Conferindo Legitimidade ao Contra-Hegemônico

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Aqueles entre nós que são radicais estão comumente lutando para encontrar formas de conferir legitimidade a posições que desafiam substancialmente as construções / autoridades hegemônicas (modos opressivos do status quo de construção / agir).

Neste artigo, por meio de um estudo de caso, estarei explorando como realizar com sucesso tais formas de contrapoder, aproveitando o máximo possível da autoridade das organizações hegemônicas (obviamente, essa não é a única maneira de agir de modo contra-hegemônico). Irei destacar tipos de problemas que acontecem ao longo desse processo, e como você pode lidar com eles.

O “caso” em questão envolveu duas campanhas separadas, mas relacionadas entre si. Trata-se do processo para a criação de um programa de bolsa de estudos em antipsiquiatria e desenvolvido em uma universidade de ponta.

O que torna este caso particularmente instrutivo é que a psiquiatria e tudo o que a rodeia é o auge da hegemonia, as universidades são reconhecidas como guardiãs do que conta como conhecimento, e a psiquiatria acadêmica é fundamental para a hegemonia psiquiátrica. Para uma discussão da psiquiatria acadêmica, ver Burstow, 2015 [1] ).

O caso

A primeira das lutas para lançar essa bolsa de estudos começou no início de 2006. Sabendo, é claro, que contar com alunos com uma bolsa de estudos seria algo crucial para fazer acontecer um curso em antipsiquiatria – pois dificilmente as organizações hegemônicas têm em suas agendas programas contra-hegemônicos – resolvi tomar a seguinte iniciativa. Na Universidade de Toronto onde leciono há um Setor responsável por receber doações.  Enviei a seguinte petição: que de acordo com as previsões que eu estava colocando em meu testamento, a minha herança deveria ser destinada à criação de bolsas em duas áreas diferentes – antipsiquiatria e combate à falta de moradia – e tais bolsas de estudo seriam concedidas anualmente aos estudantes  do instituto de Ontário para Estudos em Educação (OISE).”

As estipulações por mim colocadas foram as seguintes:

  • A prioridade seria dada aos estudantes que fossem sobreviventes psiquiátricos e aos estudantes que haviam experimentado a condição de sem-abrigo;
  • As palavras “sem-abrigo” e “antipsiquiatria” deveriam aparecer explicitamente no título do Prêmio. ”

Para ser clara, por que coloquei essas duas áreas juntas? Além do fato de que muitas vezes são áreas que interagem e eu estar comprometida com ambas, é que eu estava contando com o fato de que a área de “antipsiquiatria” poderia, por assim dizer, ser inseparável da área “sem-abrigo”.

Neste ponto, você pode estar se perguntando por que eu não apenas deixei a minha vontade passar a valer depois da minha morte?

Não o fiz porque isso comprometeria seriamente o sucesso do empreendimento. Depois que eu morresse, o reitor da universidade, o advogado da Universidade, e o diretor do OISE, eles poderiam mudar os termos da bolsa de estudos, e eu não estaria por perto para defender meus argumentos. Levando em consideração que a antipsiquiatria é algo que está fora-da-caixa; levando em consideração, além disso, que tal Programa entraria em conflito com o ensino da psiquiatria, e levando em consideração que a psiquiatria acadêmica é um pilar da maioria das Universidades, tal doação dificilmente seria aprovada. No entanto, se eu pudesse prevalecer sobre o atual Reitor, o atual advogado, e o atual diretor, fazendo-os concordar, se poderia pavimentar o caminho para um acordo futuro.

Houve algum interesse na bolsa? Houve. No entanto, o que se seguiu foi uma luta muito difícil ao longo de nove meses – nessa gestão acadêmica, e tudo isso no OISE. Exemplos de desafios apresentados e como eu respondi são os seguintes: foi-me dito que ter tal bolsa de estudos seria provavelmente colocar o bolsista em um estado de não-iniciante, porque ele estaria fora da área de especialização de todos os outros e que, portanto, nenhum programa no OISE jamais concordaria em administrar essa bolsa. Percebi que este seria provavelmente o primeiro dos muitos obstáculos, e, se eu não lidasse com ele completamente, a iniciativa não iria a lugar nenhum. Fui a perguntar à coordenadora do meu programa (educação de adultos) se o nosso programa poderia supervisionar essa iniciativa. Ela parecia duvidosa. Instantaneamente suspeitei que a minha melhor opção de ação seria ver se eu poderia interessar a um outro programa, pois isso poderia resultar em dois programas concordando em dar supervisão ao Prêmio. Por conseguinte, voltei-me para  o programa “Estudos de Sociologia e Equidade” (SESE), que rapidamente aprovou uma moção concordando em administrá-lo.

Então eu retornei para Educação de Adultos. Como eu havia intuído, em resposta ao SESE, a Educação de Adultos aprovou uma moção semelhante.  Então agora eu tinha declarações oficiais feitas em reuniões departamentais mostrando que dois programas diferentes estavam felizes em supervisionar a bolsa. Com um “ok” tão explícito, seria agora “tudo tranquilo” para a bolsa? Claro que não!

Próximo problema: fui informada de que, embora fosse justo dar prioridade aos alunos que tinham vivido a falta de moradia crônica, havia um problema sério ao dar prioridade aos alunos sobreviventes psiquiátricos, porque isso constituiria uma violação dos direitos humanos, além do que, nenhum estudante “naquela posição” iria querer tal bolsa de estudos. Deixando de lado a questão do possível preconceito manifestado aqui, rapidamente demonstrei que não era uma violação dos direitos humanos, porque temos bolsas de estudos para homossexualidade para as quais estudantes homossexuais recebem prioridade. Resolvi escrever para uma organização de antipsiquiatria e para uma organização de pacientes psiquiátricos (Coalition Against Psychiatric Assault e The Mad Students Society), que imediatamente consultaram seus membros e, em seguida, declararam que seus membros queriam muito tal bolsa. Todas as provas que tal bolsa era do interesse público foram por mim apropriadamente apresentadas. Isso foi o fim das objeções? Nada disso!

Embora naturalmente este tivesse sido o problema desde o início, a palavra “antipsiquiatria” agora era rechaçada explicitamente. Eu continuei a defender com tenacidade o termo / conceito. Foi-me pedido que assinasse uma cláusula restritiva que, em essência, permitiria à universidade fazer tudo o que quisesse com o dinheiro se fosse julgado que a área já não era relevante. Sabendo que nenhuma doação é aceitável para a Universidade sem uma cláusula restritiva, criei imediatamente uma cláusula substitutiva de restrição que limitava seriamente o que eles podiam fazer e garantiria que o dinheiro seria usado para os fins pretendidos. E de fato, eles concordaram com a cláusula.

Agora eu pensei que este certamente seria o fim das dificuldades, porque nove meses tinham se passado e eu havida conseguido lidar com cada objeção. No entanto, nesta mesma gestão acadêmica ainda uma outra objeção surgiu: foi-me dito que seria importante consultar a chefe do meu departamento para ver se antipsiquiatria fazia sentido para ela como uma área (a chefe do meu departamento é uma pessoa muito agradável, mas que, significativamente, não tinha conhecimento da área em seu todo).

Percebendo que a mesma questão estava apenas voltando agora sob uma nova forma, mas que era possível que eles quisessem meu dinheiro mais do que eles odiavam a área de estudo, eu percebi que o momento havia chegado para “jogar duro”; então eu disse ao diretor, “Obrigado pela consideração, mas isso está demorando muito tempo, e se os princípios gerais desta bolsa não tiverem sido aprovados por você, pelo advogado da Universidade e pelo reitor da Universidade até a próxima semana, oferecerei essa doação à Escola de Serviço Social da Universidade Carleton.” Três dias depois, um acordo havia sido alcançado – todos os três atores principais da Universidade haviam consentido. E alguns dias depois, num espírito altamente acadêmico, o reitor, o especialista em doações e eu nos reunimos para uma comemoração.

A partir daí eu passei a me envolver com outros projetos, como se este assunto tivesse sido completamente resolvido. No entanto, cerca de oito anos mais tarde, percebi que a parte antipsiquiatria desta bolsa poderia não estar segura depois que eu estivesse morta, pois aqui estão os ossos da disputa –  e, além disso, ninguém mais lutaria por ela tão habilmente quanto eu. Minha solução? Doar, e doar agora, a bolsa sendo em antipsiquiatria apenas – uma iniciativa que eu assumi em parte porque seria bom para o movimento se tal bolsa de estudos passasse a existir desde agora, e em parte para preparar o caminho para a bolsa de estudos ser mantida mais tarde após a minha morte. Eu nomeei a nova bolsa “A Bolsa Bonnie Burstow em Antipsiquiatria” e eu a criei junto como uma bolsa complementar – em que eu estaria adquirindo US 50 mil dólares de contribuições de outros -;  e decidi que eu faria o trabalho necessário de angariação de fundos

As negociações rapidamente se seguiram. Agora, essa batalha eu a fiz deliberadamente com base na liberdade acadêmica – algo que era transparente, uma questão eminentemente acadêmica, e algo caro para todos nós da academia. E motivos “defensáveis” foram demonstrados, e todos no OISE rapidamente compreenderam a relevância. No entanto, em quatro ocasiões separadas, fui convidada a remover o nome inconveniente de “antipsiquiatria” do título do Prêmio – algo que, é claro, eu me recusei a fazer. Na verdade, fui até mesmo convidada a considerar, em vez disso, uma bolsa de estudo em aconselhamento – obviamente uma tentativa de despolitização.

Em um ponto, por razões não claras para mim, o processo ficou parado por cerca de um ano, embora eu tenha usado este tempo de modo lucrativo para construir listas de possíveis doadores. Então aconteceu algo absolutamente imprevisto – o administrador que tinha feito o contato central para ambas as bolsas de estudo saiu da Universidade, e para o meu desgosto me dei conta que ninguém no OISE tinha qualquer registro do acordo anterior. Felizmente, eu tinha mantido sete anos de e-mails e encontrei o que eu precisava. Novas pessoas se aproximaram e as negociações continuaram, e o apoio no OISE cresceu. Com o novo diretor do Instituto concordando, nos aproximamos da Universidade de Toronto. Onde mais uma vez, encontramos um obstáculo.

É aqui que o fato de ter enfrentado a questão da liberdade acadêmica realmente valeu a pena. Intercedendo em meu nome, retomando minhas palavras, a pessoa que fez a negociação do OISE repetidamente disse ao funcionário relevante da Universidade de Toronto: “Eu tenho duas palavras para você: liberdade acadêmica”. E na plenitude do tempo, a bolsa foi aprovada pela Universidade de Toronto.

E estava tudo bem agora? Com relação à Universidade de Toronto – parte da luta -, sim! Nós felizmente assinamos o contrato, e com a equipe de funcionários do OISE toda a infraestrutura do suporte administrativo passou a estar disponibilizada; o estágio seguinte do trabalho havia começado. No entanto, esse foi também o momento em que se apresentaram os mais desagradáveis dos obstáculos. De onde? A partir dos principais meios de comunicação. Não é exatamente para causar surpresa que os meios de comunicação reagissem de modo fortemente negativo, uma vez que eles ouviam falar do desenvolvimento da psiquiatria há décadas, a eles não restaria algo diferente do que se apoiar na linha padrão da psiquiatria (por exemplo, a psiquiatria é progressista, e qualquer um que diga o contrário é um inimigo do progresso). Mas quem poderia adivinhar a extensão disso?

Tanto a bolsa como eu pessoalmente fomos jogados na lixeira em vários jornais importantes, incluindo o National Post. Também fomos destruídos em um programa de televisão nacional, em aproximadamente uma dúzia de programas de rádio e também em vários blogs de mídia social. Embora eu seja uma estudiosa reconhecida na área – alguém que, entre outras coisas, desafiou a psiquiatria precisamente com base na ciência – eu era retratada repetidamente como não-científica, como a inimiga do progresso e como alguém que estava inadvertidamente colocando as pessoas vulneráveis em risco. Isto dito por pessoas cuja maioria não tinha lido praticamente nada que eu havia escrito, pessoas que nunca se preocuparam em verificar as suas próprias afirmações falsas.

Por conseguinte, a própria bolsa foi descrita como uma “afronta à ciência”. Em cima disso, comecei a receber ameaças de morte. Fui igualmente advertida (ou melhor dito: ameaçada) que vários processos estavam sendo feitos contra mim. Além disso, fui repetidamente instada por um aliado do OISE a não falar nos meios de comunicação.

Agora, em meio a esse ataque, a ignorar completamente os princípios do bom jornalismo, eu “mantive minha calma”. Eu decidi escolher cuidadosamente o que responder e o que não responder. Eu ignorei a ameaça de processo por não ser credível. Apesar de ter sido exortada, nunca cancelei um compromisso – e o público sempre se apresentou aos meus eventos em massa. Solicitei a uma publicação em particular que me fosse concedido um editorial como contraponto ao artigo sensacionalista escrito por seu repórter, o que me foi consentido. Eu dei uma entrevista para um repórter sério (Kevin Richie), que trabalhava para um simpático jornal esquerdista (Now), e ele escreveu um ótimo artigo. Eu igualmente juntei estudantes e outros aliados para responder a alguns dos ataques.

Mais significativamente, juntamente com os alunos eu criei um vídeo sobre a bolsa de estudos, onde, entre outras coisas, os estudantes de antipsiquiatria lançam luz sobre o viés que enfrentam quando se candidatam a bolsas de estudo e como este prémio contrapõe a iniquidade. Além disso, criamos folhas informativas e cartas. Juntamente com aliados como Coalition Against Psychiatric Assault, em conjunto, todos nós criamos captadores de recursos, o que foi particularmente agradável e participativo. Em essência, criamos nossa própria boa imprensa, enquanto fazíamos o que podíamos com a má imprensa. Eu criei uma comunidade. E todos nós assistimos as contribuições irem aparecendo.

O que é especialmente interessante aqui é que, enquanto as peças de publicidade ruim superaram em muito a boa, se alguma coisa isso nos deu foi incentivar mais pessoas a aderir à causa. A questão é que a publicidade ruim ainda é publicidade – na verdade as contribuições para a bolsa encolheram consideravelmente após a má imprensa começar a falar mal, mas hoje mais gente conhece a problemática; e, além disso, muitos ficaram indignados com o jornalismo de má qualidade.

Não obstante, de acordo aos padrões, a nossa angariação de fundos estava a decorrer bem. Contudo, à medida que a campanha começava a chegar ao fim, ainda não havíamos nos aproximado de atingir o objetivo de US 50 mil doados – e lembre-se de que precisávamos disso, porque essa foi uma bolsa de estudos correspondente à minha. Dito isto, perto do final ocorreu algo muito inesperado. Um doador anônimo do Texas se materializou e prometeu o suficiente para completar a quantia de 50 mil dólares. Como ele sabia disso? Em uma palavra, por causa do dilúvio da publicidade negativa.

E se isso não fosse um presente suficiente, o doador anônimo procedeu a criar uma segunda fase de correspondência. Ou seja, ele assinou um contrato com a Universidade de Toronto comprometendo-se a corresponder cada dólar canadense com um dólar americano durante o próximo período.

Em suma, conseguimos prevalecer em nossos sonhos por mais loucos que pareciam!

Como um aparte, gostaria de acrescentar, recebi ao longo desse tempo uma chamada  do executor do meu testamento, que disse: “Bonnie, eu não posso dizer o quanto estou aliviado que você tenha feito tudo isso! Caso contrário, nunca teriam honrado as condições de sua vontade. ”

Lições a serem aprendidas

Embora cada situação seja, naturalmente, única, o que se segue são lições gerais que surgem a partir deste “caso”, e alguma orientação para os outros, qualquer que seja a sua causa, nos seus esforços para envolver uma organização dominante na luta para conferir legitimidade à sua área contra-hegemônica:

  • Peça algo relevante para a sua causa, que se encaixe com as formas normais deles operar, e que eles têm o poder de conceder.
  • Sempre mantenha seus olhos atentos para o que pode dar errado imediatamente ou no longo prazo.
  • Tenha em mente o objetivo instrumental e o objetivo final, bem como vários objetivos de acompanhamento. Nesse caso, o objetivo instrumental foi conseguir a aprovação da bolsa. Um exemplo de um objetivo de acompanhamento foi assegurar que os estudantes que pesquisam nesta área tenham acesso a bolsas de estudo. O objetivo final foi aumentar a credibilidade e melhorar o perfil da antipsiquiatria. Agora, a título de exemplo, se a minha única preocupação fosse o objetivo imediato e o objetivo que o acompanhava, eu poderia simplesmente ter contribuído com os $100 mil e salvado para todos nós literalmente milhares de horas de trabalho. No entanto, criar uma bolsa de estudos correspondente e envolver muitos na campanha foi uma forma de mobilizar a comunidade – que, em última análise, é crítica para o que Foucault [2] chama de “insurreição do conhecimento subjugado”.
  • Conheça a lei ou consulte um aliado que a conheça.
  • Prepare-se para um longo percurso e prepare-se para dedicar um bom tempo para educar.
  • Se você acha que a qualquer momento você estará “com tudo arranjado”, pense novamente.
  • Esteja preparado para o fato de que partes da luta que parecem ter sido ganhas retornarão de novas maneiras, pois tal é a natureza da regra hegemônica. Não fique frustrado. Apenas enfrente qualquer nova forma que apareça.
  • Não aceite o conceito de impossibilidade. A este respeito, tome cada obstáculo em seu caminho como um problema prático para você resolver.
  • Ao trabalhar cooperativamente com as organizações cuja cooperação você está solicitando, esteja sempre preparado para desafiar e manter sua posição. Note que eles provavelmente vão querer que você “jogue água fria” no que você está pedindo – e observe que isso é apenas o modo como as revoluções acontecem.
  • Se há dinheiro que você está dando no processo, saiba que isso lhe dá alavancagem e você deve usá-lo (se não, gaste tempo para descobrir qual é a sua alavancagem ou aquela que pode vir a ser, pois as batalhas deste tipo raramente são ganhas sem alavancagem).
  • Identifique os princípios mantidos em comum por você e aqueles cuja cooperação você está procurando. Em seguida, use isso como alavancagem e, o que é ainda mais significativo, use isso sobre bases de solidariedade (note a enorme importância do princípio da liberdade acadêmica na saga acima).
  • O que se relaciona com o último ponto: ajude as pessoas a compreender exatamente o que elas estão representando para alinhar-se com este projeto. No estudo de caso, defendiam a liberdade acadêmica, defendiam a criação de novos conhecimentos, defendiam o conhecimento libertador; e eles estavam defendendo a equidade.
  • Perceba que a própria lentidão do processo pode funcionar em seu favor. O tempo tomado dá aos colegas com quem você está lidando a experiência necessária para se identificarem verdadeiramente com a causa. Então, quando os desafios inevitáveis surgirem dos altos escalões ou do público em geral, as pessoas que você gastou todo esse tempo educando se tornarão fortemente identificadas com a causa, quando elas percebem que elas não estão simplesmente lutando por você. Elas estão lutando por algo em que elas passaram a acreditar, algo em que elas também investiram seus cuidados e energia.
  • Seja muito claro sobre o que a organização como um todo receberá ao tomar as medidas que você está sugerindo e ajude as pessoas a interiorizar isso. No estudo de caso que acabei de apresentar, observe o seguinte: as pessoas foram atrás do dinheiro, tiveram a oportunidade de agirem moralmente e de serem vistas como morais, e tiveram a oportunidade de ser mais líderes, no sentido de que a Universidade de Toronto seria a primeira Universidade no mundo a ter tal bolsa de estudos.
  • O que se relaciona com o anterior: ajude as pessoas a aceitar que elas têm algo a perder se não se envolverem. Esse senso de ganho e perda pode entrar em uma variedade de maneiras. Às vezes, a questão é o que alguém pode obter com o que você está oferecendo – nesse caso, começará a olhar de forma mais interessada. Observe como o coordenador de Educação de Adultos se tornou mais interessado em uma conexão com “educação de adultos”, uma vez que parecia que o SESE iria acabar associado com o Prêmio; da mesma forma como o diretor da OISE em 2006 tornou-se mais comprometido com a bolsa, uma vez que a perspectiva da bolsa ir para outro lugar surgiu. Outras vezes, é simplesmente a possibilidade de perder a chance de estar associado e de fazer parte de um empreendimento maravilhoso e inovador.
  • Mantenha a evidência dos acordos alcançados, para os jogadores institucionais que vão aparecendo, porque quando saem a memória institucional tipicamente tende a ir com eles.
  • Esteja ciente de que a maioria da imprensa estará alinhada contra você, e assim comece a desenvolver uma estratégia de mídia desde o início.
  • Mesmo que você e o projeto estejam sendo atacados sem piedade, nunca dedique mais de que 2% do seu esforço para responder a ataques. Ao invés de gastar tempo melhorando a sua mensagem; note que eu pessoalmente respondi por escrito a apenas um ataque (no editorial ao qual me referi anteriormente). Na minha intervenção, eu resumi rapidamente o que estava errado com o artigo, para então dedicar a grande maioria da peça para explicar o que tornou esta bolsa vital. Colocando isso de outra maneira: seja ativo, não reativo.
  • Reagrupe seus aliados sempre que puder. Você irá receber uma ajuda considerável, e o que é muito mais significativo, você transformará essa luta no que ela absolutamente tem de se tornar, em um esforço comunitário e em uma causa comum.
  • Construa eventos divertidos, usando arte e celebração da melhor forma possível. Nesse sentido, lembre-se da famosa observação da anarquista Emma Goldman: “Se eu não posso dançar, não quero fazer parte de sua revolução“.
  • Coloque na frente as vozes daqueles que se beneficiarão das medidas tomadas (observe, neste caso, a vanguarda das vozes como a Mad Students’ Society e as vozes dos estudantes atuais que se beneficiaram direta ou indiretamente da bolsa de estudos).
  • Tenha ideia com quem contar e o que deve ser ignorado.
  • Criar / co-criar sua própria mídia positiva.
  • Nunca deixe que ameaças de fora o assustem. Quanto mais ameaçarem você, o mais visível / audível possível você precisará se tornar. Tal é a natureza das revoluções.
  • Opere sobre o princípio de que a “má publicidade” é invariavelmente melhor do que “nenhuma publicidade”.

Finalmente, lembre-se de que há um tipo de dialética por meio da qual as questões deste tipo operam. Ou seja, os mesmos modos com que as forças da hegemonia vão contra você, são elas mesmas as próprias sementes de seu eventual (e coletivo) sucesso. Basta aplicar o jujitsu moral dos princípios do ativismo social.

Observações Finais

Minha esperança é que esses princípios gerais sejam úteis para você em seu trabalho contínuo. Seja qual for sua batalha contra-hegemônica, quer seja antipsiquiatria, ou abolição da prisão, ou lutas de gênero, sinta-se livre para usar esses princípios, adicioná-los, compartilhar com os amigos. Dito isto, eu, juntamente com muitos dos meus leitores tenho um interesse especial em seu uso na guerra contra a psiquiatria. Que eles nos ajudem a alcançar novas alturas! Que eles nos ajudem lentamente, mas com certeza, a transformar a antipsiquiatria / psiquiatria crítica em uma forma aceita de conhecimento.

Em conclusão, para retornar à Bolsa Dr. Bonnie Burstow em Antipsiquiatria, eu gostaria de aproveitar esta oportunidade para agradecer a todos que se juntaram à causa, incluindo meus sempre confiantes aliados Lauren Tenney, Don Weitz, Peter Breggin e Cheri DiNovo. Obrigado a todos que contribuíram com dinheiro; todas as organizações que dedicam tempo e esforço à iniciativa (por exemplo, Coalition Against Psychiatric Assault); todos os estudantes e outras pessoas que telefonaram para as pessoas, organizaram campanhas de arrecadação de fundos, co-criaram vídeos, responderam aos críticos, espalharam a palavra (por exemplo, Sharry Taylor, Sona Kazemi, Efrat Gold, Lauren Spring, Simon Adam, Rebecca Ballen, Mark Federman e Edward Fox , Nichole Schott e Oriel Vargas). Da mesma forma, um agradecimento especial aos funcionários do OISE pelo seu enorme apoio, por terem feito o “caminho extra” (por exemplo, Mark Riczu, Inna Hupponen, Charles Pascal e Sim Kapoor).

Para fechar, um lembrete oportuno: uma nova fase de bolsa correspondência acaba de começar – por isso, se estiver interessado em contribuir para a causa, confira o site OISE; Consulte também https://donate.utoronto.ca/give/show/271).

[1] Burstow, B. (2015). Psychiatry and the business of madness. New York: Palgrave.

[2] Foucault, M. (1980). Power/Knowledge (C. Gordon et al, Trans.). New York: Pantheon