Entrevista com Paulo Amarante sobre o 6º Seminário Internacional A Epidemia das Drogas Psiquiátricas

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Estamos a alguns dias da realização do 6º Seminário Internacional A Epidemia das Drogas Psiquiátricas, realizado desde 2017. Nomes de peso, tanto nacionais como internacionais, já participaram: Robert Whitaker, Laura Delano, Joanna Moncrieff, Ernesto Venturini, Maria José Moysés, entre outros. Este ano não será diferente.

Com o subtítulo: O modelo biomédico da psiquiatria fracassou? Quais as perspectivas? Nomes de relevância internacional estarão presentes. Como Allen Frances, diretor da equipe que redigiu o DSM IV. Ou Andrew Scull, renomado historiador da psiquiatria.

Para falar melhor sobre o próximo Seminário, convidamos o professor e pesquisador Paulo Amarante. A seguir vocês podem acompanhar a entrevista completa.

Camila Motta: Esse ano o LAPS/FIOCRUZ (Laboratório de Estudos e Pesquisas em Saúde Mental e Atenção Psicossocial) vai realizar o 6º Seminário Internacional A Epidemia das Drogas Psiquiátricas. O Seminário sempre conta com a presença de importantes figuras nacionais e internacionais do campo da saúde mental como Laura Delano, Robert Whitaker, Maria Aparecida Moysés, Ernesto Venturini…entre outros. Quais as expectativas para a edição desse ano?

Paulo Amarante: Sim, este ano estaremos realizando nos dias 31 de outubro e 01 de novembro o 6º Seminário Internacional A Epidemia das Drogas Psiquiátricas. Seminário este, que foi inspirado a partir do Livro do Robert Whitaker, Anatomia de uma Epidemia, que nós editamos, publicamos pela editora Fiocruz, fizemos o prefácio Fernando e eu e divulgamos. É um livro muito importante, porque é um marco nessa questão da desmedicalização, na discussão sobre o papel das drogas psiquiátricas no mundo e o próprio autor foi convidado pela primeira vez ao Brasil por nós. Ele foi convidado pela primeira vez em 2013, e aí passou a vir com regularidade, nos ajudou e tem nos ajudado a construir esse seminário. Cada ano com debates importantes.

Nós tivemos, além dos nomes que você citou na pergunta, muitos outros nomes, seria difícil lembrar todos, mas gostaria de destacar alguns como Irving Kirsch, John Read, Jaakko Seikkula, e tantos outros internacionais, que tiveram presentes conosco. E também, brasileiros e latino-americanos. Esse Seminário tem sido também um momento de promoção do tema e discussão pela América Latina. Fundamentalmente na Argentina, Uruguai, Paraguai, onde nós temos trabalhado. Esse ano inclusive, o Seminário será todo traduzido simultaneamente, também para o espanhol. Então, isso será importante para impactar a discussão na América Latina.

Um dos nomes fundamentais que tiveram no ano anterior foi o da Joanna Moncrieff, agora que está sendo muito divulgado o trabalho dela, em que ela desmonta, a teoria, etiologia do distúrbio da recaptação da serotonina como causa do distúrbio da depressão. E isso tudo liderado pela Joanna Moncrieff, mas com a participação do John Read, que esteve conosco e outros que já estiveram aqui conosco no seminário. Essa teoria foi absolutamente jogada por terra. Quer dizer, ela não tem nenhum fundamento. E hoje, a própria psiquiatria ortodoxa, vem dizer que já havia falado isso, embora ela reafirmasse, permanentemente, que a causa da depressão era um distúrbio na recaptação da serotonina. Então, é muito importante esse seminário centrar a discussão sobre a questão da pretensão do modelo biomédico, do fracasso dessa adaptação, dessa inflexão forçada que a psiquiatria faz de que ela tem o modelo biomédico e que o transtorno mental tem uma causa biomédica. E, no caso da psiquiatria ortodoxa, uma causa física, orgânica, exclusivamente, colocando o psicossocial num certo pano de fundo sem importância. Então, uma das questões mais importantes será a conferência do Allen Frances, responsável pelo DSM IV, hoje um crítico importante do modelo do DSM, em que ele vai falar em defesa do modelo biopsíquicosocial.

Camila Motta: Qual foi a motivação para a realização do Seminário Internacional A Epidemia das Drogas Psiquiátricas?

Paulo Amarante: Em certo sentido essa pergunta da motivação da criação do seminário eu respondi em parte, tem se observado no mundo inteiro fundamentalmente nos países ocidentais aonde a indústria farmacêutica tem um peso muito importante, um crescimento da patologização da vida, ou seja, da transformação em questões cotidiana do sofrimento da desesperança, da falta de possibilidades, da falta de perspectivas, do individualismo exacerbado, uma série de aspectos que são característicos de uma sociedade individualista, consumista que tem um alto nível de competitividade uma série de questões que refletem isso no comportamento humano. Que ao invés de serem pensadas enquanto reflexos de uma política mais ampla de uma forma como os estados e a sociedade conduzem as suas vidas isso é transformado em um problema individual, reduzido a ser um distúrbio individual aonde as pessoas são tristes, deprimidas, são desesperançadas porque elas têm um distúrbio neuroquímico, alguma coisa assim nesse sentido e que retira e despolitiza nesse sentido descontextualiza esse sofrimento, essa situação essa experiência que é coletiva em grande parte para o nível individual, isso se transforma em transtorno e isso como resultado tem um efeito de prescrição de medicamento, tratamento de medicamento, seja de prescrição de medicamentos ou de outros tratamentos psicológicos, psiquiátricos, etc.
Mas fundamentalmente como a indústria farmacêutica tem um grande interesse ela forma quadros para isso, para prescrever medicamentos ela financia, ela estimula congressos, publicações, pesquisas e tudo mais, nós temos visto um aumento absurdo do uso de psicofármacos na vida cotidiana, então crianças já com poucos anos de idade já começam a ser medicadas a vista como doentes e tudo mais, e numa escalada preocupante porque as pessoas tomam antidepressivos para vida toda, antipsicóticos para a vida toda, e isso tem uma série de consequências negativas nas vidas individuais e na vida social coletiva, e na vida econômica com exceção daqueles que lucram diretamente.
Então essa foi a preocupação de começarmos a levantar um debate, uma discussão regular, sistemática, trazendo grandes nomes que refletem esses temas de fora e do Brasil para participar desse seminário e construirmos de alguma forma de entendimento mais amplo, e de estratégias e resistências de luta contra esse processo absolutamente voraz de medicalização e patologização da vida.

Camila Motta: Dois meses atrás foi realizado o 8º Congresso Brasileiro de Saúde Mental da ABRASME, presencial, que contou com 3.000 participantes. Quais perspectivas você enxerga para o campo, e quais os principais desafios?

Paulo Amarante: Esse ano tivemos com muita alegria conseguimos realizar o 8.º Congresso Brasileiro de Saúde Mental, promovido pela Associação Brasileira de Saúde Mental, da qual eu fui um dos fundadores sou presidente de honra, já fui presidente e depois desse período todo da pandemia mais grave, o período mais grave da pandemia, nós conseguimos realizar um congresso em São Paulo belíssimo, potentíssimo com mais de 3 mil pessoas, na verdade, mais de 3 mil pessoas. Um congresso que é diferenciado dos demais congressos digamos acadêmicos ou científicos, etc. a ABRASME primeiro é uma entidade que tem no seu corpo de diretoria e participantes militantes de várias áreas no campo de saúde mental, tem usuários, familiares, militantes, ativistas de direitos humanos, de vários campos da luta dos direitos humanos, profissionais que estão ligados à área do direito, da arte, da cultura, da sociologia, da história então é uma multiplicidade de pessoas e de lugares diferentes, profissionais da área de saúde que são da academia, mas são do serviço, que são ligados a movimentos sociais, então o congresso é em si, é um ato de intervenção, um ato político, não é um congresso para ir se apresentar trabalho, ou só para o fortalecimento no campo cientifico epistemológico e tudo, é o momento de incidência política, de intervenção política, de encontro, de formulação, de discussão de estratégias, de frente, de luta e de resistência, de construção, e o que vimos foi uma riqueza enorme de experiências de pessoas como enfrentaram a pandemia, como resistiram a política de desfinanciamento que estamos vivendo de retrocessos no campo da reforma psiquiátrica, de estímulo novamente as práticas privadas, mercantilistas, manicomiais, etc.
Ao mesmo tempo que é um evento então que se discute política e conhecimento, também é um momento de intervenção cultural, as várias atividades culturais, todas elas feitas por pessoas da área de saúde mental, da mesma forma a feira de economia solidaria, toda venda de livro do congresso, por exemplo, foi feita por uma cooperadora de livros de usuários no campo de saúde mental, a louca sabedoria, os principais shows, eventos, ou cidadãos cantantes, grupos de música, de teatro tudo feito por essa área então é um momento de construção política muito importante, é isso nos faz ver a potência que tem essa área, potência de intervenção e eu acho que para os próximos anos o congresso da ABRASME vai ser ainda mais um ponto, momento alto na construção política da reforma psiquiátrica que nós vamos certamente retomar a partir de agora, na linha, o mais ainda, com mais participação social do que tínhamos inclusive antes, com mais experiências na área de arte e cultura. A reforma psiquiátrica não deve ser reduzida a só uma modelo assistencial, fechar manicômio e abrir um CAPS, mas assim você tem todo um outro trabalho nessa área cientifica de discutir, questionar esse conceito psiquiátrico da medicação os tratamentos psiquiátricos que são colocados por interesses de grupo, mercado, etc. temos que discutir a importância da arte, da cultura na construção de outras possibilidades sociais, outras possibilidades culturais para as pessoas, de trabalho para se inserirem e não só uma coisa de mudança de tratamento, uma mudança no sentido amplo, de lidar com as pessoas ou com a questão do transtorno mental, das diferenças da diversidade, o congresso da ABRASME é hoje o maior evento político que tem na área de saúde mental de toda américa latina, não tenho qualquer dúvida disso as conferências foram esvaziadas, tivemos agora uma conferência de saúde mental do resistindo porque desde a 4.ª conferência que foi realizada em 2010 que nós estamos lutando pela realização da 5.ª conferencia e 2014 a ABRASME lançou um manifesto, uma chamada, um pedido de convocação para a 5.ª conferência que não foi levada em consideração, e eu acho que nós devemos retomar as conferências e ver o congresso da ABRASME como momento importante de organização da agenda política no campo da saúde mental da reforma psiquiátrica no Brasil.

Camila Motta: Você é um militante histórico do movimento antimanicomial e da Reforma Psiquiátrica, além de professor e pesquisador. Qual conselho você daria para as novas gerações de profissionais e militantes do campo da saúde mental?

Paulo Amarante: Eu quanto um militante, considerado um militante histórico, já estou desde o início desse movimento, recentemente publicamos um livro chamado Loucura e Transformação Social. Autobiografia da Reforma Psiquiátrica Brasileira, refletindo sobre os 40 anos de 1976 a 2016 quando eu fecho o período, estamos exatamente do momento de retrocesso, no início do retrocesso de combate a reforma psiquiátrica por parte do próprio Estado e dos setores organizados contrários à reforma psiquiátrica e que teve o Impeachment da Dilma, mas antes mesmo já no governo, Dilma já vínhamos vendo a aprovação dessas “comunidades terapêuticas” a nomeação de um diretor de hospício de manicômio contrário a reforma psiquiátrica para ser o coordenador de saúde mental, ainda no governo Dilma, então nós já vimos que nesse período eu parei, era o período de uma pesquisa e fiz essa reflexão, então eu não teria conselhos e sim reflexões. Eu acho que é importante retomarmos que a reforma psiquiátrica: 1 Não é uma Reforma meramente de modelo assistencial, é fundamental nós temos que retomar a luta contra manicômio mais do que antes, porque nós fomos extinguindo extinguindo quase 70 mil vagas em manicômio, mas depois tivemos um certo esfriamento desse objetivo, não foi assim levado e nós temos que extinguir os manicômios e como fechar manicômios? Abrindo também serviços novos, abrimos muito poucos CAPS, abrimos 2 mil 2 mil e poucos não chegou a 3 mil, devíamos ter aberto 5, 6 vezes mais serviços territoriais de atenção intensiva e integral, as pessoas com sofrimento psíquico, deveríamos ter criado mais iniciativas de centro de convivência de arte e cultura, de economia solidária, projeto geração de renda porque é importante ter essa visão de outras dimensões de associações e de autoajuda, de outros processos de apoio a reconstrução desse lugar social da pessoa com transtorno mental, da pessoa com diagnóstico psiquiátrico que não basta mudar o modelo, fazer um tratamento menos violento mais humano ou qualquer outra coisa assim, diminuir a medicação, é necessário criar outras condições de vida para que as pessoas possam assumir papéis entendidos como papéis importantes no trabalho, na educação, na residência, no dia a dia da vida, na arte e cultura e, etc.
Então eu acho que essa é a questão fundamental, então para isso é importante que a gente estimule a criação de outros dispositivos, outras estratégias que não sejam só serviços uma das coisas que eu critiquei muito durante as gestões anteriores, foi que nós tivemos 4 conferências nacionais de saúde mental, a 3.ª foi em 2001 no governo Fernando Henrique Cardoso e a 4.ª foi em 2010 no último mês, do último período de gestão do governo Lula.
O que isso significa?! Que nós não valorizamos a questão da participação social, a participação social não é o momento de escuta da sociedade ou não é o processo de construção coletiva, participação social não é só ouvir a comunidade para saber o que ela quer, é envolvê-la na construção de um novo cenário de uma nova política de uma nova prática, então isso é importante que a gente retome, a participação social nos serviços, nos dispositivos, nas estratégias várias formas de envolvimento permanente das pessoas e de todo o coletivo de pessoas envolvidas no campo da saúde mental, isso é muito importante então a criação de outros dispositivos estimular e entender a arte e cultura a economia solidária as outras estratégias, não como acessórias menores, mas como fundamentais e também a participação social e política do usuário, dos profissionais dos familiares, dos ativistas que defendem a democracia e os direitos humanos em todo o momento, em todo o processo e não apenas eventualmente, então é importante recuperar o processo das conferências e dos conselhos de saúde, os conselhos de saúde eram também convocados as vezes sem nenhuma regularidade, convocados sem nenhuma consequência do tipo as questões discutidas, não eram devidamente encaminhadas é como se fosse um processo burocrático de escuta e não é um processo de construção, então é essa a minha visão, que eu acho que a gente tem que retomar e estaremos retomando a partir de agora, eu acho que temos que fazer uma grande reflexão da nossa autocrítica dos nossos erros e acertos, retomar e reconstruir a reforma psiquiátrica no Brasil.