“Tiras” para Facilitar a Retirada Gradativa das Drogas Psiquiátricas

Um experiência inovadora desenvolvida na Holanda.

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pgrootEm 2003, experimentei a pior depressão que tive em toda a minha vida e comecei a usar antidepressivos. Como paciente e como cientista, comecei a ler sobre depressão e sobre antidepressivos. Não demorei a descobrir que pode ser muito difícil parar de usar essas drogas. Para o antidepressivo que eu fazia uso, a Venlafaxine, é praticamente impossível ser interrompida essa droga sem se sofrer de fortes sintomas de abstinência. Basta um dia sem tomar a cápsula diária, para amanhã de manhã se experimentar os primeiros sintomas da retirada.

A melhor maneira de se minimizar os sintomas de abstinência é reduzir gradualmente a dose durante um período de tempo prolongado. Por quanto tempo? Ninguém sabe realmente. Isso pode diferir entre os pacientes. Se um paciente tiver a oportunidade de ter um tempo suficiente, acho que a maioria, senão todos os sintomas de abstinência podem ser evitados. O mesmo é verdadeiro para outros tipos de drogas, por exemplo os benzodiazepínicos, onde a dependência física após o uso crônico é um outro grande problema.

O dia 11 de julho passado foi o Dia de Conscientização sobre Benzodiazepínicos e também o aniversário da professora Heather Ashton, famosa por seu trabalho em ajudar as pessoas a se retirarem de drogas que são difíceis de serem interrompidas, como as benzodiazepinas. Ela tem defendido uma redução muito gradual, ao longo de períodos de meses e, se necessário, até anos. Ela também defende a escolha do paciente e que a tomada de decisão seja compartilhada, dizendo que os médicos que querem ajudar seus pacientes devem ouvi-los e trabalhar juntos durante o contato. A tomada de decisão compartilhada capacita os pacientes e os encoraja a assumir a responsabilidade pelo seu próprio tratamento.

Realizar um método gradual progressivo na prática diária acaba sendo muito difícil. Na minha opinião, o principal problema é que as diferentes doses necessárias para fazer o ‘desmame’ não estão disponíveis. Depois de tomar consciência desses problemas e com a ajuda de colegas (tendo eu uma longa história que aqui abrevio), me envolvi no desenvolvimento das chamadas ‘Tapering Strips’ (em português, algo como ‘Tiras para a Redução Gradual’). Atualmente essas ‘tiras’ estão disponíveis para pacientes na Holanda, para 24 medicamentos diferentes, incluindo os benzodiazepínicos clonazepam, diazepam, lorazepam, oxazepam e temazepam.

tapering strips

Como funciona? Uma ‘tira’ usa o mesmo princípio que empregamos com as moedas para se pagar algo com pequenas quantias de dinheiro. Podemos pagar 40 centavos usando três moedas – uma de 25, uma de 10 e uma de 5 centavos – ou 20 centavos usando duas moedas de 10 centavos ou quatro moedas de 5. Com as  pílulas, podemos fazer o mesmo. O que precisamos é de pílulas com baixas doses, para podermos juntar as doses que queremos.

O problema prático é como lidar com isso sendo cada paciente um paciente em sua singularidade. Descobrimos que uma solução prática para resolver isso estava prontamente disponível. Nós embalamos as pílulas para cada dose diária que vem separadas en ‘tiras’ em uma bolsa, ou seja, a medicação vem em um rolo formado por ‘tiras’. Cada rolo fornece medicação para um período de 28 dias.

Um tamanho único não funciona. Não é possível usar o mesmo cronograma para todos os pacientes que desejam parar com um determinado medicamento. Portanto, tivemos que apresentar uma solução flexível que fosse prática e permitisse que médicos e pacientes fizessem a escolha que julgassem a mais apropriada. O que surgiu foi um sistema modular, consistindo de uma série de ‘tiras’ diferentes para uma determinada droga. Isso oferece a possibilidade de se escolher diferentes horários para as doses de redução, usando uma ou mais ‘tiras’ consecutivamente.

Os médicos que prescrevem (as ‘tiras’), junto com os pacientes, nos têm dito que às vezes é necessário adaptar: deixar o paciente ir mais devagar ou dar ao paciente uma ‘pausa’ – permanecendo na mesma dose por um certo período de tempo, antes de continuar a diminuir a dose. Para permitir que os pacientes façam isso, é possível usar as chamadas ‘tiras de estabilização’. O que também ouvimos dos pacientes é que nem todos conseguem parar completamente, mas logram continuar usando seu fármaco em uma dose menor do que a dose que eles anteriormente usavam. Isso não é surpreendente, se você perceber que os medicamentos são prescritos nas mesmas doses-médias para todos os pacientes.

Nós trabalhamos com todo esse sistema ouvindo atentamente o que os pacientes e os médicos nos dizem. Nós também pedimos aos pacientes que usaram as ‘tiras’ que relatem quais foram as suas experiências. O que os pacientes nos dizem é que a redução com o uso de tiras torna muito mais fácil o processo. Eles sofrem menos sintomas de abstinência e estão muito satisfeitos com as tiras e as informações fornecidas.

Atualmente, a maioria das informações sobre as ‘tiras’ ainda está disponível apenas em holandês. A razão é que queríamos tornar as ‘tiras’ disponíveis para os pacientes o mais rápido possível e era mais fácil fazer isso se, por enquanto, nós limitamos a experiência ao nosso próprio país. Até o momento, nos sentimos confiantes de que o sistema que desenvolvemos está pronto para ser usado igualmente em outros países. Nem todas as informações foram traduzidas para o inglês ainda, mas estamos trabalhando arduamente para disponibiliza-las  o mais rápido possível. A informação mais importante, um protocolo provisório escrito pelo usuário (paciente), que esperamos seja comentado e endossado por comitês de diretrizes oficiais. Os formulários de pedidos para todos os medicamentos, para os quais as tiras estão atualmente disponíveis, podem ser encontrados em www. taperingstrip.org

Espero sinceramente que muitos pacientes se beneficiem com a experiência com as tiras.

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Nota dos editores: James Moore, renomado ativista britânico de ex-usuários, lidera um movimento que solicita às autoridades médicas do Reino Unido que ofereçam suporte para o uso das ‘tiras para redução’ de medicamentos psiquiátricos. Relembrando que hoje é uma experiência restrita à Holanda. A respeito, leia seu blog sobre a campanha no Reino Unido e assine a petição aqui. Nós aqui no Brasil poderíamos tomar alguma iniciativa nesse sentido. Vamos pensar juntos?

2 COMENTÁRIOS

  1. Existe algum movimento de antipsquaitria no BRasil..gostaria de saber me interesso por se rum ex usuário de medicação que ainda esta em recuperação… Acabei de ler o livro do Robert Whitaker.muito esclarecedor…. vocês vão publicar outros livros sobre esse assunto..

    • Cristóvão. Muito legal você haver postado o seu comentário. Respondendo: a ideia é publicar outros livros sobre essa problemática. Mas aqui pelo site Mad in Brasil pretendemos manter a nossa comunidade do Mad o máximo possível bem informada.
      Cristóvão: você não tem interesse de nos enviar um blog (um txt. com umas duas laudas) contando ao público a sua experiência de “ainda estar em recuperação”?