esforçaria mais para não seguir a moda do rebanho. Os erros que cometi, pelo menos aqueles em que tenho percepção, geralmente resultaram de haver aderido excessivamente à ortodoxia predominante “.

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Murray, R.M. (2016). Mistakes I have made in my research career. Schizophrenia Bulletin. Advance on line publication. ( o artigo na íntegra).

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