UMA ESCARAMUÇA BAIANA EM TORNO DOS ELETROCHOQUES

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mtorrenteNa terça-feira passada, dia 17 de janeiro, recebi a ligação de um amigo querido, José Sestelo, membro da diretoria da ABRASCO, me perguntando se tinha conhecimento do que estava acontecendo em relação a eletrochoques no Hospital Juliano Moreira (HJM). Ele tinha sido alertado pelo Fórum sobre Medicalização da Educação e da Sociedade sobre a publicação, no mesmo dia, no Diário Oficial do Estado da Bahia, de uma portaria resolvendo criar, no seio do HJM, serviço de gestão estadual situado em Salvador, uma “Comissão de ECT e Psicocirurgia”, cuja missão seria a “a elaboração do protocolo e acompanhamento das indicações de ECT e Psicocirurgia em Usuários internados no HJM, levando em consideração os aspectos éticos, clínicos e legais, bem como o cotejamento com os princípios da Reforma Psiquiátrica estabelecida pelo Estado. Somente a Comissão poderá autorizar os procedimentos acima ou consultar/representar o Hospital Juliano Moreira junto aos órgãos e conselhos competentes quando necessário”.  Para ver a Portaria, Clique aqui.

Minha primeira reação foi de surpresa e preocupação. Não tinha ouvido falar da polêmica sobre ECT há algum tempo. Sabia que o HJM, por falta de condições físicas, mas também pela resistência e oposição de profissionais, não aplicava mais eletrochoques há vários anos. No entanto, sabia também que boa parte da classe médica defende firmemente que ECT e outras psicocirurgias não merecem a péssima reputação que vêm tendo (por causa de décadas de utilização indiscriminada, com tecnologias ultrapassadas, admitem), já que teriam eficácia “cientificamente” comprovada para determinados quadros “refratários” a outras terapias. E tinha ouvido que, no setor público, o Hospital das Clínicas da UFBA realizava eletrochoques na enfermaria psiquiátrica – além de inumeráveis clínicas particulares na Bahia e país afora.

Fui dar uma olhada no meu celular e, de fato, o assunto estava “bombando”, como se costuma dizer, em grupos de zap e outras redes sociais. A preocupação era geral e muitos militantes da saúde mental se declaravam indignados. Alguns poucos viam a formalização de uma comissão como medida e instrumento de precaução frente a possíveis usos descontrolados dessas técnicas altamente invasivas. Porém, chamava muito a atenção: 1) que a portaria fora assinada pela diretora do hospital; 2) que nem os técnicos da área técnica de saúde mental da Secretaria Estadual de Saúde (SESAB) tinham sido consultados; 3) que a resolução abria a porta a outras psicocirugias (sem, aliás, especificar quais!…). Do meu ponto de vista, precisávamos reagir de forma coletiva, com contundência, mas não sem, antes, reunir informações relevantes. Devíamos também tomar o cuidado de não cair no denuncismo, sob pena de ser caracterizados como extremistas irracionais, e, ao contrário, evidenciar que o debate acadêmico em relação ao ECT está longe de ser pacífico, que boa parte da literatura científica recente denuncia ainda os riscos neurológicos, mas também psicossociais e jurídicos, da reemergência globalizada das psicocirurgias, sejam elas novas ou não. Enfim, era preciso colocar o evento pontual dessa portaria desastrada dentro de um contexto geral muito preocupante, o da Contra-Reforma Psiquiátrica em curso.

Após um trabalho coletivo de poucos dias, no âmbito do Coletivo Baiano da Luta Antimanicomial – uma estrutura militante relativamente recente -, mas dinâmica e representativa, uma carta de repúdio extensa, externando detalhadamente as inquietações dos vários setores do movimento, foi finalizada na sexta-feira, 20 de janeiro de2017, e submetida a várias entidades parceiras das lutas sociais, em nível local, regional e nacional. Até hoje, 53 delas subscreveram a nossa manifestação.

Os pleitos incluídos no final do texto são:

  • Explicações cabíveis diante do ocorrido, além da imediata revogação da Portaria;
  • Apresentação do Plano de Saúde Mental que rege o atual governo e Relatório que indique o seu nível de implantação;
  • O desencadeamento de uma série de discussões amplamente participativas, capitaneadas pelo Conselho Estadual de Saúde, para discutirmos esse e outros temas de interesse da sociedade no que diz respeito à Reforma Psiquiátrica Baiana e Brasileira;
  • O posicionamento da Secretaria Municipal acerca do ocorrido;
  • Uma audiência com o secretário estadual de saúde para obter esclarecimentos acerca do fato, além de termos ciência do planejamento referente às ações para implantação da RAPS bem como o montante do investimento destinado a isso e prestação de contas do que já vem sendo investido.

Acontece que, nesse mesmo dia 20 de janeiro, por razões que ainda me são desconhecidas, o Diário Oficial publicou nova portaria, novamente assinada pela diretora do HJM, para “tornar SEM EFEITO e REVOGAR” a infeliz portaria anterior!

Significa que, pelo menos nessa reivindicação, o movimento de repúdio e desconfiança, em relação aos rumos da política estadual de saúde mental, surtiu efeito. Mas não nos enganemos: isso foi apenas uma vitória isolada, uma escaramuça no nosso combate contra a crescente medicalização da existência e em favor de uma reforma psiquiátrica democrática, antimanicomial e defensora intransigente dos direitos humanos!….

 

1 COMENTÁRIO

  1. Sou militante da luta antimanicomial, estou indignada com a notícia sobre eletrochoque em pacientes psiquiátricos. Quero expressar minha indignação e dizer que tal prática denunciamos e já imaginavamos ter sido abolida” essa prática de tortura não poderá de maneira nenhuma ser aceita” devemos denunciar e punir”