Resultados incorretos relatados são ignorados pelos principais periódicos médicos

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Publicado pelo Lown Institute: “Nos trabalhos recentemente publicados pelo projeto COMPare, pesquisadores do Centro de Medicina Baseada em Evidências, da Universidade de Oxford, se propuseram a descobrir como os erros de notificação de resultados predominantes estão presentes nas principais revistas médicas, e como essas revistas respondem às críticas.

O estudo COMPare é o primeiro a analisar sistematicamente como os periódicos respondem às solicitações de correções. Os pesquisadores analisaram todos os ensaios publicados durante um período de seis semanas em cinco principais revistas médicas que endossam o CONSORT (os periódicos foram JAMA, Annals of Internal Medicine, The BMJ, The New England Journal of Medicine, e The Journal of Medicine e The Lancet). Eles anotaram todas as pesquisas que tiveram um resultado relatado incorretamente e enviaram cartas aos periódicos para cada discrepância que precisava ser corrigida. Os resultados deste julgamento histórico devem nos deixar preocupados sobre como os periódicos médicos estão monitorando os relatos de resultados. Aqui está o porquê.”

Artigo →

Há mais do que está envolvido na ‘atenção plena’ do que o cérebro

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Photo Credit: Bill Smith, Flickr

Um capítulo no livro recentemente publicado, Casting Light on the Dark Side of Brain Imaging, fornece uma nova perspectiva sobre a neuroimagem e o cérebro em ‘atenção plena’ (mindful). Os autores do capítulo, os filósofos Michael Lifshitz e Evan Thompson, desafiam a atual visão neurocêntrica do fenômeno mindfulness (‘atenção plena’) no ocidente e convidam os leitores a ampliar sua compreensão do conceito budista.

“Ao contrário da visão das neurosciências, nós vemos a meditação como um grupo de práticas profundamente sociais e fundamentalmente incorporadas”, escrevem Lifshitz e Thompson. “Se reduzirmos as práticas de meditação a um conjunto de padrões cerebrais, perderemos a riqueza de como essas práticas funcionam e ignoraremos muito do que elas têm a nos ensinar sobre a experiência humana.”

Photo Credit: Bill Smith, Flickr

Pesquisas sobre mindfulness no Ocidente têm se multiplicado nos últimos 40 anos. O conceito tem sido invocado para tudo, desde ajudar alguém a se tornar um líder melhor, a reduzir o esgotamento no local de trabalho, ao tratamento de transtornos psiquiátricos. Com uma infinidade de aplicativos de ‘atenção plena’, o burburinho no mundo da tecnologia e um crescente corpo de pesquisas, a prática enraizada na filosofia budista tornou-se um fenômeno ocidental generalizado.

Não é surpresa que os cientistas tenham começado a explorar os efeitos que a atenção plena exerce sobre o cérebro. Escaneamentos dos cérebros de monges budistas (‘‘os atletas olímpicos de meditação”, como escrevem Lifshitz e Thompson) demonstram cérebros mais fortes e mais robustos. Um estudo sugere que mesmo depois de apenas oito semanas de prática formal de meditação feita por um novato, mudanças perceptíveis no cérebro podem ser detectadas.

Embora pesquisas desse tipo permaneçam em seus primórdios, é compreensível que o ocidente, conhecido pela ideologia da alta produtividade e por seu modo de pensar, ficasse empolgado com esses resultados. “Se há uma coisa que nossa cultura contemporânea valoriza muito é a autodeterminação individual, com resultados tangíveis. Colocamos nossa fé no que podemos medir”, escrevem Lifshitz e Thompson.

Embora a perspectiva de ‘provar’ que a atenção plena funciona demonstrando que as alterações detectadas em exames cerebrais sejam atraentes, reduzir a prática a uma ‘assinatura cerebral específica’ pode ser uma visão equivocada da atenção plena.

“Qualquer atividade repetitiva que você fizer provavelmente deixará traços duradouros em seu cérebro. Aprender a tocar um instrumento, adquirir uma segunda língua, jogar videogame ou até mesmo olhar para linhas em uma tela – já foi demonstrado que todas essas atividades moldam o cérebro.”

Em seu capítulo, Lifshitz e Thompson empregam o exemplo da parentalidade para esclarecer como uma visão reducionista da atenção plena perde inteiramente o seu conceito propriamente dito. Praticar habilidades parentais de fato muda o cérebro; no entanto, “boa paternidade não está dentro do cérebro; é uma maneira em que a pessoa inteira (incluindo o cérebro) está envolvida no mundo. Além disso, o que conta como boa paternidade difere dependendo da cultura. Então, apelar para o cérebro simplesmente não nos diz o que significa ser um bom pai.”

“Mesmo se assumirmos que as mudanças cerebrais relatadas nos estudos de neuroimagem da meditação são robustas, permanece um problema conceitual mais profundo com a ideia de que podemos mapear (sem falar em reduzir) comportamentos complexos ou processos mentais enquanto mudanças em determinadas regiões ou redes cerebrais.”

Em vez disso, Lifshitz e Thompson argumentam que os conceitos de atenção plena (mindfulness) são uma “orquestração complexa de habilidades cognitivas incorporadas em um contexto social particular”. E há muito mais envolvido na prática do que as mudanças cerebrais. Embora os escaneamentos cerebrais certamente contribuam para uma compreensão global da atenção plena, a prática em si não pode ser capturada por esses escaneamentos.

“O corpo também desempenha um papel crucial na meditação com a atenção plena. Muitas tradições da prática meditativa consideram a postura do corpo como um espelho da mente. Quando a atenção se dispersa, a postura diminui. Quando o pensamento se torna agitado ou agressivo, os músculos ficam tensos e rígidos. Mente e corpo estão unidos.

Os autores concluem:

“Ultrapassar uma visão neurocêntrica da atenção plena promete não apenas melhorar a ciência da meditação, mas também neutralizar a ideia perniciosa de que cuidar de nossa mente seja apenas uma questão de regular nossos próprios estados internos. Parte do que a prática meditativa revela é que nossas mentes estão intrinsecamente ligadas aos nossos corpos e aos contextos sociais e ecológicos mais amplos nos quais estamos inseridos. Esperamos por uma ciência que nos torne mais, e não menos, conscientes de como nossos cérebros se encaixam nesse quadro maior”.

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Lifshitz, M., & Thompson, E. (2019). What’s wrong with “the mindful brain”? Moving past a neurocentric view of meditation. In Casting Light on the Dark Side of Brain Imaging (pp. 123-128). Academic Press. (Link)

O desafio de sair das drogas psiquiátricas

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Publicado no The New Yorker em seu ultimo número: “O desafio de sair de drogas psiquiátricas. Milhões de americanos vem tomando antidepressivos por muitos anos”. A matéria é assinada pela jornalista Rache Aviv.

A matéria composta por várias páginas é feita em torno da experiência de Laura Delano enquanto paciente psiquiátrica, a partir do início da sua juventude, percorrendo anos e mais anos de sua vida no inferno construído pela instituição psiquiátrica, até como ela se recuperou ao sair do sistema psiquiátrico por iniciativa própria. Laura Delano esteve entre nós, na Escola Nacional de Saúde Pública (ENSP/FIOCRUZ), em diversos eventos organizados pelo nosso Laboratório de Estudos e Pesquisas em Psiquiatria Social e Atenção Psicossocial (LAPS). Para quem se interessar, ao final desta matéria estarão disponíveis alguns links de suas apresentações aqui entre nós.

Um resumo muito sumário da matéria publicada no The New Yorker.

De imediato, que Laura Delano é um exemplo do que ocorre com uma parcela significativa dos adolescentes e jovens ao ingressarem na carreira de paciente psiquiátrico. Laura cresceu em Greenwich, Connecticut, uma das comunidades mais ricas dos Estados Unidos. Seu pai é parente de  Franklin Delano Roosevelt, e sua mãe foi apresentada à sociedade em um baile de debutante no Waldorf-Astoria. Laura cresceu tendo uma vida social próspera: na oitava série foi escolhida como presidente da sua classe, e estava entre as melhores jogadoras de squash do país. Mas como é tão comum entre adolescentes, ela passou a duvidar se ela tinha um “eu real na base” como ela diz. Ela sentia-se como se estivesse vivendo duas vidas distintas, uma no palco e outra na plateia, reagindo às performances exaustivas.

Laura conta detalhes de como sofria na adolescência, seus conflitos. E conta haver tido uma explosão de ira com a sua mãe, trancando-se em seu quarto e pensando em fazer com ela própria o que amigos em sua escola já haviam feito com lâminas de barbear, enquanto um ato de desafio. Ela tentou um suicídio.

“Seus pais a levaram para uma terapeuta familiar que, após vários meses, encaminhou-a a um psiquiatra. Laura recebeu um diagnóstico de transtorno bipolar e foi prescrito o Depakote, um estabilizador de humor que, no ano anterior, havia sido aprovado para o tratamento de pacientes bipolares. Ela escondeu as pílulas em uma caixa de joias em seu armário e depois as jogou fora pelo ralo da pia.”

Laura passou parte da sua adolescência sendo tratada como ‘bipolar’. E entrou em Harvard University, como caloura da turma de 2001.

“Em seu primeiro dia em Harvard, Laura perambulou pelo campus a pensar: Isso é tudo pelo que sempre batalhei. Finalmente estou aqui.”

A jornalista do The New Yorker narra que durante suas férias de inverno, Laura passou uma semana em Manhattan preparando-se para dois bailes de debutantes, no Waldorf-Astoria e no Plaza Hotel.  Na noite do segundo baile, antes de entrar no palco, Laura usou cocaína e bebeu champanhe. No final da festa, ela estava chorando tanto que o taxista que a havia levado para o baile teve que colocá-la no táxi de volta para casa. De manhã, ela disse à sua família que ela não queria estar viva. Ela tomou literalmente o simbolismo das festas, como diz a jornalista, o ritual destinado a marcar sua entrada na idade adulta. ‘Eu não sabia quem eu era’, disse ela. ‘Eu estava presa na vida de uma estranha’.

Ao contrário do que ocorre com a maioria dos pacientes psiquiátricos, Laura tinha ao seu dispor o que de melhor havia nos Estados Unidos com relação a tratamento médico, psiquiátrico e psicoterapêutico. A matéria do New Yorker reconstrói a trajetória que Laura irá fazer no sistema de assistência em saúde mental dos Estados Unidos.  Por exemplo, antes de Laura voltar para Harvard, seu médico em Greenwich encaminhou-a a um psiquiatra no Hospital McLean, em Belmont, Massachusetts. Um dos hospitais mais antigos da Nova Inglaterra, em McLean haviam sido tratados pacientes célebres, incluindo Anne Sexton, Robert Lowell, James Taylor e Sylvia Plath, que o descreveram como ‘o melhor hospital psiquiátrico dos EUA’.

“Ela começou a tomar vinte miligramas de Prozac, um antidepressivo; quando ela ainda não se sentia melhor, sua dose foi aumentada para quarenta miligramas e depois para sessenta. Com cada dose aumentada, sentia-se grata por ter sido ouvida. ‘Foi uma maneira de eu marcar para o mundo: isso é a marca de em quanta dor eu estou’, disse ela. Laura não tinha certeza se o Prozac realmente elevou seu humor – aproximadamente um terço dos pacientes que tomam antidepressivos não respondem a eles -, mas suas emoções pareciam menos urgentes e perturbadoras, e seus trabalhos em sala de aula melhoraram. ‘Eu me lembro dela carregando esta caixinha de plástico com compartimentos para todos os dias da semana’, disse um amigo do ensino médio. ‘Era parte desse mundo misterioso de seu estado psiquiátrico’”.

Laura retornou a Harvard. Mas era impossível para ela continuar a frequentar a Universidade. Ela conta tudo o que ela procurou fazer e o que os seus pais tentaram como tratamento psiquiátrico.

Nos quatro anos seguintes, seus médicos triplicaram sua dose de antidepressivos. Sua dose de Lamictal quadruplicou. Ela também começou a tomar Klonopin, que é um benzodiazepínico, uma classe de drogas que tem efeitos sedativos.

” O que eu ouvia muito foi que eu era resistente ao tratamento”, disse ela. “Algo em mim era tão forte e tão poderoso que mesmo esses medicamentos sofisticados não conseguiam melhorar meu estado .”

Laura passou a tomar um coquetel de drogas psiquiátricas. Indo de um psiquiatra famoso a outro, bem como de um psicoterapeuta a outro, de um psicanalista a um outro. E nada. Apenas piorando. E eis a narrativa de um momento trágico, transcrito da reportagem na íntegra:

“No dia anterior ao Dia de Ação de Graças de 2008, Laura foi para a costa sul do Maine, para uma casa dos seus falecidos avós. Toda a sua família estava lá para celebrar o feriado. Ela notou seus parentes com os ombros tensos quando conversavam com ela. ‘Ela parecia abafada e escondida’, disse Anna, sua prima. Quando Laura atravessou a casa e os velhos pisos de madeira rangeram sob seus pés, sentiu vergonha de estar carregando tanto peso.

Em seu terceiro dia lá, seus pais a levaram para a sala de estar, fecharam as portas e disseram que ela parecia estar presa. Ambos estavam chorando. Laura sentou-se em um sofá com vista para o oceano e assentiu, mas ela não estava ouvindo. ‘A primeira coisa que me veio à mente foi: você já colocou todo mundo o suficiente.’

Ela foi até ao quarto e derramou oitenta miligramas de Klonopin, oitocentos miligramas de Lexapro e seis miligramas de Lamictal em uma luva. Então ela entrou na despensa e pegou uma garrafa de Merlot e colocou o vinho, junto com seu laptop, em uma mochila. Suas irmãs e primas estavam se preparando para ir para uma aula de Bikram-yoga. Sua irmã mais nova, Chase, pediu que ela se juntasse a eles, mas Laura disse que ia sair para escrever. ‘Ela parecia tão morta em seus olhos’, disse Chase. ‘Não houve expressão. Não havia nada lá, realmente’.

Havia duas trilhas para o oceano, uma levando a uma enseada de areia e outra para a costa rochosa, onde Laura e suas irmãs costumavam pescar robalo. Laura pegou o caminho para as rochas, passando por uma grande pedra que sua irmã Nina, uma especialista em geologia na faculdade, havia escrito sobre sua tese a respeito. A maré estava baixa, estava frio e ventava muito. Laura encostou-se a uma pedra, pegou o laptop e começou a digitar. ‘Eu não vou tentar transformar isso em algo poético, pois não pode sê-lo’, escreveu ela. ‘É embaraçosamente clichê supor que se deve escrever uma carta para seus entes queridos após o término de sua vida.’

Ela engoliu um punhado de pílulas de cada vez, lavando-as com o vinho tinto. Achava ser cada vez mais difícil sentar-se direito e a sua visão começou a diminuir. Quando ela perdeu a consciência, ela pensou: Esta é a experiência mais pacífica que já tive. Ela se sentia grata por terminar sua vida em um lugar tão bonito. Ela caiu e bateu a cabeça em uma pedra. Ela ouviu o som, mas não sentiu dor.

Quando Laura não voltou ao anoitecer, seu pai caminhou ao longo da costa com uma lanterna até que ele viu seu laptop aberto em uma pedra. Laura foi levada de helicóptero para o Hospital Geral de Massachusetts, mas os médicos disseram que não tinham certeza de que ela iria recuperar a consciência. Ela estava hipotérmica, sua temperatura corporal caíra para quase noventa e quatro graus.

Depois de dois dias em coma induzido, ela acordou em tratamento intensivo

A narrativa dada por Laura é longa. Repleta de detalhes. Como será a sua vida após essa sua última tentativa de suicídio? E tudo o que seus pais e sua família fizeram por ela? Isso é narrado. Mas, o mais importante: o que ela mesmo, o que Laura irá fazer?

Laura conta o que lhe ocorreu ao ler o livro de Robert Whitaker, Anatomia de uma Epidemia, um livro que mudou a história de muitas pessoas, e que tivemos o prazer de haver tido a Editora Fiocruz editado.  Eis a narrativa desse seu encontro com o livro de Whitaker:

“Em maio de 2010, alguns meses depois de entrar na clínica, ela entrou em uma livraria, embora raramente estivesse lendo livros. Na estante de novos lançamentos estava ‘Anatomia de uma epidemia’, de Robert Whitaker, cuja capa tinha um desenho da cabeça de uma pessoa rotulada com os nomes de vários medicamentos, que ela estava tomando e havia usado. O livro tenta dar sentido ao fato de que, à medida que a psicofarmacologia se tornou mais sofisticada e acessível, o número de americanos incapacitados pela doença mental vem aumentando. Whitaker argumenta que os medicamentos psiquiátricos, tomados em grandes doses ao longo de toda a vida, podem estar transformando alguns distúrbios episódicos em incapacidades crônicas.”

E Laura decide que iria deixar de tomar drogas psiquiátricas. Ela quer voltar a ser ela própria, que irá enfrentar todos os desafios que isso poderia implicar, mesmo que tendo que viver o inferno de parar de tomar drogas psiquiátricas após tanto tempo de uso. Porque o que ocorre é isso: quem começou a tomar drogas psiquiátricas tem muitas dificuldades de se livrar delas.  Eis um outro pequeno trecho da matéria do New Yorker:

“Seguindo o conselho de seu farmacologista, Laura parou primeiro o Ativan, o benzodiazepínico. Algumas semanas depois, ela saiu do Abilify, o antipsicótico. Ela começou a suar tanto que ela só podia usar preto. Se ela virasse a cabeça rapidamente, sentia-se tonta. Seu corpo doía e, ocasionalmente, ela era dominada por ondas de náusea. Acne cística eclodiu em seu rosto e pescoço. Sua pele pulsava com um estranho tipo de energia. ‘Eu nunca me sentia quieta em meu corpo’, disse ela. ‘Sentia como se houvesse uma corrente de algum tipo percorrendo a minha pele, e eu estava presa dentro desse encapsulamento que estava constantemente zumbindo.’

Um mês depois, ela saiu do Effexor, o antidepressivo. Seu medo de que as pessoas a julgassem circulavam em sua cabeça em permutações que se tornavam cada vez mais invasivas. Quando um caixa da mercearia conversou com ela, ela estava convencida de que ele estava apenas fingindo ser cordial – que o que ele realmente queria dizer era: ‘Você é um humano repulsivo, nojento e patético’. Ela sentia-se hiper-estimulada pelas cores das caixas de cereais na loja e pelos sons de pessoas falando e se movendo. “Eu sentia-me como se eu não pudesse me proteger de toda esta vida vivida em torno de mim’, disse ela.”

Ao longo da reportagem, Laura conta à jornalista as enormes dificuldades pelas quais ela passou ao ir interrompendo o consumo das drogas psiquiátricas prescritas. Reações físicas, reações emocionais, reações existenciais. E, em particular, com relação à sua própria sexualidade e de como se relacionar amorosamente com seus namorados, seus companheiros. Enquanto mulher, a sua vida amorosa havia sido um fracasso, devido à incapacitação afetiva, emocional e sexual.

Além da própria Laura, seus parentes e amigos, a jornalista entrevistou psiquiatras famosos. Como Allen Frances, coordenador do DSM-IV.  Guy Chouinard, renomado psiquiatra, um dos responsáveis pelo Prozac e os antidepressivos ISRS. Ou Giovanni Fava, professor de psiquiatria da Universidade de Buffalo, que dedicou grande parte de sua carreira ao estudo da abstinência e acompanhou pacientes que sofriam de sintomas de abstinência um ano depois de interromper os antidepressivos. Bem como outros psiquiatras do mainstream.  O que é reiterado é que os psiquiatras sabem prescrever, mas que não têm noção do que estão prescrevendo e dos efeitos do prescrito em seus pacientes.

When on the drugs, Laura said, “I never had a baseline sense of myself.”
Photograph by Levi Mandel for The New Yorke

Antes de concluir esse resumo da matéria, é importante ser lembrado que todo esse sofrimento pelo qual Laura passou em sua carreira como paciente psiquiátrico transformou-se em energia para ela buscar transformar a realidade dos que hoje sofrem como ela sofreu.

O site de Laura, que ela chamou de Projeto de Retirada, foi lançado on-line no início de 2018 como parte de uma organização sem fins lucrativos, a Inner Compass Initiative, dedicada a ajudar as pessoas a fazer escolhas mais informadas sobre o tratamento psiquiátrico. Ela e Rob (quem ela já não estava mais namorando) criaram esse site, com uma bolsa de uma pequena fundação, que lhes dava dinheiro suficiente para pagar um salário, para contratar outras pessoas que haviam consultado pessoas que se retiravam de medicamentos e para colher insights relevantes sobre estratégias de retirada das drogas psiquiátricas. ‘A informação anedótica é a melhor que temos, porque quase não há pesquisa clínica sobre como se afunilar lenta e seguramente’, disse Laura. O site ajuda as pessoas que se retiram de remédios a encontrarem outras pessoas na mesma cidade; também oferece informações sobre como calcular a porcentagem da dosagem a ser reduzida, converter uma pílula em uma mistura líquida usando um triturador ou um pilão, ou  como usar uma seringa especial para medir as reduções de dosagem. Lamberson, que tinha lutado para se afastar de seis medicamentos psiquiátricos, disse-me: ‘Você se encontra nessa posição em que precisa se tornar um químico de cozinha’.

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Como o leitor pode bem observar, a matéria do The New Yorker está composta por páginas. Excepcionalmente, nós da editoria do Madinbrasil.org estendemos a muitos parágrafos o que normalmente nesta seção Ao Redor da Internet é apresentado em alguns poucos. Mas dada a importância dessa matéria, rompemos com o habitual da nossa linha editorial. Recomendamos efusivamente a leitura da matéria do The New Yorker em sua íntegra. E para quem quiser aprender mais com a experiência da Laura Delano, a seguir damos alguns links das suas apresentações aqui entre nós, no LAPS/ENSP/FIOCRUZ.

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A matéria do The New Yorker, na íntegra →

A experiência de Laura Delano, em vídeo →

Laura Delano no II Seminário Internacional A Epidemia das Drogas Psiquiátricas →

Respostas ao Placebo Ativo Explicam Resultados dos Antidepressivos?

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Wikipedia Commons

Uma equipe de pesquisadores poloneses publicou um estudo sobre a obra de referência de Irving Kirsch de 1998, “Ouvindo Prozac, mas escutando o placebo: uma meta-análise de medicação antidepressiva”. A equipe investigou se uma resposta placebo ativa explica o mecanismo de ação dos antidepressivos. Os pesquisadores descobriram que, de fato, há evidências de que as pessoas que esperam ver efeitos colaterais de um placebo antidepressivo apresentam mais sintomas depressivos do que aquelas que não esperavam efeitos colaterais; a equipe acredita que os participantes de testes clínicos corretamente adivinham em qual o grupo de estudo ao qual foram designados, o que pode explicar parcial ou totalmente a eficácia dos antidepressivos.

“Os argumentos para a hipótese da resposta ativa do placebo são baseados em evidências diretas e indiretas”, escrevem Oronowicz-Jaśkowiak e Bąbel.

“Evidências diretas incluem um número menor de estudos experimentais em que um placebo ativo foi usado, que não relatou diferença significativa nos resultados do tratamento com antidepressivos e um placebo ativo. Além disso, pode-se supor que a redução dos sinais e sintomas depressivos pode ser alcançada por uma variedade de agentes farmacológicos (incluindo outros medicamentos que não os antidepressivos), bem como por diferentes métodos de tratamento não farmacológicos. Parece que um fator comum de todos esses métodos é a convicção dos pacientes ou participantes sobre sua eficácia ”.

Os autores abrem seu artigo observando a prevalência de depressão nos EUA, bem como a compreensão dominante da depressão: a teoria biológica da depressão. Segundo esta teoria, a depressão está associada à neurotransmissão anormal do sistema nervoso central devido a receptores excessivamente sensíveis. Níveis baixos de serotonina na depressão resultam em níveis mais altos de receptores de serotonina, que em teoria são regulados por um antidepressivo que inibe a recaptação de neurotransmissores e equilibra de acordo os níveis de receptores. Com base nessa teoria, uma série de antidepressivos foi criada; esse artigo teve como objetivo revisar a hipótese da resposta ativa do placebo para explicar o método de ação dos antidepressivos.

 

Wikipedia Commons

A crítica da teoria biológica, escrevem os autores, baseia-se principalmente em uma crítica da evidência empírica como insuficiente, embora isso não tenha afetado sua popularidade. Eles citam um estudo de 2014 de camundongos incapazes de produzir serotonina para apoiar o que é dito. Neste estudo, camundongos geneticamente incapazes de produzir serotonina não apresentaram sintomas depressivos, o que levou os autores a acreditarem que a serotonina não pode ser o principal fator que explica a depressão.

A hipótese da resposta ativa ao placebo, por sua vez, postula que uma resposta placebo ativa pode explicar o efeito dos antidepressivos. Em uma resposta placebo ativa, um paciente experimenta um efeito colateral de um placebo que é idêntico ao de um antidepressivo e usa essa informação para inferir que eles estão na condição antidepressiva, que por sua vez afeta suas expectativas de eficácia do tratamento. Os placebos ativos não contêm nenhum medicamento antidepressivo, mas produzem efeitos colaterais similares.

“Em ensaios clínicos, a consciência do fato de que o participante pode receber um placebo em vez de um medicamento real está relacionado com a porcentagem de pacientes que respondem ao tratamento”, escrevem os pesquisadores, citando um estudo de 2008. “A porcentagem de pacientes que respondem ao tratamento quando (1) os sujeitos estão cientes do fato de que não há possibilidade de estarem em um grupo recebendo placebo puro em vez de medicação, e (2) os sujeitos estão cientes do fato. que existe a possibilidade de que eles estão recebendo uma medicação ou um placebo puro foi de 60,00% e 46,00%, respectivamente. ”

Além disso, quando os pacientes têm certeza de que receberam uma substância ativa, seus sintomas depressivos são significativamente mais baixos e sua atividade neural difere daqueles que não têm certeza se receberam antidepressivos ou placebo. Isso, sugerem os autores, é uma evidência de que os processos de condicionamento e a expectativa de tratamento eficaz podem afetar os resultados da farmacoterapia, indicando que a explicação biológica da depressão pode ter falhas a serem abordadas.

O estudo de Kirsch de 1998, no qual essa meta-análise foi construída, revelou uma correlação de 0,90 entre o efeito do tratamento antidepressivo e a resposta placebo no grupo controle, embora também tenha constatado que o efeito da fluoxetina era mais forte que a resposta placebo. Este estudo foi criticado, principalmente devido aos métodos de análise, mas outros estudos estenderam essa pesquisa.

Um estudo de 2017 descobriu que os antidepressivos eram mais eficazes do que o placebo, embora isso tenha ficado abaixo da significância clínica, um estudo de 2004 descobriu que, dependendo da análise dos dados, os antidepressivos podem ou não ser significativamente mais eficazes que o placebo, um estudo de 2018 descobriu que tipo de substância pode afetar a relação entre placebo e antidepressivo, enquanto um estudo de 1994 encontrou uma correlação significativa entre a redução dos sintomas e os efeitos colaterais dos ISRSs. Coletivamente, esses trabalhos fornecem algumas evidências para a hipótese da resposta ativa do placebo, embora haja uma escassez de pesquisas sobre placebo ativo.

Há evidências indiretas para apoiar a hipótese do placebo ativo: uma variedade de agentes não antidepressivos, como a psilocibina, pode ajudar a melhorar os sintomas depressivos, assim como uma variedade de abordagens não farmacológicas, como a meditação da atenção plena, a homeopatia ou o St. John’s Wort. Essas evidências são confusas, já que a homeopatia mostra uma força comparável aos antidepressivos na redução dos sintomas depressivos, mas expectativas culturais divergentes ou a qualidade do produto ditaram se um efeito foi confirmado ou não para a erva de São João. Os autores também observam que as diferenças longitudinais de antidepressivos e placebo aumentam na mesma medida, o que contraria o ciclo de publicações que sugerem o contrário.

Os autores adicionalmente questionam análises de estudos clínicos individuais, citando um estudo de 2015 que reproduziu análises inicialmente conduzidas pela GSK Pharmaceuticals. Le Noury e a equipe descobriram que a peça original tinha interpretações de dados incorretas, modificando o ponto final do estudo após a conclusão do teste, o que mudou a conclusão. Foi demonstrado que a paroxetina e a imipramina eram tão eficazes quanto o placebo puro, o que levou a uma multa significativa para a GSK Pharmaceuticals por marketing falso.

Os autores concluem pedindo aos pesquisadores que conduzam experimentos nos quais os pesquisadores manipulem as expectativas dos participantes quanto aos efeitos colaterais ao tomar antidepressivos, já que a maioria dos estudos atualmente disponíveis não inclui um placebo ativo. Os autores também observam que seria valioso avaliar o efeito do placebo em uma variedade de diferentes escalas de depressão.

“É necessário estudar a frequência de pacientes descobrindo sua atribuição de grupo de estudo”, concluem os pesquisadores. “De acordo com a teoria da resposta ativa ao placebo, os participantes dos estudos adivinham seu grupo de estudo após terem observado alguns efeitos colaterais. A suposição é importante para a teoria; no entanto, estudos empíricos são escassos ”.

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Oronowicz-Jaśkowiak, W., & Bąbel, P. (2019). Twenty years after ‘Listening to Prozac but hearing placebo.’ Do we hear placebo even louder? Health Psychology Report, 7(1), 1–8. https://doi.org/10.5114/hpr.2019.83383 (Link)

Nova revisão destaca os perigos da terapia eletroconvulsiva

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Os defensores da terapia eletroconvulsiva (ECT) afirmam que é segura e eficaz e que os efeitos colaterais são de curta duração. No entanto, uma nova revisão, publicada na revista Evidence-Based Mental Health, relata a probabilidade de comprometimento cognitivo e perda de memória permanentes após a ECT. O autor é o Dr. Dusan Kolar, do Departamento de Psiquiatria da Queen’s University, em Kingston, Ontário, Canadá.

Dr. Kolar escreve que “a ECT é um dos tratamentos mais controversos da medicina, particularmente por causa do mecanismo de ação ainda desconhecido e da incerteza sobre os efeitos colaterais cognitivos”.

“Os efeitos colaterais cognitivos da ECT são às vezes subestimados e podem durar muito mais tempo após o término do tratamento do que o esperado. Esses prejuízos cognitivos associados à ECT podem causar dificuldades funcionais significativas e impedir que os pacientes retornem ao trabalho ”.

Photo Credit: Pixabay

A eletroconvulsoterapia (ECT) envolve a estimulação elétrica do cérebro com a intenção de induzir convulsões. É frequentemente prescrita para pacientes com transtornos do humor – como depressão e transtorno bipolar -, geralmente em casos graves, com risco de suicídio ou que não respondem a outros tratamentos, como medicação ou psicoterapia. No entanto, é um tratamento controverso por natureza, devido ao seu mecanismo incerto de ação, ao risco de efeitos colaterais graves e à falta de dados sobre os riscos da terapia de manutenção ou a de longo prazo.

Dr. Kolar sugere que a prática atual de avaliar o comprometimento cognitivo e a perda de memória é inadequada e não identifica efeitos colaterais perigosos em pacientes submetidos à ECT. Outros pesquisadores notaram que a avaliação original dos efeitos colaterais da ECT não identifica amnésia. Segundo os pesquisadores, as alegações de que a ECT não introduz perda de memória de longo prazo e comprometimento cognitivo são “baseadas em medidas extremamente grosseiras da função mental, como o Mini-Exame do Estado Mental (MEEM) e outras escalas de rastreamento de demência” e “medidas muito simples e breves” que apenas detectam mudanças em habilidades bem estabelecidas, não em perda de memória.

Pesquisadores, incluindo o Dr. Kolar, descobriram que os pacientes rotineiramente recebem um consentimento informado inadequado que não menciona o risco de comprometimento permanente. Por exemplo, os formulários de consentimento fornecidos pelo órgão de licenciamento, a Associação Americana de Psiquiatria (APA), afirmam que “a maioria dos pacientes relata que a memória é melhorada pela ECT”. Mas os pesquisadores dizem que a declaração “é contradita por todas as pesquisas feitas com os usuários de serviços”, bem como pelos muitos achados na literatura de pesquisa. Os pesquisadores identificaram que mais de um terço dos pacientes experimentam perda de memória permanente. Essa contradição pode explicar por que eles também descobriram que “Metade das pessoas que receberam a ECT disseram que não receberam uma explicação adequada do tratamento”.

Nos últimos anos, os médicos vem tentando atenuar a possibilidade de perda de memória e comprometimento cognitivo, modificando a técnica de ECT (por exemplo, estimulando apenas um lado do cérebro de cada vez). No entanto, esses achados indicam que o tratamento ainda apresenta risco considerável. Além disso, essas modificações tendem a tornar o tratamento muito menos eficaz, distorcendo ainda mais a relação risco / benefício.

Dr. Kolar reconhece a utilidade da ECT para certas populações, mas sugere que os riscos do tratamento têm sido minimizados. Ele escreve: “Não há dúvida de que a ECT é eficaz e salva vidas para uma população selecionada de pacientes. No entanto, um bom equilíbrio entre benefícios sustentados e possíveis riscos ou efeitos colaterais cognitivos graves nem sempre é alcançado ”.

Ele sugere que ferramentas melhores para avaliar a perda de memória e o comprometimento cognitivo precisam ser usadas durante todo o curso do tratamento, e que as práticas de consentimento informado precisam ser atualizadas para incluir o risco muito real de efeitos colaterais permanentes.

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Kolar, D. (2017). Current status of electroconvulsive therapy for mood disorders: A clinical review. Evid Based Ment Health, 20(1), 12-14. doi: 10.1136/eb-2016-102498 (Abstract)

Debatendo Sobre Eltroconvulsoterapia (ECT)

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Um estudo publicado na revista britânica The BMJ  evoca um debate sobre o polêmico uso da eltroconvulsoterapia (ECT). De um lado John Read, professor da Universidade do Leste de Londres, e Sue Cunliffe, uma sobrevivente dos eletrochoques,  defendem que a ECT deveria parar de ser usada. Do outro lado, Sameer Jauhar, pesquisador sênior da Universidade de King’s College, e Declan M. Mcloughlin, professor da Trinity College Dublin, defendendo o uso da ECT.

Jonh Read fez uma revisão da literatura sobre o tema, identificando 10 estudos comparando ECT com placebo em casos de depressão. Metade dos resultados não apresentaram diferenças, e os outros 5 resultados acharam uma elevação temporária no humor daqueles que foram tratados com ECT em apenas 1/3 dos pacientes, mas só durante o período do tratamento.

Em um outro estudo, o famoso Northwick Park Study,  essa melhoria mínima foi percebida apenas por psiquiatras, mas não por enfermeiras e pacientes. Segundo Read, as muitas revisões e meta-análises que afirmam que a ECT funciona se baseiam puramente nesses ganhos temporários.

Read também destaca uma revisão de literatura que mostrou uma persistente ou permanente perda de memória em 29% a 55% dos que foram tratados com ECT. Ademais, numerosos estudos têm mostrado taxas de mortalidade entre 10 e 100 vezes maior, predominantemente de insuficiência cardiovascular.

Já Sue Cunliffe argumenta que a exemplo de centenas de vítimas da ECT, ela acreditava que era algo seguro após a explicação dada pelo seu médico, mas ainda sim sofreu prejuízos catastróficos em seu cérebro. Atualmente suas mãos tremem e sua fala está arrastada, sua memória foi afetada, assim como a sua função motora, incluindo a capacidade de usar dinheiro, reconhecer faces, ler e outras tarefas básicas. Consequentemente, sua independência e capacidade de trabalhar desapareceram para sempre. Apesar do diagnóstico neuropsicológico, os psiquiatras rejeitaram sua queixa. Sue denuncia ainda que na Inglaterra, cerca de 40% das sessões de ECT ainda ocorrem sem consentimento, sendo aplicadas 2 vezes mais em mulheres e a maioria dos destinatários tem mais de 60 anos, os dois grupos que apresentam a maior perda de memória.

“Fiquei chocada que o meu dano cerebral venha sendo ainda rejeitado por alguns psiquiatras nos debates.”

Por outro lado, defendendo o uso de ECT, Sameer Jauhar e Declan M. Mcloughlin argumentam que a ECT é usado há 80 anos porque evidências mostram sua efetividade com depressão resistente a tratamento, assim como com manias resistentes e catatonia. Afirmam ainda que as revisões realizadas por Read e colegas, que encontraram pouca efetividade da ECT em casos de depressão e esquizofrenia, eram de validade questionável, sendo excluídas pelo UK ECT Review Group (um grupo de revisão de estudos de ECT).

Segundo os dois pesquisadores a ECT estaria associada com déficits de curto prazo na memória e função executiva, comparado ao desempenho anterior a ECT. No entanto, estes problemas se resolvem em algumas semanas, e a maioria das pessoas tem significante melhora funcional. O efeito de ECT na memória retrospectiva é menos claro e fica ainda mais complicado pelos delírios e efeitos da depressão em si. É recomendado o monitoramento da função cognitiva antes, durante e depois do tratamento com ECT, ajustando ou parando o tratamento dependendo da comparação entre riscos e benefícios.

“Por que existem objeções ideológicas, e algumas vezes emocionais, contra a ECT?”

Argumentam ainda que estudos mostram que a ECT apresenta mortalidade baixa e não apresentam evidências que correlacionem ECT com demência ou acidente vascular encefálico. Por fim, consideram que a objeção contra o ECT é ideológica e emocional e a representação pela mídia tem sido muito negativa e mal informada.

Nota: A BMJ declara que Declan M. Mcloughlin tem recebido honorários como palestrante da Mecta, fabricante de ECT e honorários da Janssen por participar da reunião do conselho consultivo do medicamento psiquiátrico sketamine.

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Artigo: Read JohnCunliffe SueJauhar SameerMcLoughlin Declan MShould we stop using electroconvulsive therapy? 

“Página não encontrada” acaba dizendo “tudo” sobre a psiquiatria

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Só por diversão , vamos dar uma olhada em até onde a psiquiatria é capaz de ir, quando um pouco de verdade escapa de uma de suas próprias publicações e deve ser excluída em desespero desajeitado. Este não é um blog – é sobre um ocorrido muito especial. Algo para iluminar o seu dia e aprofundar o seu cinismo sobre a psiquiatria.

Até agora, a maioria das pessoas está ciente de que a psiquiatria e as empresas farmacêuticas não podem ser confiáveis para dizer a verdade, e que irão, em todas as hipóteses, suprimir e censurar a informação que lance uma luz ruim sobre elas e seus tratamentos.

Qualquer pessoa que ainda não tenha aprendido isso pode rapidamente ler livros como a Deadly Psychiatry de Peter Gøtzsche, a Anatomia de uma Epidemia de Robert Whitaker ou meu livro Medication Madness.

Agora, para este pedacinho de entretenimento desiludido. Minha esposa Ginger Breggin gentilmente estava a me ajudar a acompanhar esse universo da psiquiatria, rastreando publicações psiquiátricas na internet. Não, não estávamos procurando por novas informações científicas – a psiquiatria não publica informações científicas. A psiquiatria transformou até mesmo o “padrão-ouro da ciência”, de ensaios clínicos randomizados controlados por placebo, em um “padrão-ouro para distorções significativas”, manipulando tais pesquisas de forma tão fraudulenta que não podem ser levadas a sério.

Para manter-se a par das travessuras psiquiátricos, ela recebeu “Google Alerts-Psychiatry.” Aqui está o que apareceu:

google alert psychiatry advisor

Um dos Alertas que veio do Psychiatry Advisor era uma chamada tentadora, indicando que uma advogada estava prestes a deixar o gato fora do saco – de que remédios psiquiátricos podem aumentar o risco de suicídio:

psychiatry advisor censorship

Ansiosamente Ginger clicou no link, esperando encontrar este aviso muito importante em um site psiquiátrico. Seria o primeiro! Mas isso foi o que ela encontrou:

psychiatry advisor censure of anti psych comment

Ginger ficou consternada com o que encontrou … ou não encontrou. A página agora dizia: “Página não encontrada”. O link com o qual o advogado poderia estar alertando os psiquiatras havia desaparecido. Eu gostaria de transformar “Page Not Found” (“Página não Encontrada) em uma música, em um título de livro, em um filme. Página não encontrada! Mas vou me limitar a mais alguns comentários.

Isso, meus queridos amigos no Madinbrasil, é a essência da psiquiatria. Quando se trata de todos os inúmeros e muitas vezes trágicos prejuízos que as drogas psiquiátricas podem causar, meus colegas respondem: “Página não encontrada”.

MAS ESPERE, HÁ MAIS POR AÍ. Até agora eu estava especulando que eles estavam escondendo alguma coisa. Talvez isso não passe de um erro técnico.

Perguntei a Ginger se ela poderia me enviar um link para a página “Página não encontrada”, para que eu pudesse incluir neste relatório. Quando ela colou o link em seu e-mail enviado para mim, como mágica da internet, apareceu a metatag que mostrava o resumo completo da advogada.

 

https://www.psychiatryadvisor.com/author/ann-w-latner-jd/

Ann W. Latner, JD, Author at Psychiatry Advisor

Ao lidar com pacientes com depressão, os clínicos devem sempre estar cientes de que o suicídio é uma possibilidade e que às vezes os medicamentos prescritos podem, na verdade, exacerbar a situação.

www.psychiatryadvisor.com

Realmente, quem sabia que muitos psiquiatras ainda não têm idéia de que os antidepressivos possam exacerbar e até mesmo causar suicídio? Como isso é possível? É que é escondido deles em todas as oportunidades.

Aparentemente, o Psychiatry Advisor (Assessor da Psiquiatria) acredita que seu público de psiquiatras não tem ideia de que os antidepressivos são uma ameaça para os pacientes e até para os voluntários normais que desenvolvem sintomas precursores de suicídio como é a superestimulação. Psychiatry Advisor certamente quis manter as notícias terríveis longe dos psiquiatras!

Devem haver corrido loucamente para apagar o alerta da advogada Latner sobre drogas psiquiátricas, logo no primeiro dia de sua publicação. Eles fizeram a coisa mais rápida ao alcance, removendo o artigo, mas esqueceram a meta tag. O link revelou o aviso de metatag escondido: “e às vezes os medicamentos prescritos podem realmente exacerbar a situação”.

Além de chamar essa censura de trapaça, o que diremos a respeito disso? É o epítome da censura psiquiátrica constante a tentar esconder os efeitos nocivos das drogas psiquiátricas de todo o público, incluindo psiquiatras que por acaso procuram informações úteis em www.psychiatryadvisor.com, uma “comunidade para clínicos psiquiátricos”. Então é assim como a comunidade psiquiátrica é mantida ignorante? Censurando? Sim, e por uma ameaça subjacente de mão pesada para nunca denunciar o fato de que a psiquiatria biológica está fazendo muito mais mal do que bem.

A supressão da psiquiatria de informações negativas sobre seus medicamentos é um mal autosserviço. Isso mostra como o bem-estar de seus pacientes desempenha um papel muito pequeno nas considerações da profissão. Para eles, é tudo com respeito às drogas. Drogas são tudo o que os psiquiatras sabem, prescrever faz com que pareçam e se sintam como verdadeiros médicos, e isso é muito recompensador.

Ei, e os pacientes? Pacientes … Eles mal valem a pena conversar. A moderna abordagem psiquiátrica é: “Dê-lhes dez minutos. Quanto mais eu apertar, mais dinheiro ganharei ”. É a abordagem das“ sardinhas em lata” para ajudar as pessoas.

Nota do editor: Após uma investigação mais aprofundada, parece que todos os artigos da autora Ann W. Latner, JD, foram removidos do site Psychiatry Advisor. Com base nos títulos, todos parecem haver sido críticos do sistema médico.

Os grupos de apoio entre pares estão certos, as diretrizes estão erradas: Dr. Mark Horowitz sobre redução dos antidepressivos

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Recentemente tive a sorte de entrevistar o Dr. Mark Horowitz. Dr. Horowitz é um psiquiatra em treinamento e pesquisador e recentemente coautor, com o Dr. David Taylor, de uma revisão sobre a retirada de antidepressivos que foi publicada na Lancet Psychiatry, sobre a qual escrevemos aqui no Mad in America e vocês do Mad in Brasil apresentaram (veja aqui). O artigo sugere que reduzir os antidepressivos por meses ou até anos é mais eficaz para a prevenção de sintomas de abstinência do que uma rápida descontinuação feita em duas a quatro semanas (conforme as diretrizes oficiais).

Dr. Horowitz está atualmente completando sua formação em psiquiatria em Sydney, na Austrália, e completou seu doutorado em neurobiologia dos antidepressivos no Instituto de Psiquiatria do King’s College, em Londres. Ele é pesquisador clínico no estudo RADAR conduzido pela University College, em Londres. Seu trabalho de pesquisa concentra-se nas formas farmacologicamente informadas para permitir que os pacientes possam deixar de tomar medicação. Ele planeja realizar estudos examinando os melhores métodos para reduzir os medicamentos psiquiátricos em geral, a fim de desenvolver diretrizes baseadas em evidências para ajudar pacientes e médicos.

O que se segue é uma transcrição da nossa conversa, que está editada e traduzida pelos colegas do Mad in Brasil, para maior clareza da conversa, e para que possa alcançar o maior número possível de pessoas da língua portuguesa.

Peter Simons: Dr. Horowitz, seja bem-vindo.

Dr. Horowitz: Obrigado. Prazer em conhecê-lo.

Peter Simons: Prazer em conhecê-lo também. Então, para começar, estou curioso sobre qual é o seu histórico e como você se interessou por esse assunto.

Dr. Horowitz: Minha formação é em psiquiatria e em pesquisa. Além de ser psiquiatra, também sou paciente – provavelmente como algumas pessoas do campo. Eu só me interessei neste tópico quando o experimentei em primeira mão. Então, depois de muitos anos tomando antidepressivos, cheguei ao ponto em que tentei sair. Eu estava em antidepressivos há uns 12 anos. Eu tentei sair, achando que seria relativamente fácil, de acordo com as diretrizes que eu conhecia. E encontrei todos os tipos de problemas. O que foi uma grande surpresa para mim

Eu nunca ouvi falar em sintomas de abstinência de antidepressivos, tanto na Faculdade de Medicina, quanto no meu treinamento em psiquiatria. Mas quando experimentei insônia incrível, tontura, dificuldade de concentração e um coração muito acelerado e ansiedade, fiquei muito surpreso com o que se passava. Eu não tinha certeza do que fazer com isso. E, de fato, me deparei com um artigo nos sites Mental Elf onde eles revisaram um artigo de Fava et al. (2015), uma revisão sistemática sobre sintomas de abstinência de antidepressivos. Eu reconheci muito do que estava naquele papel em minha própria experiência. E isso me levou a uma pequena jornada.

Então, da primeira vez que tentei sair, na verdade eu retornei à medicação, porque não conseguia lidar com o que estava acontecendo. Foi provavelmente a experiência mais desagradável da minha vida – foi definitivamente a experiência mais desagradável em toda a minha vida. E foi na verdade parte da razão que acabei voltando de Londres para a Austrália. Então, eu sou meio que um cara nerd; passei a tentar ler tudo o que podia sobre os sintomas de abstinência de antidepressivos. Vasculhei a literatura acadêmica, as diretrizes clínicas e descobri essencialmente a mesma mensagem: que sair de duas a quatro semanas era o que se recomendava, com a ideia de que talvez – para algumas pessoas poderia ser que não, talvez fosse necessário ser mais longa a duração, mas não havia detalhes sobre o que mais longa significava ou o que significava mais devagar ou como fazê-lo. Então, acabei indo a sites na internet de pacientes, procurando entender melhor o que estava acontecendo.

O site que foi de longe o mais útil foi Surviving Antidepressants, run by Altostrata. É um recurso maravilhoso, com um número incrível de pessoas envolvidas nele. Eu acho que existem centenas de milhares de posts e dezenas de milhares de pessoas falando sobre experiências que eram como as minhas. E foi a primeira vez que senti que tinha controle sobre as coisas quando entrei nesse site. E logo aprendi que as pessoas reduziam a dosagem da medicação muito mais devagar do que as diretrizes recomendadas. E comecei a seguir suas orientações, vendo o quanto era útil ter essas pessoas por perto. Mas por que se precisa ir a sites de apoio, quando há tantos médicos, psiquiatras e professores por perto? Por que é assim? Por que as melhores informações estão em uma rede de suporte de pares?

Foi nesse site que me deparei com um gráfico que parecia dar sentido ao que estava acontecendo com as pessoas. E esse gráfico foi uma espécie de peça central do meu artigo na Lancet Psychiatry: esse tipo de relação hiperbólica entre a dose de antidepressivo e o efeito sobre os receptores. Essencialmente, quando você aumenta a dose, o efeito não é linear, mas afasta-se. E a principal relevância disso para o processo de descontinuação da medicação é que, em doses muito baixas, as mudanças acontecem muito rapidamente nos receptores. Na verdade, quando vi esse gráfico no site, basicamente cuspi minha comida, porque combinava muito de perto com o que as pessoas estavam experimentando. Todas essas pessoas falando sobre como estão tendo problemas para obter o último pedaço do seu remédio, como tiveram que diminuir a velocidade. E isso se encaixou tão bem para mim que achei que as pessoas deveriam saber disso. E foi aí que escrevi o artigo e procurei um professor com quem trabalhei no passado e que foi excelente, e escrevemos o artigo juntos.

Peter Simons: Obrigado por compartilhar sua experiência pessoal  e como isso influenciou seus interesses de pesquisa. Isso é realmente incrível. E é incrível que seja preciso alguém com essa experiência pessoal para poder dizer: “Ei, existe essa grande lacuna em nossa literatura de pesquisa”. Por que é que isso o que ocorre? Estou curioso para saber se você tem reflexões sobre o porquê de haver uma lacuna tão grande na literatura de pesquisa sobre o uso de antidepressivos.

Dr. Horowitz: Eu acho que existem algumas razões. Uma delas, resume-se à maneira como os médicos pensam. Eu acho que, se eu não tivesse experimentado a síndrome de abstinência, eu ficaria muito cético. Eu acho que se um paciente tivesse vindo até mim [antes de eu ter experimentado] e dissesse que eles tinham problemas em sair de um antidepressivo, eu provavelmente estaria inclinado a não acreditar neles. Eu acho que é porque o meu entendimento sobre antidepressivos, através da formação em uma Escola de medicina e um treinamento, era que os antidepressivos são substâncias relativamente benignas e que são razoavelmente eficazes. E eu sempre os considerei dessa maneira. Então, se as pessoas tivessem me dito que com essas substâncias benignas elas estavam tendo problemas tão sérios, eu teria ficado cético. E eu acho que essa é uma das razões para os médicos serem céticos sobre isso.

A outra razão é todos os psiquiatras que conheço são pessoas muito bem-intencionadas, que querem ajudar seus pacientes. Eles também querem sentir que estão fazendo um bom trabalho. Então eu acho que quando há críticas ou relatos ou estudos que mostram que os tratamentos que estão dando têm efeitos colaterais, ou não são tão eficazes quanto eles gostariam, eles acham que é difícil ouvir isso.

A terceira razão, simplesmente não houve a mesma atenção dada à interrupção da medicação quanto ao que tem tem sido dado para o início da medicação. E isso tem a ver, em parte, com as prioridades da indústria farmacêutica: as empresas realizam estudos para conseguir a aprovação de seus medicamentos. Então elas têm um interesse razoavelmente pequeno quando se trata dos medicamentos. E isso não inclui necessariamente todas as coisas que seriam as melhores para os pacientes. Então nós temos, então temos a circunstância em que existem mais de 500 estudos sobre o início de antidepressivos e menos de 10 em sintomas de abstinência com a descontinuação. Acho que essa diferença representa a falta atenção das empresas farmacêuticas e da comunidade acadêmica para o fenômeno. Eu acho que alguns desses elementos são os motivos pelos quais os médicos têm sido tão lentos em reconhecer isso enquanto um problema, mas eu tenho que dizer que isso está mudando. Você sabe, eu acho que os pacientes e grupos de defesa têm sido razoavelmente eficazes fazendo suas vozes serem ouvidas, e eu acho que as faculdades de psiquiatria estão agora prestando mais atenção a essa questão.

Peter Simons: Sim … Então, ainda existe ou você acha que em breve haverá um capítulo sobre a retirada de antidepressivos em um livro psiquiátrico ou algo assim?

Dr. Horowitz: Espero que sim. Estou ciente de que no Reino Unido, que está muito mais ciente disso do que os Estados Unidos, há duas revisões em andamento no momento: as diretrizes do NICE, que são uma espécie de diretrizes nacionais para a depressão, estão sendo revisadas, e eu sei que eles estão olhando para a diminuição e retirada dos antidepressivos; e há também outra revisão realizada pela Public Health England, que é outro órgão nacional.

Mais uma vez, uma parte do que está sendo analisado são os sintomas de abstinência. Se isso produzirá diretrizes melhores ou mais atenção, não tenho certeza, mas é pelo menos um passo na direção certa. Então, estou um pouco incerto sobre quais serão os próximos passos. Eu acho que há evidências de que o campo médico está prestando mais atenção ao assunto. Não tenho certeza de quais etapas tangíveis ocorrerão.

Peter Simons: Qual é a sua esperança de como os médicos e a área médica possam responder? Porque, quer dizer, parece que, pela sua experiência pessoal, foi a internet e o apoio dos colegas que lhe permitiram obter as informações que você precisava sobre a retirada do antidepressivo. Então, qual é a sua esperança para o futuro, em termos do campo médico, entendendo isso e melhor interagindo com seus pacientes?

Dr. Horowitz: Espero que eles ouçam mais. Espero que eles façam algumas coisas: espero que eles façam mais estudos sobre sintomas de abstinência para tentar descobrir quem está fazendo corretamente, quais os medicamentos, quanto tempo os pacientes usaram os medicamentos, todos os detalhes que precisam ser resolvidos. E então, é claro, o próximo passo: como evitá-los? E esperamos que nosso artigo seja útil. Eu acho que eles precisam fazer estudos para descobrir que proporção de pacientes precisa fazer uma redução muito lenta. Que tipo de redução é mais eficaz? Acho que, quando tiverem esses estudos, poderão informar as diretrizes e informar a prática cotidiana dos psiquiatras.

Acho que enquanto isso, obviamente porque leva tempo para que esse tipo de estudo seja conduzido, espero que um pouco mais de consciência dos sintomas de abstinência signifique que os psiquiatras discutam os problemas com seus pacientes de uma maneira mais compreensiva. Porque eu ouvi histórias de pessoas indo ver psiquiatras e tendo suas histórias descartadas, dito que é a doença delas que estava voltando. E, claro, isso é um dilema. Há sempre a possibilidade de que um distúrbio subjacente retorne quando se interrompe uma medicação. Existem maneiras de distinguir sintomas de abstinência daqueles de uma recaída. Coisas como sintomas esquisitos, como tonturas e choques elétricos e a rapidez com que os sintomas aparecem. Então, espero que um pouco mais de consciência disso tenha um efeito imediato sobre a forma como os psiquiatras respondem aos pacientes quando têm problemas para sair da medicação. E não apenas presumir que deva ser uma recaída, mas sim pensar em coisas como diminuir a velocidade; o que provavelmente ajudará os pacientes a sair sem tantos problemas quanto os que estão tendo até hoje em dia.

Peter Simons: Ótimo. Obrigado. Portanto, seu estudo fala detalhadamente sobre os processos neurobiológicos subjacentes à descontinuação. É muito técnico. Você acha que poderia resumir um pouco disso para o leigo?

Dr. Horowitz: Ok. Acho que primeiramente, penso que deveria ser dito que a neurobiologia não é muito bem compreendida. Você sabe, eu juntei os pequenos pedaços que estavam disponíveis. Eu acho que a história geral é que qualquer droga que aumenta um neurotransmissor no corpo levará a uma regulação negativa de seus receptores. A palavra técnica é ‘homeostase’. Quando há um ruído muito alto, seu tímpano se acomoda para que todos os ruídos sejam ouvidos um pouco mais silenciosos. E a mesma coisa acontece no corpo quando uma droga como um antidepressivo aumenta a quantidade de serotonina no corpo, os receptores de serotonina do corpo provavelmente regulam negativamente.

Agora, colocamos algumas evidências no artigo que mostram que há indicadores de que os níveis de serotonina diminuem ao longo do tempo. É provável que quando você interrompe a medicação e os níveis de serotonina voltam ao normal, o que é visto pelo corpo é que há  falta de serotonina; da mesma forma que quando você sai de um concerto muito barulhento, tudo parece muito quieto. Então, quando você sai do seu antidepressivo muito rapidamente, estando acostumado com os altos níveis de serotonina, de repente você está abaixo do que é normal para outras pessoas, é mas baixo para você. Essa é uma visão razoavelmente simplista do que está acontecendo.  Mas essa é a ideia dominante no campo, do porquê  as pessoas podem sentir o que sentem.

De certa forma, o que as pessoas sentem quando estão em abstinência é semelhante a quando se têm a serotonina esgotada – o que você pode fazer com as pessoas ao dar-lhes em sua dieta o precursor que está em falta. Algumas pessoas irão desenvolver um pouco de baixo humor. E acho que um aspecto interessante com o qual fiquei surpreso em descobrir é que a serotonina está envolvida no equilíbrio, de modo que, quando há baixa serotonina, as pessoas experimentam um ‘mareio’. Então isso é meio que conhecido em pequenos estudos. Logo, é possível, e isso é apenas uma hipótese, que alguns dos sintomas que as pessoas obtêm em abstinência, coisas como tontura ou os choques elétricos na cabeça quando movem a cabeça, semelhantes ao ‘mareio’ [enjoo no mar], por causa do papel que a serotonina desempenha nesse sistema.

Agora, eu diria que todas essas ideias são especulativas. Não há estudos detalhados para saber qual é a relação exata entre esses diferentes receptores e os sintomas. Mas esse é o esboço geral. E então um outro ponto, que eu não havia pensado antes, é que existem receptores de serotonina fora do cérebro, existem receptores de serotonina nos intestinos. E é possível que algumas das perturbações gastrointestinais que algumas pessoas experimentam possam estar relacionadas com esses receptores de serotonina. Sim, esse é o meu discurso de neurociência.

Peter Simons: Ótimo. Uma maneira muito clara de explicar a neurobiologia do porquê certos sintomas de abstinência podem acontecer. Obrigado por isso. E então a outra parte do seu estudo é uma espécie de explicação para essa relação não-linear entre o antidepressivo e a dose que se tem. E ainda tem um grande efeito sobre a neurobiologia, mesmo quando você está em doses muito pequenas. Você também pode explicar isso um pouco mais?

Dr. Horowitz: Então, acho que essa é uma das principais mensagens do artigo no periódico. Esse gráfico que mencionei, essencialmente é um estudo de imagens cerebrais que analisou a relação entre doses de antidepressivos e sua capacidade de bloquear o transportador de serotonina. Assim, o transportador de serotonina é algo que controla a quantidade de serotonina existente entre os neurônios e a maneira como os ISRSs (os inibidores seletivos de recaptação de serotonina, a principal classe de drogas usadas hoje em dia), o modo como funcionam, bloqueiam esse transportador. E isso aumenta a quantidade de serotonina entre as sinapses.

O gráfico é uma hipérbole, que as pessoas podem lembrar do que aprenderam no segundo grau escolar. É  como se fosse um ‘U’ invertido, de modo que, à medida que você aumenta a dose,  a curva do ‘U’ invertido começa a aumentar muito rapidamente e, em seguida, cai. Portanto, a conclusão é que doses muito pequenas de antidepressivo – e minúsculas, significam apenas 1/40 ou 1/50 de uma dose normal. Portanto, por exemplo, 20 miligramas de citalopram são a dose regular. Doses tão pequenas quanto 0,5 miligramas têm efeitos bastante significativos sobre esse transportador de serotonina. Portanto, uma dose de 1/40 do tamanho de uma dose normal na verdade tem cerca de um quarto dos efeitos no receptor.

Então, eu ouvi os médicos rirem quando ouvem sobre o quão baixo as doses foram antes dos pacientes interromperem a medicação, para eles isso soa como doses triviais. Mas acho que o que os dados das imagens cerebrais mostram é que doses baixas não são triviais. Então, para mim, é o quão grande é o salto para chegar ao zero.

Então, vou mostrar isso dando um breve exemplo. Se você está tomando citalopram, por exemplo, e reduz para metade a sua dose, então, na verdade, você apenas diminuiu muito em termos do efeito nos receptores. Mas se você passar da metade da dose para zero, você caiu muito. Então, só para dar algum contexto, quando você passa de 20 miligramas para 10 miligramas, você cai menos de 10% do efeito. E quando você passa de 10 miligramas para zero, você caiu mais de 70%.

Isso, então, fornece um guia para o que significa diminuir. Quer dizer, eu acho que muitas pessoas pensam que diminuir seria como descer de 20 miligramas para 15 para 10 para cinco e então para zero, e isso seria a diminuição da dose [de forma segura e eficaz]. Mas o que argumentamos no artigo é que ir uniformemente diminuindo significa reduzir os efeitos nos receptores. Então, na prática, o que isso significa é que você diminui por quantidades cada vez menores. Por exemplo, descendo de 20 para 10 para 5 para 2,5 para 1,25, de 0,6 para 0,3 antes de parar.

Peço desculpas por todos os números! A questão central é que, a fim de ter os sintomas de abstinência uniformemente espaçados, você provavelmente precisará tornar o salto menor e menor. O que é tão interessante sobre isso é que as pessoas on-line funcionaram quando recomendaram diminuir uma porcentagem de uma dose todos os meses, o que produz um efeito muito semelhante ao que estou descrevendo. Portanto, eu acho que o que deve ser dito para as pessoas que não queiram ficar a ler muitos gráficos é: que desçam devagar, que façam isso em quantidades muito pequenas de medicação antes de parar.

Peter Simons: Essa é uma explicação muito clara disso. Eu agradeço. Então, eu também estou curioso para saber para aonde estamos indo. Você já teve uma boa resposta para este estudo? Como as pessoas responderam?

Dr. Horowitz: Ok. Bem, isso tem sido interessante. Recebi muitas apreciações dos pacientes, que eu acho que reconhecem a técnica que descrevemos como algo que eles usam e eu acho que o que eles experimentam é validado pela ciência e por uma publicação. Eu tive vários psiquiatras me escrevendo para pedir o artigo e os apêndices, com um plano para ajudá-los a tirar seus pacientes do antidepressivo, o que é bom. Essa é a intenção.

O Royal College de psiquiatras, o Colégio da Grã-Bretanha, colocou alguns comentários em alguns artigos de notícias em que, eu diria, o artigo foi cautelosamente recebido. Eles identificaram que isso explica a farmacologia da medicação. Isso deixa um pouco mais claro por que os pacientes podem estar experimentando os sintomas que experimentam em doses baixas, o que parece ser um chamado para mais atenção para esse problema. Assim, em um artigo no Daily Mail, o porta-voz do Royal College disse que o Colégio identifica que os sintomas de abstinência dos antidepressivos são um problema. Espero que seja um sinal de que eles darão mais atenção.

Certamente tem havido muita atenção sobre esta questão no Reino Unido. Houve um programa recente na BBC, tem havido uma série de artigos publicados em revistas a dar muita atenção na mídia britânica. Então, acho que isso é algo que está no olho do público e na mente do Royal College de psiquiatras. Então, eu diria que as respostas até agora têm sido positivas, tanto de pacientes quanto de médicos e do Royal College. Então, espero, acho que pode haver algum movimento a respeito daqui para frente.

Peter Simons: E para você, pessoalmente, eu sei que você está envolvido no estudo RADAR, que é um estudo sobre descontinuação de antipsicóticos. É isso mesmo?

Dr. Horowitz: Exatamente. Sim, sim. É um estudo muito interessante que está tentando replicar um estudo anterior, um estudo feito na Holanda, para ver se você reduz lentamente os antipsicóticos em pacientes com uma doença psicótica crônica. Você pode evitar um aumento significativo na recaída? E a longo prazo, você pode melhorar o funcionamento social dos pacientes? E é isso que este estudo anterior mostrou, que os pacientes que foram retirados lentamente de seus antipsicóticos, a longo prazo tiveram melhores resultados sociais do que os pacientes que permaneceram com a medicação. Então é um estudo fantástico.

Peter Simons: Qual é o cronograma desse estudo? É um teste que está em andamento agora?

Dr. Horowitz: Sim, está sendo coordenado pela Dra. Joanna Moncrieff, e será executado por mais alguns anos. É um programa de cinco anos, estamos no meio dele agora e isso deve ser muito interessante.

Peter Simons: E então, no seu trabalho pessoal, você pretende continuar trabalhando com a abstinência de antidepressivos ou sintomas de abstinência em geral?

Dr. Horowitz: Nós – David Taylor e eu – estamos trabalhando em artigos semelhantes para algumas das principais classes de medicamentos psicotrópicos. Portanto, nosso próximo artigo será sobre a maneira farmacologicamente informada para descontinuar os antipsicóticos. E o a seguir será sobre os benzodiazepínicos.

Provavelmente, a maior parte do meu foco será em antidepressivos, mas posso ver que os gráficos e as relações que mostramos para os antidepressivos são verdadeiros para outros medicamentos. E eu certamente acho que é uma área muito pouco pesquisada, a ideia mais ampla de como você para a medicação e quando você a interrompe. Quero dizer, eu acho que há muitos dados sobre quando se pode começar a medicação, contudo, eu acho que a área sobre como se descontinuar, como parar, quem deveria parar, é uma área que precisa receber muito mais atenção. É aí que espero passar a minha carreira.

Peter Simons: Ótimo. Obrigado. Mais alguma coisa que você queria dizer sobre o seu estudo ou sobre a descontinuação do antidepressivos em geral e que não abordamos hoje?

Dr. Horowitz: Para mim, o próximo passo que eu gostaria de fazer é obter financiamento para testar a ideia do artigo, porque reunimos essencialmente uma hipótese de que se os pacientes reduzirem a medicação como sugerimos, lentamente, até a um nível muito baixo, de forma hiperbólica, que os sintomas de abstinência provavelmente serão reduzidos. Eu acho que existem algumas evidências para isso, que nos estudos sobre a redução de medicamentos em longo prazo, os pacientes mostram menos sintomas de abstinência. Estudos sobre a descontinuação ao longo de muitos meses, seis, nove, 12 meses, são os que mostram melhores resultados. Há também estudos que reduzem os pacientes a doses muito baixas, tão baixas quanto as que sugerimos no artigo, que também têm melhores resultados. Mas eu acho que para realmente influenciar as diretrizes e realmente ter as evidências que poderiam ser aplicadas aos pacientes, precisamos aprofundar este estudo. Então, queremos ter um grupo de pacientes e comparar o que as diretrizes do NICE sugerem. Assim, reduzir ao longo de quatro semanas, talvez oito semanas, e compará-lo ao nosso método proposto ao longo de muitos meses, talvez de forma variável, também classificá-lo por indivíduo, para ver o que as pessoas exigem. Eu acho que esse seria o próximo objetivo, fazer esse passo.

Peter Simons: Parece que isso seria uma grande contribuição à literatura de pesquisa sobre a descontinuação. Espero que você obtenha o financiamento para poder realizar esse estudo. Obrigado novamente, Dr. Mark Horowitz, por falar comigo hoje.

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[Nota dos Editores do MIB: Em 2017 e em 2018, em nossos Seminários Internacionais A Epidemia das Drogas Psiquiátricas, realizados na Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca (ENSP/FIOCRUZ), tivemos a oportunidade de ter entre nós uma das lideranças internacionais do movimento de usuários que dão suporte aos que buscam meios de como deixar de ser dependentes químicos dos psicotrópicos. O desafio é como deixar de ser dependente químico das drogas psiquiátricas de forma segura e eficaz. Estamos falando de Laura Delano, que você pode ver em uma das suas apresentações aqui entre nós, clicando aqui]. 

 

Um “não” à internação e ao eletrochoque: CNDH recomenda suspensão da Nova Política de Saúde Mental

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Do CEE, FIOCRUZ, publicado no site GGN: “Na última quinta-feira, 14/3/2019, o Conselho Nacional dos Direitos Humanos (CNDH) aprovou, em sua 45ª Reunião Ordinária, documento que recomenda a imediata suspensão das medidas da Nova Política Nacional de Saúde Mental, em execução pelo atual governo, bem como sua ampla discussão em audiências públicas por todo o país. A Nova Política prevê ações que vão na contramão da legislação vigente – a Lei 10.216/2001 (Lei da Reforma Psiquiátrica) –, tais como como a inclusão de hospitais psiquiátricos nas Redes de Atenção Psicossocial, financiamento para compra de aparelhos de eletrochoque (eletroconvulsoterapia), possibilidade de internação de crianças e adolescentes e abstinência como opção de tratamento a usuário de drogas.”

Em recente entrevista, o sanitarista Paulo Amarante, coordenador do Laboratório de Atenção Psicossocial da Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca (LAPS/Ensp/Fiocruz), classificou a nova legislação como ‘uma bomba sobre uma política que vem sendo construída há quase 40 anos’. Na oportunidade, Paulo, que é integrante do GT de Saúde Mental da Abrasco e presidente de honra da Associação Brasileira de Saúde Mental (Abrasme), destacou que trazer o hospital novamente para o centro da rede de atenção é privilegiar um modelo que explora a internação e no qual as pessoas perdem o direito à cidadania e por vezes à vida.”

 

 

 

 

 

 

 

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A Vida de Celina

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Talvez um pouco atrasada no momento em que envio esta tradução para compartilhar com os colegas do Brasil este texto que reflete o processo da psiquiatria durante 74 anos no corpo de Celina, 74 anos de asilo de loucos. “Os avanços da ciência” durante esses 74 anos de confinamento fizeram muito no corpo de Celina: Celina viveu com tortura e privação de liberdade por 74 anos sem que ninguém soubesse qual era sua nacionalidade. Aqui está a triste história com trechos de parágrafos de sua história médica. A Lic. Julia Cicuttin colaborou na tradução desta nota. Uma companheira na caminhada, em fazer o caminho da praxis para o futuro que é a vida sem asilos de loucos.

Lucila López

Essa é a história: a vida de Celina …

A vida de Celina, 74 anos no asilo, por Camila Azzerboni

CAPER · QUARTA-FEIRA, 15 DE MARÇO, 2017

Celina Trezeguet

Data da primeira entrada 12.12.1941 aos 22 anos. Solteira, Trabalhadora do frigorífico. Católica, 4º ano do ensino fundamental. Nascimento…Peru? Espanha? Filha de Marciel e Alejandra.

Admissão: melancolia, abstração, delírio

É assim que a história clínica dela começa… eu quase não a conheci, mas sim sabia onde morava desde os 22 anos de idade. Contaram-me sobre ela e eu li sua “história”, demorei um pouco mais de uma hora para ler 70 anos de hospitalização.

Nós sabemos tão pouco sobre ela que ainda não conhecemos sua nacionalidade. É registrado que ela entrou, além de melancolia, com delírio e abstração, por causa de uma briga com seu irmão.

O que sabemos é que um dia a levaram para o hospital e lá morreu 70 anos depois. Ela conheceu – pela força – a história do hospital e os “avanços” da psiquiatria.

O que Celina teria dito se a tivéssemos ouvido com amor e menos ciência?

O que seus olhos nos dizem, suas rugas e um corpo devastado pela instituição?

O que ela gostava de fazer? Como foi sua infância? Sua adolescência? Ou seu trabalho?

Em sua história nos dizem … “Ela entra numa atitude um tanto estática, sua cabeça flexionada em seu peito. As pálpebras baixas, negativista na frente do interrogatório, às vezes chora, mas seu choro não parece responder a um conteúdo emotivo “(12 de julho)

O que estava errado com ela, o que a fez sofrer, o que a fez chorar?

Assim, com 20 anos de idade, começam seus dias neste lugar escuro onde são mantidos, escondem-se, são depositados e estão trancados para aqueles que não querem ver ou ouvir, aqueles que não podem “ser” ou querem saber, abraçar-se e cuidar de si mesmos. Alguns chamam esse lugar “Hospital neuropsiquiátrico especializado em pessoas agudas e crônicas (um lugar de “cuidados de saúde”)”, eu prefiro dizer asilo, local de confinamento, tortura e morte.

Como foram seus anos no asilo? Os médicos dizem que ela não queria falar, que ficava isolada, evitando os olhos …. “Não tendo mudado a sua imagem mental e persistindo seu negativismo contra os alimentos, descartadas as possíveis contraindicações somáticas, o tratamento convulsivo é iniciado com 5  da solução pentametilentetrazolal 10%, preparado no hospital, obtendo um choque típico “(04.09.41)

Parece que a psiquiatria “avança” e encontra esta solução torturante “Após o segundo choque obtido com a mesma dose, a imagem e o comportamento dos sintomas mudaram fundamentalmente. Ela atende, percebe e evoca sem dificuldade, incluindo o que aconteceu nos dias da sua admissão: ela explica que ela ouviu o que lhe foi dito e que teve que responder, mas “ela não poderia fazê-lo”; também em relação à comida, ela estava na mesma situação, queria comer, mas não podia “perder a vontade” de acordo com sua própria expressão. Ela também lembra que ela teve “como sonhos”, sendo acordada: viu figuras humanas que se mexiam; também ouvia um som como de máquinas. Ela acha que tudo isso aconteceu, que era “fraqueza cerebral” ou doença; Agora ela está muito melhor, mas não está tudo bem, porque às vezes ela se sente um pouco nervosa à noite quando é hora de dormir. Aceita permanecer e continuar o tratamento por mais alguns dias. (9/8/1941)

“Após o 8º choque da 2ª série (11 no total), ela parece calma e explica que tudo o que aconteceu com ela foi por causa duma aversão que ela teve por uma pessoa: um “menino” a quem ela não quer chamar de namorado,  sobre o qual “aquelas que se chamavam amigas” fizeram comentários que a machucavam, ela sempre pensou nessa pessoa, e recentemente, durante os dias que ela passava em casa, quando estava sozinha de noite, sentia ouvir a voz dele e não podia dormir: ficava com medo e ligava para seus parentes. Ele critica esta situação e acredita que algo análogo não acontecerá de novo. O tratamento é continuado “(4/10/1941)

11/4/1941: Após a 16ª injeção, da segunda série (19 no total), observa-se uma nova remissão dos sintomas, não muita completa, mas parece ser mais estável do que a anterior.

15/12/1941: A remissão foi mantida e a adaptação ativa melhorou.

Agora sim, após 4 meses de fornecimento intenso de medicação, foi possível conseguir que ela fale e que possa adaptar-se ao funcionamento do Estabelecimento da Saúde.

Não estava no `40, mas acho que não mudou tanto e que estarão se referindo a que ela possa se levantar às 5 da manhã, tomar a medicação para comer, banhar-se com água fria, ficar de pé, sentir, conversar, ficar quieta, comer, dormir e voltar a levantar-se quando é dito, estar ajeitada, mas não excessivamente.

E por que eles queriam que ela contasse tudo? Como sua situação podia mudar? Passaram 12 anos de hospitalização e do grande progresso que fizeram com o choque típico.

“A paciente não é muito acessível, fazendo o interrogatório difícil, respondendo em monossílabos ou com gestos; atitudes de estereótipos claros; ela muitas vezes olha no espelho que ela carrega no seu bolso, as possibilidades intelectuais dela são pobres, seus julgamentos são pueris. Do ponto de vista afetivo, ela é indiferente, tendo pouco interesse na perspectiva de retornar aos seus parentes”. (21 de dezembro de 1953)

Já na década de 1950, Celina aprenderá sobre a nova Revolução da Psiquiatria, que para suas “doenças” terão novas pílulas que tentarão reparar o anterior, sobre tudo, que não seja tão apática, que possa conversar novamente, recontar o que aconteceu, e dizer aos novos médicos que se sente convulsionar por um choque de drogas. E possa se mostrar mais ativa no confinamento da sala de jantar…mas não tão ativa, porque será necessário sedá-la.

É adicionada, portanto, nova medicação:

“Excitação noturna ocasional, grandes comprimidos 1-1-2”. (6/10/1958)

“Doente tranquila. Trabalho em tratamento. Bom físico”. (Dezembro de 1963)

“Mesmo tratamento. Sem variantes” (agosto dos 64) “Mesmo Estado “. (Julio de 1965)

“Continua bem adaptada à sala. Trabalhadora Cuida da sua limpeza pessoal. “(26.04.1969)

Sim, também estou impressionado com o fato de ter conhecido a história de Celina 10 anos após a incorporação de novos medicamentos, parece que tudo está indo bem: ainda está adaptada, mantenha-se em forma, e bom, não há muito mais a dizer sobre os próximos 5 anos.

Estamos conhecendo-a com seus 50 anos de vida e 28 anos de hospitalização. Sim, ela viveu dentro do asilo por mais tempo do que viveu fora. Mas com os médicos que são incorporados, e que assumimos que estão mais atualizados, chegam boas notícias:

Lúcida e calma. Boa orientação tempo-espacial. É visitada assiduamente por sua família. A paciente será convocada para ver a possibilidade de lhe dar a alta médica” (01.04.74.)

Passaram mais dois anos tentando fazê-la partir, mas os médicos perceberam algo que eles não tinham pensado ou talvez sim, mas isso seria pior. Sua família, como ela, continuava envelhecendo… E não haverá ninguém para cuidar dela. Por isso, os planos mudam:

“Falamos com seus parentes que são idosos e não podem assumir o controle. O pedido de seu irmão é considerado coerente. É conveniente que a paciente permaneça hospitalizada”. (06.07.1976)

Quantos médicos ela conheceu até então? Quantas companheiras entraram?
Quantas morreram? Quanto medicação ela tomou? Quantas vezes preguntaram por
que ela entrou?

Desde o momento em que lhe disseram que ela poderia sair, mais oito anos se passaram.
Oito anos com a mesma rotina adaptada para se levantar, tomar café da manhã, tomar
medicação, cochilar, estar na sala de jantar ou no quintal, limpar, jantar e dormir. Oito
invernos, verões, primaveras e  outonos atravessados no corpo, na mente, no olhar. Novos médicos e psicólogos acreditam que tem possibilidades de sair, não é agressiva, adapta-se
facilmente, não tem grandes problemas … tem 60 anos … sei lá!
Que ela viva sua vida, mas as evoluções nos dizem: “Paciente tranquila. Adaptada à sala. Colaboradora. Limpa. Os parentes dela a visitam periodicamente. Possui possibilidades de desospitalização, mas dado o tempo de 5 hospitalizações (38 anos) e a impossibilidade dos parentes devido à falta de conforto, é aconselhável permanecer na sala de reabilitação. Continuar o tratamento.”(27, 10.82)

Embora seja difícil de acreditar, ela esteve na sala de reabilitação há 38 anos. Ela esteve
sempre numa sala de “Reabilitação?”

“Tranquila, higiene pessoal excessiva. Recebe visita periódica”.(19.9.86)

“Inalterada. Hiperadaptada” 3/3/87

Depois de um trabalho árduo: “os membros da sua família querem a alta hospitalar , mas a paciente se nega completamente. Bom estado geral, atenção especial em seu cuidado pessoal. Adaptada à sala onde ela colabora ativamente.” (23 / 12/87) … e é claro que a palavra do paciente é respeitada acima de todas as coisas e se o desejo dela é de ficar …
“É visitada regularmente pelos membros da sua família que a visitam mensalmente e
trazem o que pede Celina, especialmente “cosméticos”. Ela está localizada no tempo e
no espaço e tenazmente se recusa a ser desospitalizada por seus parentes para quem
ela espera ser visitada, mas diz “Estou mais acostumada aqui” quando pergunto sobre a
questão da sua desospitalização.” (12/23/88)

Celina está cansada, eu acredito que deve de estar farta, descrente … Eu não sei se será porque há 40 anos ela foi trancado ou algo mais aconteceu com ela? Porque 40 anos não é tanto … Ela tem ainda muito por fazer. “Paciente de 70 anos de idade que vem à entrevista por seus próprios meios, limpa, ajeitada. Muito cooperativa. Ela diz que foi hospitalizada há 40 anos por “um problema com o irmão” Adaptada à sala. Colabora com as tarefas da culinária. “Agora eu trabalho pouco, trabalhei 28 anos” Resignada a viver no hospital “Eu não quero sair mais” Os parentes dela a visitam mensalmente. Ela se alimenta e descansa bem. Medicada com Hydergina, 2 por dia, e Nifelat a cada 8 horas?”(16/11/89)

“Estável. Calma. Muito pouco comunicativa, retraída, apática-passiva social. Não
recebe medicação psiquiátrica, ela continua com medicação para doença cardíaca”
(05/11/92).

Ainda querem que ela se comunique? Agora, felizmente, eles não lhe dão mais
medicação … parece que, depois de tanto tempo e com a idade que ela tem, ela não
precisa mais disso …

A história de Celina continua do mesmo jeito pelos próximos 24 anos, já não faz sentido
contar-lhes o que a história clínica diz, porque agora ela se tornou uma mulher velha, que
não se preocupa, que se acostumou com tudo, aos pombos no seu prato, à água fria, ao
calor, ao frio, às pílulas, às perguntas sem sentido, aos gritos, conhecer enfermeiros,
médicos, assistentes sociais, acostumou-se ao confinamento, às moscas em seu corpo,
morar com mais de 30 pessoas, comer comida feia e estragada.

Sobre sua família também não soubemos mais, eles provavelmente morreram. Eu não sei
se haverá alguém que pergunte por ela, alguns trabalhadores sei que sim … eles vão vê-
la, dão uma olhada, ou cumprimentá-la… Mas o que vamos dizer? O que vamos dizer a ela? Tudo o que aconteceu em 70 anos… Mudou a política, a economia, a tecnologia, a Segunda Guerra Mundial, a queda do Muro de Berlim, a Ditadura Militar, Menem, Rua, Cristina, o Macrismo, Internet, o Peso Argentino que a gente precisa, que nasceu minha mãe e eu. e que ela estava sentada lá na sala de jantar o tempo todo? Com qual sentido? Celina morreu em 2015, após 74 anos de confinamento. Espero que conhecer sua história e todo esse sofrimento que sofremos nos sirva para chorar e gritar DEVEMOS TERMINAR COM A MORTE, O CONFINAMENTO, A TORTURA E O MANICÔMIO!

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