Elementos Dialógicos Comuns em todas as Práticas Relacionais

Experiências com a Abordagem do Diálogo Aberto

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CAMILAO artigo Developing Dialogicity in Relational Practices: Reflecting on Experiences from Open Dialogues, nasce da experiência na redação do livro Open Dialogues and Anticipations: Respecting Otherness in the Present Moment. Os autores Jaakko Seikkula e Tom Arnkil, se propõem investigar os elementos centrais nas práticas dialógicas, através de uma interação entre a psiquiatria e a educação. Os autores argumentam que existem dois elementos nucleares, cruciais e independentes na dialogicidade: estar presente no aqui e agora e o respeito incondicional pela singularidade do outro.

O Diálogo Aberto é a princípio uma abordagem de tratamento da saúde mental, e como tal, é um exemplo especial de dialogicidade aberta. Porém, não se fecha a esse tipo de prática, posto que, respeitar a singularidade de cada pessoa é essencial para todos os tipos de práticas relacionais. No artigo a dialogicidade na psicoterapia foi discutida, principalmente, através da experiência atual de Jaakko na terapia de casais com a abordagem do Diálogo Aberto, realizada por dois co-terapeutas, onde tentam criar um espaço dialógico, seguindo momento a momento o que o paciente lhes apresenta.

Os profissionais de saúde têm o costume de planejar suas intervenções entre a equipe e longe do paciente – atrás da cena-, este tipo de planos e metas, por mais bem fundamentadas teoricamente que possam ser, interferem na escuta. Pelo contrário, no Diálogo Aberto, a proposta é a dialogicidade aberta – face a face-, de maneira que todos os envolvidos participem – tanto terapeutas como clientes -, agindo no momento presente, no aqui e agora. Essa é a chave para a mudança mútua.

Através de uma pesquisa anterior de Seikkula, se chegou à conclusão que os princípios centrais da abordagem do Diálogo Aberto são: Ajuda imediata (dentro de 24 horas); Uma perspectiva de rede social (sempre convidando os parentes, familiares e outros membros chaves da sua rede social para as reuniões); Flexibilidade e mobilidade (adapta o tratamento oferecido para a especificidade e as necessidades de cada caso); Responsabilidade da equipe (quem quer que esteja na equipe é responsável por reunir a rede); Continuidade psicológica (a equipe se torna responsável pelo tratamento pelo tempo que seja necessário); Tolerância à incerteza (criando segurança e confiança em situações onde ninguém tem a resposta definitiva); Dialogicidade (focando principalmente no diálogo, deixando em segundo plano querer mudar o outro).

Os autores fazem o paralelo entre psicoterapia e educação, em que as relações entre os atores são assimétricas –  professor / aluno, terapeuta / paciente, p.e. -, seria possível gerar um diálogo verdadeiro entre eles? A resposta é sim; justamente por causa dessa assimetria é que é possível haver trocas.

“De fato, todos os relacionamentos são assimétricos. Como o filósofo Emmanuel Lévinas (1969/2004) enfatizou, essa é precisamente a diferença entre as pessoas, que permite diálogos necessários e possíveis entre elas: O Outro é sempre mais que alguém que eu possa ter domínio .”

DialogicidadeA exemplo de Lévinas, Bakthin exerce uma importante influência no pensamento do Diálogo Aberto. De acordo com Bakhtin, através do diálogo podemos perceber como os outros nos veem, na medida em que o Eu, só é possível através do olhar de outrem.

“De que modo poderia o evento ser enriquecido se eu me fundir com o outro, e ao invés de dois apenas haver um? E o que eu próprio ganharia tendo o outro se fundido comigo? Se assim fosse, ele veria e saberia não mais do que eu vejo e sei de mim próprio: ele meramente repetiria nele próprio a falta de qualquer assunto, que não sejam inerentes aos que caracterizam a minha própria vida. Permita que ele, ao invés disso, permaneça fora de mim, porque nessa posição ele pode ver e saber o que eu próprio não vejo e não sei, a partir do meu próprio lugar, e ele pode essencialmente enriquecer o evento da minha própria vida” (Bakthin, 1990, p. 87). *

Os praticantes da dialogicidade se esforçam por responder ao que é dito, isso significa estar aberto aos novos pontos de vista. Nós, como seres dialógicos que somos, assim como necessitamos respirar, necessitamos ser escutados.

A conclusão do artigo é que assimetria não é um problema para a dialogicidade, as perspectivas únicas de cada pessoa não se tornam semelhantes através do diálogo, mas podem tornar-se mais ricas.

* trad. livre

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O artigo na íntegra →

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Graduada em Psicologia pela UERJ, especialista em Terapia Familiar pelo IPUB/UFRJ, com ênfase em saúde mental. Pesquisadora auxiliar do Centro de Estudos Estratégicos da Fiocruz Antonio Ivo de Carvalho (CEE/Fiocruz) e Laboratório de Estudos e Pesquisas em Saúde Mental e Atenção Psicossocial(LAPS/ENSP/Fiocruz) Produtora e apresentadora do podcast Enloucast. Além de atuar como psicóloga clínica. Áreas de interesse: Saúde Mental, Terapia Sistêmica, Diálogo Aberto, Construcionismo Social, Medicalização e Patologização da vida