Como as drogas psiquiátricas realmente funcionam

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O sargento do exército norte-americano Robert Bales ficou furioso em 11 de março de 2012 e, no escuro da noite, matou 17 homens civis afegãos, mulheres e crianças, que dormiam em suas aldeias. Perguntado como ele pode haver feito uma coisa tão terrível, Bales respondeu: “Eu fiz essa pergunta a mim mesmo um milhão de vezes, e não há uma boa razão no mundo para as horríveis coisas que eu fiz.”

O advogado de defesa de Bales, John Henry Browne, confirmou que o sargento Bales recebeu o medicamento antimalárico mefloquina em uma missão anterior no Iraque; mas Brown não tinha nenhuma evidência com referência à chacina no Afeganistão.

E quanto ao efeito da exposição anterior de Bales à mefloquina?

Em dezembro de 2016, um longo estudo de caso de um ex-soldado tratado por quatro meses com mefloquina foi publicado em Drug Safety-Case Reports. O caso ilustrou que a mefloquina pode causar lesões cerebrais persistentes, com problemas emocionais e cognitivos permanentes. Como meus colegas psiquiatras costumam fazer, eles diagnosticaram o ex-soldado com distúrbios psiquiátricos, incluindo Transtorno de Estresse Pós-Traumático (TEPT), e eles o trataram com várias drogas psiquiátricas, agravando sua lesão cerebral e a sua condição mental e emocional.

De acordo com o relatório de dezembro, “O paciente e a sua esposa notaram maior labilidade emocional, tipicamente se manifestando com raiva e irritabilidade. O relatório também endossou dificuldades de concentração, diminuição do interesse na maioria das atividades, problemas persistentes da memória de curto prazo e dificuldades para encontrar palavras.” A longo prazo, ele passou a necessitar de ajuda para o manejo da raiva.

A angústia emocional do soldado – o aumento da labilidade emocional, manifestando-se tipicamente pela raiva e irritabilidade; dificuldade de concentração; um interesse reduzido na maioria das atividades; e por persistentes problemas de memória de curto prazo e dificuldades para encontrar palavras – isso daí pode ser causado por quase que qualquer droga psiquiátrica, enquanto um efeito agudo ou duradouro. Ver o dano causado pela mefloquina e outras drogas não-psiquiátricas, isso pode ajudar as pessoas a entenderem que são as drogas, e não a chamada doença mental do indivíduo, o que muitas vezes arruína vidas e causa comportamentos prejudiciais.

O sintoma específico de “interesse reduzido” induzido por fármacos é o efeito que mais comumente leva os pacientes e os que os rodeiam a pensar que estão melhorados. As pessoas que recebem drogas psiquiátricas, como mostrei em Medication Madness e em outros livros e artigos, frequentemente perdem a preocupação para consigo próprias, com os outros e para com a vida em geral. Muitos pacientes, famílias, terapeutas e prescritores confundem esse desengajamento como sendo melhoria; mas o desengajamento reflete uma lesão tóxica no cérebro, resultando na perda de funções humanas as mais elevadas e fundamentais, como as que estão relacionadas à motivação e ao amor. Se infligida por lobotomia e eletrochoque ou por um número interminável de drogas psiquiátricas, a perda de interesse ou de engajamento é um resultado comum de qualquer lesão generalizada do cérebro. As empresas farmacêuticas e psiquiatras veem essas lesões nos centros mais refinados do cérebro da pessoa como sendo uma “melhoria”.

A indiferença e a apatia causadas por lesões cerebrais produzidas por intervenções psiquiátricas são uma espada de dois gumes. Normalmente, a redução de carinho e empatia torna as pessoas menos envolvidas e mais retraídas, e aparentemente menos perturbadas ou perturbadoras. Contudo, a empatia nos ajuda a reconhecer o sofrimento que infligimos aos outros por meio de ações impulsivas e, portanto, ajuda-nos a ter limites. Reduzir a empatia é uma maneira como as drogas psiquiátricas podem levar ao suicídio e à violência.

Eu recentemente publiquei um capítulo de livro para advogados que trabalham com veteranos de combate, onde eu comparo o impacto do Transtorno de Estresse Pós-Traumático (TEPT) – uma lesão cerebral por um trauma de combate – com as drogas psiquiátricas. Todos esses traumas podem produzir perda de interesse, assim como a ampla gama de sintomas que afligiram o soldado que tomou mefloquina. É convincente o suporte de evidências de que drogas não-psiquiátricas – como a mefloquina – podem causar transtornos psiquiátricos graves, suicídio e violência. E afirmar as drogas psicoativas causam alterações cerebrais a longo prazo que perturbam a função mental e emocional não deveria ser surpresa para ninguém. Antipsicóticos, estimulantes, antidepressivos, estabilizadores do humor, benzodiazepínicos e outros sedativos e pílulas para dormir – a respeito dessas droga há fortes evidências,  produzidas através de exames cerebrais, testes neuropsicológicos e de avaliações clínicas, de que todas as classes de fármacos psiquiátricos causam danos irreversíveis ao cérebro, especialmente quando as pessoas ficam expostas a essas drogas por meses e anos.

Do PTSD às drogas psiquiátricas, um efeito compartilhado por todas as formas de trauma psicológico e físico é causar desinteresse e desengajamento. Essa observação chave ajuda a explicar por que a psiquiatria, em nome do tratamento, em toda a sua história tem recorrido a todas as formas de trauma . É hora de se encarar a verdade de que os tratamentos psiquiátricos funcionam danificando nossos cérebros o suficiente para retirar de nós a nossa humanidade – fazendo-nos menos cuidadosos e envolvidos com nossas vidas.