Entrando e Saindo de Instituições Psiquiátricas: Experiências Angustiantes de Mulheres Indianas

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Artigo pulicado originalmente no www.madinsouthasia.org, traduzido por Camila Motta e revisado por Paulo Amarante. 

Existem 46 hospitais psiquiátricos estatais na Índia. É comum que mulheres com problemas de saúde mental vivam nessas instituições por períodos muito longos. Elas são chamadas de “mulheres abandonadas” devido as suas estadias de longo prazo em hospitais psiquiátricos devido a falta de apoio familiar. Um novo estudo foi conduzido por Anindita Bhattacharya, David Camacho e Ellen Lukens, que investiga as razões por trás das estadias de longo prazo. Os pesquisadores descobriram que desigualdade de gênero, falta de apoio familiar, pobreza e violência familiar frequentemente levam à admissão de mulheres em instituições psiquiátricas. Além disso, esses fatores também atuam como barreiras a sua reinserção na comunidade.

A maioria das internações hospitalares de mulheres é involuntária. Este não é apenas um cenário indiano, mas também um que foi relatado em Nova York . As famílias admitem mulheres sem seu consentimento devido a uma série de razões, algumas delas incluem dar entrada em divórcios, negar-lhes a custódia dos filhos e tirar suas propriedades. Depois de interná-las em hospitais, as famílias também tendem a fornecer números de telefone e endereços errados para garantir que não haja contato com elas. Em alguns casos, mulheres que fogem de lares abusivos, assim como das armadilhas do tráfico, foram presas pela polícia e colocadas em uma instituição psiquiátrica.

Os pesquisadores descobriram que entre as onze mulheres entrevistadas no estudo:

“ As participantes foram admitidas no hospital psiquiátrico por sua família de origem, família do marido ou pela polícia. Duas mulheres escaparam de famílias abusivas e uma escapou do tráfico de pessoas; essas três participantes relataram que ficaram desabrigadas durante meses, antes da admissão no hospital pela polícia .” 

As internadas em hospitais governamentais por seus familiares foram forçadas a isso devido à pobreza, pois pagar por tratamento psiquiátrico privado era um luxo para elas. Depois de interná-las no hospital, os familiares raramente vinham visitá-las. Embora elas não expressassem raiva pelas internações forçadas, o distanciamento dos familiares causaram sentimentos de profunda mágoa e traição para essas mulheres.

Além disso, de acordo com o recente Indian Mental Health Care Act, a polícia é responsável por localizar a família da pessoa. Apesar deles não estarem autorizados a interná-las em uma instituição psiquiátrica, o consentimento das mulheres nunca foi solicitado pela polícia ou pela equipe do hospital. O Indian Mental Health Care Act também prevê que pessoas que vivem em hospitais psiquiátricos sem apoio familiar sejam transferidas para centros de reabilitação.

O estudo apresenta as experiências de mulheres que vivem em um centro de reabilitação, com foco em sua jornada de admissão no hospital e enfrentamento de desafios para retornar à sociedade.

Experiências de Viver no Hospital

Todas as participantes do estudo falaram sobre as condições de vida lamentáveis e desumanas no hospital. Com enfermarias superlotadas e acesso inadequado a alimentos, roupas e instalações sanitárias, as condições de vida no hospital eram terríveis. As participantes também compartilharam que viviam uma vida monótona, onde a maior parte do dia envolvia ficarem sentadas ociososamente. Além disso, as pacientes percebidas como “violentas” e “agitadas” recebiam punições de reclusão e contenção. Uma participante compartilhou:

No hospital, não havia aulas [comparando suas experiências com centros de reabilitação, onde havia aulas de terapia ocupacional e recreativa]. Elas [enfermeiras] nos davam muito trabalho para fazer e, se fizéssemos bem, elas nos forneceriam comida melhor. Às vezes, as enfermeiras batiam em pacientes que eram “violentos”. No hospital, não sabíamos ou entendíamos se estávamos tomando os medicamentos certos. Cerca de 500 mulheres faziam fila diariamente para receber seus comprimidos. Mas não sabíamos quais comprimidos eles estavam nos dando… era tudo um grande mistério. Às vezes, os médicos vinham em suas rondas e me diziam que eu estava curada, e era uma pena que, apesar de estar bem, minha família não me levava para casa.

Várias mulheres continuam internadas no hospital apesar de estarem curadas devido a falta de apoio das famílias. Além disso, é importante notar que, assim como sua admissão involuntária no hospital, as mulheres não tiveram voz ativa em suas decisões de alta também.

Barreiras para reinserção social

A casa de recuperação esperava reintegrar as mulheres na sociedade dentro dos nove meses de permanência na instituição. A equipe tentou repetidamente localizar as famílias das mulheres por meio da colaboração com a polícia, no entanto, eles enfrentaram vários desafios, o que levou muitas residentes a ficarem mais tempo na instituição.

As moradoras mencionaram vários fatores que as impediram de retornar às suas famílias. Isso incluiu falta de apoio familiar, falta de espaços comunitários alternativos, pobreza, baixo nível educacional e habilidades para conseguir emprego e seu próprio medo de retornar à sociedade.

Falando sobre a falta de apoio familiar, algumas moradoras compartilharam que vivenciaram violência e abuso como mulheres, o que aumentou ainda mais sua angústia e diminuiu suas chances de permanecerem dentro de suas famílias. Uma participante compartilhou:

Ninguém veio me ver aqui ou no hospital psiquiátrico. Então, pense na minha situação. Eu disse a eles [centro de reabilitação] que eu poderia ficar aqui para sempre, mas eu não sabia que eles [centro de reabilitação] não nos manteriam depois de nove meses. Estou preocupada e me sinto tensa, porque se eles me mandarem para casa, meu marido vai me bater de novo. Esta é a razão pela qual eu queria estudar e trabalhar. Estou com extrema necessidade de dinheiro.

Algumas moradoras tinham contato com suas famílias, mas faltava o apoio delas, pois constantemente expressavam sua relutância em levar as mulheres de volta para casa. Além da falta de apoio familiar, suas próprias desvantagens socioeconômicas também se tornaram uma barreira. Sobre a necessidade de dinheiro para viver uma vida independente, uma participante compartilhou:

As aulas que acontecem aqui (sejam de costura ou música) são para nossa terapia, mas não vão nos ajudar a encontrar emprego. As aulas são boas, mas não são relevantes, não vão ajudar as meninas a se tornarem independentes e autossuficientes. A educação é muito importante. Eu quero estudar. Quero me formar e concluir meu bacharelado, independentemente de conseguir um emprego mais tarde ou não. 

Além desses fatores, as participantes também têm seus próprios medos em relação a reinserção social. Desde a falta de habilidades para lidar com conflitos em casa até a perda de acesso aos medicamentos, já que suas casas são geograficamente distantes dos centros de recuperação – o medo de retornar às suas famílias eram significativos e inegáveis.

Identidades Interseccionais Femininas 

As mulheres muitas vezes são colocadas em desvantagem devido ao gênero. Além de sua identidade de gênero, um histórico de vida em um hospital psiquiátrico e o estigma de viver com problemas de saúde mental impactam sua autoestima, conforme relatado de forma semelhante por outro estudo . Elas também acreditam que seu sofrimento mental e emocional as impede de cumprir seus papéis como mães, filhas e esposas. Esta é uma das principais razões pelas quais as famílias muitas vezes veem as mulheres que vivem com problemas de saúde mental como um fardo e optam por “abandoná-las”.

Além disso, a incapacidade de suas famílias de pagar pelo tratamento as deixou sujeitas a condições de vida desumanas no hospital. Em tal situação, os participantes do estudo mencionaram que o emprego é essencial para alcançar a independência financeira, se afastar de famílias abusivas e construir suas próprias vidas.

Conclusão 

Embora o Indian Mental Health Care Act forneça transferência de cuidados de uma instituição para outra, o estudo mostrou que as vidas das participantes não melhoraram quando elas se mudaram dos hospitais governamentais para centros de recuperação. As residentes ficaram ainda mais desanimadas com a possibilidade de voltar para casa. Os autores descrevem como as instituições podem ser espaços mais seguros e enfatizam:

Também é importante reconhecer que as instituições geralmente são espaços mais seguros para mulheres que escapam do tráfico humano, da falta de moradia e de famílias e relacionamentos abusivos. Considerando isso, há uma necessidade de conversas contínuas sobre como as instituições podem ser reimaginadas e transformadas como espaços de cuidado, empoderamento e emancipação para mulheres que são abandonadas por suas famílias. 

Por fim, vale lembrar que dar voz as usuárias é uma das maneiras significativas de promover mudanças na forma como os grupos minoriários são tratadas pela psiquiatria.

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Bhattacharya, A., Camacho, D., & Lukens, E. (2024). “Esses lugares são fáceis de entrar, mas impossíveis de sair”: Caminhos das mulheres para instituições psiquiátricas e barreiras à reentrada na comunidade na Índia.  Community Mental Health Journal ,  60 (2), 317-329 (Link de acesso)

Informações de contato do pesquisador: Anindita Bhattacharya ( [email protected] )