Mad in Brasil dá as Boas-Vindas ao Mad in Portugal

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Nós da equipe do Mad in Brasil damos as boas-vindas ao nosso co-irmão Mad in Portugal! Agora a rede Mad in The World está presente em 16 países: EUA, Brasil, Noruega, Finlândia, México, Índia, Espanha, Suécia, Argentina, Dinamarca, Irlanda,  Holanda, Canadá, Itália, Reino Unido e Portugal.

Será de grande importância para a comunidade luso-brasileira a parceria desses dois sites. Temos certeza que será um sucesso.

Manual de Psiquiatria Crítica, Capítulo 7: Psicose (Parte Quatro)

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Doctor receiving bribe from businessman on grey background, closeup

Nota do editor: Nos próximos meses, a Mad in Brasil publicará uma versão serializada do livro de Peter Gøtzsche, Manual de Psiquiatria Crítica. Neste blog, o autor apresentará o livro. A cada quinze dias, uma nova seção do livro será publicada e todos os capítulos estão arquivados aqui.

Pílulas para psicose não previnem recaídas

Quanto à duração do tratamento, um manual didático observou que alguns pacientes precisarão de tratamento com drogas ao longo da vida;[16:222] outro que a maioria dos pacientes com esquizofrenia precisará de tratamento ao longo da vida.[17:657] Isso claramente não é verdade, como demonstram os resultados da Lapônia (consulte, Capítulo 7, parte 3).

A base para esse equívoco são os chamados estudos de manutenção ou continuação nos quais pacientes em tratamento são randomizados para tratamento contínuo ou placebo. Tais estudos não podem nos dizer se os pacientes ainda precisam da droga; eles medem quais são os efeitos da retirada. Mas os psiquiatras concluem que as drogas reduzem o risco de recaída[17:314,19:236] porque confundem os efeitos de retirada com os de recaída.

Um manual didático declarou o dramático resultado de que se os pacientes interrompem o tratamento precocemente, há um risco de recaída de até 85%, enquanto o risco é apenas de 15% se os pacientes continuarem com a droga.[17:315] Não havia referência e é anticientífico escrever “até”. A medicina baseada em evidências trata do que é o efeito, em média, e poderíamos muito bem escrever “reduzido a”, o que os médicos nunca fazem quando falam sobre os efeitos positivos percebidos das drogas.

Na página anterior, os autores foram mais modestos, dizendo que o risco de recaída é reduzido em 60%, mas também que o risco é significativamente menor em estudos com pelo menos dois anos de duração.[17:314] Eles citaram uma meta-análise de 2012 para atestar este resultado.[149]

Não consegui encontrar os 85% versus 15% em lugar algum na vasta literatura que tenho em meu computador ou ao pesquisar na Internet. A meta-análise relatou 64% versus 27% com recaída após um ano, e 57% versus 22% independentemente da duração do estudo. Assim, a alegação sem evidências de uma diferença de 70% tornou-se apenas 37% e 35% na meta-análise.

Os ensaios eram defeituosos, pois a maioria dos pacientes no grupo do placebo foi submetida à retirada abrupta de sua droga. Os autores da meta-análise fizeram uma meta-regressão com a duração do estudo como variável explicativa, que mostrou que o efeito aparente do tratamento contínuo com pílulas para psicose na prevenção de recaídas diminuía ao longo do tempo e estava próximo de zero após três anos.[149]

É realmente má prática médica manter os pacientes em suas drogas tóxicas por anos ou a vida toda com base na falsa crença de que isso melhora o prognóstico deles. Quando o acompanhamento é superior a três anos, fica evidente que interromper as pílulas para psicose é a melhor opção. Há apenas um ensaio de manutenção de longo prazo devidamente planejado e conduzido, da Holanda.[192] Com sete anos de acompanhamento, os pacientes que tiveram a dose reduzida ou interrompida se saíram muito melhor do que aqueles que continuaram a tomar drogas: 21 de 52 (40%) versus 9 de 51 (18%) (P = 0,02) se recuperaram do primeiro episódio de esquizofrenia.

Médico recebendo suborno de empresário em um fundo cinza

Temos evidências altamente convincentes de que as pílulas para psicose impedem que os pacientes se curem (consulte o Capítulo 7, Parte Três). E, no entanto, os psiquiatras continuam a recomendar tratamento a longo prazo; muitos pacientes permanecem nas pílulas por muitos anos; e muitos acabam recebendo aposentadoria por invalidez. Este é o mundo de cabeça para baixo da psiquiatria e um dos muitos sinais de que toda a especialidade deveria ser desfeita para proteger os pacientes (como explicarei no Capítulo 16).

Pesquisadores dinamarqueses tentaram repetir o estudo holandês, mas o estudo foi abandonado porque alguns pacientes estavam assustados com o que aconteceria se não continuassem com a droga, enquanto outros queriam interrompê-la e não queriam ser randomizados para a continuação do uso. O principal pesquisador foi Nordentoft, que citou a meta-análise dos estudos de manutenção. Como o estudo holandês é altamente importante e foi publicado em 2013, é curioso que ela não o tenha citado.

Há outro estudo de longo prazo, de Hong Kong, publicado em 2018,[193] em que os pesquisadores trataram pacientes com primeiro episódio com quetiapina por dois anos; interromperam o tratamento em metade deles introduzindo placebo; e relataram os resultados em 10 anos. Eles descobriram que um desfecho clínico ruim ocorreu em 35 (39%) de 89 pacientes no grupo de interrupção e em apenas 19 (21%) de 89 pacientes no grupo de tratamento contínuo.

Eu imediatamente suspeitei que o ensaio estava falho, pois esse resultado era exatamente o oposto do resultado holandês, e que os investigadores haviam retirado a droga muito rapidamente. Como não havia informações sobre o esquema de retirada no artigo, procurei uma publicação anterior, dos resultados em três anos.[194] Eles não reduziram a dose de forma alguma; todos os pacientes randomizados para placebo foram submetidos à retirada abrupta.

O relatório de 10 anos foi revelador: “Uma análise post hoc sugeriu que as consequências adversas da interrupção precoce foram mediadas em parte por meio de recaídas precoces durante o período de 1 ano após a interrupção da medicação.”[193] Em linguagem clara: nós médicos prejudicamos metade de nossos pacientes ao jogá-los no inferno da retirada abrupta. 

Os pesquisadores definiram o resultado ruim como uma combinação de sintomas psicóticos persistentes, necessidade de tratamento com clozapina ou morte por suicídio. Eles chamaram seu ensaio de duplo-cego, mas é impossível manter cego um ensaio com sintomas de retirada abrupta, e é altamente subjetivo se há sintomas psicóticos persistentes e se a clozapina deve ser administrada. É muito mais relevante se os pacientes voltam a ter uma vida normal. Uma tabela mostrou que, após 10 anos, 69% daqueles que continuaram tomando a droga estavam empregados, em comparação com 71% no grupo de retirada abrupta, um resultado notável considerando os danos iatrogênicos infligidos ao último grupo. Como mencionado anteriormente, ensaios como este são altamente antiéticos porque alguns pacientes cometem suicídio quando experimentam os efeitos de retirada abrupta.

Por favor, pense sobre isso: por que drogas que não têm efeitos clinicamente relevantes quando usadas para psicose aguda teriam de repente efeitos dramáticos sobre recaídas quando retiradas após um período considerável? Isso não faz sentido. Mas é isso que os psiquiatras querem que acreditemos.

Havia muito pouca informação nos manuais didáticos sobre como retirar as drogas de forma lenta e segura. Um deles explicou que, devido a uma regulação ascendente no número de receptores, uma diminuição muito rápida da dose pode desencadear uma psicose de rebote, já que a regulação descendente é lenta.[16:221] Isso foi uma admissão de que os estudos de manutenção são fatalmente falhos. O manual recomendou uma redução gradual ao longo de vários meses, mas não orientou como.[16:577]

Apenas um manual didático deu orientações sobre a retirada. Recomendou-se uma redução de dose de 20% a cada seis meses, mas não explicou o que isso significa.[17:657] Pode ser 20% da dose inicial ou 20% da dose atual. Assim, os passos de redução de dose poderiam ser 80%, 60%, 40%, 20% e zero, em um período de 2,5 anos, ou 80%, 64%, 51%, 41%, 33%, etc., nesse caso, a retirada levaria muito mais tempo. É muito provável que o que foi orientado tenha sido uma redução linear, ou seja, a primeira opção, e não uma redução exponencial, como é rotineiramente feito pelos psiquiatras.[8,195] Além disso, uma redução exponencial teria exigido informações sobre o que fazer quando a dose ficasse baixa, caso contrário, a retirada nunca terminaria.

Pouquíssimas pessoas sabem que uma redução linear está errada. Como as curvas de ligação de drogas aos receptores são hiperbólicas, a redução deve ser exponencial (consulte a curva de ocupação do receptor para a pílula de depressão citalopram, que apresentarei no Capítulo 15).[8]

Dado que as curvas de ligação são planas no topo e a maioria dos pacientes está em uma dose alta, a redução inicial da dose, frequentemente, pode ser relativamente grande sem efeitos adversos. No entanto, quando a dose fica baixa, as reduções, frequentemente, precisam ser pequenas, porque a curva é muito íngreme em doses baixas. Mais importante ainda, a retirada é um processo altamente individual, pois os pacientes reagem de maneira muito diferente à mesma redução de dose. Portanto, é um processo de tentativa e erro em cada caso.[8:93]

Crimes organizados e fraudes compensam

Os psiquiatras utilizaram jargão da indústria ao discutir diferentes drogas para psicose. Todos os manuais falaram sobre pílulas para psicose de primeira e segunda geração;[16:130,16:219,16:302,16:560,17:314,18:234,19:236,20:416], sendo que um mencionou também pílulas de terceira geração;[18:234] algumas drogas foram chamadas de atípicas;[16:560] e outras foram chamadas de modernas,[18:116] que sugere que você é excêntrico e desatualizado se preferir outras drogas.

Como os efeitos das drogas dentro dessas classes são amplamente diferentes, é sem sentido dividi-las em duas ou três classes. Acadêmicos deveriam fazer melhor do que ecoar os termos enganosos inventados pela indústria, que os ajudam a vender pílulas que são muito mais caras do que as que não são piores e, em alguns casos, até melhores, pois têm menos efeitos colaterais graves.[7]

Como exemplo, um manual mencionou que a olanzapina, embora chamada de droga de segunda geração, não é uma escolha preferencial devido aos seus danos metabólicos.[20:418] Mas o marketing supera a ciência. Essa droga, uma das piores já inventadas, tornou-se um sucesso de vendas, em parte devido a fraudes, assédios via processos judiciais contra médicos, advogados, jornalistas e ativistas que queriam contar a verdade sobre a droga, e crime organizado que incluía marketing ilegal.[6:31] Eu estimo, com base nas vendas e na meta-análise publicada em pessoas com demência,[162] que até 2007, a olanzapina matou 200.000 pacientes.[6:232]

A história da olanzapina é sombria, algo que os estudantes de psiquiatria deveriam conhecer. Em 2001, o Prozac (fluoxetina), a pílula para depressão mais vendida da Lilly, estava prestes a perder a patente. A empresa estava desesperada para, de alguma forma, convencer as pessoas a usar a olanzapina (Zyprexa) para transtornos de humor, então a Lilly a chamou enganosamente de estabilizador de humor.[196] A olanzapina era uma substância antiga e a patente estava prestes a expirar, mas a Lilly obteve uma nova patente mostrando que ela produzia menos elevação do colesterol em cães do que uma droga nunca comercializada![197] A olanzapina aumenta mais o colesterol do que a maioria das drogas similares e, portanto, deveria ter sido comercializada como uma droga que eleva o colesterol, mas isso não a teria tornado um sucesso com vendas de cerca de US$ 5 bilhões por ano por mais de uma década.[197]

Uma ação judicial revelou que a documentação da Lilly sobre o efeito da olanzapina era tão ruim que a droga não deveria ter sido aprovada, mas a FDA encobriu todas as manipulações da Lilly, assim como fizeram com a fluoxetina (como explicarei no Capítulo 8).[198] Um manual altamente revelador, “The Zyprexa Papers,” do advogado Jim Gottstein, descreve a droga ilegal e o uso forçado que destruíram pacientes.[199] Psiquiatras, advogados e a Eli Lilly mentiram descaradamente, e os juízes não se importaram, o que eu experimentei em primeira mão como testemunha pericial de Gottstein. Gottstein precisou ir à Suprema Corte do Alasca antes de obter justiça e correu um grande risco pessoal ao expor documentos da Lilly que deveriam ser secretos.

Uma das razões pelas quais a comercialização de medicamentos é tão eficaz é que os vendedores acreditam estar vendendo uma droga muito boa. Mas eles foram enganados por seus superiores.[6] O enorme sucesso comercial da Lilly com a fluoxetina e a olanzapina ilustra que, na psiquiatria, não importa quais drogas você tenha. Corrupção, marketing e mentiras garantirão que os médicos não usem drogas melhores e mais baratas. E as organizações de pacientes contribuem voluntariamente para a corrupção. Muitas vezes, elas recebem dinheiro da indústria e só sabem o que as empresas farmacêuticas ou os psiquiatras lhes disseram, o que é a mesma coisa, já que eles também obtêm seu conhecimento da indústria. Portanto, não foi surpreendente quando a presidente de uma organização de pacientes psiquiátricos, em 2001, considerou antiético que, na sua opinião, os psiquiatras dinamarqueses estivessem demorando muito para usar as novas pílulas para psicose, como olanzapina e risperidona.[200]

Os crimes foram massivos. Em 2009, a Lilly concordou em pagar mais de US$ 1,4 bilhão por marketing ilegal para inúmeras utilizações fora do rótulo, incluindo depressão e demência, e a Zyprexa foi especialmente promovida para uso em crianças e idosos.[201] As alegações foram feitas por seis denunciantes da Lilly que foram demitidos ou forçados a renunciar pela empresa. De acordo com a reclamação, um representante de vendas havia entrado em contato com a linha direta da empresa sobre práticas de vendas antiéticas, mas não recebeu resposta.

Os representantes de vendas da Lilly se passavam por pessoas na plateia interessadas no uso expandido do Zyprexa e faziam perguntas preestabelecidas durante palestras e conferências de áudio sobre usos não autorizados para médicos. Outra tática foi que, embora conhecessem o risco substancial de ganho de peso provocado pela Zyprexa, a empresa minimizou a conexão entre Zyprexa e ganho de peso em um vídeo amplamente divulgado chamado “O Mito do Diabetes”.

A fraude foi massiva. Em 2007, a Lilly ainda afirmava que “numerosos estudos não encontraram que o Zyprexa causa diabetes”, mesmo que o Zyprexa e drogas similares tenham carregado um aviso da FDA em seus rótulos que a hiperglicemia havia sido relatada desde 2003.[202] Os próprios estudos da Lilly mostraram que 16% dos pacientes ganharam pelo menos 30kg de peso após um ano com a droga, e tanto psiquiatras quanto endocrinologistas afirmaram que o Zyprexa fazia com que muitos mais pacientes se tornassem diabéticos do que outras drogas. Mas a Lilly e psiquiatras corruptos produziram artigos descrevendo a esquizofrenia como um fator de risco para diabetes![4] Como sempre, o problema não era a droga; era a doença.

O Zyprexa parece ser mais prejudicial do que muitas outras pílulas para psicose.[196] Mas a Lilly preparou histórias fictícias de pacientes para uso da equipe de vendas.[196]

Um e-mail interno da AstraZeneca disse que a Lilly conduz um grande e altamente eficaz programa de ensaios iniciados por investigadores; eles oferecem suporte financeiro significativo, mas querem controle dos dados em troca; eles conseguem manipular os mesmos dados de muitas maneiras diferentes por meio de uma equipe eficaz de publicações; e os dados negativos geralmente permanecem bem escondidos.[203]

O crime organizado e a fraude também são o modelo de negócios para outras empresas.[6:22] A AstraZeneca silenciou um estudo que mostrou que a quetiapina (Seroquel) levou a altas taxas de descontinuação do tratamento e aumentos significativos de peso, enquanto a empresa, ao mesmo tempo, apresentava dados em reuniões europeias e americanas que indicavam que a droga ajudava os pacientes psicóticos a perder peso.[204] Os kits de slides dos palestrantes e, pelo menos, um artigo de revista, afirmavam que a quetiapina não aumentava o peso corporal, enquanto dados internos mostravam que 18% dos pacientes tiveram um ganho de peso de pelo menos 7%.[196]

Em 2010, a AstraZeneca concordou em pagar US$ 520 milhões para resolver um caso de fraude depois que a empresa promoveu ilegalmente a quetiapina para crianças, idosos, veteranos de guerra e detentos para usos não aprovados pela FDA, incluindo agressão, controle da raiva, ansiedade, TDAH, demência, depressão, transtorno de humor, transtorno de estresse pós-traumático e insônia.[205] A empresa também pagou subornos a médicos.

Em 2012, a Johnson & Johnson foi multada em mais de US$ 1,1 bilhão depois que um júri constatou que a empresa e sua subsidiária Janssen minimizaram e esconderam os riscos causados pela risperidona (Risperdal).[206] O juiz encontrou quase 240.000 violações da lei de fraude Medicaid de Arkansas. A Janssen mentiu sobre os sérios danos da risperidona, que incluem morte, derrames, convulsões, ganho de peso e diabetes, e afirmou que a droga era eficaz e segura em idosos. Os crimes também afetaram profundamente as crianças.[207] Mais de um quarto do uso do Risperdal foi em crianças e adolescentes, incluindo indicações não aprovadas, e um painel de especialistas federais em medicamentos concluiu que a droga era usada em excesso. Um psiquiatra infantil de renome mundial, Joseph Biederman de Harvard, promoveu fortemente a droga para crianças e também extorquiu a empresa. E-mails internos revelaram que Biederman ficou furioso depois que a Johnson & Johnson rejeitou um pedido que ele havia feito para receber uma bolsa de pesquisa de US$ 280.000. Um porta-voz da empresa escreveu que nunca havia visto alguém tão zangado e que, desde então, os negócios deles se tornaram inexistentes na área controlada por Biederman.

Parecia que Alex Gorsky, Vice-Presidente de Marketing, estava ativamente envolvido e tinha conhecimento direto da fraude e dos subornos.[208] O conselho de administração da Johnson & Johnson o recompensou escolhendo-o para ser o próximo CEO. Assim como na máfia: quanto maior o crime, maior o avanço.

Um número desproporcional das atividades criminosas das empresas farmacêuticas envolvia drogas psiquiátricas e incluía marketing ilegal, fraude no Medicare e Medicaid, suborno de médicos, funcionários públicos e políticos até o nível ministerial, e eliminação de evidências.[6] A corrupção de médicos também é pior do que em qualquer outra especialidade.[7:267,209]

Nossas instituições acadêmicas também se tornaram corruptas. Elas concedem a propriedade dos dados coletados ao financiador e frequentemente aceitam que os médicos terão pouca influência em qualquer publicação.[210] A competição por fundos de pesquisa significa que as empresas podem escolher entre os vários centros acadêmicos aqueles que não fazem perguntas desconfortáveis.

Para ver a lista de todas as referências citadas, clique aqui.

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Mad in Brasil (Texto original do site Mad in America ) hospeda blogs de um grupo diversificado de escritores. Essas postagens são projetadas para servir como um fórum público para uma discussão – em termos gerais – da psiquiatria e seus tratamentos. As opiniões expressas são próprias dos escritores.


Tradução de Leticia Paladino : Graduada em Psicologia pela UERJ, doutoranda em Saúde Pública pela ENSP/Fiocruz, mestre em Saúde Pública pela ENSP/Fiocruz e especialista em Saúde Mental e Atenção Psicossocial pela ENSP/Fiocruz.  Pesquisadora e Colaboradora do Laboratório de Estudos e Pesquisas em Saúde Mental e Atenção Psicossocial (LAPS/ENSP/Fiocruz).


 

Enfermaria de Crise Trabalha sem Contenção Mecânica na Espanha. Entrevista com o Enfermeiro Jesús Portos

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Por Redacción Mad in (S)pain e Jesús Portos -15 de outubro de 2020

Jesús Portos é supervisor de enfermagem das unidades de crise e de hospital-dia do Parc Sanitari de Sant Joan de Deu, em Sant Boi de Llobregat. Até onde sabemos, a unidade de crise, com 27 leitos, é a única unidade na Espanha em que a contenção mecânica não foi usada por um ano inteiro, sem o uso de outros tipos de medidas coercitivas, como isolamento ou contenção química. Queríamos entrevistar Jesús sobre a experiência de trabalhar sem contenção mecânica.

Gostaríamos que você começasse se apresentando e nos contasse como se tornou supervisor de enfermagem e como surgiu a ideia de trabalhar no sentido de eliminar ou reduzir as restrições mecânicas em sua unidade.

Sou enfermeiro desde 1998. Sou especializado em saúde mental. Sempre foi muito claro para mim que eu queria trabalhar com saúde mental, era meu interesse e minha paixão. Pensei em alcançar pacientes com problemas de saúde mental a partir da enfermagem porque, embora pudesse ter feito isso de outro lugar, como a psicologia, eu gostava do trabalho de enfermagem com o usuário de saúde mental.

Trabalho em uma unidade de crise e minha função é supervisionar e liderar o projeto de enfermagem, trabalhando em equipe com meus colegas e estando em contato permanente com os usuários. Anos de experiência e treinamento me fizeram querer liderar projetos de cuidados. Fiquei interessada em um novo projeto de assistência de enfermagem que estava em andamento em nosso hospital e me ofereceram o cargo de supervisor de enfermagem em saúde mental.

Ao longo desses anos, forjei minha própria opinião sobre o que deveria e o que não deveria ser o atendimento a pessoas com problemas de saúde mental. Comecei a trabalhar na unidade por volta do ano 2000 e, desde então, felizmente, tudo mudou muito: éramos muito menos pessoas do que somos hoje, com treinamento pior, não trabalhávamos em equipe, a rede comunitária era precária, portanto, o modelo a partir do qual trabalhávamos era paternalista e institucionalizante. O paciente era internado e hospitalizado. E era só isso. Pude vivenciar uma mudança de modelo. Embora ainda haja um longo caminho a percorrer, realmente mudou muito em termos de cuidados com a saúde mental vistos a partir da hospitalização, que é onde tenho minha experiência.

E como surgiu a ideia de trabalhar para a redução e eliminação das restrições mecânicas nas unidades de internação onde você trabalha?

É um trabalho que eu não iniciei diretamente. Antes, na unidade de crise, havia outro supervisor, um homem altamente treinado em métodos de “desescalonamento” de agitação, que levantou a necessidade de trabalhar com o objetivo de usar o mínimo possível de restrições e, se possível, tender a 0 restrições. Nesse esforço, ele pesquisou e encontrou o modelo Libera-Care, proveniente da geriatria, e entrou em contato com Ana Urrutia para trazer esse modelo para uma unidade de internação psiquiátrica. Ele parou de trabalhar aqui e eu tentei dar continuidade a essa filosofia e a esse trabalho.

Aplicar o modelo Libera-Care não é uma tarefa fácil, porque a experiência no campo da saúde mental das pessoas que o conhecem e que estão nos treinando é muito limitada. As restrições em geriatria estão muito relacionadas à segurança (quedas, desorientação…) e geralmente são usadas com pessoas com deficiência cognitiva e funcionalidade muito baixa. Eliminar a contenção química para eles também tem outras conotações: evitar distúrbios confusionais e sedação excessiva em idosos, pois eles contribuem para aumentar o risco de quedas. Na saúde mental, por outro lado, não estamos falando de restrições sendo usadas para evitar o risco de quedas, mas o desafio é gerenciar situações em que a restrição mecânica tem sido tradicionalmente usada de uma maneira diferente. Assim como nos idosos a contenção agrava os transtornos confusionais, na saúde mental a autonomia e a capacidade de autogerenciamento do paciente são bastante comprometidas pelo uso da contenção mecânica.

Vamos falar sobre as unidades em que você trabalha. Estruturalmente, os espaços físicos são diferentes de outras unidades de internação?

São unidades que não são particularmente grandes, com 24 a 25 leitos, e isso permite que você trabalhe de forma mais próxima e pessoal. São confortáveis, agradáveis, com luz natural, acesso natural à rua, há uma horta… Não têm o aspecto asséptico e frio de uma unidade de internação.

Em termos de estrutura humana, o quadro de funcionários é formado “na origem”: a equipe é uma combinação de pessoas que já trabalham na unidade há muito tempo, com pessoas que entraram depois, mas que foram treinadas conosco por meio de estágios, por exemplo. Muitos deles são pessoas que pediram para fazer seus estágios aqui, e levamos em conta essa motivação para tentar mantê-los conosco. Tentamos ter pessoas sensíveis e que compartilhem nossa maneira de ver a saúde mental no ambiente de internação, o que não é comum.

Você dá importância aos valores e à motivação dos funcionários para poder contar com eles. Que características e habilidades você gostaria de ver nos funcionários que trabalham com você?

Para os novos funcionários, tentamos recrutar pessoas que tenham pedido para fazer um estágio conosco, que queiram trabalhar conosco ou que tenham gostado da maneira como nossa unidade trabalha: proximidade, tratamento personalizado, um relacionamento que não seja impositivo, mas o mais horizontal possível, e uma maneira sensível de trabalhar.

Além do treinamento específico, também acreditamos que o treinamento em valores é importante. Nossa unidade fica em um hospital que pertence à ordem hospitalar de São João de Deus, uma figura da Idade Média que dedicou sua vida a cuidar de pessoas em sofrimento mental. Ele próprio tinha problemas mentais e nós sabemos muito bem de onde viemos e o que devemos à sociedade e às pessoas. Temos um manual de boas práticas que inclui ser autonomista, não dominar o paciente, entender que uma pessoa louca não é perigosa, trabalhar com o estigma etc. Temos muito claro que a pessoa que se comporta dessa forma o faz porque tem necessidades e deficiências, não porque é violenta ou ruim.

Com relação ao funcionamento das unidades em que você trabalha, gostaríamos de lhe perguntar sobre as regras. Uma das conclusões da tese de Elvira Pértega, uma enfermeira que recentemente estudou a contenção mecânica na hospitalização de crianças, é que a maioria das contenções ocorre porque os pacientes não conseguem cumprir as regras das unidades, que são excessivamente rígidas. As regras em suas unidades são diferentes das de outras?

Aqui não operamos de forma muito comportamental. Há regras mínimas de convivência, mas são as mesmas da minha casa ou da sua. Não há horários impostos. Por exemplo, em relação aos hábitos, que muitas vezes são comprometidos pela condição do paciente, não somos muito rígidos: se um paciente quer sair da sala de jantar, ele sai da sala de jantar, se alguém quer tomar banho à tarde em vez de tomar banho de manhã, ele toma banho à tarde. Felizmente, já faz muitos anos que ninguém é contido ou isolado por esse tipo de coisa.

Quando finalmente acabamos usando a contenção mecânica, o que acontece muito ocasionalmente, é porque há situações extremas de descontrole comportamental. Em nosso caso, as restrições que usamos, e insisto que são mínimas, cerca de 2%, são herdadas de emergências. Este é um hospital horizontal, ou seja, somos prédios diferentes dentro de um parque de saúde, e o departamento de emergência não fica em nosso prédio. A peculiaridade é que a transferência do paciente não é feita dentro do prédio, mas tem de ir para a rua com uma ambulância. A empresa que realiza o transporte médico é uma empresa externa e, de acordo com o protocolo interno, a transferência involuntária de pacientes psiquiátricos é feita com contenção mecânica. Recebemos o paciente imobilizado e, embora na maioria das vezes ele seja detido assim que entra na unidade, essa imobilização tem de ser imputada a nós para fins estatísticos. Essas são a maioria das restrições que temos. Sabemos que temos de trabalhar com esse tipo de empresa que se encarrega das transferências médicas, nas quais detectamos uma falta de gerenciamento, mas preferimos resolver primeiro o nosso problema e depois nos encarregar de conscientizar outros grupos.

Há câmeras de vigilância por vídeo nos quartos?

Sim, você é informado quando é recebido na unidade. Fazemos isso porque já sofremos muitas tentativas de suicídio e elas foram úteis. Nós as usamos principalmente para evitar o risco de suicídio autoinfligido. Não há câmeras nos banheiros e há outros locais onde as pessoas podem ficar se precisarem de privacidade. Mas esse é mais um elemento de segurança, e as pessoas tendem a entender isso. As câmeras não gravam, elas apenas permitem que você veja em tempo real.

Já discutimos muitas vezes se poderíamos parar de usá-las, e até visitamos centros que não têm câmeras. Mas nesses centros eles não têm câmeras porque têm outros métodos que são tão ou mais invasivos. Estivemos na Escócia há alguns anos, em uma unidade de internação de adolescentes em crise, e lá não havia câmeras, mas as portas dos quartos tinham uma vigia com um vidro opaco que podia ser transparente com uma chave. Isso é comum, sem câmeras, mas com vigias.

Sabemos que muitas vezes a equipe de enfermagem está muito atarefada, pois é dada muita prioridade às tarefas diárias: sair, fumar, roupas, medicamentos etc., em detrimento do acompanhamento das pessoas internadas. Vocês fizeram algum tipo de reestruturação de prioridades ou tarefas?

No que diz respeito às tarefas administrativas, a equipe está bastante descarregada. Em relação à roupa de cama, os assistentes se encarregam de colocar os lençóis e as toalhas no armário e, quando querem trocar a cama, dão a eles os lençóis e as toalhas de que precisam. Temos um banco de roupas para pacientes que não têm recursos e os pacientes são vestidos com suas próprias roupas desde o início da estadia.

O gerenciamento do tratamento farmacológico é uma tarefa para os enfermeiros, mas entendemos que isso faz parte do tratamento. Não muito mais.

Foi necessário aumentar o número de profissionais para que pudessem trabalhar sem coerção?

Se houvesse mais de nós, certamente seria mais fácil. Nunca seremos suficientes. Eu sempre quero ter mais pessoas, mas acho que é uma questão de estar bem organizado, de ter clareza sobre suas funções e responsabilidades e de ter uma atitude prestativa. Se formos todos juntos, em nossa situação, aumentar os recursos humanos não é uma prioridade porque estamos bem cobertos.

Em nossa unidade, temos outros tipos de pessoal, não apenas de enfermagem: há educadores, há uma equipe de reabilitação que complementa a parte psicoeducacional e a enfermagem se concentra nas necessidades diárias das pessoas, tanto de recuperação quanto de prevenção. Na minha opinião, é mais uma questão de sensibilidade e desejo do que de número de pessoas.

Tentamos ter o mínimo possível de rotatividade de pessoal, pois damos grande importância ao vínculo de confiança e apego com as pessoas, para que o paciente possa identificar sua enfermeira ou assistente como ponto de referência para obter ajuda e, para isso, não é conveniente estar constantemente trocando de pessoal. Temos duas equipes, uma de segunda a quinta e outra nos fins de semana, mas são duas equipes que trabalham há muito tempo. Nos períodos de férias, há mais mobilidade, embora tentemos garantir que sempre haja pessoas treinadas e experientes, e que sempre haja um ponto de referência da equipe habitual.

Outra questão sobre a qual Ana Urrutia e Elvira Pértega falam é a importância da horizontalidade na própria equipe de trabalho. Sua unidade trabalha de forma mais horizontal em termos de comunicação e relacionamento entre os diferentes estratos profissionais?

Acredito que a horizontalidade é um exercício na prática que é necessário, mas difícil de gerenciar. Somos muito claros quanto a isso com o paciente, também em relação ao trabalho em equipe. Mas acho que a possibilidade de trabalhar horizontalmente está intimamente ligada à maturidade das equipes. Há equipes que trabalham juntas há muito tempo, que se complementam perfeitamente e nas quais a horizontalidade é colocada em prática, e outras, nas quais há mais rotatividade, as sensibilidades variam e algumas pessoas não querem interferência em sua área de trabalho. No meu caso, a enfermagem é muito clara, mas no relacionamento com a equipe médica a mudança não é totalmente feita, muitas vezes devido à rotatividade.

Como são feitos os registros das restrições, vocês usam algum indicador, os dados são compartilhados com a equipe?

As medidas restritivas são registradas em uma seção específica do prontuário médico do paciente e há uma contagem por unidade. Como o registro médico é computadorizado, podemos explorar os dados na forma de Excel. Podemos ter dados sobre o número de restrições por usuário, os horários em que eles são mais restringidos, o motivo da restrição.

Vocês fazem sessões de esclarecimento após as restrições, reúnem-se com a equipe, reúnem-se com o paciente?

Inicialmente, nos reunimos com a equipe e, com o paciente, deixamos passar alguns dias. Isso ocorre porque, como eu disse, quando fazemos a contenção, ela está sempre ligada a crises, não a questões normativas. Então, quando a crise passa, sempre conversamos com o paciente, dizemos que ele vai ser descontaminado e tentamos conversar sobre o episódio. Você sempre conversa com o paciente, mas espera o momento certo. Com a equipe, você sempre conversa imediatamente.

Como você fez na unidade de crise este ano, onde não fez nenhuma contenção mecânica, a partir de sua experiência e de sua própria perspectiva, você acha que é possível trabalhar sem nenhuma contenção mecânica na unidade de crise ou acha que há algum tipo de obstáculo ou característica diferencial que dificulta isso?

Sim, acho que é possível. Estou me lembrando de casos em que a contenção mecânica foi aplicada em mais de uma ocasião, às vezes no mesmo paciente – e estou falando de casos de catatonia, que alternam episódios de bloqueio psicomotor extremo com episódios de explosão comportamental – e acho que poderíamos ter trabalhado o ambiente de outra forma, gerenciado o espaço de outra maneira.

Temos de ter em mente que, em uma unidade de crise, temos de admitir todas as pessoas que chegam até nós. O motivo mais frequente de internação em uma unidade de crise é garantir, mesmo que involuntariamente, que o paciente possa seguir um tratamento que não pode seguir em um ambiente ambulatorial. Mas casos muito graves também passam por aqui, pessoas com deficiências com episódios muito intensos de descontrole comportamental e, se não tivermos o ambiente bem gerenciado, é difícil libertá-las da contenção mecânica. Nesse tipo de caso, as pessoas precisam ser acompanhadas constantemente. E a família pode ficar 24 horas na unidade, mas temos de trabalhar continuamente em sua realidade e estar muito, muito atentos. É nesses casos que é mais difícil não usar a contenção mecânica em nenhuma ocasião. Esses são casos, casos muito específicos.

Eu gostaria de pensar que um dia não colocaremos ninguém em contenção mecânica, mas acho que ainda temos que gerenciar a segurança de uma maneira diferente, assumindo outros riscos, trabalhando com as famílias… Mas sou otimista. Vou dizer que sim.

Kit de Sobrevivência em Saúde Mental e Retirada dos Medicamentos Psiquiátricos

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Nota do Editor: Por autorização do autor, o Mad in Brasil (MIB) estará publicando quinzenalmente um capítulo do recente livro do Dr. Peter Gotzsche. Os capítulos irão ficar disponíveis aqui.

Kit de sobrevivência
em saúde mental e retirada
dos medicamentos
psiquiátricos
Peter C. Gøtzsche
Instituto para a Liberdade Científica
Traduzido por Fernando F. P. de Freitas
© Peter C. Gøtzsche 2020
Capa: o autor
ISBN: 978-87-972291-3-2
Primeira edição. Primeira impressão
Dinamarca 2020

Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta publicação pode ser reproduzida, transmitida ou armazenada em um sistema de recuperação, de qualquer forma ou por qualquer meio, eletrônico, mecânico, fotocópia, gravação ou outro, sem a permissão prévia da editora. Este livro é vendido sob a condição de não ser, por meio de comércio ou de outra forma, emprestado, revendido, alugado ou distribuído sem o consentimento prévio da editora em qualquer forma de encadernação diferente daquela em que é publicado e sem que uma condição semelhante, incluindo esta condição, seja imposta ao comprador subsequente.

Instituto para a Liberdade Científica. Copenhague. www.scientificfreedom.dk

 

CAPÍTULOS:


Capítulo 1: Este livro pode salvar a sua vida

Capítulo 2 (Parte 1): A psiquiatria é baseada em evidências?

Capítulo 2 (Parte 2): A psiquiatria é baseada em evidências?

Capítulo 2 (Parte 3): A psiquiatria é baseada em evidências?

Capítulo 2 (Parte 4): A psiquiatria é baseada em evidências?

Capítulo 2 (Parte 5): A psiquiatria é baseada em evidências?

Capítulo 2 (Parte 6): A psiquiatria é baseada em evidências?

Capítulo 2 (Parte 7): A psiquiatria é baseada em evidências?

Capítulo 3: Psicoterapia

Capítulo 4: A retirada de medicamentos psiquiátricos

Capítulo 5 (Parte 1): Kit de sobrevivência para jovens psiquiatras em um sistema doente

Capítulo 5 (Parte 2): Kit de sobrevivência para jovens psiquiatras em um sistema doente


 

AgradecimentosSou grato pelos milhares de e-mails que recebi de pacientes e parentes descrevendo os danos e abusos que sofreram na psiquiatria e pelas muitas interações que tive com psiquiatras, psicólogos, farmacêuticos e outros profissionais inspiradores, incluindo Peter Breggin, Jane Bækgaard, James Davies, Magnus Hald, David Healy, Göran Högberg, Niall McLaren, Joanna Moncrieff, Luke Montagu, Klaus Munkholm, Peer Nielsen, Åsa Nilsonne, John Read, Bertel Rüdinger, Olga Runciman, Kristian Sloth, Anders Sørensen, Sami Timimi, Birgit Toft e Robert Whitaker.

Abreviações
DSM: Manual de Diagnóstico e Estatística de Transtornos Mentais
EMA: Agência Europeia de Medicamentos
FDA: Administração de Alimentos e Drogas dos EUA
ISRS: inibidor seletivo de recaptação de serotonina
OMS: Organização Mundial da Saúde

 

1º Seminário Internacional A Epidemia das Drogas Psiquiátricas: A Abordagem do Diálogo Aberto (Open Dialogue)

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Nota do editor: Nessa série, estamos relembrando todas as mesas do Seminário Internacional “A Epidemia das Drogas Psiquiátricas” realizadas entre 2017-2023. 

 

Jaakko Seikkula, um dos criadores da abordagem finlandesa do Diálogo Aberto conhecida pelo seu trabalho de reuniões dialógicas com pessoas com sintomas psicóticos, relata a história, os príncipios e os excelentes resultados apresentados por essa abordagem.

A fala de Seikkula foi realizada durante a primeira edição do Seminário Internacional “A Epidemia das Drogas Psiquiátricas: Causas, danos e alternativas”, no ano de 2017 no auditório da ENSP, na Fiocruz. Disponível no Youtube da VídeoSaúde Distribuidora da Fiocruz.

Menopausa: Como a Cannabis Medicinal pode Auxiliar as Mulheres

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No dia 07 de janeiro de 2024, através do site IG Delas, foi divulgada a matéria sobre  menopausa, um estágio natural na vida de todas as mulheres e que marca a transição do período fértil para o não reprodutivo, ocorrendo por volta dos 50 anos. No entanto, vale ressaltar que pode acontecer antes ou depois dos 50 anos, é uma questão singular de mulher para mulher, dependendo de cada organismo.

 

A matéria aponta que na busca de propriedades que são eficazes para a redução da ansiedade, dores e mudanças hormonais associadas à menopausa, é utilizado o canabidiol (CBD), que é um composto natural e não-psicoativo que pode ser utilizado no tratamento destas condições, e assim melhorar a qualidade de vida de mulheres na fase da menopausa.  Seu uso traz também maior qualidade no sono, outro desafio comum nesta fase da vida, e consequentemente, melhorando a rotina diária desta mulher.

“O uso da cannabis medicinal pode auxiliar as mulheres que estão na menopausa de diversas formas. O CBD age no sistema endocanabinóide ajudando a modular a resposta a desconfortos causados pela diminuição dos níveis de estrogênio e progesterona no corpo, auxiliando no alívio em inflamações e na melhora no sono”, explica José Manzi, Diretor Médico da Simples Cannabis, empresa que auxilia e facilita a importação dos melhores medicamentos canábicos junto à Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária).

Sendo uma alternativa natural e eficaz para atenuar os “sintomas”, o uso do CBD por mulheres nesta fase foi testado e trouxe resultados positivos. Um estudo feito por Harvard em 2022, com 131 mulheres na perimenopausa, período que antecede a menopausa, e 127 que já haviam passado pela condição, revelou que o alívio dos sintomas foi reportado por 79% das participantes.

A conexão entre a cannabis e o tratamento da menopausa não se resume apenas às condições físicas, mas também de forma benéfica para a saúde mental das mulheres, com a diminuição da ansiedade e de alterações de humor. “As propriedades ansiolíticas e antidepressivas do CBD ajudam a combater sintomas emocionais comuns no período da menopausa, como a ansiedade, irritabilidade e possíveis mudanças de humor. A melhora no sono também está inclusa neste pacote, visto que distúrbios do sono afetam frequentemente mulheres nesta fase, e acabam impactando a rotina e a qualidade de vida delas”, explica Manzi.

O estudo que foi conduzido por pesquisadores afiliados ao McLean, o maior hospital psiquiátrico universitário da Harvard Medical School, aponta que o tratamento com medicina à base de cannabis não costuma causar quaisquer mudanças cognitivas nos pacientes, e nem causa dependência, uma vez que o composto natural responsável por possíveis alucinações, o tetrahidrocanabinol (THC), não está presente nas concentrações de CBD usadas na terapia dos pacientes, ou está presente em quantidades pequenas, sem a chance de causar estes efeitos. Qualquer paciente que tenha interesse em utilizar o canabidiol deve, em primeiro lugar, passar por uma consulta médica para avaliar indicações e contraindicações. E apenas com receita em mãos, será possível dar início ao tratamento.

Na Simples Cannabis, é possível agendar um horário com um dos especialistas e passar via telemedicina. Posteriormente, a empresa auxilia em todos os trâmites e documentações com a ANVISA para a obtenção da medicação.

“O uso da cannabis medicinal não se resume apenas no tratamento de sintomas como os da menopausa, mas se estende a todas as idades e no tratamento de diversas outras condições”.

Ressaltando que a pesquisa indica que a cannabis medicinal pode ser uma opção de tratamento não hormonal com potencial para aliviar os sintomas da menopausa de forma mais eficaz e possivelmente menos efeitos colaterais em relação aos tratamentos existentes.

 “Embora este estudo forneça informações valiosas sobre o impacto dos efeitos da expectativa de tratamento, mais pesquisas são extremamente necessárias”, acrescentaram os pesquisadores.

Reportagem completa: https://delas.ig.com.br/alimentacao-e-bem-estar/2024-01-07/menopausa–cannabis-medicinal.html

 

A psicanálise libertária de François Tosquelles

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O site Outras Palavras relembrou o médico e psicanalista espanhol que revolucionou o modelo de cuidado em psiquiatria e inspirou as lutas antimanicomiais no Brasil: François Tosquelles.

O livro Uma política da loucura conta com uma compilação de textos e entrevistas inéditas do psicanalista, organizado por Anderson Santos. Tosquelles é responsável pela experiência internacionalmente reverenciada conhecida como psicoterapia institucional.

Como afirma Paulo Amarante:

“forneceram algumas das bases mais importantes para o processo brasileiro de reforma psiquiátrica” e são baseadas na “reconstrução dos processos de vida, das relações sociais, das práticas de cooperação, ajuda mútua, reconhecimento, solidariedade, pertencimento, etc.”

Tosquelles foi uma influência importante para Frantz Fanon, seu aluno. Mas não só, Félix Guattari, Horace Torrubia, Jean Oury, Lucien Bonnafé, Roger Gentis, Yves Racine, surrealistas, militantes comunistas e anarquistas foram influenciados por suas ideias libertárias e antifascistas.

O Fenômeno da Medicalização no Ensino Superior Brasileiro

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O artigo Patologização e Medicalização da Educação Superior tem como objetivo compreender de que maneiras os discursos e práticas medicalizantes se materializam no cotidiano universitário e se desdobram nas políticas universitárias. A pesquisa foi realizada através da observação participante, pesquisa documental e encontros individuais e de grupo.

Apesar da medicalização ter se tornado um tema central na discussão no campo da educação, ainda se concentra muito na educação básica. No entanto, não é um fenômeno restrito à essa etapa, deixando claro a necessidade de pesquisas sobre a medicalização no contexto da educação superior, ainda pouco estudada.

O fenômeno de medicalização pode ser definido como:

“Conrad (2007) define esse conceito como o processo pelo qual problemas não médicos tornam-se definidos e tratados como problemas médicos, geralmente em termos de doenças e transtornos. O autor enfatiza uma ampliação desse processo a partir dos anos 2000 representada pela criação de novos diagnósticos, como Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH), Anorexia, Síndrome do Pânico, Tensão Pré-menstrual etc. Fenômenos comuns da vida humana, como nascimento, menstruação, obesidade, ansiedade e envelhecimento foram medicalizados.”

No Brasil, a medicalização vem gerando a camada “era dos transtornos” que se torna visível no aumento vertiginoso do uso de psicotrópicos, criação de projetos de leis medicalizantes e ampliação progressiva do número de pessoas diagnosticadas com supostos transtornos.

Da mesma maneira, alguns autores se referem ao fenômeno da patologização, similar ao fenômeno da medicalização, porém com o foco maior no status de doença em que problemas da vida cotidiana estão ganhando atualmente. Dessa forma, acabam individualizando problemas sociais e relacionais, negligenciando os aspectos sociais, econômicos, históricos e políticos do desenvolvimento humano, biologizando os conflitos sociais.

A escola, por sua vez, é um espaço em que desde o início da vida as pessoas são avaliadas de maneira individual por seu desempenho. A partir de uma dificuldade no desenvolvimento escolar, como ler e escrever, o aluno é encaminhado para uma avaliação médica, a fim de descobrir uma incapacidade. Uma vez com o diagnóstico em mãos, esse aluno será tratado de maneira diferente, gerando uma dupla exclusão: a diferença é patologizada e o aluno é descriminado de acordo com ela.

As autoras decidiram por utilizar de maneira conjunta os termos “patologização e medicalização da educação” para destacar dois lados desse complexo reducionismo. Nas palavras das autoras:

“Concebemos que a primeira é uma expressão que amplia a compreensão, por não remeter a uma área específica do conhecimento, e marca o processo de transformação de fenômenos de escolarização em doenças de indivíduos. Já a segunda nos insere tanto numa discussão histórica ampla quanto numa militância política atual e evidencia como o aparato técnico-científico singular da medicina tem, ao longo da história, ainda que com diferentes intensidades em cada momento, avançado sobre o contexto educativo.”

As autoras trazem como exemplo dois diagnósticos controversos, o diagnóstico de TDAH e de dislexia. O primeiro retrata o não aprender e o não se comportar como sintomas de uma doença, ao invés da escola construir conjuntamente com o aluno a prática pedagógica. Enquanto que a dislexia é um diagnóstico que tem sua base em conceitos, advindos de pesquisas com metodologias questionáveis, e algumas apresentarem problemas éticos significativos.

Foi realizada uma pesquisa qualitativa participativa no Programa de Apoio às Pessoas com Necessidades Especiais (PPNE) da Universidade de Brasília (UnB) por meio de observação participante, pesquisa documental e encontros individuais e em grupo com estudantes de graduação, professores e servidores da universidade no período de março de 2011 a junho de 2013. Foram sujeitos desta pesquisa 84 estudantes de graduação dos quatro campus, quatro estudantes de pós-graduação, seis servidores, 28 professores e nove coordenadores de curso que participaram dos encontros do PPNE analisados na pesquisa.

Na pesquisa documental foi encontrado:

Resolução CEPE n. 48/2003. A Resolução CEPE n. 48/2003, que “dispõe sobre os direitos acadêmicos de alunos regulares Portadores de Necessidades Especiais” (UnB, 2003), representou a formalização do Programa na Universidade. De acordo com esse documento, os estudantes deveriam ter sua “deficiência ou incapacidade diagnosticada e caracterizada por equipe multidisciplinar de saúde, homologada pela Junta Médica da UnB e/ou parecer do Programa de Apoio ao Portador de Necessidades Especiais”, a fim de “obterem concessão de benefícios e serviços” (idem, Art. 1o).

Os autores chamam a atenção para o fato de que o serviço educacional é submetido à lógica saúde-doença, apenas a partir de um diagnóstico é que o aluno consegue se inserir no programa, o que eles caracterizam como processo patologizante, visto que a diferença é vista como doença. Vygotski mostrou quão insuficiente e limitante é essa compreensão, para ele a deficiência ao produzir desafios ao indivíduo, proporciona caminhos alternativos ao seu desenvolvimento que deveriam ser potencializados pelo sistema educacional.

 “A intenção aqui não é ignorar ou idealizar a diferença, mas sim tomá-la pelo que
é e acolhê-la ao processo educativo, não como estorvo, mas em seu potencial. A compreensão patologizante da diferença a mantém no âmbito da ação terapêutica, limitando o alcance da atividade pedagógica e eximindo a instituição educacional de sua responsabilidade sobre todos os estudantes.”

O PPNE geralmente atendiam os estudantes a partir de uma acolhida inicial e de encontros realizados a partir da demanda dos estudantes em relação às dificuldades que encontravam na vivência acadêmica. Já os encontros individuais com professores e servidores aconteciam para esclarecer sobre os direitos acadêmicos dos estudantes e informações sobre suas necessidades e adaptações pedagógicas específicas.

Os encontros em grupo eram reuniões feitas preferencialmente com a presença dos estudantes e de seus professores coordenador de curso, a fim de discutir a situação acadêmica dos alunos e disseminar as sugestões usuais do programa quanto às adequações pedagógicas e direitos dos estudantes cadastrados.

Durante os grupos ficou nítido que muitas vezes os professores viam certas adaptações em sala de aula, para contemplar alunos que estavam cadastrados no programa, como vantagens oferecidas aos estudantes com diagnósticos, gerando preocupação acerca do favorecimento de alguns alunos em detrimento de outros, manifestando assim uma percepção meritocrática da educação. As práticas avaliativas eram as que entravam na discussão da necessidade de mudança.

“Esse cenário denuncia uma educação universitária voltada para uma abstração idealizada: o estudante “normal”. Trata as diferenças como estorvos com os quais o professor tem que lidar e que atrapalham seu fazer. É mais uma vez a expressão da compreensão da diferença como falta e uma aproximação a ela numa perspectiva corretiva, normativa e homogeneizante (Angelucci, 2014).”

Ao invés de propiciar ao estudante as condições para o seu processo de individuação como sujeito único com uma experiência específica, promove a imposição de padrões em busca de eliminar a diferença em nome de uma suposta “normalidade”. Isso tem influenciado o próprio processo de subjetivação dos estudantes quando se referiam as suas dificuldades acadêmicas a partir do sue diagnóstico: “Eu não consigo estudar porque sou TDAH”, se referindo a ser inquieto, impulsivo, descontrolado (elementos descritivos do TDAH), e
identificando essas características com anormalidade e doença.

Em algumas situações a conversa com os professores permeava a importância de saber os interesses e necessidades dos alunos para diversificar a prática pedagógica e flexibilizar as atividades avaliativas como forma de favorecer a todos os alunos. Os autores concluem que quando a lógica do ensino não se baseia em uma assimilação acrítica de conteúdo, é possível ressignificar a lógica de justiça e de igualdade de condições.

“A patologização e a medicalização da Educação Superior, além de uma violação do direito das pessoas à educação sem precisarem ser identificadas como doentes ou transgressoras, é contrária à própria função da universidade, constituída na e pela diversidade do conhecimento. Acolher as diferenças de desenvolvimento humano nessa instituição é, mais do que garantir direitos, trazer a riqueza dessa diversidade para o projeto educativo.”

Por fim, o estudo conclui que é necessário que a Universidade se volte para sí e questione suas práticas atuais de educação. Para tal, é necessário repensar a estrutura universitária, a formação docente, currículos, espaços físicos, ações culturais, relações interpessoais, metodologias de ensino, pesquisa e extensão, bem como a própria concepção de conhecimento e ciência.

O acolhimento à diferença se faz no cotidiano, pela convivência em comunidade e pela construção de relações mais democráticas com respeito à alteridade e valorização da diversidade como fundamentais à construção da qualidade na educação.

•••

J.C. Chagas & R.L.S. Pedroza. Patologização e Medicalização da Educação Superior. Psicologia: Teoria e Pesquisa, vol. 32 n. esp., pp. 1-10.

Manual de Psiquiatria Crítica, Capítulo 7: Psicose (Parte Três)

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Nota do editor: Nos próximos meses, a Mad in Brasil publicará uma versão serializada do livro de Peter Gøtzsche, Manual de Psiquiatria Crítica. Neste blog, ele discute a falta de evidências de benefícios e a evidência de danos das drogas para psicose utilizadas em intervenções precoces ou no primeiro episódio psicótico. A cada quinze dias, uma nova seção do livro será publicada e todos os capítulos estão arquivados aqui

Intervenção precoce? Sim, mas não com drogas para psicose

Um argumento defendido para o uso de drogas para psicose era que é prejudicial não intervir precocemente e, frequentemente, era utilizado o termo “duração da psicose não tratada” (DUP). Alegava-se que o DUP piorava o prognóstico para esquizofrenia e transtornos semelhantes; [16:194, 17:326, 18:79, 18:233, 19:235, 20:416] que era prejudicial para o cérebro estar em estado psicótico; [18:98, 20:416] e que, com intervenção precoce, um curso crônico poderia ser evitado para muitos pacientes; [17:326] que poderiam aprender a lidar com sua vulnerabilidade. [18:80].

Esses argumentos não estão corretos. Quando uma droga não funciona para uma doença, mas apenas acalma os pacientes, não é importante usá-la no início do curso da doença. Além disso, a pesquisa – nenhuma das quais foi referenciada – que afirma que a duração da psicose não tratada está relacionada ao prognóstico é pouco confiável. Pessoas que não são tratadas precocemente não são comparáveis àquelas tratadas precocemente e estão em uma condição pior, em média, com uma série de fatores prognósticos que indicam um desfecho a longo prazo ruim, como falta de moradia e alcoolismo.

Com métodos estatísticos, não é possível ajustar de forma confiável essas diferenças. Como já mencionado, quanto mais variáveis são incluídas em uma regressão logística, mais longe provavelmente se estará da verdade [50] (veja Capítulo 2, Parte Dois).

Um Manual didático observou que a psicose aguda pode ser precedida por estresse agudo ou trauma, e que a remissão completa geralmente será observada dentro de alguns meses, muitas vezes em algumas semanas ou até mesmo dias.[16:232] Isso torna ainda mais inaceitável que os autores, algumas páginas depois, tenham recomendado pílulas para psicose de segunda geração e até mesmo afirmado que “estabilizadores de humor” – provavelmente antiepilépticos – podem ser usados concomitantemente.

Psiquiatras também afirmaram que drogas para psicose são frequentemente um pré-requisito para a psicoterapia e que o tratamento sem drogas foi tentado para psicose aguda em alguns países, mas pode ser muito perigoso, com um risco provável de danos cerebrais e um alto risco de suicídio.[18:233]

Se os pacientes estiverem muito agitados, a sedação pode ajudar a estabelecer contato, mas benzodiazepínicos são melhores nisso do que pílulas para psicose.[165] E geralmente é mais fácil praticar a psicoterapia em um paciente que não está sedado do que em um que tem dificuldade de concentração e foco.

É ultrajante sugerir que não usar pílulas para psicose pode ser muito perigoso. É muito perigoso usá-las; elas não protegem contra danos cerebrais, mas causam danos cerebrais irreversíveis;[63,64] e não reduzem o risco de suicídio, provavelmente o aumentam devido aos efeitos de retirada, por exemplo, quando os pacientes precisam de uma pausa na medicação, o que aumenta o risco de acatisia,[134] e, assim, de suicídio e violência.[7]

Relatos de pacientes na internet mostram que pensamentos suicidas ao tomar pílulas para psicose estão fortemente associados à acatisia; 13,8% dos entrevistados que relataram acatisia também relataram pensamentos suicidas, em comparação com 1,5% daqueles que não mencionaram acatisia (P < 0,001).[160] Esse dano seria esperado estar relacionado à dose da droga anterior, o que claramente é.[170]

A acatisia recebeu pouca atenção por muitos anos, e os médicos geralmente interpretavam o comportamento inquieto como um sinal de que os pacientes precisavam de uma dose maior da droga, o que agrava a situação. Quando os psiquiatras finalmente se interessaram por isso, os resultados foram chocantes. Em um estudo, 79% dos pacientes diagnosticados com transtornos que tentaram se matar sofriam de acatisia.[1:187] Um estudo de 1990 relatou que metade de todas as brigas em um hospital psiquiátrico estavam relacionadas à acatisia,[171,172] e outro estudo constatou que doses moderadas a altas de haloperidol tornavam metade dos pacientes marcadamente mais agressivos, às vezes ao ponto de quererem matar seus “torturadores”, os psiquiatras. Drogas psicotrópicas podem fazer com que as pessoas percam parte de sua consciência, perdendo o controle sobre seu comportamento.[21] Essas pessoas estão em risco muito maior de cometer atos criminosos e violentos.

Um manual didático afirmou que a clozapina parece ser capaz de reduzir o comportamento suicida em pacientes com esquizofrenia e mencionou que dois estudos de pequena escala sugerem que as pílulas clássicas para psicose podem ser preventivas em diferentes diagnósticos.[17:811] Esse pensamento otimista foi manipulado de maneira astuta usando a expressão “parece”; referindo-se a dois estudos pequenos em vez de nos dizer o que todos os estudos mostraram; e omitindo os dois estudos na lista de referências após o capítulo, deixando o leitor totalmente no escuro. Isso foi a antítese da medicina baseada em evidências.

A intervenção precoce na esquizofrenia é benéfica, desde que não seja com pílulas de psicose, mas com intervenções psicossociais.[7:170] Em 1969, a OMS lançou um estudo que mostrou que os pacientes se saíam muito melhor em países pobres – Índia, Nigéria e Colômbia – do que nos Estados Unidos e outros quatro países desenvolvidos.[1:226] Em cinco anos, cerca de 64% dos pacientes nos países pobres estavam assintomáticos e em boa funcionalidade, em comparação com apenas 18% nos países ricos.

Os psiquiatras ocidentais ignoraram os resultados com o argumento de que os pacientes em países pobres poderiam ter uma doença mais branda. Portanto, a OMS fez outro estudo, concentrando-se na esquizofrenia de primeiro episódio diagnosticada com os mesmos critérios em 10 países.[1:228] Os resultados foram bastante semelhantes: nos países pobres, cerca de dois terços estavam bem depois de dois anos, em comparação com apenas um terço nos países ricos.

Os investigadores da OMS tentaram explicar essa grande diferença com vários fatores psicossociais e culturais, mas não tiveram sucesso. A explicação mais óbvia, o uso de drogas, era tão ameaçadora para a medicina ocidental que ficou inexplorada. As pessoas em países pobres não podiam pagar pílulas para psicose, então apenas 16% dos pacientes as usavam regularmente, em comparação com 61% nos países ricos.

Um estudo mais recente realizado pela Eli Lilly não encontrou diferenças entre países pobres e ricos, mas neste estudo todos os pacientes foram tratados com drogas, metade deles com a droga da Eli Lilly, olanzapina, e a outra metade com outras pílulas para psicose.[173]

Um estudo de 20 anos realizado em Chicago, liderado por Martin Harrow, mostrou que, entre 70 pacientes com esquizofrenia, aqueles que não estavam fazendo uso de drogas para psicose após os dois primeiros anos tiveram desfechos muito melhores do que aqueles que estavam fazendo uso.[174] Isso não foi influenciado por um fator de confusão. A razão de chances ajustada de não estar tomando as drogas foi de 5,99 (3,59 a 9,99) para recuperação e 0,13 (0,07 a 0,26) para reospitalização.

Harrow era um proeminente pesquisador de esquizofrenia no Instituto Nacional de Saúde Mental, e outros pesquisadores chegaram a resultados semelhantes, mas todos eles tiveram reduções de financiamento.[1,5]

Além de evitar os efeitos prejudiciais das pílulas para psicose, há outras razões pelas quais as pessoas com esquizofrenia se saíram tão bem em países pobres.[175] A doença muitas vezes é vista como resultado de forças externas, como espíritos malignos e as pessoas são muito mais propensas a manter a pessoa em sofrimento na família e a mostrar bondade, o que ajuda os pacientes a se recuperarem e a participarem novamente da vida social.

Poucos psiquiatras sabem disso. Alguns têm me perguntado se seria mais humano privar as pessoas de sua liberdade amarrando-as a uma árvore do que usar drogas. Isso pode acontecer na África, mas, de maneira geral, as comunidades fizeram um trabalho muito melhor na África do que fazemos no mundo ocidental, onde institucionalizamos a privação de liberdade por meios legais e tratamento forçado e matamos centenas de milhares de pacientes com pílulas para psicose.[6:232] Este não é um sistema humano.

A famosa iniciativa da abordagem do Diálogo Aberto na Lapônia visa tratar pacientes psicóticos em suas casas.[8:91] O tratamento envolve a rede social do paciente e começa dentro de 24 horas após o contato.[176]

Uma comparação entre a Lapônia e Estocolmo ilustra a diferença entre uma abordagem empática e a imposição imediata de drogas a pacientes em primeiro episódio de psicose.[176,177] Os pacientes na Lapônia eram comparáveis aos de Estocolmo, mas em Estocolmo, 93% foram tratados com pílulas para psicose, contra apenas 33% na Lapônia, e cinco anos depois, o uso contínuo foi de 75% versus 17%. Após cinco anos, 62% em Estocolmo versus 19% na Lapônia estavam de licença por invalidez ou afastamento por doença, e o uso de leitos hospitalares também foi muito maior em Estocolmo – 110 versus apenas 31 dias, em média. Essa não foi uma comparação randomizada, mas os resultados são tão diferenciados que seria irresponsável descartá-los. Além disso, há muitos outros resultados que apoiam uma abordagem não medicamentosa para a psicose aguda.[7:330]

O modelo do Diálogo Aberto está ganhando impulso em vários países e ensaios randomizados estão em andamento. Esse modelo começou há 25 anos,[176] e foi surpreendente que os manuais didáticos não o mencionassem. A Dinamarca tem sua própria versão de intervenção precoce com princípios semelhantes, que começou aproximadamente na mesma época. Chama-se OPUS (nome que se dá na música à obra de música clássica) – porque uma orquestra consiste em muitos instrumentos diferentes, todos trabalhando juntos para tocar uma peça de música. A ideia com o OPUS é criar uma parceria entre o paciente e todos os que fazem parte do tratamento, incluindo a família e a rede social.

Os manuais didáticos reconheceram que intervenções psicossociais têm um papel no tratamento da esquizofrenia,[16:615,20:418] e houve muitos comentários sobre os efeitos positivos dessas iniciativas, como o envolvimento da família,[16:194,17:313] abordagem comunitária assertiva nos termos do paciente,[16:616,17:313] equipes multidisciplinares, terapia cognitivo-comportamental,[16:224,17:318] e treinamento neurocognitivo.[16:624]

Foi observado que o estudo OPUS na Dinamarca e o estudo AESOP na Inglaterra mostraram que mais da metade dos pacientes não apresentavam mais sintomas psicóticos após 10 anos.[16:205] Estudos mostraram uma redução nas readmissões, menos dias de hospitalização e um efeito nos sintomas psicóticos, abuso de drogas e sintomas negativos.[16:617]

Um manual afirmou, sem referências, que estudos mostraram que a terapia cognitivo-comportamental pode aliviar tanto os sintomas psicóticos quanto os sintomas negativos, e que ensaios randomizados mostraram que a intervenção familiar reduz pela metade o risco de recaída e dias de hospitalização.[17:318] Outro livro referiu-se a uma revisão sistemática,[16:620] que descobriu que intervenções psicossociais familiares reduziam pela metade a frequência de recaídas de esquizofrenia ou transtorno esquizoafetivo.[178] As internações hospitalares foram reduzidas em 32%, enquanto os dias de hospitalização estavam disponíveis apenas em dois pequenos estudos chineses.

Os autores observaram que os efeitos do tratamento podem ser superestimados devido à baixa qualidade dos ensaios, como a falta de cegamento adequado dos avaliadores. No entanto, o efeito sobre a recaída foi tão grande que dificilmente poderia ser causado apenas por viés.

Um manual observou que o emprego apoiado tornava três vezes mais provável que os pacientes encontrassem trabalho.[16:625] A referência era para uma revisão Cochrane de ensaios em doenças mentais graves, e de longe a maioria dos pacientes foi diagnosticada com esquizofrenia ou transtorno esquizoafetivo. A revisão observou que a evidência era de qualidade muito baixa.[179] Isso se deveu principalmente ao fato de que nenhum dos 14 estudos foi cegado: “Os participantes poderiam identificar a intervenção dada pelo conteúdo do programa.”

Claro que podiam. Algumas intervenções simplesmente não podem ser cegadas, mas conclusões como essas são produzidas quando os pesquisadores seguem servilmente a abordagem do livro de receitas da Cochrane, que reduz a qualidade da evidência para muitas intervenções úteis que não podem ser cegadas como um ensaio clínico de drogas.

É lamentável que as revisões Cochrane rotineiramente diminuam os resultados das intervenções psicossociais, uma vez que estas são claramente superiores às drogas. Outra questão foi que o número de dias de emprego de ampla concorrência, o resultado principal da revisão, foi relatado apenas em metade dos 14 estudos, o que é mais sério, já que todos os estudos eram sobre emprego apoiado.

Um dos manuais, que tinha apenas psiquiatras como autores, estava ainda mais focado em drogas do que as revisões Cochrane. Alegava que a terapia ambiental e técnicas psicoterapêuticas podem ser usadas quando a psicose aguda está sob controle com pílulas para psicose.[18:79] Isso está incorreto. A psicoterapia pode abolir a necessidade de pílulas para a psicose em muitos casos, como demonstrado pela experiência com o modelo Diálogo Aberto e outras abordagens, como o OPUS.

Esse manual também se contradizia. Observava que a psicoterapia é recomendada apenas na fase de estabilização,[18:99] mas na página seguinte, ao comentar sobre o OPUS, afirmava que a psicoterapia também pode ser usada desde o início. Curiosamente, ainda nesta página, o livro afirmava erroneamente que as pílulas para psicose são frequentemente um requisito para a melhoria e para possibilitar a inclusão do paciente em outras ofertas.[18:100]

O manual também afirmava que a terapia cognitivo-comportamental é a única forma de terapia para a qual há evidências de efeito na psicose.[18:102] Isso também está errado. A intervenção familiar, a psicoeducação e a atenção plena também são eficazes.[180]

Por fim, o manual observava que a psicoterapia não era recomendada para a mania aguda, mas era um suplemento bem documentado à medicação como prevenção.[18:117] Já entendemos. Dê a eles todas as drogas. Tudo o mais é suplementar, se usado. Mesmo essa recomendação era duvidosa. Uma metanálise em rede mostrou que a psicoeducação mais a terapia cognitivo-comportamental tem um grande efeito nos sintomas maníacos em comparação com o tratamento usual, tamanho do efeito -0,95 (-1,47 a -0,43).[181]

Um manual muito mais razoável, que é o que mais falou sobre o OPUS,[16] ofereceu cinco referências a revisões Cochrane em uma lista de literatura que não estava diretamente vinculada às declarações sobre seus efeitos. Eu comentei sobre duas delas logo acima.[178,179] As outras três não eram particularmente convincentes.

Uma revisão tratava do manejo intensivo de casos de pessoas em sofrimento mental grave na comunidade, incluindo 40 ensaios clínicos, mas a maioria deles tinha alto risco de relato seletivo de resultados e nenhum deles forneceu dados para recaída ou melhoria importante no estado mental.[182] Apesar disso, os autores escreveram 273 páginas para sua revisão Cochrane – o tamanho de um livro – e concluíram que a intervenção é eficaz na melhoria de muitos resultados e pode reduzir hospitalizações, aumentar a retenção nos cuidados e melhorar globalmente o funcionamento social. Adorável, mas difícil saber se isso é apenas um desejo, dado o quão fraca era a evidência.

A segunda revisão Cochrane tratava da tomada de decisão compartilhada, mas havia apenas dois estudos. Os autores escreveram 45 páginas sobre eles, mesmo que não pudessem concluir nada.[183] Mas não precisamos estudar a tomada de decisão compartilhada em ensaios randomizados. Temos a obrigação ética de respeitar os pacientes e envolvê-los em nossas decisões. Esse imperativo ético não pode ser suspenso, nem mesmo quando os pacientes estão psicóticos, de acordo com a Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, que foi ratificada por praticamente todos os países, exceto os Estados Unidos.[7:333,184] Em 2014, a Convenção especificou que os Estados membros devem tomar medidas imediatas para a realização dos direitos, desenvolvendo leis e políticas para substituir regimes de tomada de decisão substitutiva por tomada de decisão apoiada, que respeita a autonomia, vontade e preferências da pessoa.[184]

A terceira revisão Cochrane tratava da intervenção precoce para a psicose.[185] Apesar de haver 18 estudos, eles eram diversos, em sua maioria pequenos, conduzidos por pesquisadores pioneiros e tinham muitas limitações metodológicas, o que geralmente tornava as metanálises inadequadas. Os autores consideraram a evidência inconclusiva, mas ainda assim escreveram 134 páginas sobre isso. É interessante que eles não tenham encontrado evidências convincentes para a intervenção precoce com drogas, já que isso foi alardeado como sendo importante em vários manuais didáticos (ver acima).

Um manual didático observou que as pílulas para psicose reduzem ou removem sintomas positivos, como alucinações, delírios, distúrbios do pensamento e catatonia.[18:86,18:234] Isso dá a impressão errônea de que as drogas são altamente eficazes e têm efeitos específicos na psicose. Elas funcionam da mesma maneira em pacientes, voluntários saudáveis e animais;[7] são tranquilizantes potentes, como eram chamadas no passado distante; e não podem remover alucinações ou delírios. Quando a clorpromazina chegou ao mercado em 1954, foi inicialmente considerada uma lobotomia química, pois produzia muitos dos mesmos efeitos da lobotomia. Também foi chamada de camisa de força química, pois mantinha os pacientes sob controle, e os psiquiatras observaram que ela não tinha propriedades antipsicóticas específicas.[1-142]

Era recomendado tratar mulheres grávidas com esquizofrenia porque a psicose não tratada pode colocar em risco a vida da mãe e da criança.[17:669] Não houve reflexão de que as pílulas aumentam ainda mais esse risco. Este manual observou que a FDA dos EUA em 2011 emitiu um aviso geral contra o uso de drogas para psicose devido a sintomas extrapiramidais e sintomas de abstinência, o que sugere que as drogas afetam o cérebro tanto da criança quanto da mãe.

Sugerir que as drogas afetam o cérebro? Sabemos há 70 anos que as drogas prejudicam as funções normais do cérebro,[1:142] e é por isso que elas são usadas. Como pessoas supostamente especializadas em psicofarmacologia – que era o título do capítulo deste manual – podem escrever tal absurdo? Bem, todos eram professores de psiquiatria, o que parece ser um salvo-conduto para escrever o que quiserem.

Nos folhetos informativos das pílulas para psicose, por exemplo, para a olanzapina,[134] a FDA adverte que as drogas devem ser usadas durante a gravidez apenas se o benefício potencial justificar o risco potencial para o feto. Este não é um conselho útil. Como um médico deve fazer tal julgamento? A FDA observa que neonatos expostos a pílulas para psicose durante o terceiro trimestre estão em risco de sintomas extrapiramidais e de abstinência após o parto. Houve relatos de agitação, hipertonia, hipotonia, tremores, sonolência, dificuldades respiratórias e distúrbios alimentares em neonatos, e em alguns casos, isso exigiu suporte da unidade de terapia intensiva e hospitalização prolongada. Mas, segundo os professores dinamarqueses de psiquiatria, é apenas uma possibilidade que as pílulas de psicose afetem o cérebro.

Um manual observou que pacientes com diagnóstico de esquizotipia, que é um conceito muito duvidoso (como explicarei no Capítulo 15),[8:145] devem ser tratados com pílulas para psicose se houver distúrbios do pensamento, ruminações ou episódios psicóticos, já que 25% desenvolvem esquizofrenia.[18:106] Não há evidências para isso, e muitas pessoas têm distúrbios de pensamento de tempos em tempos ou ruminação.

Essencialmente, isso é um apelo ao tratamento profilático de pessoas razoavelmente saudáveis com drogas tóxicas, uma ideia terrível. O teste diagnóstico para esse transtorno é inútil e falso,[8:145] e parece que a maioria dos psiquiatras testaria positivo (como explicarei no Capítulo 15). Portanto, a maioria dos psiquiatras deveria estar em tratamento profilático com pílulas para psicose, de acordo com o conselho neste manual.[18:106]

Quatro manuais afirmaram que as pílulas também funcionam para sintomas negativos.[16:206,17:653,18:81,20:416] Sintomas negativos incluem afeto embotado, alogia (pobreza de discurso), asocialidade, avolição (falta de motivação ou habilidade para realizar tarefas ou atividades que têm um objetivo final) e anedonia (capacidade diminuída de experimentar emoções agradáveis).[186] Também foi afirmado, em dois manuais, que as pílulas para psicose têm um efeito sobre os sintomas cognitivos,[17:653,20:416] mas duas páginas adiante, um deles observou que os distúrbios cognitivos são amplamente inalterados.[20:418]

Essas informações eram confusas, contraditórias e incorretas. As pílulas pioram os sintomas negativos e a cognição, o que se sabe há 70 anos,[1:142,5,7] e que foi reconhecido em um dos manuais.[16:562]

Um deles mencionou que as drogas para psicose podem inibir estímulos sensoriais e funções psicológicas, o que pode aumentar os sintomas negativos e o isolamento social.[18:235] Isso contradiz diretamente as alegações no mesmo manual, 154 páginas antes,[18:81] de que as pílulas para psicose têm um efeito sobre os sintomas negativos.

Esse manual também observou que as drogas para psicose podem levar ao abuso de substâncias para estimular o sistema de recompensa do cérebro, o que piorará os sintomas psicóticos. Mencionou que a tristeza ou depressão diretas ocorrem, mas que muitas vezes é difícil distinguir entre uma depressão induzida por drogas e a reação psicológica compreensível de ter que viver com uma doença muito grave que abalou a autoimagem.[18:235] Esta é a única vez que me deparei com um relato honesto do que as pílulas para psicose realmente fazem aos pacientes, e isso não é benéfico para eles.

Um manual afirmou que várias meta-análises mostraram que pílulas para depressão têm um efeito sobre os sintomas negativos.[18:101] Não havia referência a essa afirmação notável. Como duvidei que estivesse correta, procurei algumas meta-análises, ambas negativas. Uma delas observou que “a qualidade da informação é atualmente muito limitada para chegar a conclusões firmes”;[187] a outra que “a literatura era de qualidade ruim” e que os resultados poderiam “refletir apenas a notificação seletiva de resultados estatisticamente significativos e viés de publicação”.[188]

Este manual observou que pode ser difícil distinguir entre sintomas depressivos, sintomas negativos na psicose e danos das pílulas para psicose.[18:101] Assim, dois manuais admitiram que as pílulas para psicose pioram os sintomas negativos. No entanto, um deles aconselhou que, em caso de sintomas negativos persistentes, algum alívio pode ser obtido adicionando pílulas para depressão às pílulas para psicose.[16:577]

Este é um tema comum nos manuais didáticos. Em vez de retirar lentamente a droga que causa o problema, os psiquiatras adicionam drogas adicionais, o que é uma razão importante para a massiva supermedicação de pacientes psiquiátricos, como está bem documentado.[5,7,8,113,114] Não importa quais drogas psiquiátricas as pessoas tomem – pílulas para psicose, pílulas para depressão, lítio, estimulantes ou benzodiazepínicos – ou qual seja o seu problema, aproximadamente um terço dos pacientes tem suas prescrições renovadas a cada ano e ainda estão em tratamento com a mesma droga ou uma semelhante 10 anos depois.[113,114]

Isso conta uma história de médicos irresponsáveis que não sabem o que estão fazendo ou o que estão causando. Também confirma o que escrevi em um artigo de jornal em 2014, que nossos cidadãos estariam muito melhores se retirássemos todas as drogas psicotrópicas do mercado, porque está claro que os médicos não conseguem lidar com elas.[189]

Os psiquiatras dinamarqueses admitiram que têm um problema. Em uma pesquisa de 2007, 51% de 108 psiquiatras dinamarqueses disseram que usavam muitos medicamentos e apenas 4% que usavam pouco.[190] Mas o uso de drogas psiquiátricas continuou a aumentar marcadamente na maioria dos países, por exemplo, no Reino Unido, as prescrições de pílulas para psicose aumentaram em média 5% ao ano e as pílulas para depressão em 10%, de 1998 a 2010.[191] Não nos tornamos mais mentalmente doentes nesse grau. Isso é efeito de marketing e corrupção.[6-8]

O foco principal da psiquiatria para as próximas décadas deveria ser ajudar os pacientes a retirarem lentamente e com segurança as drogas que estão tomando, em vez de dizer a eles que precisam continuar tomando e adicionar ainda mais.

Mas isso não vai acontecer. O foco da psiquiatria é nela mesma – uma espécie de selfie eterna que ela envia para o mundo o tempo todo.

Para ver a lista de todas as referências citadas, clique aqui.

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Mad in Brasil (Texto original do site Mad in America ) hospeda blogs de um grupo diversificado de escritores. Essas postagens são projetadas para servir como um fórum público para uma discussão – em termos gerais – da psiquiatria e seus tratamentos. As opiniões expressas são próprias dos escritores.


Tradução de Leticia Paladino : Graduada em Psicologia pela UERJ, doutoranda em Saúde Pública pela ENSP/Fiocruz, mestre em Saúde Pública pela ENSP/Fiocruz e especialista em Saúde Mental e Atenção Psicossocial pela ENSP/Fiocruz.  Pesquisadora e Colaboradora do Laboratório de Estudos e Pesquisas em Saúde Mental e Atenção Psicossocial (LAPS/ENSP/Fiocruz).


 

Medicalização, Sociedade e a Lógica Preventivista

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Com uma forma temática e uma abordagem que decorre de pontuações de marcos históricos da medicalização e da saúde coletiva, sobretudo, na atenção primária em saúde no Brasil, o artigo “Medicalização, sociedade e a lógica preventivista” refere-se à medicalização com um olhar genealógico e documental histórico por meio de Michel Foucault. Entende-se que o processo de redemocratização brasileira, que ocorreu no final da década de 1980, consolidou a saúde como um direito garantido a cada brasileiro já na constituição, tornando assim o Estado como o principal financiador, articulador e executor das políticas de saúde, possuindo um sistema público antes limitado à atuação, principalmente hospitalar, e com isso o Estado passa a ter responsabilidade por atuar também a nível preventivo.

Onde na Constituição Federal de 1988, determina que as três esferas de governo – federal, estadual e municipal – financiem o Sistema Único de Saúde (SUS), garantindo que cada pessoa tenha o atendimento à saúde de forma equitativa, integral e resolutiva, para que assim o sujeito tenha acesso ao conjunto de serviços, no entanto, é perceptível a dificuldade do sujeito em manter a saúde em um grau elevado, a fim de manter suas atividades e necessidades diárias, se instaurando na sociedade uma mudança na compreensão do que é ser saudável. Problemas comuns que são vivenciados por muitos na sociedade, se tornaram com o passar do tempo alterações que devem ser corrigidas, desde uma criança “levada” ser um problema psiquiátrico/comportamental, a depressão caso você esteja muito triste e durma mal. Transformações como essas que transportam o sujeito a medicalização.

Os centros de saúde do início do século XX passou a assumir outras funções no território de atenção/atendimento, compondo o que se convencionou chamar de Atenção Básica. O principal instrumento dessa política passou a operar, a partir da década de 1990, como Programa Saúde da Família (PSF, que após alterações, será chamado de Estratégia Saúde da Família – ESF). Esta nova forma de atuação tem como premissa a atuação nos domicílios, através da visita domiciliar, fazendo diagnóstico e acompanhamento do quadro de saúde da população definida no território, priorizando aqueles que possuem menor qualidade de vida, dessa forma a população definida seria em grande parte a população negra.

Na década de 70 o Movimento Sanitarista tratou uma pressão biologicista de cunho biomédico ou médico-centrado que foi operando na política de saúde coletiva, fazendo assim retornar a lógica preventivista biomédica em articulação com a curativa de tratamento na atuação das equipes e instrumentos da Atenção Básica. Dessa forma corroborando com Foucault que ao asseverar que a biopolítica surge como uma necessidade de controlar as pessoas, evitar fugas do que se considera normalidade, patológico e desviante. Orquestrando assim um conjunto de práticas que tem como objetivo adestrar corpos, a fim de torna-los produtivos e dóceis para a produção no capitalismo; uma vez que ocorre a medicalização da vida se encontra também a disciplina onde as pessoas se “encaixam” a lógica de produção, sendo adestradas e deixa-se ser adestrado em nome de uma racionalidade produtiva, geradora de riqueza, através do trabalho.

No início do texto foi utilizada a frase ─ desde uma criança “levada” ser um problema psiquiátrico/comportamental. Frase essa que aponta questões como que são chamados de “comportamento hiperativo” de crianças em escolas, ações violentas (seja no plano individual ou coletivo), questões até mesmo ligadas à religiosidade (como a mediunidade), que passam a ser estudadas pela medicina partindo de uma concepção de caráter desviante dessas ações (anômalos, estranhos, anormais). A criança passa a ser objeto de estudo se ela se apresenta muito agitada na escola; o sofrimento psicológico é “abafado” a partir da prescrição farmacológica, entre outros. A medicina (porém, não somente está), então, ganha status de ciência do social, classificando e categorizando condutas e servindo para a definição e implementação de políticas públicas: é o governo dos vivos.

Com isso, numa sociedade que preza pelo controle a partir da implementação de regras de conduta, padrões normativos, maneiras de como as pessoas devem agir e crianças se desenvolver, tudo passa a ser diagnosticável e rotulável. Consequência disto é o crescente número de diagnósticos médicos sobre características do ser humano que até bem pouco tempo eram vistas como normais. A tristeza passa a ter uma descrição bastante acurada e é chamada de depressão; a insônia, que inclusive é bastante relacionada ao processo criativo das pessoas, passa a ser tratada como distúrbio do sono, além de outros descritores que surgem a partir da verificação e matematização da existência. Problemas que são eminentemente sociais passam a possuir status biológico/patológico, esquadrinhando diversos “métodos de tratamento”, que prezam por uma “cura” baseada nas análises de causa-efeito, desconsiderando o caráter cultural, social, do ser humano (Lima & Lima, 2010).

Dessa forma o artigo aponta que a criação, então, de diagnósticos e normas passa a ter repercussões sobre os diversos campos da seguridade social, por exemplo a saúde e a educação. Esta última, apresentando diversas problemáticas, passa a ser atravessada pelos diagnósticos e patologias, definindo a capacidade dos alunos para o processo escolar. Surge, então, a ideia de fracasso escolar, entretanto, não como resultante de forças que atravessam a instituição escola, mas como uma atribuição específica e exclusivamente dado ao aluno. O aluno fracassado passa a ser entendido como um sujeito com problemas de saúde, logo, devendo ser tratado. O artigo ainda cita um exemplo dentro dessa fala.

“Alunos que apresentam problemas na escrita, na leitura, na concentração das aulas e atividades, acabam rapidamente sendo diagnosticados pela ótica medicalizante do professor, como sendo alunos portadores de algum transtorno de aprendizagem (doenças do não-aprender), logo, esses alunos precisam de tratamento para evitar o fracasso escolar, imediatamente são encaminhados a profissionais que são habilitados a constatarem tais transtornos. Problemas de tal ordem, eram interpretados apenas como desinteresse ou dificuldade a ser superada, hoje, são vistos como patologias (Lima & Lima, 2010, p. 2).”

Surgindo assim o nascimento de um conjunto de saberes e poderes em torno da medicalização da vida, presente assim nas transformações de diversos campos do saber, as práticas de atualização da medicina, da psiquiatria e ainda algumas vertentes da psicologia. Possibilitando a crítica severa a aspectos como a patologização de algumas condutas e relevando a necessidade de um olhar mais sistêmico sobre tal acontecimento. De qualquer forma, fica denotada a necessidade ainda de realizar estudos sobre o discurso da medicalização a fim de desconstruir práticas biologizantes/medicalizante tidas como normais. Entretanto, vale ressaltar que, diferente do que se via a séculos atrás, o controle atualmente é realizado de forma mais sutil (ou sofisticado, podemos dizer).

A ideia de anormal passa a atravessar o saber da medicina: ideias como de tristeza, angústia, passam a ter status de adoecimento (depressão), com classificação e descrição bastante definida. Sendo a preocupação, então, com a descrição do comportamento, a preocupação com o status social, antropológico, perde sentido na linha de análise ou é relegado à “menos científico”, já que não se pode prever, mensurar, atuar sobre (Foucault, 2008).

O artigo buscou pensar as práticas de medicalização da vida e da existência por meio da captura histórico-genealógica da promoção da saúde por meio da lógica preventivista. Um conjunto de mudanças e transformações na concepção de saúde permitiu acirrar processos medicalizantes em função da ampliação das práticas biomédicas no cotidiano das experiências de cuidado à população brasileira.

A existência humana passa a ser alvo de uma política (Foucault, 2015). E o poder sobre a vida da população estará normatizado, apenas necessitando de mecanismos corretivos e reguladores para operar. Dessa forma as tecnologias de poder que visam o controle da vida se expressarão nesse contexto social normalizador. Conforme cita Danner:

Foi a norma que conseguiu estabelecer um elo entre o elemento disciplinar do corpo individual (disciplinas) e o elemento regulamentador de uma multiplicidade biológica (biopoder). A norma é tanto aquilo que se pode aplicar a um corpo que se deseja disciplinar como a uma população que se deseja regulamentar. A sociedade de normalização é uma sociedade onde se cruzam a norma disciplinar e a norma da regulamentação. (Danner, 2010, p. 155)

É possível observar uma inversão no papel do Estado, este passa a operar para o mercado. E dessa maneira a economia, o capital e o próprio mercado passam a ser o principal propósito de existência do Estado.

 

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Medicalização, sociedade e a lógica preventivista. (2023). Revista Psicologia, Diversidade E Saúde12, e4151. 

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