Muitos de nós, psiquiatras, estão lutando com o que somos enquanto profissão e campo. Nossas taxas de adoecimento por estresse profissional são alarmantes. O suicídio é comum: 400 médicos nos EUA se matam anualmente, e 5% dos médicos dos EUA pensaram em suicídio nos últimos 12 meses. Isolamento e desesperança abundam para nós. E 40% de nós não buscarão ajuda de qualquer tipo, por medo de perder nossos registros profissionais. Este é certamente um problema sério!
Nós psiquiatras já fomos considerados “professores da alma”, que é o verdadeiro significado da palavra psiquiatra. Não há muito tempo atrás, nosso trabalho envolvia entrar nos recessos mais profundos do mundo de nossos pacientes e fazer parcerias com eles para se encontrar cura e transformação. Muitos de nós fomos atraídos para o campo da psiquiatria, especificamente porque nos oferecia a melhor oportunidade de conhecer e ajudar os outros que precisavam de cura. A relação terapêutica era amplamente entendida como primordial para que esse processo fosse possível.
Nós, psiquiatras, passávamos muito tempo com nossos pacientes, e estávamos profundamente conscientes do poder de nossas palavras para prejudicar ou curar. Embora possamos haver prescrito alguns medicamentos, não estávamos lidando com um universo de diagnósticos, sempre em expansão e questionáveis, assim como com recomendações de medicamentos não fundamentadas. Nós não nos sentíamos sendo traídos pelas organizações e sociedades profissionais com as quais contamos para nos fornecer as melhores ferramentas para o sucesso do nosso trabalho. E estávamos em grande parte felizes e realizados em nosso trabalho. Esse universo foi totalmente transformado.
As mudanças que eu tenho visto no campo da psiquiatria ao longo dos meus 35 anos em medicina são impressionantes! Coisas outrora impensáveis são agora comuns. Em 15 de outubro de 2017, um artigo apareceu no feed Op-med (med) da Doximity escrito por Jeffrey Alan Vernon, DO, intitulado: “Por que o treinamento de psicoterapia não deve ser parte da residência de psiquiatria”! Para aqueles que não sabem, Doximity é um serviço de rede social online para clínicos dos EUA. Lançado em março de 2011, a Doximity tem mais de 800.000 membros verificados a partir de fevereiro de 2017. Desde a publicação do artigo do Dr. Vernon, 214 médicos, principalmente psiquiatras, comentaram sobre isso. A maioria tem sido profundamente incomodada com a sugestão de que a psicoterapia deve ser relegada a um plano secundário, e o psiquiatra “liberado” para fazer mais de “Gerenciamento Médico”. Porém, 32 expressaram-se com seus polegares para acima curtindo o artigo.
Uma noção que este artigo reflete é que o psiquiatra passou a ser predominantemente um especialista em medicina, cujo trabalho é a doença e o gerenciamento médico. Nós, psiquiatras, somos agora “provedores” de serviços e não profissionais da cura. É bastante desanimador este movimento crescente de questionar a importância do psiquiatra se envolver profundamente com seus pacientes para que enfrentem melhor os desafios que experimentam. E eu acredito ser este o principal motivo de nossa angústia como psiquiatras.
Muitos de nós estamos desiludidos com a nossa profissão. Nós experimentamos uma perda de significado, propósito, conexão e esperança. À medida que o campo se afastou da maravilha e do pathos da existência humana, e assumiu um modelo que reduz a vida às caixinhas de seleção e à dispensação de comprimidos, perdemos contato com o que nos torna humanos. O campo psicanaliticamente orientado em que fui criada, a psiquiatria psicodinâmica, falava de seres humanos complexos que sofriam e lutavam. Como psiquiatras, tínhamos a oportunidade de nos encontrar com essas pessoas e ouvir suas histórias de uma maneira íntima.
“A psiquiatria moderna nos dá um sentido fortemente empobrecido do que significa ser humano”, disse Robert Whitaker, “o que levou ao desastre para aonde quer que olhemos”. Os impulsionadores dessa mudança cataclísmica, do compartilhamento de histórias à tomada de comprimidos, incluem as instituições que mais esperamos que estejam lá para nos proteger e prevenir.
Muito já foi escrito e compartilhado neste site sobre a grande traição feita pela APA (Associação de Psiquiatria Americana), a indústria farmacêutica, a FDA e os interesses corporativos da aliança, na construção e perpetuação desta casa de cartas. Não preciso revisar isso aqui. Mas o que eu preciso chamar a atenção é que muitos de nós, psiquiatras, estamos lutando com perguntas sobre se nós ajudamos ou prejudicamos nossos pacientes em algumas de nossas intervenções, estamos confusos sobre em quem podemos confiar e há uma enorme preocupação sobre o que devemos e precisamos fazer de agora em diante.
Como muitos de vocês, eu fui médica durante toda a minha vida adulta. Adoro ter tido a oportunidade de ajudar os que sofrem e de retorno aprender com eles. Sempre me senti privilegiada de ser acolhida nos mais profundos recessos do coração e da alma do outro, e ter a oportunidade de fazer parceria com os pacientes para um melhor resultado poder ser alcançado. Eu me sinto abençoada por poder curar e ser professora. E pensei que eu iria praticar psiquiatria para sempre.
Eu nunca esperava ter que me preocupar com que a maleta de ferramentas que estava me sendo dada para fazer meu trabalho estaria cheia de implementos enferrujados e poções ineficazes. Nunca pensei que estivesse sendo empurrada para fazer coisas que pudessem prejudicar, ou mesmo matar pessoas. Mas hoje eu sei que nossas drogas podem fazer isso. À medida que a cortina foi puxada, e a natureza macabra do universo farmacêutico me foi revelada, passei a me sentir completamente impressionada e desafiada pessoalmente.
Durante a minha carreira, vi médicos se tornarem “provedores de tratamento”. Vi desaparecer a capacidade de um médico para cuidar de seus próprios pacientes, do consultório para hospital e do hospital para o consultório. Eu costumava ser a mesma psiquiatra para os meus pacientes dentro e fora do hospital. Agora, temos médicos que só veem pacientes no hospital. Eles são chamados de “hospitalistas”. E não podemos ver os nossos próprios pacientes no hospital, porque suas empresas de planos de saúde controlam onde eles vão, e quem elas podem ver.
Nós, psiquiatras, não tratamos mais os pacientes, nós “gerenciamos medicamentos”. Quase todos usamos um registro de saúde eletrônico (EHR), no qual precisamos documentar as notas clínicas e as prescrições. Esta atividade leva um tempo precioso longe dos poucos momentos de face a face que temos com nossos pacientes. Todo o trabalho da visita, com frequência inferior a 20 minutos de duração, deve ser documentado em um EHR pesado e demorado.
Em 1997, nos primeiros anos da minha carreira, os Estados Unidos se tornaram o primeiro país do mundo a permitir que a indústria farmacêutica comercializasse seus produtos diretamente ao consumidor. Até então, eles só podiam ser comercializados com os médicos. Nós, médicos, naquela época, podíamos, pelo menos, ser um ‘amortecedor’. Agora, o orçamento de marketing da indústria farmacêutica é voltado de forma massiva para o orçamentos no desenvolvimento de novos medicamentos, e as companhias farmacêuticas bombardeiam o público com mensagens sobre tudo o que estava errado com os pacientes, precisando de outra pílula maravilhosa para corrigir os erros. Nossos pacientes passam a ser exigentes de medicamentos específicos, e um estudo publicado recentemente mostrou que estamos sujeitos a receber duras críticas como médicos se não prescrevemos e encomendamos o que o paciente quer! Infelizmente, muitas organizações esperam que recebamos consistentemente boas críticas, independentemente dos desafios envolvidos nisso.
Ao escrever essas palavras, uma tristeza profunda brota em mim pelo que todos nós perdemos. Todos nós perdemos a alma de cuidar das pessoas com dor profunda, perdemos o otimismo e a fé que podemos recuperar as pessoas dos solavancos, contusões e contratempos da própria vida. Cada vez mais temos menos escolhas. E nós fomos levados a confiar, e a acreditar que necessitamos de coisas que podem estar na verdade interferindo na qualidade das nossas próprias vidas. Todos nós temos feito um mau serviço. E nós merecemos muito mais!
Eu acredito, e talvez você também, que o cuidado médico deve estar pautado em como ajudar as pessoas. Não deve ser principalmente impulsionado pelos lucros. O paciente deve ser o centro do modelo e a sua prioridade. A organização profissional de alguém deve ser o baluarte por meio do qual todos podemos defender nossos melhores esforços. Mas todo o campo ficou louco. E nós, psiquiatras e nossos pacientes, somos vítimas. Isso é realmente trágico. Compreender isso é suficiente para que todos nós desejemos se enrolar em uma bola e desistir. Mas somos resistentes e capazes. Então, vamos nos reerguer, sacudir a poeira e começar a olhar para onde ir daqui para frente.
Eu decidi escrever este blog, em vez do que originalmente havia pensado estar a escrever para este site, porque acredito que os psiquiatras desiludidos precisam de um fórum para se conectar, ser ouvidos, apoiados e ajudados. É difícil falar sobre o modelo prevalecente. E é difícil saber para onde ir, ou o que fazer, quando todos os trabalhos abertos para você – e existem milhares deles – são fundamentalmente os mesmos.
Hoje em dia os residentes em psiquiatria recebem uma média de 100 ofertas de emprego para fazer o gerenciamento de medicamentos. E não há outras opções. Muitos residentes têm grandes empréstimos para serem reembolsados pelo pagamento da sua formação pelas escolas médicas e talvez nem tenham muito conhecimento dos riscos inerentes aos modelos prevalecentes. O treinamento de psicoterapia em programas de residência psiquiátrica é bastante mínimo hoje, muitos psiquiatras recém-formados podem nem mesmo saber usar opções terapêuticas para enfrentar a angústia e promover a transformação em seus pacientes.
Muitos de nós psiquiatras não podem respeitar o paradigma prevalecente, e estão lutando com o que fazer em vez disso. Eu mesmo tentei trabalhar dentro do novo modelo por cerca de 10 anos. E isso me deixou bem mal. Eu estava vendo pacientes sem parar, perdi muito peso, estava ansiosa e esgotada, e passei a ter problemas para dormir. Eu tentei trabalhar para uma série de instituições diferentes, pensando que poderia ser diferente mudando de lugares. Mas eu aprendi que o modelo e os desafios eram basicamente os mesmos em todos eles. Na minha última posição como empregada, eu tive tantas visitas de pacientes em três anos como eu havia tido na minha prática privada em tempo integral durante 10 anos. E eu escrevi mais prescrições nos três anos que eu estava no meu último trabalho do que eu tinha escrito nos 20 anos anteriores!
No final das contas, eu me encontrava incapaz de continuar trabalhando no universo da gestão de medicamentos, nesse lugar na caixa onde muitos de nós agora residimos. Mas deixar seria difícil de fazer! Eu não tinha ideia do que fazer para frente. E eu adoro ser médica e realmente não gostaria de desistir. No entanto, o que eu estava fazendo, e sendo convidada a fazer, abalava as minhas crenças mais profundas sobre o que significa participar na cura. Eu lutei muito. E realmente não havia muitos lugares seguros para falar sobre isso. Eu não conseguiria levantar isso com meus supervisores no trabalho, onde desafiaria o modelo de organização financiado pela empresa. Não conseguia escrever sobre isso de maneira ampla, por medo de perder credibilidade como psiquiatra. Não via nenhuma maneira de melhorar, e eu continuava me sentindo cada vez mais isolada e angustiada. Então, finalmente deixei, em março de 2017.
Desde então, aprendi muito sobre o que nos aflige a todos e o que nos impede de obter ajuda. Passei a poder falar mais abertamente sobre onde eu estou e o que eu acredito. E, decidi que eu preciso fornecer ajuda e apoio como treinador para meus colegas que podem estar enfrentando dificuldades semelhantes e não têm para onde ir. Nossa angústia está literalmente nos matando.
Recentemente tive a oportunidade de participar da primeira Conferência Americana de Saúde Médica em San Francisco, co-patrocinada pela AMA e pela Stanford University. Havia 375 lugares, mas dada demanda extraordinária, eles aceitaram 425 participantes e tiveram uma lista de espera de mais 100! Estamos claramente lutando por apoio e orientação.
O ex-cirurgião norte-americano Murthy nos falou sobre a crescente desumanização e despersonalização na medicina. Ele discutiu nossa necessidade de ser valorizados, compreendidos, desejados e apreciados. Ele disse: “Os locais de trabalho não priorizam as conexões sociais com nossos colegas” e que “os médicos estão com dor e sua dor é importante”. Ele falou da falta de auto-eficácia que muitos sentem, e o custo pessoal extremo envolvido fazendo um ótimo trabalho para nossos pacientes. O aplicativo 2shoes foi usado para perguntas, para que os participantes pudessem votar as questões pendentes para cada orador, para permitir ao moderador saber quais as questões eram as mais desejadas. A primeira e mais votada questão para o Dr. Murthy foi: “Como destigmatizamos os médicos que procuram ajuda?” Eu aplaudo a Universidade de Stanford, a AMA, os conferencistas e o Dr. Murthy por validar este problema crucial.