A organização do Seminário Ecos da Reforma Psiquiátrica, realizado no Museu de Arte Murilo Mendes, no município de Juiz de Fora em Minas Gerais, Brasil, foi realizada através da mobilização autônoma entre profissionais, estudantes, usuários e participantes de movimentos sociais. Organizado em 3 mesas, respectivamente, homenageando a psicóloga Thais Acácio, o usuário Alceu Rodrigues e o ex-deputado autor da lei 10.216 Paulo Delgado, de Minas Gerais.
O “Corredor da Loucura”, região mineira formada por Barbacena, Juiz de Fora e Belo Horizonte agregou até a década de oitenta, dezenove dos vinte e cinco hospitais psiquiátricos de Minas, 80% dos leitos da saúde mental do Estado. Não sem motivos: a Organização Mundial da Saúde estabelece como referência três internações para cada mil beneficiários no país, mas em 1981, estudos do setor psiquiátrico mineiro revelaram quase cinco internações para cada grupo de mil: “a cada duas consultas e meia, uma pessoa era hospitalizada” (Arbex, 2013, p. 31).
Como fomento artístico, a obra de abertura “Mineiridades” concretizada pelo Projeto Colibri, o qual oferece oficinas de artes, teatro e yoga aos assistidos pela RAPS. Recém inaugurado no ano de dois mil e vinte e cinco, entretanto já potente no município, foi idealizado por Flávia Assis (psicóloga e historiadora), Juliana James (pedagoga e graduanda de psicologia) e Nicole Bem (artista, professora e pesquisadora). As reuniões acontecem semanalmente, abertas a todos a quem interessar, sua sede se situa ao lado do CAPSad (centro de atenção psicossocial álcool e drogas), sendo ferramenta articuladora de cultura, expressão criativa e desenvoltura de habilidades artísticas enquanto dialogam com emoções e vivências. Seu lema se baseia no trabalho com as artes como um dos atores na promoção da saúde mental.
Ademais, o convite aos usuários da Associação Trabalharte unirem-se à mesa de debate, pensando a reinserção social e fortalecimento enquanto sujeito a partir da produção de artesanatos. A associação pró saúde mental, tem como logo a estampa pintura realizada pelo usuário Alceu no ano de 2000. Buscando reabilitação psicossocial, ela é formada por usuários da saúde mental de Juiz de Fora, familiares e voluntários da comunidade, promovendo através da compra de seus produtos, a ruptura com o processo de exclusão social e inserção cultural do potencial expressivo e criativo dos atendidos.
Na mesa dois, o convite à “Zine de Saúde Mental”, revista sem fins lucrativos que promove redações distribuídas popularmente pela cidade, impulsionando a reverberação das falas em economia solidária e direitos humanos. A psicóloga Beatriz Guedes, uma das idealizadoras, reitera a importância da fala em saúde mental, diversas vezes percebida como desarticulada, isolada de direitos humanos. Nesse sentido, propagar a fala sobre a garantia de direitos nos espaços, coletivos, fortalece e ramifica possíveis conexões formadas entre pessoas que valorizam a cidadania e coletividade na Rede de Atenção Psicossocial.
A terceira mesa estendeu a discussão para o apontamento de dificuldades da desospitalização e volta do pensamento manicomial, evitar o ensurdecimento dos institucionalizados e pensar a psicologia para não reproduzir violências. Há dez anos o último manicômio foi desativado, pouco tempo a fim de uma revolução no pensamento cultural acerca da loucura e seu espaço social. Hoje, com uma insuficiência na rede, números reduzidos de CAPS, residências terapêuticas (RTs), efetividade do matriciamento junto a atenção primária e contingente profissional, a articulação do que se pode fazer em comunidade, é essencial para o cuidado longitudinal e fim de direitos violados.
Na cidade de Juiz de Fora, o pensamento pró manicomial apresenta uma progressiva resistência expressada pelos movimentos artístico culturais. Nesse período, enquanto aqueles que lutam por recursos, é necessário convidar mais pessoas a ocupar espaços de fala, tal qual o evento realizado. Construir mais locais como a Revista Zine, Coletivo Colibri e a Associação Trabalharte, dessarte, caminha-se para políticas de garantia de acessos.
Ao decorrer do evento, a elaboração de uma Carta Manifesto direcionada à prefeitura e câmara dos vereadores, convocando aos 150 participantes, expressarem seus desejos para a construção das Políticas em Saúde Mental.”Construção de um fórum permanente de saúde mental, visandoa ampliação da RAPS e sistematização da política municipal”, “Por uma rede fortalecida, democrática e horizontal. Que o direito à escuta e o acesso à saúde mental, sejam devidamente garantidos.”
A programação foi encerrada com a fala de Paulo Amarante, com a abertura de perguntas ao público, na qual debateu-se como a experiência artístico cultural quebra paradigmas psiquiátricos. Viabilizou-se novas possibilidades de vida, expressão e inclusão social para aqueles em sofrimento psíquico, assim como, a construção de um novo lugar social para a loucura.