“Desmedicar a vida – Um Olhar Crítico Sobre Doenças Psíquicas, Diagnósticos Psiquiátricos e a Expansão da Medicalização no Brasil”

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O artigo intitulado “Desmedicar a vida – Um Olhar Crítico Sobre Doenças Psíquicas, Diagnósticos Psiquiátricos e a Expansão da Medicalização no Brasil” conta com a base cientifica de grandes pesquisadores, como Ivan Illich, Adriano Aguiar, Sandra Caponi, Fernando Freitas e Paulo Amarante, entre outros. A obra aborda questões relevantes sobre o aumento do consumo de ansiolíticos no Brasil, refletindo um fenômeno mais amplo de medicalização do sofrimento psíquico, em que estados emocionais cotidianos são transformados em diagnósticos psiquiátricos e tratados predominantemente por meio de fármacos.

Com uma perspectiva de buscar argumentar sobre significados, motivações e contextos sociais que influenciam a saúde e a doença, o artigo utiliza a abordagem qualitativa em saúde. Essa perspectiva é fundamental para entender dimensões subjetivas do adoecimento e os processos de medicalização da vida, permitindo analisar fenômenos que não podem ser reduzidos a números e contribuindo para o questionamento das categorias diagnósticas e dos impactos do uso prolongado de psicofármacos.

Através de um estudo que foi conduzido pela Sandbox (empresa especializada em dados), evidenciou que o uso de medicamentos para depressão e ansiedade aumentou mais de 18% entre agosto de 2022 e agosto de 2024. Os dados apontam ainda que 21% das 600 mil pessoas analisadas utilizaram medicamentos psiquiátricos nesse período, resultando em um crescimento de 49% no número de consumidores dessas substâncias, demonstrando o forte consumo de psicofármacos no Brasil e o aumento expressivo de diagnósticos.

Como observa Adriano Aguiar:

“[…] o uso generalizado e abusivo dos psicofármacos também expõe a artificialização do corpo e da mente humanos, colocando em questão as fronteiras entre natureza e cultura.”

O artigo também aborda os efeitos da interrupção abrupta desses medicamentos, que podem resultar em síndromes de abstinência severas, caracterizadas por ansiedade intensa, insônia, tremores e crises de pânico, configurando uma consequência direta da medicalização do sofrimento psíquico e, em alguns casos, gerando dependência química difícil de ser rompida. Christian Dunker ressalta que:

“[…] a medicalização da vida cotidiana reflete uma estratégia biopolítica que se alimenta da necessidade contemporânea de gerir e normatizar o sofrimento humano, transformando experiências existenciais em distúrbios tratáveis.”

O artigo destaca ainda que a dependência de medicamentos impacta não apenas a saúde física e mental dos indivíduos, mas também o processo mais amplo de medicalização cotidiana. Destacando que a pesquisa não invalida a psiquiatria biológica, no entanto, crítica a crescente redução da subjetividade a um desequilíbrio neuroquímico, reforçando a percepção de que a farmacoterapia seria a principal forma de tratamento. A resistência da comunidade científica e médica em reconhecer os efeitos adversos e os desafios da retirada dessas substâncias dificulta um debate amplo, necessário para questionar o uso excessivo desses medicamentos. Assim, a crítica à psiquiatria biológica não significa negar a importância dos medicamentos em casos específicos, mas sim enfatizar a necessidade de uma visão mais ampla sobre as formas de tratamento.

Questionar o modelo hegemônico de medicalização do sofrimento psíquico não se limita a propor alternativas terapêuticas, trata-se também de desafiar uma lógica que transforma dores humanas em oportunidades de mercado para a indústria farmacêutica. Além do enfoque na saúde mental, os pesquisadores analisam as consequências econômicas desse consumo, de acordo com a pesquisa da Sandbox, os gastos médios mensais com psicofármacos aumentaram de R$ 154 para R$ 189 entre agosto de 2022 e agosto de 2024, representando uma variação de 22,8%, muito acima da inflação acumulada no período (8,65%). Esse cenário evidencia como a medicalização não apenas altera a forma como os indivíduos lidam com suas emoções, mas também afeta sua estabilidade financeira, reforçando um modelo de consumo contínuo.

A influência da indústria farmacêutica na prescrição médica é uma estratégia bem documentada para ampliar mercados e consolidar o consumo contínuo de medicamentos, marcada por campanhas agressivas, incentivos a médicos e redefinição do que é considerado doença. Como apontam Freitas e Amarante (2017):

“[…] a expansão do mercado da psiquiatria e da indústria farmacêutica parece não ter limites, na medida em que são inúmeras as experiências humanas que podem ser convertidas em doenças mentais” (p. 104).

O artigo evidencia que essa lógica de mercado redefine a prática médica, tornando a prescrição medicamentosa a principal solução terapêutica. Consequentemente, a dependência da psiquiatria em relação aos fármacos provoca um afastamento da escuta clínica e do acolhimento integral dos pacientes. A normalização do uso de medicamentos contribui ainda para a aceitação social da medicalização como resposta única ao sofrimento psíquico.

A ampliação crescente dos diagnósticos psiquiátricos reflete um fenômeno que ultrapassa a preocupação legítima com a saúde mental, adentrando a patologização da vida cotidiana. Atitudes e comportamentos antes considerados normais passam a ser enquadrados como transtornos, impulsionando a medicalização generalizada. Freitas e Amarante (2017) destacam:

“[…] a medicalização não deve ser confundida com medicação (a prescrição e o tratamento de doenças com medicamentos) nem com medicamentalização (o uso abusivo de medicamentos). Trata-se de um processo por meio do qual fenômenos complexos de origem social e política, marcados pela cultura e um dado tempo histórico, são convertidos em objetos da saúde e deslocados para os domínios da ordem médica e práticas afins.”

Por fim, a pesquisa reforça a importância de um olhar atento aos interesses econômicos que permeiam a expansão dos diagnósticos psiquiátricos e do consumo de psicofármacos. A medicalização do sofrimento não deve ser naturalizada como inevitável, mas debatida à luz de suas implicações sociais, políticas e éticas. Somente através desse debate será possível construir alternativas que promovam atenção integral à saúde mental, valorizando a subjetividade, a escuta clínica qualificada e superando a lógica reducionista que transforma a vida humana em mercado para a indústria farmacêutica.

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DOS SANTOS, Antonio Nacílio Sousa et al. DESMEDICAR A VIDA – UM OLHAR CRÍTICO SOBRE DOENÇAS PSÍQUICAS, DIAGNÓSTICOS PSIQUIÁTRICOS E A EXPANSÃO DA MEDICALIZAÇÃO NO BRASIL. ARACÊ [S. l.], v. 7, n. 2, p. 7636–7665, 2025. (Link)

Link da base de dados:https://sandboxdata.com.br/dados-de-consumo-de-medicamento-para-saude-mental