Pode a “resistência ao tratamento” ser um efeito dos antidepressivos?

Haver previamente tomado antidepressivos pode tornar os indivíduos menos propensos a responder ao tratamento para depressão II bipolar

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shanonspeters

Um recente artigo, publicado em Transtornos Bipolares, apresenta os resultados do efeito para o tratamento do transtorno depressivo II bipolar, após os pacientes haverem previamente tomado antidepressivos . Os resultados da análise reiteram o que pesquisas anteriores já mostraram: a diminuição da possibilidade de resposta ao tratamento usual com Velanfaxina ou Lítio para bipolar, após o sujeito ter feito diversas experiências com os antidepressivos.

“Algumas drogas antidepressivas podem produzir com o tempo uma              adaptação fisiológica persistente que se manifesta como tolerância progressiva, e essa eventual perda de eficácia pode resultar per se da administração repetida do antidepressivo”,  conclui os pesquisadores, liderados por Jay Amsterdam, um professor do Departamento de Psiquiatria da University of Pennsylvania School of Medicine.

Antidepressivos

Estudos descobriram que indivíduos podem desenvolver tolerância farmacodinâmica aos antidepressivos, significando que ao longo do tempo os antidepressivos se tornam menos efetivos. Estudos prévios feitos pelos autores sugerem que 20-5o% dos pacientes desenvolvem uma tolerância aos antidepressivos, após repetidos fracassos com antidepressivos (isto é, tentando múltiplos antidepressivos).

Os autores lembram que a segunda explicação é fortemente preocupante: “porque sugere que alguns casos de depressão resistente resultam de uma exposição repetida à terapia per si com antidepressivos”.

Se a segunda explicação for a correta, então a medicação antidepressiva pode realmente ter o efeito de causar ‘depressão resistente ao tratamento’.  Consequências inesperadas do tratamento, como essa, são referidas como sendo efeitos iatrogênicos, e muitos deles reforçam as preocupações a respeito dos chamados efeitos iatrogênicos da medicação psiquiátrica.

Em uma tentativa para melhor entender o que leva à depressão resistente ao tratamento, os autores analisaram dados de 129 sujeitos que previamente completaram doze semanas, em uma pesquisa randomizada controlada (RTC), comparando venlafaxina com o lítio, para tratamento da depressão II bipolar.

Os sujeitos tomaram, em média, 2.7 medicamentos antidepressivos, antes de iniciarem a RTC.  Apenas 17% dos sujeitos nunca haviam tomado previamente antidepressivos. Os pesquisadores controlaram um número de fatores associados com o tratamento prévio aos antidepressivos (como p.e., sendo caucasianos, não haver experimentado recuperação entre os episódios, maior severidade, prévios episódios depressivos).

Mesmo controlando esses fatores, os pesquisadores encontraram “uma associação significativa entre o número prévio de antidepressivos e a probabilidade de resposta (razão de possibilidades [OR] = 0,75, B = -0,29, SE = 0,12, χ2 = 5,70, P <0,02 ); e remissão (OR = 0,68, B = -0,39, SE = 0,13, χ2 = 9,71, P = 0,002). ”  Ou seja, quanto mais antidepressivos os sujeitos tentaram anteriormente, menos probabilidade eles teriam para um resposta ao tratamento ou para a remissão.

Os autores resumem: “”As chances de responder positivamente ou de remissão, com a venlafaxina ou com a monoterapia com lítio, no presente estudo, foram possibilidades reduzidas em aproximadamente 25% e 32%, respectivamente, na medida do aumento das tentativas prévias com antidepressivos, em qualquer momento no processo da doença afetiva. “

A associação foi mais significativa quando os antidepressivos anteriores foram os inibidores seletivos da recaptação da serotonina (ISRS). Os pesquisadores não encontraram associação entre os antidepressivos anteriores aos ISRS e as recaídas. Os autores reconhecem que o estudo foi realizado retrospectivamente, o que limita a força das conclusões que podem ser feitas. Contudo, eles concluem: “Isso pode sugerir que a presença da perda gradual de eficácia observada no presente estudo não é uma predisposição genética à não-resposta ao tratamento; em vez disso, sugere haver sido a repetida exposição a antidepressivos, anteriormente, o que influenciou a eficácia da Velanfaxina e resposta ao Lítio. ”

Os resultados da presente análise confirmam estudos anteriores que encontraram uma “perda gradual de resposta ao antidepressivo após repetidas exposições a eles”, e aprofunda esses estudos, ao demonstrar que o fenômeno ocorre não só para a depressão unipolar, mas também depressão bipolar.

Observando que os resultados foram mais significativos quando os medicamentos anteriores eram os da segunda geração (os ISRS), os autores afirmam: “Embora tenha havido uma proliferação de ISRS e outros medicamentos antidepressivos ao longo das últimas quatro décadas, a probabilidade de alcançar resposta e remissão com estas drogas não mudou, e o número de pacientes com depressão persistente pode ter aumentado. “

Os autores também destacam seu estudo anterior mostrando que a tolerância não resulta da psicoterapia, mas da farmacoterapia.

Eles concluem: “Isso sugere que a exposição anterior a antidepressivos pode ser um previsor de uma resposta pobre às experimentações subsequentes com drogas, e que outras abordagens de tratamento devem ser consideradas”.

Amsterdam, J. D., Lorenzo‐Luaces, L., & DeRubeis, R. J. (2016). Step‐wise loss of antidepressant effectiveness with repeated antidepressant trials in bipolar II depression. Bipolar Disorders, 18, 563-570. doi:10.1111/bdi.12442 (Abstract)

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Shannon Peters MIA-UMB News Team: Shannon Peters é uma estudante de doutorado na Universidade de Massachusetts Boston e tem mestrado em saúde mental. Ela está particularmente interessada em explorar os impactos da medicalização e patologização de experiências de indivíduos que foram afetados por trauma. Ela está engajada em pesquisa sobre os efeitos da corrupção institucional e conflitos de interesse na pesquisa e na prática.

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