Estudo mostra resultados do Diálogo Aberto no Reino Unido

Um novo estudo qualitativo procura examinar a implementação da abordagem do Diálogo Aberto no Reino Unido.

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A abordagem do Diálogo Aberto para o tratamento da saúde mental, que surgiu na Lapônia Ocidental, na Finlândia, fascina os pesquisadores há anos, uma vez que ganhou popularidade por revolucionar o atendimento de pessoas diagnosticadas com esquizofrenia. Um novo estudo testa essas alegações, investigando como clínicos e usuários de serviços experimentam uma versão modificada dessa abordagem adaptada e implementada no Reino Unido.

Os resultados sugerem que, enquanto os clínicos mostraram reações positivas com respeito à abordagem, os usuários do serviço deram respostas mistas. No geral, os pesquisadores indicaram que a experiência dos participantes não foi unânime e qualquer aplicação dessa abordagem merece uma investigação mais aprofundada.

“A resposta de alguns usuários que notaram que se sentiram ouvidos e entendidos nas reuniões de rede indica o potencial valor terapêutico do diálogo aberto e sugere que um teste de controle randomizado é necessário para comparar o diálogo aberto com o tratamento convencional”, os pesquisadores escrevem. 

 

Desde a fundação da moderna psiquiatria ocidental, a esquizofrenia tem sido um distúrbio marcado por um profundo pessimismo e muitas vezes foi considerado uma doença cerebral degenerativa por aqueles que aderiram ao modelo biomédico. Assim, não foi surpreendente quando a abordagem do Diálogo Aberto se tornou famosa, uma vez que passou a relatar resultados esmagadoramente positivos para pacientes com psicose de primeiro episódio. A abordagem se tornou tema do documentário de Daniel Mackler e tem experimentado um aumento de popularidade.

Ao mesmo tempo, devido à ausência de ensaios sob controle randomizado considerados como sendo o padrão-ouro para a pesquisa, têm sido levantadas questões sobre a eficácia do Diálogo Aberto enquanto intervenção clínica. Além disso, muitos dos primeiros estudos mostrando excelentes resultados vieram da Finlândia, e alguns pesquisadores tem questionado se esse modelo seria aplicável em outros contextos.

Para testar essas alegações, os pesquisadores Rachel Tribe, Abigail Freeman, Joshua Stott e Stephen Pilling, da University College London, e Steven Livingstone, psicólogo clínico do Hospital St. Ann, entrevistaram clínicos e usuários de serviços no Reino Unido sobre experiência deles com as reuniões do Open Dialogue.

Os pesquisadores identificaram quatro temas principais e descobriram que, embora a maioria dos usuários se sentisse ouvida, compreendida e respeitada, eles também se sentiram confusos (e, no caso de um participante, angustiado) com a falta de uma agenda para as reuniões. Alguns até relataram haver se sentido intimidados pela intensidade emocional da abordagem.

A abordagem do Diálogo Aberto é um método baseado em trabalho com a rede de relações dos usuários, e também na abordagem no território voltada para intervir cedo (dentro de 24 horas) após o primeiro surto psicótico. Isso requer que uma equipe de médicos, enfermeiros, assistentes sociais e pessoas da rede social do paciente o visitem assim como à sua família em sua própria casa. Também é essencial que a equipe inicial permaneça a mesma durante todo o processo de tratamento do paciente. Essa abordagem democrática, que mantém total transparência com o paciente, depende dos três princípios : “tolerância à incerteza”, “dialogismo” e “polifonia nas redes sociais”.

O Diálogo Aberto passou a chamar a atenção quando estudos de follow-up mostraram que, daqueles que receberam tratamento através deste método, 82% não apresentaram sintomas residuais e 86% retornaram ao trabalho ou à educação nos anos seguintes. Enquanto muitos pediram por investigações mais rigorosas usando ensaios aleatórios de controle (randomizados), outros pesquisadores como Mary Olson  apontaram que “a transformação e a influência de todo um sistema psiquiátrico comunitário não se prestam à randomização”. Além disso, Olson sugere que um complexo sistema baseado em rede, que portanto possui múltiplas associações, não pode simplesmente ser testado através de métodos que busquem uma relação de causa e efeito de forma reducionista e linear.

Por esta razão, o presente estudo é crítico, na medida que existe uma necessidade de se entender como a abordagem do Diálogo Aberto se aplica em outras culturas e contextos diferentes. Atualmente, este é um dos muitos estudos que estão sendo feitos para avaliar os benefícios da abordagem; outros estão sendo feitos nos Estados Unidos , Escandinávia, Alemanha, Itália, Áustria, Alemanha e Polônia.

O que torna este estudo significativo não é apenas o momento (‘timing’), mas também que a análise qualitativa pode fornecer uma descrição detalhada e uma compreensão rica e profunda da experiência dos usuários e dos médicos do serviço. Esta versão modificada da abordagem Open Dialogue denominada diálogo aberto apoiado por pares (POD)  é desenvolvida no contexto dos serviços de crise do Reino Unido, e visa fundir os princípios da abordagem finlandesa original com os “benefícios adicionais e a flexibilidade proporcionados pelo apoio de pares, nos serviços do NHS que estão linha de frente para o tratamento dos casos agudos.”

O estudo foi realizado com cinco usuários dos serviços, três membros da rede dos usuários e 11 médicos, e teve como meta lançar luz sobre sua experiência subjetiva das reuniões do Diálogo Aberto. Esses médicos ainda estavam concluindo o seu curso de treinamento para serem diplomados em Diálogo Aberto. Os dados foram coletados em Londres, em um serviço de saúde mental territorial patrocinado pelo NHS. Uma análise temática construtivista surgiu com os quatro temas essenciais.

Os pesquisadores descobriram que os usuários do serviço tendem a comparar sua experiência positiva das reuniões da rede com o tratamento usual (TAU), que eles descreveram como coercitivo e apático. Muitos usuários de serviços relataram sentir-se respeitados nas reuniões de rede.

“Os participantes passaram por reuniões de rede diferentes do TAU. Os médicos, em particular, foram extremamente positivos em relação à abordagem e usaram linguagem positiva para denotar sua preferência pelo diálogo aberto em comparação com o TAU. Os usuários do serviço frequentemente referenciaram suas experiências negativas anteriores na área da saúde mental e refletiram sobre o aumento de experiências comunicativas positivas em reuniões da rede ”, escrevem os pesquisadores.

Eles observam ainda que “os dados dos usuários e dos médicos do serviço sugeriram que várias perspectivas receberam espaço nas reuniões da rede. Para a maioria dos usuários, isso pareceu resultar em um sentimento de ser ouvido e compreendido. ”Pode-se sugerir que essa experiência possivelmente se origina do dialogismo (e polifonia), um dos princípios centrais da abordagem do diálogo aberto.

Embora os médicos sentissem que as conversas reflexivas que tiveram uns com as outros na presença do usuário do serviço tenham sido úteis, os próprios usuários do serviço tiveram respostas diferentes. Alguns as acharam estranhas, enquanto outros acharam que eram conversas sinceras. Have um usuário que achou que os médicos só fingiam se importar com o dito e que ficou embaraçado com essas reflexões feitas pelos profissionais.

Os médicos sentiram a ausência de uma agenda como sendo algo desafiador, mas também a consideraram como uma mudança positiva que permitiu que eles trouxessem seu eu autêntico nas reuniões. Essa abertura e sinceridade foram devidamente notadas pelos usuários que, embora tenham apreciado, também se sentiram intimidados pela intensidade emocional das sessões. Foi interessante notar que alguns usuários esperavam terapia durante essas reuniões e que tiveram que mudar suas expectativas ao longo do processo.

Tanto os médicos quanto os usuários do serviço observaram que a expressão de emoções era mais livre nessas reuniões do que no tratamento usual (TAU), mas alguns usuários do serviço acharam que isso era difícil de lidar. Havia também alguém que desconfiava da abertura dos médicos e achava que era um espetáculo. Suspeitas como essa podem ser consideradas dentro das histórias pessoais dos participantes, dadas suas experiências passadas de tratamento de saúde mental. Por exemplo, se, no passado, os provedores não foram transparentes, é mais provável que as pessoas experimentem as reflexões dentro da abordagem do Diálogo Aberto como algo falso.

O desconforto com as reflexões também pode ser considerado dentro do contexto mais amplo das práticas padrão de tratamento de saúde mental no Reino Unido. Se, por exemplo, os participantes e membros da família resistiram em discutir abertamente suas experiências por medo de serem patologizados (serem considerados como tendo ‘falta de insight’ do seu transtorno) ou de terem seus direitos removidos ou suspensos.

Essa preocupação foi refletida por um membro da família no estudo que disse: “Nenhum de nós sentiu que poderíamos ser tão abertos quanto queríamos” porque estávamos basicamente discutindo a doença de minha mãe enquanto ela estava lá e ela tomou conta da reunião, então foi difícil ser honesto”. Freeman e seus colegas discutiram de maneira semelhante como a abordagem do diálogo aberto parece ser mais produtiva e apreciada entre usuários e familiares que valorizam a transparência das reuniões da rede, e que essa transparência é essencial para a estrutura democrática do Diálogo Aberto.

No geral, parece que tanto os clínicos quanto os usuários do serviço apreciaram a abertura e a liberdade emocional, mas que os últimos também tiveram respostas diversas à incerteza criada pela falta de uma agenda clara. Eles relataram confusão com a aparente ausência de estrutura e propósito explícito das reuniões. Dado o arranjo radicalmente diferente da abordagem do Diálogo Aberto quando comparado ao tratamento como de costume, essa confusão pode ser esperada. A maioria das pessoas associa intervenções de saúde mental a um especialista que prescreve um caminho claro para a remoção dos sintomas. Deve-se notar que a falta de agenda pode não ser meramente incidental, uma vez que a tolerância à incerteza é novamente um dos princípios centrais que informa a prática do Diálogo Aberto.

Os pesquisadores observam que uma das limitações do estudo é que ele foi realizado nas fases iniciais da experiência com o Diálogo Aberto. Por exemplo, os médicos ainda estavam recebendo treinamento, e os critérios de inclusão para os usuários do serviço foram que eles deveriam ter participado de pelo menos uma reunião do serviço nos últimos seis meses. Além disso, apontam que o tamanho da amostra foi bastante pequeno e, dentre os oito usuários entrevistados, três eram parentes.

É também digno de nota que este foi um estudo de uma versão modificada do método Open Dialogue, chamado Peer Support Open Dialogue (POD) que, como Razzaque e Stockman escrevem, é uma forma diferente da abordagem de ‘diálogo aberto’ tal como é atualmente praticado na Finlândia. Eles observam ainda que, embora “relato dos pacientes, relatos da família e a experiência clínica tenham sido extremamente positivos”, há enormes desafios ao se transferir a abordagem de diálogo aberto para o Reino Unido em uma escala tão ampla como a que está sendo exigida pelo NHS.

Desafios adicionais a esta forma modificada incluem “desafios organizacionais de continuidade dos cuidados em serviços que são cada vez mais fragmentados, bem como os desafios culturais de introduzir uma quebra de hierarquia, uma maior autonomia do paciente e da família e o envolvimento dos colegas de trabalho.” Os médicos do estudo atual observaram similarmente que eles enfrentaram muitas dificuldades organizacionais ao tentar fornecer os serviços segundo a abordagem do Diálogo Aberto.

Por fim, os pesquisadores alertam que “é necessário se pesquisar se os desafios à implementação destacados no presente estudo são resultado da cultura neste local específico. Além disso, questões relacionadas ao elemento da abordagem apoiada por pares não foram proeminentes nos dados da entrevista. ”

O estudo é um passo essencial no exame da adaptação da abordagem do Diálogo Aberto no Reino Unido, e sua natureza qualitativa fornece insights sobre as áreas onde as mudanças podem ser necessárias ao transferir essa abordagem para uma cultura diferente.

Os desafios são muitos, pois o Diálogo Aberto não é apenas mais uma forma de terapia, mas vem com um conjunto radicalmente diferente de práticas linguísticas e institucionais (a poética e a micropolítica ) e com diferenças estruturais “inerentes aos serviços psiquiátricos públicos na Finlândia”. Será que podemos aplicar a ética organizacional do Diálogo Aberto – envolvendo democracia, participação e humildade – em sistemas inerentemente hierárquicos que dependem da aparente experiência dos profissionais e que estão frequentemente sujeitos aos caprichos de governos e empresas de seguro de saúde?

Os pesquisadores deste estudo observam que “são necessárias pesquisas para explorar as relações entre a experiência do diálogo cultural, social e comunitário dos usuários do serviço.” Este estudo é um primeiro passo importante para se examinar essas questões, e mais pesquisas são necessárias para se aprofundar nossa compreensão dessa abordagem promissora.

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Tribe, R., Freeman, A., Livingstone, S., Stott, J., & Pilling, S. (2019). Diálogo aberto no Reino Unido: estudo qualitativo. BJPsych Open, 5 (4), E49, doi: 10.1192 / bjo.2019.38 (Link)

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Equipe de Notícias da MIA Research: Ayurdhi Dhar é professora de psicologia na University of West Georgia, onde também concluiu seu Ph.D. em Consciência e Sociedade em 2017. Ela é autora de Loucura e Subjetividade: Um Exame Intercultural de Psicose no Ocidente e na Índia (a ser lançado em setembro de 2019). Seus interesses de pesquisa incluem a relação entre esquizofrenia e imigração, práticas discursivas que sustentam o conceito de doença mental e críticas de formas de conhecimento contextuais e a-históricas.

2 COMENTÁRIOS

  1. Muito interessante e necessário. Mas o diálogo aberto é mesmo necessário. Há demasiada opressão em torno das “doenças mentais”e principalmente nas “psicoses” e “esquizofrenia”. É mesmo necessário outra a pesagem com mais respeito e liberdade para os ” pacientes”