Manual de Psiquiatria Crítica, Capítulo 2: Os Distúrbios Psiquiátricos são Essencialmente Genético ou Ambiental? (Parte dois)

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Huge human brain and many little businesspeople around

Por Peter C. Gøtzsche, MD


Nota do editor: Nos próximos meses, a Mad in Brasil publicará uma versão serializada do livro de Peter Gøtzsche, Manual de Psiquiatria Crítica. Neste blog, ele discute os problemas com estudos observacionais e outras falhas em pesquisas sobre TDAH. A cada quinze dias, uma nova seção do livro será publicada e todos os capítulos estão arquivados aqui

 

Distúrbios afetivos

Para distúrbios afetivos, alguns autores expressaram menos certeza do que para esquizofrenia. Em um dos manuais didáticos de psiquiatria, os autores afirmaram que o risco de desenvolver distúrbio afetivo aumenta de 3 a 4 vezes se um dos pais estiver deprimido19:210 e o risco de desenvolver bipolaridade aumenta de 4 a 6 vezes se um parente de primeiro grau for bipolar,19:216 mas também admitiram que é muito difícil separar o que é hereditário e o que é ambiental e investigar se as mudanças são causa ou consequência do quadro depressivo.19:210

Um importante fator de risco para se tornar deprimido não tem nada a ver com a psiquiatria biológica, mas simplesmente viver uma vida deprimente da qual você sente que não pode escapar. Havia muito pouca informação nos livros sobre isso. Um deles dizia que o estresse, as condições de vida e o trauma podem desempenhar um papel nos distúrbios afetivos, mas não o quanto, em contraste com suas afirmações sobre o papel dos genes, que era de 50%.17:353 Outro mencionou o trauma, especialmente em relação ao primeiro episódio maníaco,18:113 e um terceiro mencionou abuso emocional, negligência e abuso físico na proporção de 9 a 12.16:263 Também observou que esteróides, pílulas anticoncepcionais e drogas bloqueadoras de estrogênio aumentam o risco de depressão, mas não houve menção de que drogas psiquiátricas, por exemplo, os benzodiazepínicos, pílulas para depressão e drogas para TDAH também podem causar depressão,7,8,11,34,44,45 embora isso seja altamente relevante, dado seu uso generalizado.

Este foi um problema geral encontrado nos manuais didáticos de psiquiatria. Eu dei outro exemplo logo acima dos psiquiatras protegendo seus interesses corporativos ao não mencionarem que as drogas que eles usam podem causar os mesmos distúrbios que eles tentam tratar. Isso é desonesto e não ajuda em nada.

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TDAH e a possibilidade de erro dos estudos observacionais

Para o diagnóstico de TDAH, os fatores de risco incluíram consumo de tabaco, álcool ou cocaína pela mãe ao longo da gravidez; diminuição do crescimento intrauterino; exposição fetal a inseticidas, chumbo ou mercúrio; pré-eclâmpsia; nascimento prematuro; partos complicados com hipóxia; baixo peso no nascimento; infecções pós-natais; exposição a metais pesados; e possivelmente neuroinfecções.17:612,18:229

Foi alegado que, embora os fatores ambientais possam contribuir, eles desempenham um papel menor.18:229

Deve-se sempre lembrar que tais afirmações sobre causalidade vêm de estudos observacionais. Eles podem, portanto, não estar corretos, mas não notei nenhuma ressalva nos livros quanto a isso.

Em contraste, os principais pesquisadores em epidemiologia têm fortes reservas sobre o que seus colegas publicam. Os estudos observacionais são repletos de dificuldades, o que é fácil de perceber se olharmos para a pesquisa nutricional.46 Pessoas que comem pouca fruta e vegetais ou bebem mais do que outras, não podem ser comparadas a vegetarianos e abstêmios. Eles diferem em diferentes pontos que podem influenciar sua longevidade. Portanto, se devemos acreditar no aconselhamento nutricional, ele deve vir de estudos randomizados e cuidadosamente conduzidos.

Se quisermos confiar em evidências observacionais, serão necessárias pesquisas de alta qualidade e a demonstração deve ser substancial porque há muito viés nesses estudos. Os principais epidemiologistas afirmaram que, por ser tão fácil ser enganado, resultados menos impressionantes são quase impossíveis de acreditar.47 Alguns disseram que mesmo um aumento de três vezes no risco não é persuasivo e que eles só podem ser persuadidos se o limite inferior do intervalo de confiança de 95% caia acima de um risco três vezes maior.

Quando examino as alegações feitas por psiquiatras consultando as suas fontes de estudo, quase sempre descubro que as alegações não podem ser comprovadas. Para mostrar como isso funciona, examinei um dos fatores de risco apontados para TDAH, o de baixo peso ao nascer. Encontrei imediatamente um artigo relevante pesquisando no Google TDAH baixo peso ao nascer que mencionava que “vários estudos relataram que crianças com peso baixo ou extremamente baixo peso ao nascer têm 3,8 vezes mais chances de atender aos critérios diagnósticos de TDAH”. Isso é uma má ciência. Se descrevemos vários estudos, não devemos escolher aquele com o resultado mais extremo, mas devemos dizer o que eles mostram em média, ou qual foi o resultado mediano.

Os autores citaram quatro estudos e eu procurei o primeiro. Ele incluiu 137 crianças com muito baixo peso ao nascer (MBPN) que foram comparadas aos 12 anos com uma amostra de pares combinados para vários sintomas psiquiátricos.49 O principal risco era o TDAH, diagnosticado em 31/136 (23%) das crianças MBPN, em comparação com 9/148 (6%) dos pares.

A razão de risco era 3,75, mas calculei que o intervalo de confiança de 95% passou de 1,85 para 7,58. Isso significa que o risco real de obter um diagnóstico de TDAH é provavelmente entre 2 e 8 vezes maior para crianças MBPN do que para crianças normais.

Supondo que o resultado esteja correto, o que não podemos saber, já que os resultados positivos são publicados com mais frequência do que os negativos (e por acaso selecionei o mais positivo), podemos calcular o tamanho que o estudo deveria ter se o limite inferior do intervalo de confiança excedesse 3. O limite inferior torna-se 3, se eu multiplicar todos os números por 10. Assim, o estudo deveria ter sido 10 vezes maior para despertar o interesse dos principais epidemiologistas.

Este é um problema geral com estudos observacionais. Eles geralmente são muito pequenos e considerando seus vieses inerentes com o risco adicional de publicação seletiva de resultados que por acaso são positivos, pode-se considerar que a maioria dos resultados de estudos observacionais seja enganosa. Mesmo que os estudos sejam muito grandes, eles geralmente são enganosos, pois não podemos eliminar os vieses, não importa o quanto tentemos ajustá-los estatisticamente.

O estudo MBPN foi tendencioso. Uma tabela mostrou que os pais de crianças com muito baixo peso eram socioeconomicamente desfavorecidos em comparação com o grupo controle. Além disso, os autores notaram que pais com distúrbios psiquiátricos eram mais propensos a ter filhos que também eram vulneráveis ​​a problemas psicológicos; que as mães de crianças com muito baixo peso eram mais deprimidas do que as mães de outros bebês; e que a maioria das crianças MBPN teve acesso limitado às mães durante os primeiros seis meses de vida. Os autores consideraram esse fato particularmente interessante. Eu também, pois essa poderia ser a explicação para suas descobertas e não o baixo peso ao nascer.

Não é possível ajustar de forma confiável essas diferenças com métodos estatísticos. Um estudo engenhoso, no qual um estatístico usou dados brutos de dois ensaios multicêntricos randomizados como base para estudos observacionais que poderiam ter sido realizados, mostrou que quanto mais variáveis ​​forem incluídas em uma regressão logística mais longe provavelmente chegaremos da verdade.50 O estatístico também descobriu que as comparações às vezes podem ser mais tendenciosas quando os grupos parecem passíveis de comparação ​​do que quando não o são; que os métodos de ajuste raramente conformam adequadamente a diferença no case-mix; e que todos os métodos de ajuste podem ocasionalmente aumentar o viés sistemático. Ele alertou que nenhum estudo empírico jamais mostrou que o ajuste, em média, reduz o viés.

Seu estudo pode ser o mais importante que encontrei em toda a minha carreira. Mas eu não encontrei um único pesquisador que não o conhecesse pessoalmente e que estivesse ciente de seus resultados altamente importantes.

Isso não quer dizer que os estudos observacionais não possam ser úteis. Muitas coisas não podem ser estudadas em ensaios randomizados e, portanto, não temos outra opção senão fazer pesquisa observacional. Mas é inaceitável que os manuais didáticos de psiquiatria quase sempre descrevam os resultados de tais estudos como se representassem a verdade, sem ressalvas.

Outras falhas na pesquisa de TDAH

Um do manuais didáticos forneceu a informação preocupante de que o TDAH é definido arbitrariamente como uma extremidade de uma curva de distribuição normal e que o desenvolvimento do cérebro é atrasado, mas não qualitativamente diferente daquele em crianças saudáveis.18:229

Se isso estiver correto, esperaríamos que mais crianças da mesma classe escolar nascidas em dezembro tivessem um diagnóstico de TDAH e estivessem em tratamento medicamentoso do que aquelas nascidas em janeiro, pois tiveram 11 meses a menos para desenvolver seus cérebros. Este é exatamente o caso. Um estudo canadense com um milhão de crianças em idade escolar mostrou que a prevalência de crianças em tratamento medicamentoso aumenta de forma bastante linear nos meses de janeiro a dezembro51 e que 50% a mais dos nascidos em dezembro estavam em tratamento.

Existem outros estudos que mostram o mesmo. Isso significa que, se tratarmos as crianças com um pouco de paciência que lhes permita crescer e amadurecer, menos crianças obteriam um diagnóstico de TDAH.

O diagnóstico surge principalmente a partir de queixas de professores e os pais costumam ouvir que seus filhos não podem voltar à escola a menos que estejam tomando um medicamento para TDAH. Um clínico geral me disse que uma professora havia enviado a maioria de seus alunos para exame por suspeita de TDAH.7:138 Claramente ela é quem era o problema, não as crianças, mas assim que as crianças são definidas com TDAH, isso alivia todos de qualquer responsabilidade ou incentivo para consertar a bagunça que criaram, seja na escola ou em casa.

Decidimos como sociedade que é muito trabalhoso ou caro modificar o ambiente das crianças, então, ao invés disso, modificamos o cérebro das crianças. Isso é cruel, como explicarei no Capítulo 9. Os Estados Unidos gastam mais de 20 bilhões de dólares por ano drogando crianças para o TDAH, o que é suficiente para pagar os salários de mais 365.000 professores em meio de carreira.52 E isso aumenta cada vez mais. O número de crianças com diagnóstico de TDAH aumentou 41% em apenas 8 anos, de 2003 a 2011.53

Apenas um dos livros didáticos mencionou algum dos estudos importantes sobre a prevalência do diagnóstico de TDAH em classes escolares de acordo com a idade.17:51 A crença na falsa história de que o TDAH é uma doença cerebral é tão forte que é quase impossível corrigir a narrativa prejudicial.

A doutrinação é muito eficaz. Em 2022, um dos meus colegas deu uma palestra sobre pensamento crítico para residentes de psiquiatria. Ele pediu que revisassem três estudos.

Um estudo mostrou que 16% daqueles com diagnóstico de TDAH tinham anormalidades genéticas (variantes do número de cópias) em comparação com 7% no grupo controle.54 Os pesquisadores concluíram que o TDAH era uma doença genética. Os residentes foram questionados se essa pequena diferença era significativa e poderia ser aplicada ao TDAH como categoria diagnóstica.

O segundo estudo procurou uma anormalidade genética nos distúrbios neuropsiquiátricos, esse mesmo estudo é frequentemente citado por fornecer evidências disso.55 Os pesquisadores relataram que havia um componente genético comum envolvido na patogênese de cinco distúrbios neuropsiquiátricos. Um dos distúrbios era o TDAH. Eles descobriram que aqueles com TDAH eram três vezes mais propensos a ter essa anormalidade. Mas se você combinar os dados das duas tabelas, descobrirá que apenas 0,3% tinham a anormalidade genética, portanto 99,7% não a tinham. Mas como apenas 0,1% dos participantes do grupo controle o tinham, a razão de chances se tornou três.

O terceiro estudo descobriu que crianças com diagnóstico de TDAH têm cérebros menores do que outras crianças.56 O tamanho do efeito foi de 0,1, o que significa que os pacientes com o diagnóstico têm 47% de chance de ter um cérebro maior que o normal.57 O tamanho do efeito também é chamado de tamanho de efeito padronizado. É o efeito dividido pelo desvio padrão das medições. Isso permite comparações de medições em escalas diferentes, mas semelhantes. Se, por exemplo, uma escala tiver um alcance 10 vezes maior do que outra escala, o desvio padrão também será 10 vezes maior e os tamanhos de efeito podem, portanto, ser combinados em meta-análises.

Os residentes enfatizaram que as diferenças genéticas eram altamente significativas e disseram que o estudo do volume cerebral sugeria que o TDAH era uma doença do neurodesenvolvimento.

Meu colega ficou pasmo. Ele disse aos residentes que os dados mostravam que quase todas as crianças diagnosticadas com TDAH não tinham anormalidades genéticas; que a razão de chances para o estudo de cinco distúrbios não tinha sentido; e que o estudo do volume cerebral mostrou que houve uma sobreposição de 96% entre crianças com diagnóstico e crianças sem.57

Os residentes então ficaram hostis. O palestrante não entendeu que o TDAH e os outros distúrbios eram distúrbios biológicos, que eram doenças como diabetes ou câncer?

Meu colega tinha visto muita insanidade na psiquiatria, mas ele me disse que essa era a coisa mais desesperadora que ele já havia experimentado. É assustador que essas pessoas devam cuidar de pacientes psiquiátricos de maneira baseada em evidências. Eles claramente não são capazes de fazer isso, pois exige que se tenha um conhecimento mínimo de ciência.

O estudo que afirmava que crianças com diagnóstico de TDAH têm cérebros pequenos foi amplamente condenado. Lancet Psychiatry dedicou uma edição inteira às críticas ao estudo. Allen Frances, presidente da força-tarefa do DSM-IV (DSM é o Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais, publicado pela Associação Psiquiátrica Americana), e Keith Conners, um dos primeiros e mais famosos pesquisadores do TDAH, reanalisaram os dados e não encontraram diferenças cerebrais.58

Os pesquisadores do artigo original escreveram na discussão que “nossos resultados provenientes de análises altamente avançadas confirmam que os pacientes com TDAH realmente têm cérebros alterados, ou seja, que o TDAH é um distúrbio do cérebro. Esta é uma mensagem clara para os médicos transmitirem aos pais e pacientes, o que pode ajudar a reduzir o estigma de que o TDAH é apenas um rótulo para crianças difíceis e causado por pais incompetentes.”56

A estupidez nesta mensagem é de partir o coração. Um dos críticos do artigo escreveu no Lancet Psychiatry que “não faz sentido informar que uma criança com TDAH tem um distúrbio cerebral”.59 Claro que não. Não é verdade, e não reduz o estigma, contar essas bobagens para médicos, pais e filhos; aumenta o estigma.

A Academia Americana de Psiquiatria Infantil e Adolescente escreve em sua página inicial:60 “O TDAH é um distúrbio cerebral. Os cientistas mostraram que existem diferenças nos cérebros de crianças com TDAH… algumas estruturas no cérebro de crianças com TDAH podem ser menores do que as áreas do cérebro em crianças sem TDAH.”

Em setembro de 2021, a Declaração de Consenso Internacional da Federação Mundial (The World Federation of ADHD International Consensus Statement) de TDAH foi publicada. 61 Ela apresentava o que os autores chamam de “208 conclusões baseadas em evidências sobre o distúrbio”, mas várias delas estavam incorretas, por exemplo “Quando feito por um clínico licenciado, o diagnóstico de TDAH é bem definido e válido” e o tratamento com medicamentos para TDAH reduz o abuso de substâncias, o baixo desempenho educacional e a atividade criminosa (ver Capítulo 9).

Havia 80 autores, então a maioria deles não pode ter contribuído muito para o artigo. Eles não especificaram quais contribuições cada um fez, mas muitos deles tinham vários conflitos de interesse em relação à indústria farmacêutica. O artigo afirmou que existe uma “causa poligênica para a maioria dos casos de TDAH, o que significa que muitas variantes genéticas, cada uma com um efeito muito pequeno, combinam-se para aumentar o risco do distúrbio. O risco poligênico de TDAH está associado à psicopatologia geral … e a vários distúrbios psiquiátricos”.

A grande decepção dos médicos e do público ocorre, entre outros motivos, porque diferenças muito pequenas de grupos em relação ao grupo controle são representadas como anormalidades encontradas em indivíduos diagnosticados com TDAH, embora os dados do estudo, quando devidamente analisados, mostrem que isso não é verdade. 57 Depois que os dados são revisados, fica claro que décadas de pesquisa sobre possíveis anormalidades em genes, volume cerebral e substâncias químicas cerebrais resultaram negativas.

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Para ver a lista de todas as referências citadas, clique aqui.

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Mad in Brasil (Texto original do site Mad in America ) hospeda blogs de um grupo diversificado de escritores. Essas postagens são projetadas para servir como um fórum público para uma discussão – em termos gerais – da psiquiatria e seus tratamentos. As opiniões expressas são próprias dos escritores.


 

Tradução de Leticia Paladino : Graduada em Psicologia pela UERJ, doutoranda em Saúde Pública pela ENSP/Fiocruz, mestre em Saúde Pública pela ENSP/Fiocruz e especialista em Saúde Mental e Atenção Psicossocial pela ENSP/Fiocruz.  Pesquisadora e Colaboradora do Laboratório de Estudos e Pesquisas em Saúde Mental e Atenção Psicossocial (LAPS/ENSP/Fiocruz).


 

História e loucura: relação entre museus e luta antimanicomial é tema de debate

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No dia 22 de maio de 2023 foi divulgado a reportagem “História e Loucura: memórias e construção da cidadania e dos direitos humanos”, reportagem esta que aborda a relação entre museus e a luta contra o paradigma manicomial, assim como a importância da arte e cultura na mudança do modelo assistencial em psiquiatria, assuntos que foram pautados na aula inaugural do curso de Especialização em Saúde Mental e Atenção Psicossocial coordenado pelo Laboratório de Estudos e Pesquisas em Saúde Mental e Atenção Psicossocial (LAPS/ENSP). A atividade aconteceu no dia 18 de maio, no Museu da República, dia que muito importante já que é comemorado o Dia Nacional da Luta Antimanicomial e o Dia Internacional dos Museus.

A mesa foi composta por Hermano Castro, vice-presidente de Ambiente, Atenção e Promoção da Saúde da Fiocruz,  a vice-diretora de Ambulatórios e Laboratórios da ENSP, Fátima Rocha, representando o diretor da ENSP, Marco Menezes, a Presidente da ABRASME e Coordenadora do LAPS – ENSP/Fiocruz, Ana Paula Guljor, a Diretora do Museu Bispo do Rosário e ex-aluna do curso, Maria Raquel Fernandes, a coordenadora da Museologia do Museu de Imagens do Inconsciente, Priscilla Moret, o Pesquisador Sênior do LAPS/ENSP/Fiocruz e Presidente de Honra da Associação Brasileira de Saúde Mental/ABRASME, Paulo Amarante e o museólogo e diretor do Museu da República, Mario Chagas. A atividade foi moderada pela educadora do Museu da República, Christine Azzi.

Foram mencionados assuntos de extrema importância, relembrando a memória da psiquiatra que revolucionou o tratamento psiquiátrico no Brasil, Nise da Silveira, e da ativista e vereadora Marielle Franco, assassinada em 2018, a forma como a área da Saúde Mental foi atingida pelas políticas de desmonte implantadas nos últimos anos. A importância para a realização da aula inaugural no Museu da República, por ser um espaço popular, democrático e histórico:

“Se trata de olhar um país tão desigual e violento historicamente, com tantos desafios no campo. Estar aqui traz esse simbolismo da marca da mudança na área da Saúde Mental e da Reforma Psiquiátrica. É importante olharmos para esse passado para não esquecermos. É o momento de refletirmos sobre a necessidade de memória, liberdade, justiça, reparação e democracia. Temos que buscar isso permanentemente, em vários campos, não somente no da luta antimanicomial”. Fátima Rocha

Foi mencionado por Ana Paula Guljor a importância do curso que se insere nos processos da Reforma Psiquiátrica, e integram atividades e experiências de arte e cultura e inserção de temáticas como sustentabilidade e inclusão, visando não somente a formação profissional, mas também a ampliação de um pensamento crítico e a observação da importância de uma atuação política.

Foi abordado também o processo de construção e constituição do museu ao longo de seus mais de 40 anos, A instituição está localizada na Colônia Juliano Moreira, onde, antes, abrigava um manicômio. Narrando a mudança e os avanços no conceito de cuidado em Saúde Mental, Maria Raquel contou como, ao longo do tempo, se deu o processo de ressignificação do território, desde quando era manicômio até se tornar museu.

Paulo Amarante, destacou a realização da aula inaugural no Museu da República como uma oportunidade importante de estreitar o diálogo entre dois campos de luta pela memória, reparação e história. Ele também chamou a atenção para o papel fundamental do Museu da República na história e como espaço de liberdade, democracia, resistência e sonhos.

“Nossa luta não é somente pela mudança de modelo assistencial em psiquiatria. Não é só superar os manicômios. Não basta mudar o modelo assistencial, precisamos falar com a sociedade, dialogar com ela. Nesse sentido, a memória, a história e os museus têm papel fundamental, assim como a arte e a cultura. Nós temos que transformar a forma como a sociedade pensa a ideia de loucura” Paulo Amarante.

Para ler a reportagem completa acesse:

https://informe.ensp.fiocruz.br/noticias/54131

E para assistir a aula inaugural completa acesse:

https://www.youtube.com/watch?v=PT3ssij76Zw

Alguém sobrevoou o ninho do consenso científico¹ – a história do Dr. Ophir e do TDAH

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Por Yaffa Shir-Raz, PhD

Quando criança, Jacob fazia tudo certo. Ele estudou nas melhores escolas, teve as melhores notas e chegou às melhores universidades. Logo Jacob se tornou o Dr. Yaakov Ophir – um psicólogo clínico licenciado e um jovem e promissor acadêmico do Technion – Instituto de Tecnologia de Israel. Com mais de 20 artigos científicos publicados (em inglês) e dezenas de entrevistas na mídia (em hebraico), Dr. Ophir voou com segurança rumo à terra promissora da academia. Tudo isso era verdade até que ele acidentalmente pisou em uma mina terrestre. Após o diagnóstico de seu filho primogênito com Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH), há sete anos, ele começou a investigar as origens e a validade científica desse diagnóstico comum na infância, e o que descobriu mudou sua vida. Literalmente.

Dr. Ophir descobriu muitos furos na narrativa médica dominante, conflitos flagrantes de interesses e práticas de encobrimento realmente estranhas que não se alinhavam com o que ele pensava que era a ciência. Para ele, a palavra ‘ciência’ costumava ter uma conotação sagrada. A academia era um templo para a verdade e integridade. Então ele decidiu compartilhar suas revelações com o mundo. Mal sabia ele que estava acordando um monstro brutal.

Sendo transparente, Dr. Ophir é um amigo próximo meu. Ainda assim, prometo contar sua história como aconteceu. Lembro-me vividamente das difamações pessoais e ataques cruéis que ele sofreu três anos atrás, quando nos conhecemos. Ophir ousou se afastar do ninho caloroso do consenso e expressar sua crítica instigante sobre o TDAH e seus medicamentos (Ritalina, Adderall e similares) e foi imediatamente acusado de ser um pseudocientista e um perigo para o público.

“Parecia que alguém tinha arrancado de mim meus títulos profissionais e acadêmicos e me dado um soco direto no estômago”, ele me lembrou quando o entrevistei recentemente sobre seu livro recém-publicado sobre o assunto. Verdade seja dita, eu realmente não precisava desse lembrete. Eu estava lá quando o Dr. Ophir levou ‘um soco no estômago’, muito antes de se tornar o autor reconhecido da “refutação abrangente do consenso científico sobre o TDAH“. Mas quando ele me contou essa história novamente, eu me encolhi de constrangimento como na primeira vez que a ouvi.

“Na verdade, eles foram atrás da minha licença”, disse ele com um suspiro sobrecarregado. “Eu era um jovem psicólogo e de repente recebi uma carta formal de advertência do Ministério da Saúde de Israel. Esta carta dizia que uma notável especialista na área apresentou uma queixa na qual ela me acusa de distorcer a ciência e enganar o público. Foi realmente assustador. Naquela época, eu não sabia que essa prática de bullying era comum. Eu estava preocupado em perder minha licença junto com minhas outras credenciais acadêmicas. Você provavelmente se lembra que eu previ algum embate com o sistema, mas não estava preparado para tamanha batalha de vida ou morte profissional”.

“Mas quais eram os argumentos deles”? perguntei ao Dr. Ophir. “Com que base eles foram atrás de sua licença”? “Você mesma deveria ler a carta”, ele respondeu. “Sua linguagem é absurda. Eu não podia acreditar que uma cientista respeitado a escreveu. Era superficial, hostil e cheia de erros factuais, como se tivesse sido escrita por uma criança zangada que teve seu jogo favorito tirado dela. A especialista reclamante não forneceu nenhuma resposta substantiva às lacunas científicas que levantei em meus artigos. Em vez disso, distorceu o conteúdo de meus escritos e colocou palavras em minha boca, que eu nunca disse. Foi realmente inacreditável. A carta de reclamação apresentava citações do Dr. Ophir usando aspas formais, mas essas citações nunca foram escritas por mim em nenhum dos meus artigos! Eu disse ao Ministério da Saúde: ‘Isso é muito fácil. Basta copiar essas citações e procurá-las em meus artigos. Você vai ver que elas não existem’”.

“Mas se deixarmos de lado o estilo violento dessa reclamação”, insisti, “você já parou para pensar se suas opiniões são realmente perigosas? Pode ser que tantos especialistas em TDAH estejam errados?” “Eu não tive escolha a não ser me fazer essas perguntas críticas”, Dr. Ophir admite com pesar. “A carta intimidadora do Ministério da Saúde me obrigou a sentar e ler toneladas de literatura. Eu tinha que responder a essas acusações infundadas e tinha que ter certeza de que estava dando aos meus leitores informações científicas tão precisas e confiáveis ​​quanto possível. De uma forma estranha, devo agradecer a especialista que apresentou a denúncia. Sua carta impulsionou meus esforços científicos neste campo. Após sua denúncia, desloquei meus esforços da esfera pública para as esferas profissional e científica. Eu iniciei minha própria pesquisa e revisões críticas sobre este assunto e reuni uma quantidade enorme de conhecimento, que eventualmente levou à publicação deste livro científico completo.”

the psychologist is recording data obtained from patient interviews and prepare medical steps.

 

 

O livro sobre o qual o Dr. Ophir fala é bastante notável. O título do livro diz tudo. O TDAH não é uma doença e a Ritalina não é uma cura: uma refutação abrangente do (suposto) consenso científico. “O consenso é uma ilusão”, explica. “É por isso que eu tive que adicionar a palavra ‘suposto’ no título. Há um longo e intenso debate sobre esse assunto. Os especialistas em TDAH estão bem cientes desse simples fato histórico, mas se você ousar contestar a validade do distúrbio ou a legitimidade de seu tratamento farmacológico de primeira linha, eles negarão a própria existência da controvérsia. Esta é uma forma sofisticada de gaslighting. Não é de admirar que os críticos do TDAH sejam rotulados como loucos. Mas temos que nos libertar disso. Não podemos permitir-nos render-nos à tirania científica.

“Você está bem ciente do fato de que a cada segundo, ou três, famílias nos Estados Unidos tem uma criança que pode receber esse diagnóstico inventado de TDAH. Você sabe muito bem que muitos pais sentem intuitivamente que algo está errado – ou que seus filhos são perfeitamente saudáveis ​​ou que não deveriam ser medicados com drogas tão poderosas. Esses pais enfrentam extrema pressão para obedecer aos sistemas médico e educacional e são submetidos aos mesmos métodos de gaslighting. Eles estão sendo levados a acreditar que seus filhos têm um desequilíbrio bioquímico no cérebro, que deve ser tratado com medicamentos todos os dias, como usar óculos. Estou ciente de que o que estou prestes a dizer pode soar um pouco ingênuo, mas sinto que se esses pais apenas lessem meu livro, eles poderiam usá-lo como uma espada científica em sua batalha contra o sistema; em sua batalha pelo bem-estar de seus filhos.”

“Mas seu livro é essencialmente científico. Os pais leigos podem entender um livro tão acadêmico? perguntei ao Dr. Ophir. “Você está certa”, ele respondeu, “mas meu público imaginário enquanto escrevia este livro sempre foram meus colegas pais que ficaram surpresos ao descobrir, como eu fiquei seis anos atrás, que seus filhos normais têm um ‘distúrbio vitalício do cérebro’. Claro, eu tinha que aderir às normas acadêmicas e ao rigor científico, mas fiz tudo ao meu alcance para tornar a ciência disponível para a maioria dos leitores usando uma linguagem simples e histórias da vida real”.

Eu sei. Minha amizade com o Dr. Ophir não me permite julgar com neutralidade o seu livro. No entanto, devo compartilhar que minha leitura dele voou sem esforço como um pardal. Fui capturada pelo ritmo e autenticidade do livro desde o primeiro conto de abertura e fiquei fascinada por sua estrutura brilhante e sabedoria nítida, mas simples. Seu livro, claro, não visa substituir uma consulta particular com um profissional de saúde mental, mas abre a porta para informações que estão sendo deliberadamente escondidas de nós. O livro revela, por exemplo, que a ciência nunca forneceu evidências convincentes de que os medicamentos para TDAH são eficazes a longo prazo. Pelo contrário, o uso prolongado desses medicamentos populares é bastante perigoso.

Essencialmente, o que o Dr. Ophir faz neste livro é expor os numerosos buracos científicos que existem na teoria dogmática sobre o TDAH e descobrir as pobres ‘ataduras’ que foram coladas descuidadamente para esconder esses buracos. “Quando você tira as demandas escolares da equação”, diz ele, “você vê que o TDAH não é uma doença. Na grande maioria dos casos, é um traço completamente normativo que tem, como todos os outros traços humanos, prós e contras”.

Portanto, não fiquei nem um pouco surpresa ao ler as resenhas acadêmicas que o livro recebeu. O neurocientista cognitivo e Professor Emérito Richard Silberstein, da Swinburne University, considerou-o “um dos livros mais importantes sobre o tema do TDAH publicado nos últimos 30 anos”. Thom Hartman, intelectual americano, viu este livro como “uma obra-prima absoluta, um trabalho que deveria estar nas mãos de todos os médicos da América”. Finalmente, o professor Sami Timimi, o influente psiquiatra britânico, roubou meus próprios pensamentos: “Dr. Ophir mostra as habilidades forenses de um cientista e as habilidades de escrita de um contador de histórias… Ele escreve com sagacidade, perspicácia e uma profunda humanidade e compaixão pela vida dos jovens… É uma leitura obrigatória para qualquer pessoa interessada neste tópico… Quer seja um pai, uma pessoa com o diagnóstico, um professor ou um profissional da área de saúde mental, todos obterão algo valioso ao reservar um tempo para ler este livro maravilhoso”.

E aqui estão meus pensamentos com base em minha própria experiência com o discurso científico e médico: quando forças imensas são direcionadas para silenciar cientistas, muitas vezes é um sinal de que esses cientistas que deveriam ser silenciados têm algo terrivelmente importante a nos dizer. E se alguns cientistas estão dispostos a arriscar seu nome e sobrevoar o ninho do consenso, isso não significa que enlouqueceram. Provavelmente significa que a liberdade de pensamento está em perigo e que é nosso dever sagrado restaurá-la e preservá-la.

A resposta do Dr. Ophir à carta de reclamação:https://drive.google.com/file/d/1Tk4_IMDIkhrL5unI82OYc6yEQ8pu6A8d/view?usp=sharing  

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Mad in America hospeda blogs de um grupo diversificado de escritores. Essas postagens são projetadas para servir como um fórum público para uma discussão – em termos gerais – da psiquiatria e seus tratamentos. As opiniões expressas são próprias dos escritores.


Tradução de Leticia Paladino : Graduada em Psicologia pela UERJ, doutoranda em Saúde Pública pela ENSP/Fiocruz, mestre em Saúde Pública pela ENSP/Fiocruz e especialista em Saúde Mental e Atenção Psicossocial pela ENSP/Fiocruz.  Pesquisadora e Colaboradora do Laboratório de Estudos e Pesquisas em Saúde Mental e Atenção Psicossocial (LAPS/ENSP/Fiocruz).


 

¹ No título original One Flew Over the Scientific Consensus’ Nest faz referência ao livro e ao filme One flew over the cuckoo’s nest, que em português foram traduzidos como Um estranho no ninho. One flew over the cuckoo’s nest é uma expressão que em inglês significa estar próximo da loucura ou mesmo louco.

Manual de Psiquiatria Crítica, Capítulo 2: Os Distúrbios Psiquiátricos são Essencialmente Genéticos ou Ambientais? (Parte Um)

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3D illustration Virus DNA molecule, structure. Concept destroyed code human genome. Damage DNA molecule. Helix consisting particle, dots. DNA destruction due to gene mutation or experiment

By Peter C. Gøtzsche, MD

Nota do editor: Nos próximos meses, o Mad in Brasil publicará uma versão serializada do livro de Peter Gøtzsche, Manual de Psiquiatria Crítica. Neste blog, ele discute como os manuais retratam o TDAH e a esquizofrenia como distúrbios genéticos, apesar de evidência muito mais forte de fatores ambientais na causa dessas experiências. A cada quinze dias, uma nova seção do livro será publicada e todos os capítulos estão arquivados aqui

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Os autores de manuais didáticos se preocupam em dizer aos alunos que os transtornos psiquiátricos são hereditários. Obviamente, isso dá prestígio à especialidade. Faz parecer mais científico afirmar que os transtornos psiquiátricos estão nos genes e que podem ser vistos em uma varredura do cérebro ou na química do cérebro (veja o próximo capítulo). Mas mesmo que fosse verdade, não teria consequências clínicas, pois não podemos mudar nossos genes.

Explicarei neste capítulo por que as informações nos manuais didáticos sobre as causas dos transtornos psiquiátricos geralmente são altamente enganosas.

Ilustração em 3D da molécula de DNA

Primeiro, um fato preocupante. Muitos bilhões de dólares foram gastos pelo Instituto Nacional de Saúde Mental dos EUA (NIMH) para encontrar genes que predispõem a doenças psiquiátricas e suas causas biológicas. Isso resultou em milhares de estudos sobre receptores, volumes cerebrais, atividade cerebral e transmissores cerebrais. (7-231)

Nada de útil saiu desse enorme investimento além de histórias enganosas sobre o que a pesquisa mostrou. Isso poderia ter sido esperado desde o início. É absurdo, por exemplo, atribuir um fenômeno complexo, como depressão ou psicose ou déficit de atenção e hiperatividade, a um neurotransmissor quando existem mais de 200 desses transmissores no cérebro que interagem em um sistema muito complexo que não entendemos.(25)

O principal objetivo dos livros de psiquiatria é educar futuros clínicos. Eles não se tornarão melhores clínicos acreditando no que os manuais didáticos dizem sobre hereditariedade. Eles podem, de fato, tornar-se médicos inferiores. Se eles transmitirem aos pacientes que seu distúrbio é hereditário, eles podem tirar a esperança deles de se tornarem normais novamente. Os descendentes também podem ter medo de um dia vir a sofrer de um distúrbio psiquiátrico. Quando eu era jovem, a narrativa era que 10% das crianças com pais com esquizofrenia se tornariam esquizofrênicas, e as pessoas estava compreensivelmente preocupadas com a possibilidade de serem as próximas.

Isso não é coisa do passado. Uma de minhas colegas, a cineasta dinamarquesa Anahi Testa Pedersen, recebeu o diagnóstico errôneo de esquizotipia quando ficou estressada com um divórcio difícil. Muitos anos depois, ela ficou furiosa quando recebeu um telefonema de pesquisadores que queriam examinar sua filha em busca de possíveis sintomas, argumentando que os transtornos psiquiátricos são hereditários.

Se, em vez disso, os psiquiatras se concentrassem no ambiente em que os pacientes vivem e nos traumas que vivenciaram, haveria esperança de recuperação, pois o ambiente pode ser mudado e os traumas podem ser tratados com psicoterapia.

Os manuais não pouparam esforços. Eles falaram de avanços usando estudos de associação do genoma, (16:27,16:209,17:308) mas não há nenhum. Para a esquizofrenia e transtornos semelhantes, cada uma das várias centenas de genes identificados contribui muito pouco,(18:94) e juntos, os muitos loci¹ explicam apenas cerca de 5% da chamada hereditariedade.(16:210) Para o TDAH, foi a mesma coisa. Muitos genes diferentes foram encontrados, cada um dos quais contribui muito pouco.(18:229)

No entanto, os psiquiatras propagaram o mito da hereditariedade. Eles fizeram isso citando estudos realizados com irmãos gêmeos, que são um tipo de ciência muito rasa que produziu resultados não confiáveis. Os psiquiatras usaram o que chamei de truque OVNI.(26) É muito comum na ciência enganar seus leitores dessa maneira, e tudo se trata de não perder poder e prestígio e ser forçado a admitir que estava errado. Se você usar uma foto difusa para “provar” que viu um OVNI enquanto uma foto tirada com uma potente lente teleobjetiva mostrou claramente que o objeto é um avião ou um pássaro, você é um trapaceiro. Quando os estudos genéticos surgem de mãos vazias, não há razão para poluir livros psiquiátricos com artigos confusos sobre estudos com gêmeos, e não há razão para ler sobre eles.

O problema fundamental dos estudos com gêmeos é que os fatores hereditários e ambientais não podem ser separados, nem mesmo quando alguns dos gêmeos foram adotados e cresceram em outra família. A “suposição de ambiente igual” simplesmente não é sustentável.(27)

O Estudo de Minnesota, de 1990, sobre Gêmeos Criados Separados (MISTRA) ilustra essas questões. É uma parte influente da pesquisa de herdabilidade.(28) Publicado na Science, é fortemente citado como um dos cinco estudos essenciais que examinaram gêmeos monozigóticos (MZA ou idênticos) que foram considerados como tendo sido criados separadamente um do outro. O MISTRA se concentrou no quociente de inteligência (QI) e os pesquisadores concluíram que a inteligência é altamente hereditária e que muito pouco dela se deve à educação ou ao ambiente.

Em 2022, 32 anos depois, esse estudo foi desmascarado.(29) As publicações do MISTRA deixaram de fora dados essenciais. Quando esses dados foram incluídos, o MISTRA falhou em demonstrar que o QI é hereditário.

Um dos principais problemas foi que o grupo de controle – gêmeos dizigóticos (DZA ou fraternos) criados separados – foi omitido da publicação. Obviamente, se os gêmeos MZA tiverem QIs semelhantes, mas os gêmeos DZA não, isso dará credibilidade à noção de que o QI é hereditário. Os pesquisadores escreveram na Science que o uso de pares gêmeos MZA e DZA “fornece o método mais simples e poderoso para separar a influência de fatores ambientais e genéticos”.

Eles até notaram que esse aspecto de sua pesquisa a tornava superior à pesquisa anterior. Então, por que eles não incluíram os dados DZA? Eles alegaram que isso se devia a limitações de espaço e ao pequeno tamanho da amostra. Nada disso estava correto, e o tamanho da amostra era muito grande para tais estudos e mais do que suficiente.

A razão provável para a omissão é que, quando os dados de ambos os conjuntos de gêmeos são incluídos, não há diferenças significativas entre os grupos e, portanto, todo o argumento desmorona.(29) Se a correlação MZ média não exceder a correlação DZ para uma característica particular, a influência genética não foi demonstrada.

Surpreendentemente, publicações posteriores do grupo MISTRA até descobriram que os gêmeos fraternos eram mais semelhantes do que os gêmeos idênticos, mas os pesquisadores descartaram essa descoberta em uma nota de rodapé, chamando-a de “variabilidade de amostragem”.(28) Isso provavelmente está correto, mas os pesquisadores impediram que os críticos revisassem seus dados, garantindo que ninguém pudesse testar se suas conclusões eram justificadas.

Isso parece fraude. Aqui está uma tabela reveladora com as correlações da reanálise de 2022 dos dados que se tornaram disponíveis:

74 MZA pares 52 DZA pares P-valor
Correlações de QI de Wechsler (WAIS) 0.62 0.50 0.17
Correlações de QI das Matrizes Progressivas de Raven 0.55 0.42 0.18

 

Existem muitas limitações importantes dos estudos com gêmeos criados separados, incluindo: (29)

  • Gêmeos não são realmente separados no nascimento. Nesses estudos, 33% foram separados após um ano ou mais crescendo juntos;
  • 75% dos pares de gêmeos ainda tiveram contato enquanto cresciam;
  • Mais da metade (56%) foi criada por um familiar próximo;
  • Em 23% dos casos, os gêmeos acabaram sendo criados juntos novamente em algum momento ou morando ao lado um do outro.

Uma das limitações mais sérias de tais estudos é que os gêmeos não foram selecionados aleatoriamente ou acompanhados desde o nascimento. Em vez disso, os participantes eram adultos que já haviam se reconectado, notado semelhanças e decidido participar de um estudo que demonstrava a hereditariedade. Em muitos casos, esses gêmeos acabaram fazendo parte do estudo depois de já terem sido promovidos na mídia como sendo notavelmente semelhantes. Isso significa que os participantes eram um grupo auto-selecionado de pessoas que se consideravam semelhantes, que estiveram em contato umas com as outras e geralmente não foram totalmente separadas.

Com algumas exceções, os autores dos manuais de psiquiatria engoliram tudo, sem nenhuma reflexão crítica. Aqui estão alguns exemplos do que dizem esses livros:

Para esquizofrenia e distúrbios semelhantes, a taxa de risco é 50 vezes maior para um gêmeo idêntico do que para outras pessoas;(16:207) a hereditariedade é de 80% (18:94,19:225), mas a taxa de concordância em gêmeos monozigóticos é de apenas 50%. (19 :225) Desafia a razão como a herdabilidade pode ser maior do que a encontrada em gêmeos monozigóticos, que são 100% idênticos.

Outro livro mencionou que um estudo finlandês contradiz esses resultados.(17:41) De acordo com o manual, descobriu-se que crianças adotadas com pais com esquizofrenia só apresentavam um risco maior se fossem adotadas por uma família disfuncional. O artigo finlandês é difícil de ler, (30) mas mostra claramente que é importante se houver problemas de saúde mental na família adotiva.

Para transtornos afetivos (depressão e mania), a concordância foi de 75% para monozigóticos e 50% para gêmeos dizigóticos em um dos manuais,(18:113) mas apenas 33% foi relatada para depressão em outro.(16:261)

Para bipolar, 80% dos casos foram explicados pela genética;(16:294) para autismo e TDAH 60-90%;(20:11,20:467,18:229,17:612) e para transtorno obsessivo compulsivo (TOC) 50%.(20:482)

Não nego que, até certo ponto, a maneira como pensamos e nos comportamos está em nossos genes. Durante a evolução, a seleção natural favoreceu a sobrevivência de pessoas que, em situações de perigo ou estresse, se comportaram de forma a aumentar suas chances de sobrevivência. Assim, os traços de personalidade são parcialmente hereditários e não é surpreendente que, se um menino em uma família é enérgico e impaciente, a chance de seu irmão também ser enérgico e impaciente está acima da média, e ambos podem receber um diagnóstico de TDAH.

No entanto, isso não torna o TDAH hereditário. O TDAH não é algo que existe na natureza e pode ser fotografado como uma girafa ou um câncer. É uma construção social que as pessoas, inclusive os psiquiatras, costumam esquecer. Um livro observou, por exemplo, que as mulheres com TDAH são atingidas com mais força do que os homens pelo TDAH na idade adulta.(17:612) O fantasma ganhou vida e agora é uma coisa real que pode atingir as pessoas como um carro.

Devemos abandonar tais equívocos. Portanto, evito usar a expressão “pessoas com TDAH” e digo “pessoas com diagnóstico de TDAH”.

Uma das vezes que dei uma palestra para a organização Better Psychiatry, uma mulher na platéia disse: “Eu tenho TDAH”, ao que respondi: “Não, você não tem. Você pode ter um cachorro, um carro ou um namorado, mas não pode ter TDAH. É uma construção social”.

Expliquei que é apenas um rótulo. As pessoas tendem a pensar que obtêm uma explicação para seus problemas quando os psiquiatras lhes dão um nome, mas esse é um raciocínio circular. Paul se comporta de uma certa maneira, e daremos um nome a esse comportamento, TDAH. Paul se comporta dessa maneira porque tem TDAH. É impossível argumentar dessa maneira.

Muitas vezes brinquei durante minhas palestras que também precisamos de um diagnóstico para aquelas crianças que são muito boas em ficar quietas e não se fazem ver ou ouvir em sala de aula. Isso se tornou realidade, com a invenção do diagnóstico de TDA, transtorno de déficit de atenção, sem a hiperatividade.

A partir desse dia, brinquei sobre quanto tempo esperaremos antes de vermos também um diagnóstico para os intermediários. Então haverá uma droga estimulante para todos, e a indústria farmacêutica terá alcançado seu objetivo final, que ninguém escapará de ser drogado.

Esquizofrenia e transtornos relacionados

Como a esquizofrenia não parece ser hereditária, fiquei interessado em ver o que os manuais didáticos diziam sobre os fatores ambientais.

Como fatores causais, os livros observaram complicações pré-natais, complicações no parto, neuro infeções,(18:94) haxixe,(17:308) eventos traumáticos da vida,(16:207,16:232,17:329) estresse agudo,(16:232) envenenamento por lítio, malignidade síndrome neuroléptica, síndrome da serotonina,16:78 e abstinência após álcool, benzodiazepínicos e ácido gama-hidroxibutírico (também conhecido como fantasy, uma droga de abuso).(16:78)

O mais interessante é o que os psiquiatras não mencionaram. Pílulas para psicose podem causar psicose, conhecida como psicose de supersensibilidade ou tolerância de oposição.(4:45,31) As drogas diminuem os níveis de dopamina, e o número de receptores de dopamina aumenta para compensar isso. Se os medicamentos forem interrompidos repentinamente, o que os pacientes costumam fazer porque os toleram mal, a resposta pode ser uma psicose. Uma psicose pode até se desenvolver durante o tratamento contínuo por causa disso e pode não responder a doses aumentadas.(32) Pílulas para depressão (33) e pílulas para TDAH (34) também podem causar psicose (mania grave é uma psicose), mas isso também não foi mencionado nos manuais.

Os traumas desempenham um papel importante no desenvolvimento da psicose, mas os livros geralmente ignoram isso. Um exemplo típico é um manual que afirmava 80% de hereditariedade da esquizofrenia, enquanto não havia estimativa numérica para o papel dos traumas.(19:225) Apenas um manual oferecia uma estimativa de risco, que era um risco quatro vezes maior se o paciente tivesse sofrido de problemas físicos ou abuso psicológico.(16:207)

A ciência é clara. Um artigo que analisou os 41 estudos mais rigorosos descobriu que pessoas que sofreram adversidades na infância tinham 2,8 vezes mais chances de desenvolver psicose do que aquelas que não sofreram (P < 0,001).35 O P-valor é a probabilidade de obter tal resultado, ou um número ainda maior que 2,8, se não houver relação, que nesse caso é menos de um em mil. Nove dos dez estudos que testaram uma relação dose-resposta a encontraram.(35)

Outro estudo descobriu que pessoas que sofreram três tipos de trauma (por exemplo, abuso sexual, abuso físico e bullying) tinham 18 vezes mais chances de se tornarem psicóticas do que pessoas não abusadas e, se tivessem passado por cinco tipos de trauma, tinham 193 vezes mais probabilidade de se tornar psicótico (intervalo de confiança de 95% 51 a 736 vezes, o que significa que temos 95% de confiança de que o verdadeiro risco está dentro desse intervalo).(36)

Esses dados são muito convincentes, a menos que você seja um psiquiatra. Uma pesquisa com 2.813 psiquiatras do Reino Unido mostrou que, para cada psiquiatra que pensa que a esquizofrenia é causada principalmente por fatores sociais, há 115 que pensam que ela é causada principalmente por fatores biológicos. Consequentemente, um manual observou que a esquizofrenia (e o autismo e o TDAH) são transtornos do neurodesenvolvimento, caracterizados principalmente por fatores de risco biológicos e não principalmente por fatores de risco psicossociais e eventos estressantes na infância.(19:51)

Um manual observou que o quociente de inteligência (QI) de pacientes com esquizofrenia era cerca de um desvio padrão abaixo do normal, em média, e atribuiu isso a defeitos cerebrais causados ​​pela doença, bem como sequelas na forma de contato social prejudicado e processo educativo prejudicado. (18:84)

Este é um prejuízo considerável da inteligência. O quociente normal é 100 e um desvio padrão abaixo do normal é 85. Não houve referências e nem reflexões se esse resultado viesse de pacientes que haviam sido tratados com pílulas para psicose, caso em que o baixo QI poderia ser resultado de drogar os pacientes, tornando difícil para eles pensar e se concentrar.

Portanto, investiguei isso. Pesquisei o risco de esquizofrenia no QI e o registro mais alto era tudo de que eu precisava.38 Foi um estudo de 50.087 homens de 18 anos recrutados para o exército sueco que foram acompanhados por 13 a 14 anos. Nesse período, 195 deles foram internados com esquizofrenia. De acordo com o resumo do estudo, “A distribuição das pontuações naqueles diagnosticados posteriormente como sofrendo de esquizofrenia mudou para uma direção descendente, com uma relação linear entre baixo QI e risco. Isso permaneceu após o ajuste para possíveis fatores de confusão”. Os autores concluíram que “os resultados confirmam a importância da baixa capacidade intelectual como fator de risco para esquizofrenia e outras psicoses”.

O resumo era desonesto e não refletia o que o estudo mostrava. No texto principal, os autores escreveram que “o valor preditivo positivo para baixo QI é ruim com QI abaixo da média (< 96) prevendo apenas 3,1% dos casos”. Não sei de onde tiraram os 3,1% e, em uma tabela, os valores preditivos eram muito mais baixos, por exemplo 1,3% para quem tem QI abaixo de 74 e 0,6% para quem tem QI entre 74 e 81 e também para quem tem QI entre 82 e 89 e entre 90 e 95.

As chances para desenvolver esquizofrenia com base na pontuação de QI foi de apenas 1,27 (1,19 a 1,36). Este é um aumento muito pequeno no risco, que, além disso, foi inflado por fatores de confusão. Os autores ajustaram suas análises para status socioeconômico, ajuste comportamental e escolar, abuso de drogas, educação urbana, história familiar de transtorno psiquiátrico e transtorno psiquiátrico no momento do teste. Isso levou a reduções notáveis ​​nas razões de chances para todas as quatro subescalas do teste de QI, mas os autores, no entanto, afirmaram que a razão de chances geral foi de 1,28 após o ajuste. Isso parece ser uma impossibilidade matemática.

Os autores não informaram qual era o QI médio dos pacientes com esquizofrenia, mas foi fácil de calcular, pois mostraram uma tabela com números em nove diferentes grupos de QI. O menor foi < 74 e o maior foi > 126, mas se eu usei 70 e 130, respectivamente, para esses grupos extremos, ou 65 e 135, obtive o mesmo resultado. O QI médio era de 95, ou muito próximo do normal.

O livro afirmava que o QI médio era de (85.18:84) Isso confirma minha suspeita de que esses pacientes provavelmente estavam incapacitados por drogas psiquiátricas quando foram submetidos ao teste de QI.

Uma última questão me incomoda. O que os autores dos manuais psiquiátricos queriam alcançar ao afirmar que as pessoas com esquizofrenia eram burras? Qual a relevância disso para futuros clínicos? Nenhuma. É provável que tais informações agravem o estigma a que esses pacientes estão expostos na psiquiatria.(7:183)

Muitas vezes, assume-se que as explicações biológicas ou genéticas da doença mental aumentam a tolerância em relação aos pacientes psiquiátricos, reduzindo as noções de responsabilidade e culpa. (39) O pressuposto central dos programas anti-estigma é que o público deve ser ensinado a reconhecer os problemas como doenças e a acreditarem que são causados ​​por fatores biológicos, como um desequilíbrio químico, doença cerebral e fatores genéticos. No entanto, estudos constataram consistentemente que esse modelo de doença aumenta a estigmatização e a discriminação. Uma revisão sistemática de 33 estudos descobriu que as atribuições causais biogenéticas estavam relacionadas a uma rejeição mais forte na maioria dos estudos que examinavam a esquizofrenia.(39)

A abordagem biológica aumenta a periculosidade percebida, o medo e o desejo de distância dos pacientes diagnosticados com esquizofrenia porque faz as pessoas acreditarem que os pacientes são imprevisíveis.39-42 Isso leva a reduções na empatia dos médicos e à exclusão social. (43) Também gera pessimismo indevido sobre as chances de recuperação e reduz os esforços de mudança em comparação com uma explicação psicossocial. Portanto, não é surpreendente que os participantes de uma tarefa de aprendizagem tenham aumentado a intensidade dos choques elétricos mais rapidamente se eles entendessem as dificuldades de seu parceiro em termos de doença do que se eles acreditassem que eles eram o resultado de eventos da infância. (41)

Muitos pacientes descrevem a discriminação como mais duradoura e incapacitante do que a própria psicose e é reconhecida como uma grande barreira para a recuperação. (40,41) Os pacientes e suas famílias sofrem mais estigma e discriminação dos profissionais de saúde mental do que de qualquer outro setor da sociedade e há boas explicações para isso. Por exemplo, mais de 80% das pessoas com o rótulo de esquizofrenia pensam que o próprio diagnóstico é prejudicial e perigoso e, portanto, alguns psiquiatras evitam usar o termo esquizofrenia.(41)

Em contraste com os líderes da psiquiatria, o público está firmemente convencido de que a loucura é causada mais por coisas ruins que acontecem do que por genética ou desequilíbrios químicos. (41) Essa lucidez é notável, visto que mais da metade dos sites sobre esquizofrenia são financiados por empresas farmacêuticas. O público também vê as intervenções psicológicas como altamente eficazes para transtornos psicóticos (o que elas são, veja o Capítulo 7), enquanto os psiquiatras opinam que, se a alfabetização em saúde mental do público não for melhorada, isso pode dificultar a aceitação de cuidados de saúde mental baseados em evidências (o que significa drogas).

Como explicarei mais tarde, o gasto de enormes quantias de dinheiro – principalmente por empresas farmacêuticas – para ensinar o público a pensar mais como psiquiatras de orientação biológica teve os seguintes resultados: mais discriminação, mais drogas, mais danos, mais mortes, mais pessoas em pensão por invalidez e maiores custos para a sociedade.


¹Nota da Tradução: Nos estudos genéticos, locus (plural loci) é uma posição fixa no cromossomo.

 

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Para ver a lista de todas as referências citadas, clique aqui.

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Mad in Brasil (Texto original do site Mad in America ) hospeda blogs de um grupo diversificado de escritores. Essas postagens são projetadas para servir como um fórum público para uma discussão – em termos gerais – da psiquiatria e seus tratamentos. As opiniões expressas são próprias dos escritores.

 


Tradução de Leticia Paladino : Graduada em Psicologia pela UERJ, doutoranda em Saúde Pública pela ENSP/Fiocruz, mestre em Saúde Pública pela ENSP/Fiocruz e especialista em Saúde Mental e Atenção Psicossocial pela ENSP/Fiocruz.  Pesquisadora e Colaboradora do Laboratório de Estudos e Pesquisas em Saúde Mental e Atenção Psicossocial (LAPS/ENSP/Fiocruz).


 

Artigo demostra que o gênero determina a maior prevalência no uso de psicofármacos

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O artigo argentino Medicalización, salud mental y género: perspectivas sobre el uso de psicofármacos por mujeres (Medicalização, saúde mental e gênero: perspectivas sobre o uso de psicofármacos por mulheres) analisa o uso de psicofármacos em mulheres na Argentina a partir da investigação da literatura sobre a temática durante o período de 2020-2021.

A partir da Lei Nacional de Saúde Mental 26.657, a Argentina passa de um modelo de atenção hospitalocêntrico a um modelo de atenção comunitária, passando a buscar propostas e dispositivos extramuros para substituir o modelo manicomial-asilar. O uso de psicofármacos nesse contexto acaba emergindo como uma nova forma de controle social em substituição do manicômio.

A Argentina é um dos países que registra maior consumo de psicofármacos no mundo (Observatorio de Políticas Públicas en Adicciones, 2010). Um estudo aponta que cerca de 15 % da população entre 12 e 65 anos já consumiram alguma vez na vida tranquilizantes ou ansiolíticos, e o consumo aumenta gradualmente com o avanço da idade. Já 1,3% da população já consumiu estimulantes ou antidepressivos alguma vez na vida. Até 35 anos o consumo é maior entre homens, a partir de 35 anos torna-se maior entre as mulheres. Enquanto metade das prescrições de ansiolíticos e tranquilizantes foi feita por clínicos gerais, os antidepressivos e estimulantes são mais prescritos pelos psiquiatras.

Estatísticas mostram que o gênero é um dos determinantes em saúde mental:

“Entre os 35 e os 49 anos, 19,3% das mulheres consumiu tranquilizantes ou ansiolíticos alguma vez na vida, e entre os 50 e os 65 a prevalência foi de 35% (Sedronar, 2017). Investigações realizadas em outros países, observam o mesmo fenômeno: as mulheres têm maior probabilidade de receberem prescrição de psicofármacos (Markez et al.,2004), com uma tendência à feminização do consumo de tranquilizantes (Angulo et al., 2018).”

Alguns estudos avaliaram o impacto da desigualdade de gênero na saúde das mulheres, na construção do discurso médico e na organização dos sistemas de saúde. Os resultados mostram que o alto índice de medicalização das mulheres com psicofármacos e a ausência de uma política de saúde mental preocupada com as questões de gênero, reforçam ainda mais as desigualdades. Mulheres são duas vezes mais diagnosticadas com depressão em relação aos homens. Na Espanha, constatou-se que as mulheres eram as que mais receberam prescrição de psicofármacos na Atenção Primária.
Durante a pandemia de Covid-19 também foi verificado o aumento do uso de psicofármacos por mulheres, principalmente benzodiazepínicos, devido a sobrecarga de trabalho.

“As desigualdades de gênero se refletiram no uso dos psicofármacos desde o começo da emergência sanitária. A distribuição das tarefas de cuidado e das tarefas domésticas impactou fortemente nas mulheres adultas. O informe de Sedronar (2021) expõe que, para as mulheres, “o fato de haver iniciado ou retomado o consumo de psicofármacos apareceu relacionado às situações de estresse ou ansiedade ligadas ao excesso de tarefas cotidianas, a partir da incerteza que gerou o prolongamento no tempo do ASPO ou as mudanças experimentadas no sono” (Sedronar, 2021, p. 39).

No Brasil, não é diferente. O artigo cita alguns estudos que relatam que as mulheres são as maiores consumidoras de remédios psiquiátricos nos serviços de saúde, de maneira especial, as mulheres idosas. Os autores apontam a descriminção e a estigmatização da velhice feminina.

No campo da saúde mental as desigualdades de gênero aparecem, por um lado determinando a prevalência e a distribuição dos padecimentos psíquicos. Mas também como um determinante na atenção à saúde mental.

O processo de medicalização promove práticas altamente tecnocientíficas. Tais tecnologias não focam apenas em controlar e regular o que os corpos podem fazer, mas também a transformar o próprio corpo. A literatura vem chamando de “identidades tecnocientíficas” as identidades construídas através da aplicação da ciência e das tecnologias nos corpos.

O artigo descreve que estudos que analisaram o discurso de mulheres consumidoras de psicofármacos estabelecem certas particularidades no consumo segundo a idade: mulheres mais novas articulam seu discurso em torno da ansiedade, as mulheres de meia idade vinculam ao estresse e as mulheres mais velhas à depressão.

“Esta investigação encontrou como um aspecto recorrente a crença de que há uma subjetividade feminina patológica. Além disso, constataram no discurso de alguns profissionais, uma minimização da importância direcionada aos mal estares das mulheres e uma maximização da mesma afecção quando se apresenta em homens.”

Por fim, o artigo destaca que aprofundar o uso de psicofármacos por mulheres de forma descritiva e analítica exige acrescentar os contextos em que se vivenciam esses tratamentos psiquiátricos.

 

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Implementação do Diálogo Aberto para psicose em Atlanta mostra-se promissora

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Estudo revela que a intervenção de suporte inspirada no Diálogo Aberto reduz os sintomas e melhora o funcionamento.¹

Uma nova pesquisa descobriu que a abordagem do Diálogo Aberto pode ser implementada com sucesso em um contexto de saúde nos EUA, especificamente em um hospital público que atende uma população com instabilidade financeira e dificuldade de acesso aos serviços necessários.

O estudo, que se concentrou em indivíduos de 18 a 35 anos com sintomas recentes de psicose, investigou uma intervenção de apoio inspirada no Diálogo Aberto. A intervenção foi considerada viável, aceitável e associada à redução dos sintomas e melhora do funcionamento. O estudo também destacou a necessidade de adaptações específicas ao contexto para uma implementação bem-sucedida.

A abordagem do Diálogo Aberto, desenvolvida na Finlândia, é uma alternativa ao atendimento psiquiátrico tradicional que prioriza a recuperação pessoal, a comunicação e o engajamento no serviço. Envolve tratar os indivíduos na presença de sua rede de apoio, incluindo a família, quando apropriado, e garantir a continuidade dos cuidados em todos os ambientes de tratamento. Uma característica fundamental dessa abordagem são as “reuniões de rede”, que envolvem uma reunião colaborativa entre o indivíduo, membros de seu sistema de apoio e dois profissionais de saúde para abordar o sofrimento psiquiátrico.

O psiquiatra e pesquisador Robert Cotes, da Escola de Medicina da Universidade Emory, liderou o estudo. Cotes e seus coautores explicam:

“Durante as reuniões de rede, os clínicos utilizam o processo de reflexão, onde têm uma conversa breve e honesta entre si sobre o que estão observando ou sentindo com a rede presente. A abordagem enfatiza as histórias sobre os sintomas, é direcionada pelos valores e preferências da pessoa e é considerada uma abordagem alinhada aos direitos humanos”.

 

Os benefícios de longo prazo do Diálogo Aberto na Finlândia foram demonstrados por pesquisas anteriores. Por exemplo, indivíduos que participaram do Diálogo Aberto demonstraram altas taxas de remissão de sintomas e baixas taxas de uso de medicamentos antipsicóticos e incapacidade em cinco anos, com resultados positivos mantidos em 19 anos.

A intervenção também foi adotada por espaços de prestação de serviços nos Estados Unidos com resultados positivos preliminares relacionados à viabilidade e experiência do paciente, tanto em organizações comunitárias de saúde mental (por exemplo, Advocates em Framingham, MA) quanto em ambientes de internação hospitalar (por exemplo, Hospital McLean em Boston, MA). Em conjunto com o apoio de colegas, o modelo do Diálogo Aberto já recebeu financiamento federal para promover uma implementação difundida nos serviços de crise de Nova York (Parachute NYC).

Dr. Cotes e os pesquisadores enfatizam como a implementação do Diálogo Aberto requer reestruturação organizacional, particularmente no contexto de serviços de saúde pagos nos Estados Unidos. Além disso, dadas as restrições de prestação de serviços, os pesquisadores destacam a necessidade de mais pesquisas que caracterizem as configurações da prestação do Diálogo Aberto:

“…as descrições dos contextos e práticas de implementação foram identificadas como uma lacuna na literatura do Diálogo Aberto e são valiosas para informar os sistemas de saúde ou grupos de profissionais que implementam o modelo.”

Para preencher essa lacuna, os autores começaram a descrever o modelo que usaram para implementar uma abordagem inspirada no Diálogo Aberto para o tratamento precoce da psicose no Grady Health System, um hospital público urbano em Atlanta, Geórgia. Eles também procuraram avaliar seus resultados relacionados à viabilidade, aceitabilidade, praticidade, adaptabilidade e eficácia limitada.

O modelo de mudança organizacional utilizado pelos pesquisadores foi denominado Addressing Problems Through Organizational Change – APTOC (Abordando problemas por meio de mudanças organizacionais em tradução livre), que inclui três etapas: preparação, implementação e sustentabilidade. Os pesquisadores descrevem o processo de construção de relação necessária para se preparar para a implementação do Diálogo Aberto:

“… primeiro envolvemos os líderes do sistema, pessoas que estão no centro de importância, famílias e funcionários para esclarecer o “porquê” e “por que agora”. Em seguida, criamos uma equipe clínica central, identificamos os defensores do projeto, contratamos especialistas em Diálogo Aberto para a assistência técnica, preparamos a organização para a mudança e criamos um cronograma do projeto. Identificamos as barreiras/facilitadores atuais e desenvolvemos um plano de mudança com metas individuais, clínicas e da iniciativa.”

Depois de desenvolver um plano de mudança, os consultores especializados do Diálogo Aberto realizaram visitas e treinamentos no local. O treinamento consistia em três segmentos de múltiplos dias que incluíam componentes didáticos e atividades de aprendizado em pequenos grupos.

Após o treinamento, os consultores realizaram teleconferências com os profissionais participantes duas vezes por mês, durante as quais as gravações de áudio das reuniões de rede foram revisadas para verificar a fidelidade do trabalho. A intervenção foi realizada por meio de reuniões regulares de rede em que participantes, suportes sociais e profissionais se engajavam em escuta reflexiva e tomada de decisão compartilhada sobre o cuidado. Reuniões de rede adicionais também ocorreriam conforme necessário em resposta a crises.

A mesma equipe de atendimento realizaria reuniões de rede em contextos de tratamento hospitalar e ambulatorial e incluiria membros adicionais da equipe de atendimento (por exemplo, gestores de caso), conforme necessário. Os autores descrevem como a intervenção funcionou como um “sistema dentro de um sistema” adjuvante aos serviços tradicionais.

Os pesquisadores relatam que aproximadamente 100 clientes (cadastrados em serviços de ambientes hospitalares e ambulatoriais) participaram de reuniões de rede como parte da intervenção do Diálogo Aberto entre janeiro de 2017 e fevereiro de 2019. Dessa amostra, um subgrupo de 25 indivíduos consentiu em participar de avaliações de pesquisa em 3, 6 e 12 meses.

Desses, apenas 18 avaliações foram totalmente concluídas. Cinco participantes também fizeram uma entrevista qualitativa aos 12 meses.

Os participantes eram indivíduos com idades entre 18 e 35 anos que experimentaram sintomas de psicose no mês anterior à inscrição na intervenção e puderam identificar pelo menos uma pessoa de apoio em sua vida para participar das reuniões de rede. A maioria da amostra (N= 15; 83%) se identificou como afro-americana/negra, duas se identificaram como hispânicas e uma como caucasiana/branca.

Os membros da equipe da rede profissional (N = 14) relataram as seguintes identidades raciais/étnicas: metade identificada como branca/caucasiana (N = 7; 50%), quatro como afro-americanas/negras e duas como hispânicas, enquanto a identidade racial de três membros da equipe não estavam disponíveis.

Os resultados sugerem que a implementação da intervenção inspirada no Diálogo Aberto, apoiada por assistência técnica de especialistas, foi viável e realizada com alta fidelidade. Além disso, os pesquisadores observaram uma mudança nas políticas organizacionais que permitiram a realização bem-sucedida desse novo modelo:

“Por exemplo, os indivíduos podem entrar no sistema de atendimento por meio de um caminho separado. Em vez de entrar sem hora marcada e receber uma consulta tradicional de admissão centrada na biomedicina, os indivíduos poderiam começar sua interação com o sistema no contexto de uma reunião de rede, então os clínicos poderiam voltar e recriar as informações necessárias para a consulta inicial de admissão ao longo do tempo.  A equipe clínica envolveu famílias, teve vários profissionais de saúde em reuniões de rede e forneceu continuidade em todos os níveis de atendimento.”

Os resultados também destacam as principais adaptações de intervenção que foram necessárias devido ao contexto do tratamento. Por exemplo, devido à cobertura limitada da equipe, as reuniões de rede ocorreram apenas em clínicas, e não na comunidade ou por meio de visitas domiciliares. Além disso, as reuniões de rede eram agendadas apenas durante a semana e ocorriam até 3 vezes por semana, em vez de diariamente. Por fim, uma breve sessão introdutória foi adicionada para explicar a abordagem do Diálogo Aberto aos participantes, dada a diferença do modelo em relação aos serviços tradicionais.

Os resultados das entrevistas qualitativas ilustram que o modelo foi bem recebido pelos participantes, que descreveram uma apreciação pela transparência e flexibilidade do modelo e compartilharam como as reuniões de rede os apoiaram no desenvolvimento de uma conceituação mais pessoal de suas próprias dificuldades (em contraste com uma conceituação de diagnóstico biomédico).

Além disso, três dos cinco entrevistados descreveram a transposição das habilidades de comunicação praticadas em reuniões de rede para seus relacionamentos cotidianos e contextos familiares. Curiosamente, todos os cinco entrevistados relataram que as reuniões de rede poderiam ocorrer com menos frequência, como mensalmente em vez de semanalmente.

A gravidade dos sintomas psiquiátricos (conforme medido pela Escala Breve de Avaliação Psiquiátrica) e o funcionamento global (medido por meio do Esquema de Avaliação de Deficiência da Organização Mundial da Saúde 2.0) diminuíram desde o início até a marca dos 6 meses e dos 12 meses, sugerindo um declínio na gravidade dos sintomas e um aumento no funcionamento.

Os achados do presente estudo devem ser entendidos no contexto das suas principais limitações. Primeiro, o estudo de viabilidade utilizou um estudo de coorte sem grupo de comparação. Além disso, dos 100 indivíduos que passaram pela intervenção do Diálogo Aberto, apenas 18 finalmente participaram de avaliações de pesquisa quantitativa e, desses, apenas cinco completaram as medidas em todos os três momentos. Além disso, apenas cinco concordaram com a entrevista qualitativa.

Os autores não coletaram sistematicamente dados sobre os motivos da falta de participação. Ainda assim, essas baixas taxas de conclusão dos estudos colocam em questão a potencial praticidade da pesquisa nesse contexto. Além disso, os resultados relatados podem estar sujeitos ao viés de auto-seleção do participante. Ademais, as descobertas de viabilidade do presente estudo podem não ser generalizáveis, uma vez que alguns dos principais esforços de implementação (por exemplo, pagamento de médicos) foram financiados, o que será limitado à duração da pesquisa.

Os autores apontam que, dada a homogeneidade racial e o cenário rural na Finlândia, onde a abordagem do Diálogo Aberto foi desenvolvida pela primeira vez, é essencial identificar as adaptações que podem ser necessárias para a implementação bem-sucedida do Diálogo Aberto em contextos urbanos mais diversos. O presente estudo é o primeiro a avaliar a implementação de uma intervenção inspirada no Diálogo Aberto com uma população majoritariamente negra/afro-americana em uma grande cidade nos Estados Unidos.

Embora os autores descrevam evidências anedóticas para apoiar a ideia de que o modelo não hierárquico de reuniões de rede foi útil para promover um espaço seguro para os participantes discutirem experiências de discriminação e racismo, a pesquisa não capturou isso sistematicamente como resultado. Os autores destacam a necessidade de pesquisas futuras que capturem explicitamente as necessidades e perspectivas de diversos participantes do Diálogo Aberto para informar adaptações culturalmente responsivas:

“As reuniões de rede podem ter oferecido um espaço seguro o suficiente para que os participantes compartilhassem suas experiências com racismo e maus-tratos, sejam eles encontrados dentro ou fora do contexto da saúde. A escuta contínua, a introspecção e a pesquisa futura são necessárias em nosso ambiente para garantir que o Diálogo Aberto esteja culturalmente sintonizado e ativamente aborde as disparidades raciais/étnicas que existem para os jovens que experienciam a psicose”.

O presente estudo contribui para um crescente corpo de pesquisa demonstrando a viabilidade e aceitabilidade da implementação do tratamento inspirado no Diálogo Aberto no contexto dos EUA. A descrição detalhada do autor sobre seu modelo de implementação, processo e lições aprendidas pode servir como um modelo para futuros esforços de disseminação.

¹Nota da Tradução: Funcionamento nesse contexto diz respeito ao conceito usado para abordar a habilidade, física e/ou mental, de performar atividades básicas diárias


Tradução de Leticia Paladino: Graduada em Psicologia pela UERJ, doutoranda em Saúde Pública pela ENSP/Fiocruz, mestre em Saúde Pública pela ENSP/Fiocruz e especialista em Saúde Mental e Atenção Psicossocial pela ENSP/Fiocruz.  Pesquisadora e Colaboradora do Laboratório de Estudos e Pesquisas em Saúde Mental e Atenção Psicossocial (LAPS/ENSP/Fiocruz)


 

Cotes, R. O., Palanci, J. M., Broussard, B., Johnson, S., Grullón, M. A., Norquist, G. S., … & Ziedonis, D. (2023). Feasibility of an Open Dialogue-Inspired Approach for Young Adults with Psychosis in a Public Hospital System. Community Mental Health Journal, 1-8. (Link)

Fiocruz divulga nota técnica sobre cannabis medicinal

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No dia 19 de abril de 2023 o site https://portal.fiocruz.br/ divulgou uma nota técnica sobre cannabis medicinal que foi lançado pelo Programa Institucional de Políticas de Drogas Direitos Humanos e Saúde Mental da Fiocruz. Nota esta que, tem como objetivo fornecer subsídios embasados na literatura cientifica para as instituições responsáveis pela legislação, regulamentação, pesquisa, produção, padronização, distribuição e uso da cannabis e derivados para fins terapêuticos no Brasil, bem como para a sociedade em geral. Com isso, busca-se contribuir para o aprimoramento do conhecimento acerca do tema e para o avanço do acesso aos tratamentos baseados em cannabis e derivados.

A cannabis por ser uma planta utilizada de forma farmacêutica a algum tempo e ela vem ganhando um maior reconhecimento ao longo do tempo, a retirada da lista mais restrita (a Lista IV) a partir da recomendação da ONU mostra o quanto a planta deixou de ser o potencial inimigo e começou a conquistar seu espaço como uma forma
terapêutica.

“A alteração permite o reconhecimento das potenciais propriedades
terapêuticas da cannabis e de seus derivados. O novo status possibilita uma
mudança correlata das regulamentações nacionais dos países-membros que
ratificaram os tratados vinculantes das Nações Unidas sobre o tema, como é o
caso do Brasil. ”

Através da Lei 13.840/2019 (lei esta que foi atualizada) permite o uso médico e cientifico de todas as substâncias controladas pelos tratados internacionais, incluindo a produção nacional de cannabis, incluindo o Brasil. O intuito é contribuir com elementos de estudos para as instituições responsáveis sendo por diferentes aspectos desde a regulamentação, pesquisa, produção, padronização, distribuição e o uso da cannabis, mas também do acesso ao conhecimento para toda a sociedade.

O aumento de pesquisas que estão sendo elaboradas aponta o potencial terapêutico de cannabinoides, entre eles CBD e THC para diferentes condições clinicas e enfermidades, diferentes níveis de evidencia e comprovação da eficácia da aplicação terapêutica.

Dor crônica, epilepsia refratária, espasticidade, náuseas, vômitos e perda do apetite, transtornos neuropsiquiátricos, são algumas condições de saúde quanto a segurança e eficácia dos cannabinoides na redução de sintomas e uma melhora no quadro de saúde.

“É necessário ampliar a capacitação de médicos e outros profissionais de
saúde sobre o uso terapêutico da cannabis e seus derivados, para que possam
prescrever e tratar com mais confiança e conhecimento… Vivemos um momento
de expressivo crescimento do conhecimento científico sobre o potencial
terapêutico dos canabinoides”

Apesar do detalhamento de evidencias e referencias técnicas sobre as condições de saúde, ainda a um reforço pela necessidade no avanço do desenvolvimento de pesquisas no Brasil, com relação clínicos de diferentes condições, capacitação médica e outros profissionais de saúde sobre o uso terapêutico da cannabis e derivados.

Link para acessar a nota completa:
https://portal.fiocruz.br/noticia/fiocruz-divulga-nota-tecnica-sobre-cannabis-medicinal

Revista Cult Publica Dossiê Dedicado à Saúde Mental Coordenado por Paulo Amarante

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A edição 292 da Revista Cult conta com textos, dispondo de arquivos dedicados ao tema da saúde mental, abordando questões atuais da reforma psiquiátrica: medicalização, comunidades terapêuticas, a importância da arte-cultura na relação entre loucura e sociedade.

O dossiê “O pesadelo da normalidade – Sofrimento Psíquico e Exclusão Estrutural”, coordenado pelo psiquiatra Paulo Amarante, recupera o arcabouço histórico e os desafios atuais da luta pela Reforma Psiquiátrica Brasileira. Os textos celebram a originalidade de Franco e Franca Basaglia, na Itália, e de Nise da Silveira, no Brasil, e a descoberta da
arte como cuidado e expressão das pessoas em sofrimento mental.

Isabel Cristina Lopes – A arte que nos habita e transmuta do humano

“…. Toda forma artística, como nos diz Adorno, é um conteúdo social histórico que decanta. São essas densidades tão heterogêneas que a arte mistura, fazendo flutuar e repousar simultaneamente o tempo, os sentidos, parindo o ato criados, tornando assim possível a experiência do visível e do invisível da criação…”

Leonardo Pinho – Comunidade terapêuticas e seus artifícios

“Mas a que serve o “acolhimento” das comunidades terapêuticas? Nada mais é que um dispositivo que opera processos de higienização social e de aporofobia…”

“As comunidades terapêuticas se tornaram o principal dispositivo no país para a constituição de uma reação aos avanços da reforma psiquiátrica e dos caminhos de desinstitucionalização…”

 

Marcelo Kimati – Medicalização e sociedade contemporânea

“A medicalização desloca a preocupação do processo para a
pessoa, suas propostas inadequações ou fragilidades individuais…”

“…O sistema diagnóstico de psiquiatria dá inteligibilidade para o
sofrimento mental, sem que isso demande a reavaliação de si, das
reavaliações sociais, de projetos e vínculos …”

 

Paulo Amarante – O pesadelo da normalidade | introdução, Franco e Franca

“Ao inverterem o princípio do saber psiquiátrico, Franco e Franca Basaglia desenvolvem o dispositivo epistemológico, ético e político de pôr a doença entre parênteses – O que possibilitaria ocupar-se dos sujeitos concretos em suas experiências de sofrimento, limites, projetos, desejos, faltas e incompletudes…”

Walter Melo – Nise da Silveira e a instalação do humano

“É inegável a importância de Nise da Silveira para os campos da
saúde mental, da psicologia e das artes em nosso país. As instituições
que ela criou sempre tiveram a serviço da liberdade e da democracia…”

Wellington Andrade – Entrevista | O sonho como modo de fazer política e
como estado de criação

“… Bob Sousa Duas semanas antes de completar 86 anos, no dia 30 de março, o diretor de teatro José Celso Martinez Corrêa recebeu a Cult em seu apartamento, no bairro do Ibirapuera, em São Paulo, para falar de seu mais novo projeto: a adaptação para o palco do livro A queda do céu: palavras de um xamã yanomami, de Davi Kopenawa e Bruce Albert…”

Segue o link da revista para acessar a revista completa
https://revistacult.uol.com.br/home/

Manual de psiquiatria crítica, capítulo 1: Por que um manual crítico de psiquiatria?

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Nota do editor: Nos próximos meses, a Mad in Brasil publicará uma versão serializada do livro de Peter Gøtzsche, Manual de Psiquiatria Crítica. Neste blog, o autor apresentará o livro. A cada quinze dias, uma nova seção do livro será publicada e todos os capítulos estão arquivados aqui. 

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Estudantes de medicina, psicologia, psiquiatria e profissionais de saúde de uma forma geral aprendem sobre psiquiatria lendo manuais psiquiátricos. Eles geralmente acreditam no que leem e o reproduzem em suas provas. Portanto, é muito importante que as informações transmitidas nesses livros de psiquiatria estejam corretas.

E esse é o problema. Há uma enorme divisão entre a narrativa psiquiátrica oficial e o que a ciência mostra. Muito do que os principais psiquiatras dizem e escrevem sobre a confiabilidade dos diagnósticos psiquiátricos; as causas dos transtornos psiquiátricos; se eles podem ser vistos em uma varredura do cérebro ou na química do cérebro; e quais são os benefícios e malefícios das drogas psiquiátricas, eletrochoque e tratamento forçado está incorreto. Isso foi amplamente documentado por psiquiatras críticos e outros.1-11

A discrepância entre opinião e ciência também é prevalente em livros de psiquiatria. As próximas gerações de profissionais de saúde irão, em detrimento de seus pacientes, aprender ao longo dos seus estudos o que é comprovadamente incorreto. É por isso que um manual crítico de psiquiatria é necessário.

Mais do que em qualquer outra especialidade, a psiquiatria é uma disciplina onde é de extrema importância ouvir os pacientes, que é a base do sistema diagnóstico. Mas quando a questão é sua própria prática, os psiquiatras raramente estão dispostos a ouvir, embora o público em geral tenha experimentado que a psiquiatria, como é praticada atualmente, faz mais mal do que bem.

Uma pesquisa com 2.031 australianos mostrou que as pessoas pensavam que antidepressivos, antipsicóticos, eletrochoque e internação em uma ala psiquiátrica eram mais prejudiciais do que benéficos.12 Os psiquiatras sociais que fizeram a pesquisa ficaram insatisfeitos com as respostas e argumentaram que as pessoas deveriam ser treinadas para chegar à “opinião certa”. 

Mas eles estavam errados? Acho que não. Como mostrarei neste livro, suas opiniões estão de acordo com as informações científicas mais confiáveis que temos.

Temos uma situação em que os “clientes”, os pacientes e seus familiares, não concordam com os “vendedores”, os psiquiatras. Quando este é o caso, os provedores geralmente são rápidos em mudar seus produtos ou serviços, mas isso não acontece na psiquiatria, que tem o monopólio do tratamento de pacientes com problemas de saúde mental e tem os médicos de família como sua complacente equipe de vendas na linha de frente, que não fazem perguntas desconfortáveis sobre o que estão vendendo.

Você pode se perguntar quem eu sou e por que deveria confiar em mim e não nos psiquiatras que escrevem livros didáticos. Bem, não é uma questão de confiança, mas de quem tem os argumentos mais válidos. E isso cabe a você decidir. Tentei ajudá-lo documentando cuidadosamente porque concluo que algumas afirmações nos livros didáticos estão erradas e dissecando pesquisas para explicar o motivo de alguns trabalhos serem mais confiáveis do que outros.

O debate sadio e sem preconceitos sobre questões essenciais na psiquiatria é raro. Quando os defensores do status quo não têm contra-argumentos válidos contra as críticas de suas práticas, eles não respondem às críticas, mas atacam a credibilidade de seu oponente.7 Se você fizer perguntas a seus professores com base neste livro ou em outros livros6-8 ou artigos científicos que escrevi, você pode encontrar respostas como, “Gøtzsche? Nunca ouvi falar dele” (mesmo sabendo quem eu sou), “Não perca seu tempo com ele”, “O professor Gøtzsche é psiquiatra? Ele já tratou de pacientes psiquiátricos? Como ele pode julgar o que nós fazemos”? Ou dirão que “Gøtzsche é um antipsiquiatra”, que é o derradeiro pseudo-argumento que os psiquiatras usam.7 (página 16)

Você não deve aceitar tais respostas, mas sempre pedir as evidências.

Além disso, acho que tenho as credenciais necessárias para criticar a psiquiatria. Provavelmente sou o único dinamarquês que publicou mais de 75 artigos nos “cinco grandes” periódicos (BMJ, Lanceta, JAMA, Anais de Medicina Interna e New England Journal of Medicine) e meus trabalhos científicos foram citados mais de 150.000 vezes. Sou especialista em clínica médica e já trabalhei em várias especialidades, incluindo cardiologia, endocrinologia, hematologia, hepatologia, gastroenterologia, doenças infecciosas e reumatologia.

Eu faço pesquisas em psiquiatria desde 2007 e postei minhas credenciais em relação a esta especialidade em meu site, scientificfreedom.dk (veja em About, Staff). Resumindo, tive cinco alunos de doutorado em psiquiatria; fui testemunha especialista em sete processos judiciais psiquiátricos em sete países diferentes; recebi 12 prêmios ou outras honrarias acadêmicas; publiquei nove livros ou capítulos de livros; publiquei 30 artigos em revistas médicas com revisão por pares e 128 outros artigos; e já ministrei mais de 200 palestras em encontros e cursos.

Levei anos de estudo minucioso para descobrir que o ponto principal da psiquiatria é que ela faz mais mal do que bem,1,5-8 que também é o que o público em geral nos diz.12 Isso torna a especialidade única e o termo “sobrevivente da psiquiatria” diz tudo.8 Em nenhuma outra especialidade médica alguns pacientes se autodenominam sobreviventes no sentido de que sobreviveram apesar de serem expostos a essa especialidade. Eles lutaram muito para encontrar uma saída de um sistema que raramente é útil e que muitos sobreviventes descrevem como aprisionamento psiquiátrico ou como sendo uma instituição onde há uma porta de entrada, mas não uma porta de saída.

Em outras especialidades médicas, os pacientes agradecem por terem sobrevivido devido aos tratamentos que seus médicos aplicaram a eles. Nunca ouvimos falar de um sobrevivente de cardiologia ou de um sobrevivente de doença infecciosa. Se você sobreviver a um ataque cardíaco, não ficará tentado a fazer o contrário do que seu médico recomenda, mas em psiquiatria, como você verá neste livro, você pode morrer ou ficar permanentemente incapacitado se fizer o que seu médico lhe disser para fazer. 

Muitos sobreviventes psiquiátricos descreveram como a psiquiatria, com seu uso excessivo de drogas nocivas e ineficazes, roubou 10 ou 15 anos de suas vidas até que um dia eles decidiram tomar de volta da psiquiatria a responsabilidade por suas vidas e descobriram que a vida é muito melhor sem drogas. Eles costumam dizer que o que os acordou foi que leram alguns dos livros sobre psiquiatria dos psiquiatras David Healy,2 Joanna Moncrieff, 3,4 Peter Breggin,11  do jornalista científico Robert Whitaker 1,5, ou os meus. 6-8

Em 2014, psiquiatras noruegueses escreveram sobre o que chamaram de taxa “alarmantemente alta de descontinuação” de pílulas para psicose em pacientes com esquizofrenia, 74% em 18 meses.13 Os psiquiatras argumentaram que “os médicos precisam estar equipados com estratégias de tratamento que otimizem o tratamento contínuo com medicamentos antipsicóticos”. Se os psiquiatras tivessem escutado seus pacientes, eles teriam percebido que essas drogas deveriam ser evitadas como terapia de longo prazo.

Quando os alunos forem aprovados nos exames, defenderão com unhas e dentes o que aprenderam. É um traço curioso da psicologia humana que, uma vez que você tenha se decidido, mesmo quando estiver em sérias dúvidas, defenderá vigorosamente sua posição quando alguém provar que a outra opção era a correta.14

Os livros didáticos universitários são, portanto, uma ferramenta poderosa para a doutrinação – para chegar à “opinião certa” mesmo quando ela está errada. Por exemplo, 21 dos 36 manuais (58%) usados por estudantes na Holanda que discutem a anatomia do cérebro têm seções sobre TDAH (transtorno de déficit de atenção e hiperatividade) com generalizações inadequadas ou afirmações ambíguas.15

Os principais psiquiatras e suas organizações propagam consistentemente a desinformação em palestras, na mídia, em sites e em artigos científicos.1-8 Você pode se perguntar se isso é realmente verdade. Infelizmente, é, mas cada vez mais psiquiatras críticos perceberam isso e trabalham para mudar as práticas psiquiátricas. Sou membro do grupo mais importante, Critical Psychiatry Network, fundado por Joanna Moncrieff com base no Reino Unido. Trocamos ideias diariamente em uma lista de e-mail e discutimos como podemos contribuir para reformar a psiquiatria.

Em 2021, tive a ideia de que se eu lesse e avaliasse os manuais mais usados na Dinamarca e escrevesse meu próprio manual explicando o que havia de errado com os outros, isso poderia abrir os olhos dos alunos em todos os lugares. Não se espera que os livros didáticos dinamarqueses sejam diferentes daqueles de outros países porque a psiquiatria convencional é a mesma em todos eles. Espero que outros pesquisadores analisem os livros didáticos usados em seus países como eu fiz.

Ao ler esses livros, pode ser difícil perceber o que não está lá, mas que deveria ter sido mencionado. Antes de iniciar a leitura, portanto, descrevi em um protocolo o que acredito que deveria ser mencionado nos livros de psiquiatria.

As questões centrais que escolhi são aquelas de importância óbvia para os pacientes e aquelas consideradas controversas, por exemplo, se os distúrbios psiquiátricos podem ser vistos em uma varredura cerebral. As questões secundárias em meu protocolo eram causas de transtornos psiquiátricos, diagnósticos, benefícios de drogas, danos causados por drogas, retirada de drogas psiquiátricas, estigmatização, consentimento informado, psicoterapia e outras intervenções psicossociais e eletrochoque. Como existem centenas de diagnósticos psiquiátricos, concentrei-me em psicose, depressão, transtorno bipolar, TDAH, transtornos de ansiedade e demência.

Identifiquei os cinco livros de psiquiatria na Dinamarca mais usados por estudantes de medicina e psicologia e avaliei se as informações apresentadas sobre causas, diagnóstico e tratamento eram adequadas, corretas e baseadas em evidências confiáveis. Os livros didáticos eram em dinamarquês, tinham um total de 2.969 páginas e foram publicados entre 2016 e 2021.16-20

Os autores incluíam alguns dos mais proeminentes professores dinamarqueses de psiquiatria, mas os livros estavam longe de serem baseados em evidências. Freqüentemente, eles contradiziam as evidências mais confiáveis; vários grupos de autores às vezes forneciam mensagens contraditórias até mesmo dentro do mesmo livro; e a forma como usavam as referências era insuficiente. Tive a clara impressão de que quanto mais implausíveis as alegações, menor a probabilidade de serem referenciadas.

O pior livro em termos de prevalência de declarações seriamente enganosas ou errôneas não tinha uma única referência de literatura e todos os editores e autores eram psiquiatras.18 Os outros quatro livros tinham uma bibliografia ao final de cada capítulo, mas muitas vezes sem ligação com o texto. Portanto, eu precisava adivinhar quais das referências eram relevantes para as declarações feitas, quando havia. Às vezes, havia apenas o nome de uma pessoa e um ano no texto, sem artigo ou livro correspondente na bibliografia. Nesses casos, tentei encontrar a referência relevante em uma pesquisa bibliográfica no PubMed.

Dois livros didáticos eram mais confiáveis do que os outros três. Em um deles, um psicólogo era um dos dois editores,17 e o outro livro tinha, principalmente, psicólogos como autores.20

Acrescentei um número de página às referências dos livros didáticos e, muitas vezes, também às referências de outros livros para mostrar onde as informações podem ser encontradas. Assim, 17:919 significa a página 919 daquele manual (ou, em alguns casos, 1-2 páginas adiante, quando a informação aparecia em várias páginas).

As drogas psicotrópicas foram desenvolvidas com base em experimentos com ratos e selecionadas caso perturbassem o cérebro normalmente funcional do rato.7:229,21 Os comprimidos não nos curam, eles simplesmente nos mudam causando uma ampla gama de efeitos nas pessoas, como todas as substâncias neuroativas, incluindo drogas de rua. E eles não são de forma alguma visados. Não há nada particularmente seletivo sobre os inibidores seletivos de recaptação de serotonina (ISRSs). Este termo foi inventado pela SmithKline Beecham para dar à paroxetina uma vantagem sobre outras drogas, mas foi adotado por todas as empresas.2 Existem receptores de serotonina em todo o corpo e as drogas têm muitos outros efeitos além do aumento da serotonina, como por exemplo, podem afetar a transmissão de dopamina e noradrenalina e podem ter efeitos anticolinérgicos.22 As drogas nem sequer visam a depressão. Portanto, não é surpreendente que uma revisão da Cochrane tenha descoberto que o alprazolam, uma antiga benzodiazepina, teve melhor desempenho do que o placebo e um desempenho semelhante aos comprimidos tricíclicos para depressão.23

As drogas psiquiátricas funcionam mais ou menos da mesma maneira, seja suprimindo reações emocionais para que as pessoas fiquem entorpecidas e prestem menos atenção a perturbações significativas em suas vidas, seja estimulando-as. 2,5,21

Portanto, evitarei a nomenclatura convencional para drogas. É enganoso chamar as pílulas usadas para depressão de “antidepressivos” e as pílulas usadas para psicose de “antipsicóticos”. Essas drogas não são “anti-” alguma doença.7:227 O “anti-” também confere uma associação aos antibióticos, que salvam vidas, mas os medicamentos psiquiátricos não salvam vidas; eles tiram muitas vidas.7:307 Além disso, ao contrário dos antibióticos, eles não têm propriedades específicas para doenças.3,4,7,24

Portanto, falo sobre pílulas para depressão e pílulas para psicose, que não dão falsas promessas. Se quisermos reformar a psiquiatria, primeiro precisaremos mudar a narrativa psiquiátrica e parte dessa narrativa é a semântica. Pela mesma razão, falarei sobre os malefícios das drogas e não sobre os efeitos colaterais das drogas, o que é um eufemismo, pois os efeitos colaterais às vezes são agradáveis.

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Para ver a lista de todas as referências citadas, clique aqui .

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Mad in America hospeda blogs de um grupo diversificado de escritores. Essas postagens são projetadas para servir como um fórum público para uma discussão – em termos gerais – da psiquiatria e seus tratamentos. As opiniões expressas são próprias dos escritores.

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Leticia Paladino : Graduada em Psicologia pela UERJ, doutoranda em Saúde Pública pela ENSP/Fiocruz, mestre em Saúde Pública pela ENSP/Fiocruz e especialista em Saúde Mental e Atenção Psicossocial pela ENSP/Fiocruz.  Pesquisadora e Colaboradora do Laboratório de Estudos e Pesquisas em Saúde Mental e Atenção Psicossocial (LAPS/ENSP/Fiocruz).

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