MAD IN BRASIL – EDITORIAL

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EDITORIAL

É com grande satisfação que estamos lançando a nossa página na internet. Nossos agradecimentos à FUNDAÇÃO MAD IN AMERICA, pelo inestimável apoio dado para a viabilização desse projeto no Brasil. Por meio desta página estamos nos integrando à crescente comunidade do MAD IN AMERICA, possibilitando com isso a troca de conhecimentos científicos, informações, experiências e projetos, com o (a) s companheiro (a) s do site original madinamerica, do madinamerica-hispanohablante, do madinjapan, e com os outros ‘mad’ a serem criados. Todos unidos por ideais compartilhados de construção de um novo paradigma alternativo ao paradigma médico-biológico hoje dominante na assistência em saúde mental, e pela criação de condições sociais e político-culturais para uma melhor saúde mental dos nossos povos.

A sede do Mad in Brasil está localizada em um dos departamentos da Escola Nacional de Saúde Pública (ENSP), que é um dos órgãos da Fundação Oswaldo Cruz (FIOCRUZ) – a mais importante instituição federal de ensino e pesquisa do país, destinada ao desenvolvimento da saúde pública. O nosso departamento chama-se Departamento de Direitos Humanos, Saúde e Diversidade (DIHS), cuja missão social é justamente articular o binômio direitos humanos e saúde frente aos desafios da diversidade inerentemente humana.

Temos no Brasil um histórico processo de reforma psiquiátrica. Acumulamos nas últimas décadas importantes conquistas. Uma das conquistas mais significativas do nosso movimento de reforma foi a Lei 10 2016/2001 , que determina o fechamento progressivo dos hospitais psiquiátricos e a instalação de serviços substitutivos. Desde então, o Brasil tem fechado leitos psiquiátricos e aberto serviços substitutivos: os CAPS (Centros de Atenção Psicossocial), as Residências Terapêuticas, Programas de Redução de Danos, Centros de Convivências, as Oficinas de Geração de Renda, etc.

Segundo os dados oficiais, são mais de 2.000 CAPS espalhados pelo país. Os CAPS são serviços da Rede de Atenção Psicossocial – RAPS – destinados a prestar atenção diária a pessoas com transtornos mentais. Os CAPS oferecem atendimento à população, realizam o acompanhamento clínico e a reinserção social dos usuários pelo acesso ao trabalho, lazer, exercício dos direitos civis e fortalecimento dos laços familiares e comunitários. Os CAPS também atendem aos usuários em seus momentos de crise. Os projetos desses serviços, muitas vezes, ultrapassam a própria estrutura física, em busca da rede de suporte social, potencializadora de suas ações, preocupando-se com a pessoa, sua história, sua cultura e sua vida cotidiana. Dispõe de equipe multiprofissional composta por médico/psiquiatra, psicólogos, dentre outros.

Contamos com um forte e expressivo movimento social organizado em defesa dos direitos dos usuários dos serviços de assistência psiquiátrica.  Como é o Movimento da Luta Antimanicomial  ou Rede Nacional de Internúcleos da Luta AntimanicomialSão organizações da sociedade civil que se caracterizam pelo seu caráter democrático, contando com a participação ativa e efetiva dos usuários de serviços de saúde mental, seus familiares, profissionais, estudantes e quaisquer interessados em defender uma postura de respeito aos diferentes modos de ser e a transformação da relação cultural da sociedade com as pessoas que sofrem por transtornos mentais. São organizações que reúnem núcleos em todos os estados do país, sendo todos autônomos, propositadamente sem uma hierarquia. De dois em dois anos são realizados encontros nacionais que procuram reunir todos os militantes para deliberar, de forma democrática, seus princípios e ações. Há o programa De Volta para Casa. Esse programa foi instituído pelo Presidente Lula, por meio da assinatura da Lei Federal 10 708 de 31 de julho de 2003,  que dispõe sobre a regulamentação do auxílio-reabilitação psicossocial a pacientes que tenham permanecido em longas internações psiquiátricas. O objetivo deste programa é contribuir efetivamente para o processo de inserção social dessas pessoas, incentivando a organização de uma rede ampla e diversificada de recursos assistenciais e de cuidados, facilitadora do convívio social, capaz de assegurar o bem-estar global e estimular o exercício pleno de seus direitos civis, políticos e de cidadania. O programa conta hoje com mais de 2600 beneficiários em todo o território nacional, os quais recebem mensalmente em suas próprias contas bancárias o valor de R$240,00 (cerca de U$ 80,00).

Temos acumulado ao longo dessas décadas um conjunto variado e rico de experiências com abordagens psicossociais. Desde experiências com práticas psicoterapêuticas tradicionais, como psicanálise, terapia cognitivo-comportamental, p. e., a iniciativas provenientes de áreas que não pertencem usualmente ao campo ‘psi’ institucionalizado, como yoga, acupuntura, massagem. E, muito em especial, iniciativas no campo artístico-cultural, como pode ser bem observado no vídeo postado na página inaugural do nosso site. O Programa Loucos por Música reuniu em um mesmo palco, em algumas das nossas principais casas de espetáculos musicais espalhadas pelo país, artistas profissionais da Música Popular Brasileira e grupos musicais compostos por usuários e profissionais de saúde.  Graças a tais experiências, eminentemente de natureza psicossocial, importantes avanços a sociedade brasileira têm alcançado, em termos de integração sociocultural das pessoas com diagnóstico psiquiátrico e da construção de novas subjetividades alternativas à identidade ‘doente mental’.

Não obstante tantas e significativas conquistas com relação ao modelo asilar que caracterizou a assistência psiquiátrica no país desde os meados do século XIX, reconhecemos os gigantescos desafios que temos diante de nós. A leitura dos livros do companheiro Robert Whitaker, Mad in America, Anatomy of an Epidemic, Psychiatry under Influence, as suas palestras dadas no Brasil em eventos organizados pela nossa Associação Brasileira de Saúde Mental (ABRASME), e o acompanhamento sistemático das postagens no portal Mad in America, foram ocasiões para nos darmos conta dos desafios enfrentados em nosso cotidiano da assistência, que percebíamos e não tínhamos ainda elementos teóricos suficientes para entender em toda a sua complexidade. Uma parcela significativa das dificuldades que enfrentamos no Brasil têm uma natureza muito semelhante na maioria das sociedades dos tempos contemporâneos.

Eis aí alguns desses desafios. De imediato, a nossa dependência ao modelo médico-biológico de abordagem dos fenômenos psicossociais. Embora sendo crítica, a nossa reforma psiquiátrica não conseguiu se libertar do estatuto patológico inerente ao diagnóstico psiquiátrico. Embora tantas iniciativas inovadoras na abordagem psicossocial, a nossa reforma não libertou os usuários de seus serviços de sua dependência ao tratamento psicofarmacológico. Graças à comunidade Mad in America é possível que um público amplo – formado pelos profissionais e pesquisadores de saúde, com certeza, mas também usuários, familiares e a sociedade em geral – venha a ter acesso às bases científicas e ideológicas que apoiam os discursos e as práticas que permitem a transposição do psicossocial para o que é da ordem médica, e que a tornam aceitável, até mesmo desejável, aos olhos da sociedade.

É expressivo o fato que embora tenhamos um forte movimento de luta dos ‘usuários e familiares’, ainda não contemos com um forte movimento de ‘ex-usuários’.  No Brasil ainda não há movimentos de ‘ex-pacientes‘ ou de ‘sobreviventes da psiquiatria’, p. e. Isso é eloquente. Na verdade, ainda estamos fortemente dependentes dos mitos criados pela psiquiatria, enquanto instituição, seja com relação aos determinantes biológicos dos transtornos mentais – o suposto fundamento científico do ‘desequilíbrio químico’-, seja com relação ao tratamento com antipsicóticos, antidepressivos, ansiolíticos, etc. Se é verdade que temos tido êxito em inserir na sociedade as pessoas diagnosticadas com algum transtorno mental, é igualmente verdadeiro que está sendo formada uma enorme população de crônicos convivendo no ‘território’, de pessoas dependentes do tratamento psiquiátrico. Se é verdade que temos muito o que ensinar ao mundo como é possível se ‘ressocializar’ aqueles que durante anos ou décadas passaram as suas vidas entre as quatro paredes de um asilo psiquiátrico, não é menos verdadeiro que temos muito o que aprender com as experiências mundiais de como garantir que aqueles que estão hoje sob dependência de drogas psiquiátricas possam enfrentar os sintomas inerentes da interrupção da medicação psiquiátrica e estarem recuperados para a vida livres da psiquiatria.

A página madinbrasil é composta por várias seções. Há a seção de Notícias, onde serão postados artigos de periódicos científicos nacionais e internacionais, socializando o conhecimento científico, para que mais e mais pessoas tomem conhecimento do que as evidências científicas mostram. Há a seção Blogs, com as contribuições de colaboradores nacionais e internacionais, onde opiniões abalizadas e experiências pessoais permitirão abrir o debate com os ‘comentários’. Há a seção Em torno da internet, onde serão postadas reportagens da grande mídia e o que vendo sendo dito sobre aspectos relevantes. Há a seção Informações sobre as Drogas, onde os leitores serão mantidos atualizados sobre os principais aspectos inerentes aos antipsicóticos, antidepressivos, ansiolíticos e outras drogas.  Há a seção de Vídeos, onde postaremos documentários e filmes importantes que possam ser disponibilizados on-line. Há a seção de Eventos, onde procuraremos manter o leitor informado sobre Congressos, Encontros, Seminários etc. Teremos ainda a seção de Newsletter, para manter o leitor sistematicamente atualizado sobre o que aparece postado. Criaremos ainda a seção Contribuição, para todos aqueles que puderem contribuir financeiramente com a manutenção do nosso portal. A página estará sempre aberta a iniciativas que visem aprimorar a qualidade da informação.

Contamos com a colaboração de todos.

Que essa empreitada seja bem-sucedida!

Editores: Fernando Freitas e Paulo Amarante

3 COMENTÁRIOS

  1. Parabéns Paulo e Fernando por mais esta iniciativa. Em tempos de ameaças de retrocessos às nossas conquistas, importante termos um canal de discussão e troca de experiências! Continuemos com nossas lutas e que mais conquistas sejam alcançadas para que possamos oferecer um cuidado em Saúde Mental digno e de qualidade para tod@s aquel@s precisam! Abraços antimanicomiais!