Perfil dos Leitos de Saúde Mental em um Hospital Geral

Um estudo realizado em um Hospital Geral de um município do Paraná, ilustra as potencialidades desse serviço na rede de saúde mental.

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O artigo publicado na revista Argumentum traz uma investigação sobre as internações nos leitos de saúde mental disponíveis em um Hospital Geral, localizado em uma cidade no interior do Paraná. O estudo foi quanti-qualitativo utilizando a abordagem teórico-metodológica da da Análise Institucional.

Na proposta da Reforma Psiquiátrica Brasileira (RPB), o Hospital Geral (HG) é parte da rede de serviços de saúde mental. A proposta é que eles acolham pessoas em crise grave até sua recuperação, substituindo os Hospitais Psiquiátricos (HP). O objetivo é que a assistência prestada seja realizada no menor tempo possível, atuando de forma articulada e integrada aos outros serviços da rede extra-hospitalar.

No entanto, observa-se que no Brasil existem duas forças contrárias que tentam se apropriar do espaço do HG: a Reforma Psiquiátrica e a Psiquiatria Clínica. Ao modelo da Psiquiatria Clínica, somam-se grupos de interesses fundamentalistas e neoliberais que ameaçam as conquistas alcançadas pela RPB.

De 2002 à 2014 houve uma redução de 50% do número de leitos do SUS em HP, passando para 25.988 leitos. Enquanto os números de leitos em HG, em 2014, era de 888 em todo Brasil. Através desses dados, fica claro que o principal dispositivo para a internação em saúde mental no Brasil ainda é o HP.

Os autores analisaram dois bancos de dados no período de março de 2018 a junho de 2018, disponibilizadas pelo gestor do hospital. A primeira análise foi dos laudos do sistema de regulação estadual, disponibilizados pelo hospital desde a abertura desse serviço, em setembro de 2014, até o mês de dezembro de 2017, constituindo-se 545 laudos, dos quais foram consultados os seguintes dados: local de moradia (urbano ou rural), faixa etária, sexo, procedimento solicitado, diagnóstico principal, tempo de permanência, outros procedimentos solicitados, local de encaminhamento, número de internamentos e reinternamentos.

O segundo banco de dados foi construído através das informações repassadas pelo setor de Serviço Social do Hospital, referentes à internação involuntária e números de transferências para outros serviços hospitalares.

Constatou-se com a pesquisa, que o HG escolhido não conta com equipe específica para o atendimento nos leitos de saúde mental. A equipe que atende esses leitos é a mesma que atende as demais internações hospitalares, composta por um médico clínico geral, uma assistente social, enfermeiro(a)s e técnico(a)s de enfermagem. Não há áreas de convivência específica.

Em relação ao total de pessoas atendidas, foram 64% homens e 36% mulheres, a maioria residente na zona urbana do município (55%) e 66% encontravam-se entre os 19 à 49 anos. Observou-se que 47,9% das internações ocorreram devido a problemas relacionados ao uso de substâncias psicoativas, 44,8% devido à esquizofrenia, transtornos esquizotípicos, transtornos delirantes e 4,6% a transtornos de humor (afetivos). 64,9% dos casos foram encaminhados pelo Pronto Atendimento Municipal da região.

Ao olhar os dados mais de perto, é possível perceber que das internações relacionadas ao uso abusivo de substâncias, 89% são do sexo masculino, enquanto as internações relacionadas ao comportamento, 59% são do sexo feminino. Isso pode estar relacionado, ao fato dos homens associarem o cuidado com o feminino, buscando ajuda apenas em casos de crise, quando as coisas saíram do seu controle.

Um resultado muito importante para a discussão sobre o benefício dos HG para a saúde mental, é que 82% dos usuários permaneceram acolhidos por pouco tempo, até 7 dias. Em 2017, apenas 9% foram internados de forma involuntária. Já dos 545 internados no período analisado, apenas 16 (3%) foram encaminhados para outros serviços.

Analisando os dados, é possível constatar que o HG estudado vem respondendo ao estabelecido pela portaria 148/2012, inciso I do artigo 3, onde diz que as internações devem ser de curta duração, até a estabilidade de cada caso. Os autores inferem que isso foi possível graças a rede de atenção psicossocial fortalecida, pois os usuários têm outras opções assistenciais para o cuidado.

Outro dado relevante, é que houveram 22% dos casos de reinternação, índice inferior a aqueles apresentados por outros estudos. Mesmo sendo abaixo do esperado, é um dado que merece atenção, uma vez que pode revelar o fenômeno da porta giratória, quando os pacientes não permanecem por longos períodos internados, mas são internados diversas vezes por um período curto de tempo, o que também não é recomendado. Esse fenômeno pode representar falta ou insuficiência dos serviços substitutivos e comunitários, dificuldade de aderência a esses serviços pelos usuários e/ou ausência de vínculos familiares e comunitários.

Como conclusão, os autores consideram que a presença dos leitos de saúde mental nos HG da rede colaboram com o modelo de atenção psicossocial, favorecendo a proximidade com os demais pontos da rede e com o território de vida dos usuários, assim como possibilita  internações curtas e permite que o usuário seja pensado em sua totalidade. A baixa transferência para HP é importante, mas deve ser investigado o que motivou aquelas que acorreram, para que futuramente sejam ainda menores. Por fim, ressaltam a necessidade de mais pesquisas, para complementar o atual estudo.

 

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Schinemann, V., & Zambenedetti, G. (2020). Caracterização das internações nos leitos de saúde mental em hospital geral . Argumentum12(2), 141-164. (Link)

 

 

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Graduada em Psicologia pela UERJ, especialista em Terapia Familiar pelo IPUB/UFRJ, com ênfase em saúde mental. Pesquisadora auxiliar do Centro de Estudos Estratégicos da Fiocruz Antonio Ivo de Carvalho (CEE/Fiocruz) e Laboratório de Estudos e Pesquisas em Saúde Mental e Atenção Psicossocial(LAPS/ENSP/Fiocruz) Produtora e apresentadora do podcast Enloucast. Além de atuar como psicóloga clínica. Áreas de interesse: Saúde Mental, Terapia Sistêmica, Diálogo Aberto, Construcionismo Social, Medicalização e Patologização da vida