Entrevista de Tiago Pires Marques.
A entrevista que se segue dá a conhecer ao público de língua portuguesa a história de Peter Lehmann, figura central da luta pela emancipação e dignidade das pessoas com experiência de sofrimento psíquico severo e que entraram em contato com a psiquiatria. Lehmann transformou a sua experiência pessoal de crise e sofrimento numa vida dedicada à luta pela emancipação e dignidade das pessoas psiquiatrizadas e à procura de alternativas ao tratamento psiquiátrico convencional. A sua história confunde-se com a história do ativismo pelos direitos humanos dos sobreviventes da psiquiatria na Europa. Lehmann não só contribuiu para mudanças concretas no tratamento psiquiátrico, mas também ajudou a construir um movimento internacional que continua a lutar pelos direitos humanos em saúde mental e psiquiatria. A sua vida é um testemunho poderoso de como a adversidade pessoal pode ser transformada num movimento coletivo transformador.
Mad in Brasil, através do Mad in Portugal, apresenta aqui uma entrevista inédita com Peter Lehmann, trazendo ao público interessado um poderoso documento sobre a luta histórica pela dignidade no tratamento do sofrimento mental. Esta entrevista foi realizada em inglês em Berlim, a 27 de fevereiro de 2017, por Tiago Pires Marques. A sua transcrição foi corrigida e editada por Peter Lehmann e traduzida para português por Tiago Pires Marques. Todas as imagens foram cedidas por Peter Lehmann.
Primeiros anos: trauma coletivo, trauma pessoal
Tiago Pires Marques (TPM) – Obrigado, Peter Lehmann, pela entrevista que me concede. Gostaria de começar pedindo que me conte um pouco sobre você, contar a história da sua vida a partir do momento onde quiser começar.
Peter Lehmann (PL) – Ok… Venho da Floresta Negra (Alemanha). Nasci em Calw, na parte norte da Floresta Negra. É a parte onde nasceu o famoso escritor Hermann Hesse, o autor de “O Lobo das Estepes” e vencedor do Prêmio Nobel de Literatura em 1946. Este homem brincou nos mesmos lugares quando era criança 75 anos antes de mim, e depois esteve no mesmo manicômio [risos], com um diagnóstico semelhante.
Cresci numa época, logo após a Segunda Guerra Mundial, em que tive de lidar com pais que foram educados e socializados durante o nazismo de Hitler. Então, mesmo que não fossem fãs de Hitler, cresceram nesse período e não refletiram muito sobre a influência daquele terrível “Zeitgeist” (espírito do tempo) no desenvolvimento das suas personalidades. Então eu e outras pessoas tivemos de sofrer com uma educação frequentemente humilhante e violenta… outras pessoas desenvolveram-se melhor do que eu.
Eu não sobrevivi muito bem àquela educação, e especialmente não consegui construir uma, ah como diria, uma personalidade estável. Mas também tive experiências de ser amado. Não me tornei este homem normal. Então, por exemplo, fui à escola; concluí o liceu; recusei-me a ir para o exército; mudei-me de Estugarda, onde cresci, para Berlim, porque em Berlim naquela altura os jovens não podiam ser forçados a ser soldados. Então, nos anos 1960, muitos jovens foram para Berlim para se livrarem do exército. Casei-me com uma livreira e estudei pedagogia. Paralelamente aos meus estudos, trabalhei numa livraria que compramos. No final dos meus estudos, em meados dos anos 1970, encontrei-me em várias situações de conflito, às quais eu, claro, não era alheio. O nosso casamento terminou em divórcio depois de alguns anos… Tinha diferentes relações com mulheres ao mesmo tempo, uma disse estar grávida de mim, eu queria terminar os meus estudos, mas durante a tese final e pouco antes do exame final enlouqueci, fui internado no manicômio, quase morri com os neurolépticos administrados. Eles deixaram-me física e mentalmente incapacitado, um zumbi. Finalmente, fui expulso do manicômio, e depois de alguns meses parei com estes medicamentos traumatizantes, que eu deveria ter tomado pelo resto da minha vida, e recuperei-me. Contribuí com a minha história para o meu livro “Deixando os medicamentos psiquiátricos” (Coming off psychiatric drugs). Terminei os meus estudos. Foi uma sensação e tanto quando voltei à universidade! Acho que as pessoas me viam como um ser humano que regressa do submundo grego, o Hades.
Terminei os exames, e uma vez pediram-me para fazer um doutorado, que comecei, para dar aulas na universidade e dar palestras. Mas os alunos não estavam interessados no tema da psiquiatria e antipsiquiatria, então deixei a universidade. Primeiro, lutei contra a psiquiatria sozinho. Lutei pelo direito legal de consultar os registros, os meus próprios registros de tratamento. Tornei-me bastante conhecido. Estive na TV numa reportagem de 45 minutos sobre o meu caso. Então pessoas também críticas da psiquiatria entraram em contato comigo e fundamos em Berlim uma organização bastante radical de sobreviventes da psiquiatria. Depois fundei também organizações a nível nacional. Mas dentro do meu grupo de sobreviventes em Berlim, com o tempo, tornei-me um pouco um outsider, porque era muito conhecido, e quando as pessoas vinham com o seu “Oh é o Peter… Peter”, isso não era bom para o ambiente da organização. Paralelamente trabalhava no meu doutorado. Comecei a escrever e escrever. Num capítulo, em “O que podemos deduzir do modo de ação dos neurolépticos sobre a natureza da esquizofrenia”, percebi que muitos dos chamados efeitos secundários dos neurolépticos eram os efeitos principais definidos. Comecei a pensar que precisava escrever um livro e tornar essa percepção pública.
E assim um pequeno capítulo tornou-se um livro, e procurando uma editora acabei por fundar a minha própria editora, e escrevi livros, editei livros, vendi livros. Comecei um serviço de encomendas por correio. No nosso grupo de sobreviventes desenvolvemos também uma iniciativa para construir uma Casa de Fuga em Berlim, porque em 1982 tínhamos feito uma viagem aos Países Baixos e visitado em Amsterdã a Casa de Fuga de lá. E então queríamos ter também uma Casa de Fuga em Berlim, não a mesma, uma diferente, com a nossa própria abordagem. Finalmente, recebemos uma dádiva de 1 milhão de marcos alemães para comprar uma casa.
Depois de abrirmos a Casa de Fuga em 1996, após longas disputas com a Administração de Saúde do Senado de Berlim, fizemos um superavit financeiro nos primeiros anos devido à ótima utilização da casa, mas houve uma disputa sobre quem tinha o direito de decidir sobre o uso deste superavit. O grupo dividiu-se, e o grupo ao qual eu pertencia deixou a organização.

A Casa de Fuga em Berlim, Alemanha
Construímos outros grupos, por exemplo, para fazer investigação liderada por usuários e educação liderada por sobreviventes. E assim começávamos a fazer muitas coisas. Além dessas coisas, estava ocupado escrevendo livros, dando formação sobre o modo de ação e sobre efeitos tóxicos de medicamentos psiquiátricos, sobre maneiras de parar de tomá-los e sobre alternativas, também para psiquiatras e para equipas de tratamento comunitário, em diferentes países, e isto faço agora há 37 anos. Entretanto, só faço sessões de educação na Alemanha e na Grécia.
Uma coisa hilariante é que nunca terminei o meu doutorado, mas em 2010 recebi um doutorado honoris causa da Universidade de Tessalônica na Grécia pela minha investigação em questões de antipsiquiatria humanística, que me impediu de terminar o meu doutorado universitário. Em suma, finalmente consegui este doutorado.

Lehmann com Kostas Bairaktaris em Tessalônica, Grécia, 2010 (Foto: Takis Leontidis, FOTO GRECO)
TPM – Qual o momento-chave em que conseguiu se libertar da psiquiatria. Como conseguiu fazer isso?
PL – Oh, isto é estranho. Estava totalmente drogado com fluspirileno, um neuroléptico de depósito. Era um zumbi; já não conseguia fazer nada; já não me lavava nem me limpava nem tratava do cabelo nem me barbeava, por isso não era agradável de se ver, mas tinha uma amiga, e o marido dela era neurologista que tinha estudado naquela clínica, por isso já não podiam fazer comigo o que queriam, e finalmente me puseram na rua… Eu não queria deixar o manicômio, porque achava que já não seria capaz de fazer nada.
Me disseram para ir uma vez por semana para o que eles chamam de “pós-cuidados” para levar uma injeção. E disseram-me: “Se não vier a tempo para a injeção você terá uma recaída imediata”. Estava tão drogado que acreditei nisto, em toda esta confusão, era obediente, um bom doente sem vontade própria, por fim já não era capaz de fazer as coisas mais primitivas, cozinhar, cuidar da minha alimentação… Pode ler a história no capítulo do meu livro “Deixando os medicamentos psiquiátricos” (1).

Capa de “Deixando os Medicamentos Psiquiátricos”
TPM – Que idade tinha então?
PL – Tinha 27 anos.
TPM – E quem o apoiou nessa altura?
PL – Os meus pais tinham construído um quarto. Sabiam que tinham um filho mentalmente doente crônico de quem tinham de cuidar, e eu podia ficar lá pelo resto da minha vida. Podia trabalhar na pequena fábrica do meu pai. Eles acreditavam na medicina psiquiátrica, como a maioria das pessoas normais. O único apoio na minha decisão de descontinuar os neurolépticos recebi da minha amiga. Estivemos juntos desde o jardim de infância, tínhamos uma relação próxima. Mas quando parei os neurolépticos, recuperei da minha discinesia tardia e outros distúrbios físicos desapareceram, a minha apatia e a minha ideação suicida também. Sabe, os neurolépticos têm um forte efeito suicida intrínseco. Mesmo assim, quando disse aos meus pais que já não tomava os neurolépticos, fizeram uma grande pressão emocional para que tomasse estas substâncias novamente, porque acreditavam nos psiquiatras. Mas eu já estava tão forte novamente que disse: “Podem me bater até à morte. Nunca mais vou tomar estes medicamentos”. Um ano depois, quando me viram saudável e bem novamente, confessaram: “Como pudemos ser tão idiotas? Vimos o nosso filho quase morrer na nossa frente, sofrendo totalmente, e mesmo assim acreditamos nos psiquiatras”.
TPM – E o que te deu essa força?
PL – Hmm foi… oh… lembrei-me de alguns – alguns fatores da minha loucura quando percebi que era o homem mais importante na terra – para mim – sou o homem mais forte – para mim. Posso mudar o mundo. Então lembrei-me deste sentimento de força, ao qual os psiquiatras chamavam paranoia. Tinha escrito alguns documentos durante o meu estado de loucura que não se perderam!
TPM – Me Pergunto se você retirou essa força de fontes como a literatura, e se tem algumas referências importantes na literatura ou filosofia? Isso foi importante para você naquela altura?
PL – Antes de enlouquecer, estava mais ou menos num estado que agora seria chamado de fobia social. Tive uma espécie de iluminação quando enlouqueci, e isto teve a ver com diferentes relações com mulheres. Quando uma vez me senti subitamente amado e aceitei neste período extremamente estressante escrever a minha tese para a universidade, faltando poucas semanas, li literatura de Rosa Luxemburgo, “Reforma e Revolução”, veio-me à mente, pude identificar o enquadramento filosófico da minha tese. Claro que não escrevi sobre um processo revolucionário real, mas fui capaz de reconhecer a situação de conflito na tensão dialética entre reforma e revolução. Tinha encontrado um enquadramento filosófico…
Entre alternativas à psiquiatria e reformismo psiquiátrico
TPM – Peter, quando começou a procurar outras alternativas terapêuticas para além da psiquiatria?
PL – Este é um tema especial. Em 2016, tinhamos um grupo de trabalho no estado alemão da Renânia-Palatinado com três médicos-chefe de clínicas psiquiátricas. Nós éramos a organização regional de usuários e sobreviventes da psiquiatria, o psiquiatra crítico Volkmar Aderhold e eu. Juntos escrevemos uma brochura informativa sobre neurolépticos. Foi impressionante ver que opções não-psicofarmacológicas os psiquiatras podiam oferecer com boa vontade. A brochura com estas ofertas será incluída no livro “Retirada de medicamentos psicotrópicos prescritos”, que publicarei com Craig Newnes no próximo ano (2). A brochura em alemão, inglês, francês, polaco, espanhol, romeno, servo-croata, turco, russo e árabe pode ser vista na Internet (3). E no final desta folha informativa, é dito às pessoas que podem decidir livremente se aceitam os neurolépticos oferecidos, outros meios ou se querem ser deixadas em paz na ala psiquiátrica. Estas coisas já são aí oferecidas.
Claro que, mundialmente, existem também abordagens alternativas para pessoas com necessidades emocionais de natureza mais ou menos social, por exemplo como Soteria, o Diabasis, Diálogo Aberto, Albergue de Crise, e Windhorse com a sua referência a Edward Podvoll, que tristemente já faleceu. E estas são todas abordagens que são lideradas por usuários ou controladas por sobreviventes ou lideradas por psiquiatras com uma abordagem humanística, que não veem as alterações metabólicas como a única natureza dos problemas emocionais, mas crises causadas por traumas na infância ou experiências traumáticas, por exemplo. As principais questões destas alternativas não são a força, não são diagnósticos, não são medicamentos psiquiátricos. Devem permanecer sob controle das próprias pessoas. Por exemplo, John Perry, um psicanalista nos anos 1970 que tinha um projecto na Califórnia, disse que pessoas chamadas esquizofrênicas voltariam à normalidade em poucos dias se fossem apoiadas estando com elas. O mais importante era não haver força, não haver medicamentos, não haver diagnóstico. Em 2007, editei o livro “Alternativas à psiquiatria” (4) junto com Peter Stastny, um psiquiatra, sobre alternativas em todo o mundo.

Lehmann com Peter Stastny em 2006 em Berlim, Alemanha
Existem muitas abordagens funcionais nesse livro. Para voltar à sua pergunta, duvido que a psiquiatria seja algo terapêutico. Pelo menos não para mim. No primeiro manicômio onde estive, achei que precisava de ajuda de um psicólogo. Então pedi ajuda psicoterapêutica. Na verdade, ofereceram-me uma sessão individual com uma psicóloga. Contei-lhe como estava sofrendo terrivelmente com os neurolépticos. Não deveria ter feito isso. Os meus companheiros reclusos tinham me dito que no manicômio sempre se deve dizer aos psiquiatras que está ótimo e que nunca deve se queixar. Mas não me tinham avisado sobre os psicólogos. Em suma, a psicóloga passou a minha queixa aos psiquiatras, e eles não tiveram nada melhor para fazer do que aumentar a dose de neurolépticos imediatamente, drasticamente.
TPM – O que quer dizer com “sem força” quando fala das abordagens alternativas?
PL – Sem força, sem violência. Sem força, sem violência… as restrições, o tratamento compulsivo…
TPM – Ser algemado à cama…
PL – Sim. Especialmente mulheres com histórico de abuso sexual são novamente despidas à força, novamente amarradas à cama, experimentam novamente manipulação dos seus corpos. Claro que é uma retraumatização, e é absolutamente criminoso! E os medicamentos psiquiátricos também não devem ser administrados sem informação completa sobre os riscos envolvidos. Este tipo de violência informal é muito mais generalizado do que a violência formal explícita, mas é raramente criticado por organizações de direitos humanos. Mais cedo ou mais tarde publicarei um artigo sobre este escândalo mundial (5).
TPM – E quem foram os seus primeiros aliados na sua luta? Começou de forma solitária, mas depois teve aliados também?
PL – Ah. Desde o início… Travei esta luta para ter acesso aos meus próprios registos psiquiátricos, e nessa altura também estava ativo num movimento contra proprietários e as suas tentativas de modernização luxuosa, e por isso estava envolvido em política alternativa de esquerda. Quando comecei esta luta pelo direito de consultar os próprios registos psiquiátricos, contactei muitas organizações, organizações religiosas, Social Democratas, indivíduos de alto perfil, como David Cooper e Rudolf Bahro, e todos assinaram declarações de solidariedade.
TPM – Conheceu-os? David Cooper?
PL – Apenas trocamos correspondência, mas, infelizmente, ele morreu pouco depois. Depois tive contatos com outros sobreviventes, e ainda sou amigo das pessoas que conheci nessa altura. Em 1980, houve uma grande conferência sobre medicina alternativa em Berlim, onde conheci pessoas do estrangeiro, utilizadores e sobreviventes da psiquiatria, e pessoas que também estavam ativas na Alemanha contra a discriminação dos sem-teto e jovens em abrigos, e conheci Franco Basaglia, não sei se o conhece…
TPM – Sim, claro.
PL – E assim rapidamente fiquei ligado a muitos grupos e psiquiatras como Basaglia. Isto impediu-me de pensar que os psiquiatras são sempre os vilões porque sabia que também há alguns que dão apoio.
TPM – E na Alemanha, havia psiquiatras que davam apoio nessa altura?
PL – Na Alemanha?… essa é uma boa pergunta… Alguns assinaram uma declaração de apoio pelo direito de ter acesso aos próprios registos psiquiátricos. Mas alguns tentaram combinar este direito civil com uma abordagem terapêutica. Diziam “Sim, as pessoas devem ter o direito de ver os seus próprios registos para que possamos moldar o seu processo terapêutico e falar sobre a sua doença”. Klaus Dörner, um psiquiatra que era visto como progressista por muitas pessoas na Alemanha, exigia adicionalmente que deveria haver uma psiquiatria comunitária. Ele tentou usar a minha luta pelos direitos humanos para os seus interesses psiquiátricos vitais. Sabe, psiquiatria comunitária significa primeiro controle das pessoas para que tomem os seus medicamentos psiquiátricos e intervenção precoce se as pessoas puderem ficar loucas. Mas também houve alguns psiquiatras que me apoiaram quando escrevi o meu primeiro livro com informações médicas e explicações. Uma vez estive num debate televisivo onde os espectadores podiam ligar e fazer perguntas. Estava presente o antigo presidente da Associação Psiquiátrica Alemã, Rudolf Degkwitz, e uma pessoa ligou e perguntou a estas seis ou sete pessoas que estavam no estúdio: “Este haloperidol que é usado na União Soviética para torturar prisioneiros políticos é o mesmo que é usado sistematicamente nas casas de loucos alemãs?” Degkwitz respondeu curto e grosso “sim”.
Ambos rimos
PL – Não é realmente engraçado, eu sei. Fiquei impressionado. Infelizmente, ele já não vive. Mais tarde vi que ele escreveu livros sobre drogas psicotrópicas; manuais, onde dizia que neurolépticos e antidepressivos podem criar dependência fisiológica, produzem dependência física. Durante o fascismo de Hitler ele resistiu ao regime Nazi, foi um dos poucos psiquiatras que não seguiu o programa de assassinato em massa. A Gestapo o prendeu. Presumo que a libertação da Alemanha do fascismo de Hitler o salvou de ser executado. Demorou algum tempo para encontrar e ler a sua obra nas bibliotecas. Ele representava, de alguma forma, a psiquiatria mainstream, mas ao mesmo tempo saía dela.
TPM – Mas havia um movimento reformista muito forte dentro da psiquiatria, presumo.
PL – Acima de tudo, o movimento reformista quer tornar a psiquiatria melhor, MELHOR, MAIOR E MELHOR. Certamente há partes das reformas que são boas para os pacientes. Por exemplo, é mais agradável dormir num quarto pequeno do que num salão com 50 pacientes. E quem resistiria a ter quadros bonitos na parede? Mas muitos psiquiatras reformistas ainda sentem afinidade com a psiquiatria biológica, ou seja, psiquiatria mainstream. A psiquiatria mainstream, como é agora, é simplesmente um produto de dois séculos de reformas. Mas não em direção ao respeito pelos nossos direitos humanos, mas em direção à medicalização extensiva da sociedade e normalização química. Espero que nunca consigam.
TPM – Então esse movimento que mencionou primeiro, de sobreviventes, era realmente um movimento de base sem a ajuda da profissão psiquiátrica… Era um movimento que se chocava contra o sistema…
PL – Sim.
Os sobreviventes da psiquiatria e a crítica da “recuperação”
TPM – E na Alemanha isso começou mais ou menos na altura em que estava a sair da…
PL – Nós começamos.
TPM – Você começou, foi um dos primeiros…
PL – NÓS, nós éramos um grupo apenas de ex-pacientes. Antes de começarmos, havia um grupo em Colônia na parte ocidental da Alemanha, que também era crítico em relação à psiquiatria e lares de acolhimento. Era um grupo misto. Nos encontamos e houve troca… era também um movimento social. Foi apoiado por Heinrich Böll; conhece Heinrich Böll, o Vencedor do Prêmio Nobel da Literatura em 1972? Ele deu uma casa a esse grupo. Quando o nosso grupo em Berlim começou em 1980, desde o início tínhamos um foco importante nos efeitos prejudiciais dos medicamentos psiquiátricos. Esta era a nossa experiência de ligação. Este foco distinguiu-nos do grupo em Colônia… Fomos influenciados por eles, fomos influenciados por um grupo suíço. Não inventamos a luta antipsiquiátrica, mas integramos muitas influências.
TPM – Mas tenho a impressão de que na Europa, ou pelo menos na Europa continental, estes movimentos começaram um pouco mais tarde do que nos Estados Unidos, por exemplo.
PL – No Reino Unido começou no século XIX, na Alemanha também! [risos]
TPM – No século XIX?!
PL – Sim, no século XIX. E novamente após a Primeira Guerra Mundial havia um movimento na Alemanha contra a coerção psiquiátrica, mas claro que no fascismo os psiquiatras mataram toda a resistência. Após a Segunda Guerra Mundial, a resistência provavelmente começou primeiro nos EUA. Havia um grupo em torno de Leonard Roy Frank, David Oaks, Ted Chabasinski, Sally Zinman, etc., chamado Rede Contra a Violência Psiquiátrica [Network against Psychiatric Assault]. Eles começaram já nos anos 1970. Na Europa, por exemplo, na Dinamarca, Inglaterra e Holanda, as pessoas setornaram ativas durante os anos 1970, e em 1981 ou 1982 alguns ativistas encontraram-se em conferências da Saúde Mental Europa ou noutras oportunidades. Construíram uma estrutura informacional e mais tarde a Rede Europeia [European Network of Users and Survivors of Psychiatry].
TPM – Com os grupos de recuperação?
PL – Recuperação do chamado transtorno mental? Ou recuperação do tratamento psiquiátrico? Se não se fizer esta distinção, o termo recuperação torna-se arbitrário. Esconde os danos causados pelo tratamento psiquiátrico, não é?… A recuperação do tratamento psiquiátrico nunca é um tópico na compreensão mainstream da recuperação. Quanto à recuperação em geral, pode-se ver um aspeto positivo, nomeadamente que contém a ideia de melhoria, pois transmite esperança. É bom que, entretanto, não se esteja perdido para a vida quando se tem algo como psicose ou a chamada esquizofrenia, este tipo de diagnósticos, que acredite que pode se recuperar. Ou que pode se recuperar e viver dentro dos limites da doença diagnosticada. Se aceitar o conceito de transtornos psiquiátricos e os seus limites, então pode viver livremente dentro desses limites e ter uma boa vida. Mas, mais uma vez, a recuperação do tratamento não é o tema deles. E há o problema de viver livremente dentro de limites estabelecidos por uma ideologia psiquiátrica. Esta noção mainstream de recuperação remonta a 1937, quando Abraham Low do Instituto Psiquiátrico da Faculdade de Medicina da Universidade de Illinois em Chicago fundou a organização sem fins lucrativos Recovery, Inc. para pessoas com vários problemas psiquiátricos, como um conjunto de métodos e técnicas de autoajuda que são paralelos aos usados na terapia cognitiva. O objetivo do programa era aprender a lidar com as trivialidades angustiantes da vida cotidiana, com ajuda profissional. Tudo isso soa bem, mas o problema fundamental desta compreensão da recuperação é que ignora o tratamento médico-psiquiátrico. Low afirmou claramente que os medicamentos nunca deveriam ser discutidos, que deveriam permanecer no domínio do médico. Uma vez, num congresso nos EUA, encontrei uma reimpressão de um artigo antigo com esta informação (6). Muitas pessoas ainda se rendem a este paternalismo até hoje. Eu não.
TPM – Sim… É uma espécie de lema para a psiquiatria progressista agora, a recuperação…
PL – Mas excluem o tópico dos danos do tratamento da recuperação. Ok, é bonito, dizem que podes recuperar… Não podem fechar os olhos porque há tantos utilizadores e sobreviventes da psiquiatria que já não estão ligados ao manicômio e tomam as suas próprias decisões, fazem congressos; têm editoras e dizem que é um conto de fadas tolo que acaba como um idiota eventualmente quando recebe o diagnóstico de esquizofrenia, que tem de ser um paciente para toda a vida e engolir os comprimidos deles para sempre. Os psiquiatras já não podem negar totalmente estes fatos.
TPM – Deixe-me voltar aos anos 1980, tenho uma curiosidade histórica… Este movimento dos sobreviventes nos anos 1980 que estava crescendo, já está ligado internacionalmente ou era localmente situado? Como funcionava?
PL – Ok… O movimento é maníaco-depressivo, como muitas pessoas… (risos)… Então às vezes é forte e depois vai abaixo, e depois há lutas internas… É uma questão difícil: O que é o movimento? Qual é a direção? E qual é o conteúdo? Quais são os objetivos? … Para algumas pessoas sou um amigo da tortura psiquiátrica porque discuto com psiquiatras, e para mim, algumas pessoas são idiotas porque dizem que com a abolição da psiquiatria todos os problemas relacionados ao sofrimento emocional estão resolvidos. Também, quando defines antipsiquiatria chegas a mil significados diferentes, é uma entidade muito maior do que um simples “contra”. O termo vem do grego e significa também “além de” ou “alternativa”. Há pessoas que só se referem ao tratamento formal forçado. Para eles, os milhões de pessoas que morrem do tratamento recebido sem força não são um tópico. Há alguns tópicos que partilhamos e alguns tópicos que nos dividem. Muitas vezes já não sei realmente o que é que as pessoas chamam “o movimento”. Então, por mim, posso falar do meu movimento. Tornou-se o projeto da minha vida: a conquista dos plenos direitos humanos e apoio apropriado para pessoas com problemas psiquiátricos. Tenho ligações com pessoas especiais com quem posso cooperar, sobreviventes, médicos, também psiquiatras, advogados… Para mim isto é o meu movimento. Cooperação com pessoas com opções semelhantes para fazer algo se mover em direção aos direitos humanos e ao apoio apropriado.
As casas de fuga – alternativas de cuidados lideradas por ex-pacientes
TPM – Fala-me um pouco da Casa de Fuga de Berlim. Nasceu no final dos anos 1980, certo?
PL – Começamos em Berlim depois do nosso grupo local de sobreviventes e alguns apoiadores terem estado em Amesterdã numa conferência sobre alternativas em 1982. Lá visitamos uma casa de fuga. Não sabíamos que isso existia. Muitas vezes o nosso grupo tinha a experiência de que as pessoas estavam loucas e tentávamos apoiá-las, mas se as pessoas seguirem loucas ou maníacas uma noite, e a segunda noite, a terceira noite, mais cedo ou mais tarde você fica exausto. Os psiquiatras têm o dinheiro, têm as casas; têm equipamento; têm as instalações onde as pessoas podem ficar; são pagos e fazem as pessoas fugir. Nós não somos pagos pelo nosso apoio. Claro, percebemos as nossas limitações e então tivemos a ideia de ter fontes de apoio bem assumidas. Nesta altura, em Berlim, havia um movimento alternativo de esquerda com o lema “Somos cidadãos, pagamos impostos, queremos ter uma parte do dinheiro público para os nossos projetos”. E então desenvolvemos uma concessão de uma casa de fuga. Tínhamos um grupo misto em Berlim. Psicólogos críticos, estudantes, cuidadores, advogados… Uma estudante, Uta Wehde, escreveu uma tese sobre casas de fuga nos Países Baixos. Na verdade, ela aprendeu holandês, foi para lá, trabalhou numa casa de fuga, trouxe de volta as suas experiências. Publiquei a tese dela na minha editora (7). E eu tinha toda a informação sobre Soteria na Califórnia. Tínhamos também informação sobre Diabasis, também na Califórnia. Misturamos estas abordagens correspondendo às nossas necessidades e construímos a nossa própria abordagem de casa de fuga. Originalmente havia duas concessões no nosso grupo: a primeira incluía uma equipa paga, as pessoas têm os seus empregos, trabalham dia e noite, alternando, e têm as suas férias, porque é um trabalho duro. A segunda vinha daquela parte do grupo que dizia “Oh, queremos ter uma casa onde vivemos com pessoas loucas. Se alguém fugir do manicômio, ele ou ela também pode ir para lá”. Mas era – como se pode chamar? – talvez uma forma contemplativa. Eles publicaram um breve artigo sobre os seus desejos, mas não fizeram nada mais. Finalmente, aquela parte do grupo com a concessão com equipa paga e assim por diante recebeu um cheque de um milhão de marcos alemães para comprar uma casa… sim… foi um conto de fadas, esta doação de um milhão de marcos.
TPM – De um financiador privado?
PL – De um pai cujo filho não sobreviveu ao manicômio. O pai recebeu uma herança quando os seus pais morreram. Ele tinha três milhões de marcos alemães e distribuiu-os por três projetos alternativos em Berlim. Ele fazia parte do nosso grupo, aquele com equipa paga e assim por diante. Não sabíamos que ele tinha muito dinheiro. Então aquela parte do grupo que favorecia a via contemplativa queria ter acesso à conta bancária, embora a doação não fosse para a sua concessão. A Direção da organização não lhes deu este acesso, além do fato de que o milhão não estava sequer na conta, mas tinha apenas sido garantido para a compra de uma casa. Então o grupo dividiu-se e construímos uma nova organização e a chamamos de Organização para a Proteção Contra a Violência Psiquiátrica [Organisation for Protection Against Psychiatric Assault]. No total, demorou 15 anos desde a primeira ideia de ter a casa de fuga e sete anos de luta desde a data da doação com a Administração de Saúde do Senado de Berlim até recebermos a licença para gerir a casa de fuga e a sua abertura em 1996.
TPM – E você ficou no primeiro grupo, o que implementou a casa…
PL – Eu estava no grupo que queria ter uma concessão com empregos pagos. Eu não queria trabalhar lá, mas para mim era claro que é um trabalho duro estar junto com pessoas loucas dia e noite sem drogas sedativas. As pessoas que trabalham lá têm de ter um rendimento. E resolver problemas sem ser pago que outros criam sendo pagos também não é a minha onda.
TPM – Certo.
PL – E estive na Direção durante os primeiros anos. Também tive de garantir empréstimos de mais de 100.000 marcos alemães com os meus bens pessoais, porque os salários e outros custos tinham de ser financiados antecipadamente através de empréstimos bancários, já que as autoridades só cumpriam as suas obrigações de pagamento após um atraso bastante longo.
TPM – E como foram os primeiros anos? Foi duro, imagino…
PL – Sim, foi um trabalho árduo, claramente, e alguns usuários/ sobreviventes abandonaram os seus empregos após um dia, após dois dias… Algumas pessoas nem sequer começaram a trabalhar lá porque quando se trabalha numa instituição formal como uma Casa de Fuga tem que enfrentar direitos civis ou deveres civis, não se pode dizer, quando um habitante da Casa de Fuga diz “Vou me matar”, “Sim, tem o direito de fazer isso”. Tem que se garantir a vida dessa pessoa. Isso significa que tem que fazer de tudo para que esse homem ou mulher não se mate. Você vai para a prisão se não impedir as pessoas de se matarem, se forem clientes na sua instituição. Portanto, a Casa de Fuga fez um bom trabalho e continua fazendo, um trabalho realmente bom, foi aceita e também apoiada por organizações psiquiátricas sociais, e não houve problemas, apenas com alguns vizinhos, porque eles tinham medo que o preço do terreno baixasse com a Casa de Fuga na vizinhança e talvez que pessoas loucas corressem pelas suas ruas e os massacrassem com facas como em ridículos filmes de Hitchcock. A casa está numa zona bastante burguesa, alguns vizinhos se juntaram com um democrata-cristão conservador [ri] para cancelar a licença, a nossa licença, foram à delegacia local e disseram: “Ah, nos digam alguns crimes que estas pessoas cometeram…” Mas a polícia respondeu “Eles fazem um bom trabalho”. Depois foram à administração psiquiátrica comunitária e tentaram o mesmo, mas as pessoas dessa administração também disseram: “Não podemos reclamar, eles fazem um bom trabalho.” Tudo correu bem, a casa ficou cada vez mais cheia ao longo do tempo. O financiamento foi calculado com 80% de utilização da capacidade, e quando estava cheia a 100%, fizemos um grande excedente. Mas depois começou uma luta sobre quem decide como usar esse dinheiro.
TPM – O dinheiro é sempre o grande culpado!
PL – Sim, muito triste, a nossa conversa se quebrou. Foi por volta de 2001, e a geração fundadora saiu. Agora há outras pessoas, a segunda ou terceira geração. Nós que saímos fundamos um novo grupo, chamado Em Qualquer Caso, e trabalhamos com investigação liderada por sobreviventes e formação complementar. Mas eramos um grupo pequeno. Depois uma mulher, Hannelore Klafki, que estava bastante ocupada, morreu de um aneurisma. Finalmente, eu era o único fazendo a formação. Era demasiado cansativo para mim. E uma mulher não quis entregar os resultados do trabalho de investigação bem pago sem receber dinheiro extra dos cofres da associação, embora tivesse concordado contratualmente em entregar o seu trabalho concluído na data acordada. Tínhamos pago a ela o salário acordado demasiado cedo e negligenciamos incluir uma penalização contratual no acordo de honorários caso não entregasse conforme o contrato. Perdemos o interesse em trabalhar mais e dissolvemos o Em Qualquer Caso.
TPM – E a Casa de Fuga era gerida apenas por sobreviventes?
PL – Não, não. Era uma organização mista desde o início. Nos estatutos, dizem que os sobreviventes têm direito de veto. Originalmente, 50% das pessoas empregadas deveriam ser utilizadores e sobreviventes da psiquiatria. Claro, a qualificação é diferente. Se é pago, referido como a qualificação formal, isso significa que se estudaste psicologia, recebe mais. Ao início, havia um equilíbrio financeiro interno. Havia e há diferentes empregos, empregos com segurança social, e empregos que são pagos como um trabalho honorário. Isso significa que não há dinheiro para pensões e direito a subsídio de desemprego. Havia um pagamento especial referente à experiência de anos de trabalho na Casa de Fuga, e também para pessoas com filhos. Entretanto, são os psicólogos que têm os empregos com segurança social, e o equilíbrio de pagamento já não existe. Claro, eles têm problemas em encontrar usuários e sobreviventes da psiquiatria para trabalhar lá porque é um trabalho duro e é melhor estar emocionalmente estável.
Lidando com as crises: alternativas ao manicómio
TPM – Peter, na Casa de Fuga, como é que se lidava com as crises dos usuários?
PL – À partida – quando não se usa força, quando não se discrimina com diagnósticos – não há grande razão para crises. E quando as pessoas não gostavam umas das outras, havia outro centro de crise para onde as pessoas podiam mudar… Mas as pessoas trazem agressão de outras experiências para a Casa de Fuga. Podem ser agressivas contra outros ou contra a equipa, e houve pessoas que foram expulsas. Também as pessoas loucas se podem comportar mal, neste aspecto não são tão diferentes das pessoas normais. Era difícil se não queriam sair porque a equipe não pode chamar o serviço psiquiátrico comunitário, isto não é possível… Talvez se possa chamar a polícia e dizer que as pessoas devem deixar a casa, temos o direito de decidir, por favor as levem com vocês. É um problema, e então a polícia tem de gerir este problema.
TPM – E as pessoas com ideação suicida forte? Alguém chegando muito deprimido e…
PL – Sim, a depressão… acho que não era o maior problema. Uma vez houve um problema com uma pessoa que era suicida e, tanto quanto sei, procuraram um psiquiatra; ele deu neurolépticos, e o homem foi para um lugar alto e saltou para a morte. Isto aconteceu uma vez… Os neurolépticos podem ter fortes efeitos suicidas intrínsecos, e em caso de tendências suicidas, administrar essas substâncias não parece a melhor ideia. Mas eu não conhecia este homem. Tenho de especular…
…Lembro-me que, uma vez num verão muito quente, há alguns anos… A casa é construída com muita madeira, e uma mulher fez fogo perto da parede da casa. Detectaram o fogo suficientemente cedo e o extinguiram. Foi dito à mulher que se acontecesse novamente teria de sair imediatamente. Ela fez novamente. Eu estava na Direção e a minha mulher trabalhava lá numa posição de liderança. Quando íamos de carro para o nosso jardim fora de Berlim, a minha mulher me disse “Oh, ela fez fogo novamente”. Dei meia-volta com o carro, liguei ao advogado, perguntei o que fazer, e ele disse: “Sim, és membro da Direção, tens o dever de cuidar da equipa e dos habitantes. A situação é clara. Diz à equipa para expulsar esta mulher imediatamente, porque é demasiado perigoso”. Mas a equipa não o fez. Então tive de repreender o membro responsável da equipe dizendo que perderia o emprego se ignorasse aquele perigo novamente. Claro que a equipe se solidarizou com esse membro. Eu estava na Direção, e eles não gostaram nada, mas eu não tinha o que fazer senão decidir junto com os outros membros da Direção desta forma.
TPM – Então ela foi expulsa?
PL – Ela não foi expulsa, mas a casa não ardeu…Talvez ela tenha saído ou… não me lembro, mas foi um grande problema e eu teria então de ir ao tribunal, fazer registos para estar seguro, e, claro, estava com medo pelas pessoas que trabalhavam lá e as pessoas que viviam lá.
TPM – Estava com medo?
PL – Claro! Claro! Quando há alguém que faz fogo repetidamente, era no pico do verão; era num período com um risco extremamente alto de incêndio… Sim, também temos estas coisas na Alemanha, não só em Portugal. Tinha de corresponder à minha responsabilidade, de cuidar de vidas lá, facilmente…
TPM – Havia algum grau de disciplina, afinal…
PL – Sim… Na verdade, todos deveriam fazer [riso]… Se algo acontece, e não se cuida, tem o risco de acabar na prisão. Não tem graça nenhuma. As pessoas podem morrer. Sei de um grupo de ativistas antipsiquiátricos em Colônia, eles podiam usar uma casa do vencedor do Prêmio Nobel, Heinrich Böll, onde ex-internados psiquiátricos podiam viver. Uma vez um deles ateou fogo, duas crianças de pessoas que trabalhavam lá morreram. O fogo é um grande problema também em manicômios o tempo todo, o fogo é um grande perigo. E este problema com a equipe da Casa de Fuga nunca foi resolvido. Eu era o que tinha que fazer o “trabalho sujo”.
TPM – E essa foi uma das causas para a divisão do grupo?
PL – Não, a divisão foi por causa do dinheiro. Quem decide na organização? As pessoas que construíram a organização, fizeram trabalho de relações públicas durante quinze anos, negociaram o contrato com o senado, garantiram financiamento público e assumiram total responsabilidade legal? Ou as pessoas que trabalham na casa, porque elas criam o dinheiro, como dizem. Finalmente, os trabalhadores tomaram o poder. Entretanto, as pessoas com educação acadêmica tinham empregos com segurança social completa. Esta é a minha impressão de fora. Às vezes ouço de pessoas que estão ligadas à Casa de Fuga o que se passa lá. Especialmente o meu amigo Ludger Bruckmann que era membro da Direção nessa organização informava-me de tempos a tempos.

Lehmann com Ludger Bruckmann (1947-2020) em 1984 em Berlim, Alemanha
TPM – Então, mudou bastante.
PL – Sim, em 2017, a Casa de Fuga tem mais de 20 anos. Mudou, e claro que a situação política também mudou. Durante todos os anos de preparação e nos primeiros anos após o início da Casa de Fuga, havia um grupo considerável de indivíduos, a que chamávamos “padrinhos”. Eles apoiavam a Casa de Fuga com pequenas doações regulares para financiar a lacuna que se desenvolve quando o financiamento não está completo. Por exemplo, algumas pessoas mudam-se para a casa e a equipa solicita o pagamento ao departamento social, mas este não paga. As pessoas ficam na casa, então o dinheiro tem de vir de algum lado. Por fim, esses padrinhos foram embora porque não eram cobertos com informação e solidariedade. Não digo que a organização da Casa de Fuga esteja agora isolada, mas nos anos anteriores, a ligação entre as pessoas progressistas do sistema de reforma era mais forte, por isso não era tão fácil atacar. Por exemplo, além do Conselho, tínhamos o Conselho Consultivo. Um membro era o Presidente da Organização de Médicos de Berlim. Tínhamos advogados, e esses membros do Conselho Consultivo nos acompanhava nas negociações com a Administração de Saúde do Senado de Berlim para nos apoiar. Eles já não estão lá.
TPM – Há experiências semelhantes em outros países. Sei que há uma na Suécia, o Hotel Magnus Stenbock…
PL – … que também mudou. Também foi assumido pela segurança social… Não sei se estou correto. Eles tiveram problemas com o sistema de financiamento. Em 2004, tiveram de se adaptar às regras complicadas da União Europeia relativas a contratantes. Foi uma pena, então…
TPM – É comparável à Casa de Fuga? Funcionava da mesma maneira?
PL – Pode ler sobre isso no livro “Alternativas Além da Psiquiatria”. Há um capítulo sobre a Casa de Fuga de Berlim (8) e há um capítulo de Maths Jesperson sobre o Hotel Magnus Stenbock em Helsingborg (9). É um pouco diferente: É um hotel, ou enquanto existia, era um hotel, não uma Casa de Fuga. Podia-se fazer check-in no hotel, mas não era preciso fazer check-out [risos]. As pessoas podiam ficar e viver lá, outros utilizadores e sobreviventes da psiquiatria trabalhavam lá. A administração local viu que é mais barato ter as pessoas lá do que ter de pagar e financiá-las individualmente em casas protegidas dispendiosas.

Lehmann com Maths Jesperson 2014 numa reunião da ENUSP em Hillerød, Dinamarca
PL – Na Holanda, ainda pode haver uma ou duas, mas não têm pessoal pago. Isso significa que as pessoas que estudam podem trabalhar lá numa espécie de estágio, mas não se preocupam com os medicamentos psicotrópicos administrados. Os moradores têm de tratar deles com os seus médicos prescritores. Isso significa que as pessoas mudam do manicômio para a casa de fuga, podem ir para lá, e talvez seja mais fácil para elas, não tão controlado, mas depois têm de cozinhar e fazer as coisas sozinhas. Então, finalmente, muitas pessoas voltam para o manicômio, porque no manicômio a comida é servida. Isto é o que eu ouvi. E se estiver sob a influência de medicamentos psicotrópicos que alteram a personalidade, é difícil ficar na casa de fuga ou em qualquer outro lugar onde se tenha de cuidar de si mesmo. Não ouvi nada nos últimos anos sobre as casas de fuga holandesas em Amesterdã e Utreque. Acho que são as únicas duas que ainda existem, mas não tenho certeza.
TPM – E aquela na Holanda? A casa de fuga?
TPM – Mas a função da casa de fuga é fornecer um lar para pessoas, os chamados loucos?
PL – A função da Casa de Fuga de Berlim é dar abrigo a pessoas que fogem do manicômio, do tratamento forçado formal. Esta foi a ideia original. Quando negociamos com a Administração de Saúde do Senado de Berlim, eles disseram: “Não podemos pagar para este propósito porque teríamos então de admitir que vale a pena fugir dos nossos manicômios”. Após longas negociações, disseram: “Podemos pagar com base no fato de que as pessoas podem perder ou perderam o seu apartamento devido à loucura e não querem mais ficar na clínica ou viver na rua”. Esse foi o acordo substantivo com a Administração de Saúde. Este acordo nem sequer chamava casa de fuga à Casa de Fuga. A administração de saúde do Senado odiava essa palavra. Como compromisso, a chamamos de “Villa Stöckle”, em honra de Tina Stöckle, um membro inicial, empenhada na Irren-Offensive, que também estava fortemente empenhada na visão da Casa de Fuga, e que morreu em 1992.

Tina Stöckle (1948-1992) em Chihuahua, México, em 1987
O acordo também tinha uma vantagem. Quando os residentes se candidatavam ao seu próprio apartamento, não tinham de dar “Weglaufhaus” [Casa de Fuga] como seu endereço, mas podiam usar “Villa Stöckle”, assim não tinham de se identificar como pacientes psiquiátricos e estavam assim protegidos da discriminação habitual. E em público, claro, falávamos sempre da “Casa de Fuga” ou da “Casa de Fuga Villa Stöckle”.
Se os trabalhadores na Casa de Fuga sabem que as pessoas que chegam estão internadas numa clínica psiquiátrica por decisão judicial, elas não podem ficar na Casa de Fuga a menos que o tribunal decida retirar a decisão de internamento psiquiátrico involuntário. Quando as pessoas vinham para a Casa de Fuga e diziam “Oh, um juiz me internou”, os trabalhadores da Casa de Fuga tinham de ligar para o manicômio e dizer: “Agora este homem ou mulher está aqui. Concordam em ir ao tribunal e dizer que não há mais razão para tratamento involuntário?” A internação involuntária por lei exige que não haja outra possibilidade para o propósito pretendido, geralmente combinado com tratamento forçado. Mas agora há uma Casa de Fuga, segura, com pessoal, pessoal educado. Em geral, o psiquiatra dizia: “Ok, deixamos eles livres”. Às vezes diziam: “Não, não concordamos”. Então as pessoas tinham de fugir da Casa de Fuga antes que a polícia chegasse.
No início, em geral a administração social aceitava pagar por uma estadia de seis meses ou mais seis meses e até outros seis meses, porque as pessoas que vinham para a Casa de Fuga frequentemente retiravam os seus medicamentos psicotrópicos prescritos, o que podia levar tempo, e depois havia a questão da habitação, de recuperar os direitos civis, e talvez um emprego e assim por diante, e durante este tempo as pessoas podiam ficar na Casa de Fuga. Mas era diferente… Algumas pessoas só queriam estar lá e ir embora ou voltar para a rua, algumas a usavam como um suporte para encontrar um apartamento.
As redes internacionais de usuários e sobreviventes da psiquiatria
TPM – Peter, gostaria agora de trazer outro tópico, um lado muito importante do seu trabalho também, a rede internacional que começou nos anos 1990, a ENUSP [European Network of Users and Survivors of Psychiatry] Como começou? E quem eram os seus aliados?
PL – Quando nós começamos a organizar na Alemanha no final dos anos 1970 e início dos anos 1980, não sabíamos nada do que se passava no estrangeiro. Quando comecei a minha luta para ter acesso aos meus registos de tratamento psiquiátrico, escrevi um artigo para uma pequena revista de esquerda, que se chamava “Arbeiterkampf”, que significa “Luta dos Trabalhadores”. Aí mencionei a Irren-Offensive – em português Ofensiva dos Lunáticos – que fundei em 1970 em Berlim juntamente com outros sobreviventes da psiquiatria. Havia uma mulher na Holanda, Dunya Breur, que veio para Berlim em 1981 porque estava escrevendo um livro sobre a história da sua mãe, que era uma sobrevivente do campo de concentração de Ravensbrück.

Lehmann com Dunya Breur (1942-2009) em Amesterdã, Holanda, por volta de 2005
Ela queria entrevistar outra sobrevivente de Ravensbrück. Dunya veio a Berlim – ela entendia o alemão – tinha lido o meu artigo no Arbeiterkampf e visitou aquele centro de comunicação onde a Irren-Offensive também tinha as suas reuniões. Entrei em contato com ela lá por acaso. Dunya estava ligada ao movimento americano, com Judi Chamberlin e outros ativistas.

Lehmann com Kerstin Kempker, Judi Chamberlin (1944-2010) & Gábor Gombos (1954-2022) 2000 em Nashville, Tennessee
O resultado deste encontro foi que houve uma ligação internacional aos EUA e à Holanda. Naquele país eles tinham o Clientenbond, em português, a União dos Clientes, que era então uma organização forte. Eles – ou outra organização, talvez as pessoas da Casa de Fuga de Amesterdã e os seus apoiadores – me convidaram para esta conferência sobre alternativas em novembro de 1982 na sua casa. Alguns membros do nosso grupo – tínhamos uma pequena caminhonete, uma doação da administração local de saúde em Berlim-Schöneberg que era liderada por um médico do partido Verde – conduziram até Amesterdã para esta conferência. Lá conhecemos pessoas da Dinamarca, da Inglaterra. Mantivemos esta ligação, antes do fax, antes da Internet e tudo, e nos reunimos à margem de conferências, que eram realizadas pela Mental Health Europe. A Mental Health Europe era então a seção europeia da Federação Mundial para a Saúde Mental e é uma associação europeia guarda-chuva de organizações não-governamentais nacionais que trabalham na área da saúde mental. Eles precisam da presença de usuários e sobreviventes da psiquiatria para obter financiamento da Comissão Europeia, e nós usamos estas possibilidades para nos encontrar à margem das suas reuniões. Reunimo-nos em Brighton, Inglaterra, reunimo-nos em Prato, Itália, e decidimos ter uma reunião de fundação em Zandvoort, Holanda. O governo holandês deu o dinheiro para a conferência. Havia intérpretes em diferentes línguas, e usámos as nossas ligações privadas para convidar pessoas de muitos países. Finalmente, 39 representantes de 16 países europeus participaram e fundaram a Rede Europeia de Usuários e Ex-Usuários em Saúde Mental, como se chamava no início.

A reunião de fundação da ENUSP em Zandvoort, Holanda, em 1991
TPM – E em que ano foi isso?
PL – Em 1991. Pode ler um capítulo sobre essa reunião, que escrevi em conjunto com o Maths Jesperson da Suécia. Este capítulo contém a “Declaração de Zandvoort sobre Interesses Comuns” no livro “Alternativas à Psiquiatria” (10).
TPM – E desde então a organização tem crescido?
PL – Desde então, a organização cresceu, cresceu e cresceu. A Direção devia organizar uma assembleia de membros de dois em dois anos, mas isto é difícil porque é preciso ter financiamento. Nos primeiros anos, o governo holandês deu dinheiro para estas reuniões e também para o secretário da Direção. Isto era um pouco estranho porque era a União de Usuários holandesa que decidia sobre o secretário da Direção da Rede Europeia e não os nossos membros da Direção. Nós, quero dizer, a Direção da Rede Europeia – não tínhamos influência. Havia uma tensão, mas mesmo assim funcionou mais ou menos bem. Podíamos estar ativos a nível internacional e tivemos algumas conferências. Pode ler tudo neste capítulo…
TPM – A fundação da Rede foi então financiada pelo governo holandês?
PL – A reunião de fundação da Rede Europeia foi financiada pelo governo holandês, o seu secretário também. Mais tarde eles disseram: “Por que razão sempre nós, por que não outro governo nacional?” E nos anos seguintes, às vezes quando um governo nacional de um Estado-membro da União Europeia tinha a liderança – sabe, muda a cada meio ano – então havia um pouco de dinheiro. Por vezes o governo dinamarquês dava dinheiro, o movimento dinamarquês é forte e bem conectado. Eles conseguiram o dinheiro para as reuniões de membros.
TPM – Vi que a ENUSP está sediada em Copenhague.
PL – Agora estão sediados lá. Falo agora “deles”, porque entretanto tornei-me apenas um membro individual. Uma vez a reunião de membros foi em Tessalônica, Grécia, de outra vez foi no Luxemburgo, outra em Reading, Inglaterra, e outra ainda em Vejle, Dinamarca. Foi sempre um problema obter financiamento da Comissão Europeia. Por um lado, eles deviam pagar pela organização de pessoas com trastornos mentais ou com diagnósticos psiquiátricos, mas dão sempre o dinheiro à Mental Health Europe, que é uma associação de grupos de profissionais. Somos apenas um apêndice da Mental Health Europe. Eles ficam com todo o dinheiro e nos dão um pouco, mas todo o dinheiro devia ser nosso. Eles ficam com o nosso dinheiro. Mas temos de ser simpáticos, manter uma ligação amigável, caso contrário não receberíamos nada deles.
TPM – É gerida por psiquiatras?
PL – Não, não por psiquiatras, mas para psiquiatras, ou por profissionais… Não conheço a situação atual. Em 1997, me adotaram como membro da Direção por três anos. Eu era o Presidente da Rede Europeia nessa altura. A Mental Health Europe recebe bastante dinheiro da Comissão Europeia. A sua Direção faz reuniões em lugares agradáveis [risos], refeições, e voos, são os médicos voadores… Por vezes também fazem coisas boas. Uma vez fizemos juntos uma investigação sobre a discriminação de pacientes psiquiátricos na área médica e propusemos medidas para combater a discriminação (11). Claro que eles são mais fortes do que as organizações de usuários e sobreviventes da psiquiatria; têm mais dinheiro para cofinanciar programas. Mas eles ficam com o dinheiro. Têm o seu escritório em Bruxelas, onde está sediada a Comissão Europeia. Uma vez estava discutindo com uma mulher da Comissão e disse: “Sim, para eles é fácil, vocês têm uma ligação próxima com eles”, mas ela contradisse indignada: “Não, somos muito neutros”. Para mim, é claro que a Mental Health Europe fica com o dinheiro mesmo quando há programas que são claramente dirigidos para organizações de pacientes psiquiátricos. Não é diferente de qualquer outro lugar, sim, o dinheiro não chega às pessoas para quem é realmente destinado.
TPM – Há mais algumas organizações internacionais de usuários e sobreviventes da psiquiatria?
PL – Sim, a Rede Mundial de Usuários e Sobreviventes da Psiquiatria. Outra é a GAMIAN. Esta sigla significa Rede Global de Defesa dos Doentes Mentais. É financiada pela Bristol-Myers, uma empresa farmacêutica em Londres. A GAMIAN recebe muito dinheiro de empresas farmacêuticas, por exemplo, da GlaxoSmithKline, Eli Lilly Benelux, Organon, Pfizer Janssen, Lundbeck, Otsuka e Shire (12). Quando os membros da sua Direção se reúnem, pelo que ouvi, encontram-se nos hotéis mais caros. São dominados por profissionais, podem ter um paciente psiquiátrico como testa de ferro na sua direção, fingem representar os interesses dos pacientes psiquiátricos atuais e antigos a nível mundial, e são frequentemente convidados para conferências internacionais. Irritante.
TPM – E a Intervoice?
PL – A Intervoice é para pessoas que ouvem vozes, foi fundada pelo Marius Romme. Há também usuários e sobreviventes da psiquiatria, o Ron Coleman de Inglaterra é o mais conhecido. O Marius Romme tem também um capítulo no livro “Alternativas à Psiquiatria” junto com a sua colega Sandra Escher (13). Sim, mas eles se comportam de forma bastante apolítica, pelo menos a organização de Ouvidores de Vozes na Alemanha, eles não lidam com o chamado transtorno mental, eles ouvem vozes, não há muita solidariedade com outros sobreviventes da psiquiatria, por exemplo, com pessoas que veem imagens e visões ou sentem perseguição. Eles lidam com ouvir vozes, lidar com vozes, com psicoterapia. Direitos humanos não são o seu tema. Se eu estiver errado e eles mudaram, ficaria feliz.
TPM – E encontrei outra, chamada Hamlet Trust. Conhece?
PL – A Hamlet Trust não é uma organização de usuários e sobreviventes da psiquiatria. Eles apoiam o desenvolvimento de iniciativas de saúde mental baseadas na comunidade e lideradas por usuários em países em desenvolvimento.
TPM – Ainda está funcionando?
PL – Saí da Direção da Rede Europeia em 2010. Pelo que sei, a Hamlet Trust está apoiando bem a Rede Europeia, mas não estou atualizado.
TPM – A Rede Europeia tem uma ligação com os americanos, como a MindFreedom International?
PL – Sim, David Oaks era secretário-geral da MindFreedom, esteve em Berlim, reuniu-se com o Conselho da Rede Europeia e perguntou se a Rede quer tornar-se membro da MindFreedom. Perguntámos, como podemos estar envolvidos nos processos de tomada de decisão? Ele não conseguiu responder a esta pergunta. David é um homem brilhante, mas não conseguiu explicar os seus processos de tomada de decisão. Então, devido à falta de transparência para nós, não havia base para nos juntarmos a eles.

Lehmann com David Oaks 2000 em Nashville, Tennessee
Psiquiatria e Direitos Humanos
TPM – Estamos em Berlim, e eu percebi que a Casa de Fuga foi fundada próximo da queda do muro de Berlim…
PL – Isso foi em 1989.
TPM – Tens alguma recordação dessa época? A Casa de Fuga tinha pessoas vindas dos dois lados de Berlim?
PL – Quando ainda havia um muro, pessoas da Alemanha Oriental podiam atravessar a fronteira para Berlim Ocidental, usuários e sobreviventes da psiquiatria, para nos visitar, quando eram reformados ou reformados antecipadamente. Podiam sair da RDA, pois o seu governo queria se livrar deles. Também levamos material antipsiquiátrico para Berlim Oriental. Isto era ilegal, tal como as suas reuniões na Alemanha Oriental também o eram, porque estas reuniões não eram anunciadas ao governo da RDA. Tinham sempre medo de serem presos quando se reuniam.
TPM – Havia uma grande diferença entre a psiquiatria praticada no Ocidente e no Oriente?
PL – Sim, no Oriente não tinham de lidar tanto com internações forçadas porque eram todos prisioneiros do seu governo [riso]. As pessoas não podiam fugir para muito longe. E as clínicas psiquiátricas não tinham tantas alas fechadas porque o seu Estado era um Estado fechado [riso]. Mas não tem graça. Para onde haveriam de fugir? E tudo estava sob controle lá fora, então… Lembro-me de declarações de ativistas da Alemanha Oriental do gênero “Sim, vocês têm o bom Haldol Ocidental, nós só temos o mau Haldol Oriental”. O bom Haldol! [Risos] Suponho que quando experimentaram o tratamento com o Haldol Ocidental, rapidamente aprenderam o contrário. Não há muito para rir.
TPM – E a psiquiatria mudou muito desde que teve contato com ela?
PL – Sim, há um grande retrocesso, eletrochoques por todo o lado, os medicamentos são mais tóxicos, a mortalidade sobe cada vez mais devido aos novos chamados atípicos, que são muito mais venenosos. E as taxas de internações forçadas sobem, tem a ver com o sistema psiquiátrico comunitário; o controle é maior; encontram pessoas a enlouquecer mais cedo, por isso muitas pessoas são internadas à força. A força informal não mudou, as pessoas têm de tomar medicamentos psicotrópicos sem informação adequada sobre riscos e alternativas, e continuam a ser enganadas sobre o perigo da dependência de medicamentos. É diferente de região para região, tem a ver com a abordagem de cada líder de cada conselho do manicômio. Há alguns poucos manicômios sem tratamento com força formalizado, e há manicômios com taxas enormes. Varia.
TPM – E em termos de direitos humanos?
PL – Em geral, os direitos humanos são violados na maioria das clínicas psiquiátricas, enfermarias, consultórios. Não em todo o lado, há poucas exceções. Na Alemanha não é diferente do resto do mundo. E, claro, a Organização Alemã de Psiquiatras ignora a Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência. Não admitem qualquer violação dos direitos humanos. É sempre no estrangeiro, na Rússia, na China, mas não aqui na Alemanha.
TPM – É triste ouvir isto, depois de tantos anos de luta.
PL – O maior sucesso que tivemos na Alemanha, na minha opinião, é uma lei sobre diretivas antecipadas. Isso significa que as pessoas, independentemente dos seus diagnósticos, podem fazer uma diretiva antecipada e decidir que não querem ser tratadas com isto ou aquilo. Têm de fazer as suas declarações, claro, antecipadamente, por escrito, num estado lúcido. A Alemanha é o primeiro país no mundo onde este direito existe sem discriminação de pessoas com diagnósticos psiquiátricos (14). Não é preciso um parecer especializado de um psiquiatra para isto. Tínhamos começado em 1981, depois do nosso grupo receber um artigo de Thomas Szasz. Ele tinha adotado a ideia do economista libertário Walter Block, e este homem teve a ideia “Por que é que as pessoas que pensam que podem enlouquecer não escrevem uma espécie de testamento vital onde explicam como querem ser tratadas ou não?” Szasz escreveu um artigo, “O testamento psiquiátrico”. Eu tinha contato com ele, e ele nos enviou para tradução. O nosso grupo traduziu-o, depois também foi publicado na minha editora como um folheto. Distribuímos milhares de folhetos, e em 2009, de repente, o governo alemão, um governo conservador, decidiu por esta lei sobre a proteção de diretivas antecipadas. Felizmente, a Organização Alemã de Psiquiatras estava desorganizada nessa altura, por isso não perceberam. Finalmente, ficaram surpresos quando perceberam esta lei, mas funciona.
TPM – Vi no livro que menciona, “Alternativas à Psiquiatria”, que enfatiza a importância da Internet para a comunicação e para o tema da autoajuda. O livro foi publicado em 2007. Como avalia o uso da Internet? Cumpriu a sua promessa?
PL – O nosso grupo chamado Psychexit – fora do sistema psiquiátrico – está planejando desenvolver um novo site sobre apoio para deixar os medicamentos psiquiátricos. Há alguns bons sites em diferentes línguas. Começamos uma ronda de especialistas com psiquiatras, terapeutas, advogados, familiares, usuários e sobreviventes da psiquiatria, cuidadores e outros. Primeiro, queríamos desenvolver um currículo interativo para apoio competente na retirada. Depois decidimos fazer este currículo como um site, onde queríamos desenvolver e oferecer informação sobre como diferentes medicamentos podem ser retirados com baixo risco, e também com outros tópicos sobre deixar os medicamentos psiquiátricos. Deveria dizer melhor – medicamentos psicotrópicos – porque os médicos de clínica geral prescrevem a maioria deles. E temos uma reunião anual, recebemos financiamento de uma organização de assistência social de Berlim. A próxima reunião faremos na Charité Berlin, uma grande clínica universitária. Tínhamos convidado o diretor da sua clínica psiquiátrica, Andreas Heinz. Ele ofereceu as suas instalações inclusive o catering e participará novamente. Andreas Heinz será o Presidente da Organização Alemã de Psiquiatras em outubro. Ele ofereceu também um simpósio internacional sobre deixar os medicamentos psiquiátricos na conferência mundial de 2017 da Associação Mundial de Psiquiatria em Berlim. Eu vou liderar o simpósio junto com ele. Peter Gøtzsche do Instituto Internacional para a Retirada de Medicamentos Psiquiátricos também participará. Eu pude decidir sobre os meus participantes nesse simpósio. Um grupo radical e, a meu ver, dogmático de ativistas antipsiquiátricos fez um apelo para boicotar esta conferência.
TPM – É uma conferência pública?
PL – É a Associação Mundial de Psiquiatria [World Psychiatric Association – WPS]. Essas pessoas também tinham feito um apelo para boicotar a sua Conferência de 2007 em Dresden, Alemanha, onde Judi Chamberlin e também Dorothea Buck deram palestras principais. Dorothea é a fundadora e antiga presidente da Associação Alemã de Usuários e Sobreviventes da Psiquiatria. Agora é a Presidente Honorária. Ela sobreviveu à esterilização forçada durante o sistema de terror psiquiátrico na era nazi, depois eletrochoques. Pode ler a história da sua vida no seu capítulo “Setenta anos de coerção em instituições psiquiátricas, vividos e testemunhados” em “Alternativas à psiquiatria” (15). Dorothea tem 100 anos…

Dorothea Buck
TPM – Ainda está viva, mesmo?! Li o seu testemunho no livro.
PL – Ela ainda está viva, e fez um apelo público para que as pessoas fossem a essa conferência da WPA. E a Direção da organização alemã de usuários e sobreviventes da psiquiatria fez um apelo para boicotar essa conferência. Em Dresden, organizei um simpósio sobre alternativas à psiquiatria com os oradores Mary Nettle, Robert Whitaker e Peter Stastny.

Lehmann com Robert Whitaker 2016 em Phoenix, Arizona
Em Berlim vou organizar dois simpósios também com usuários e sobreviventes da psiquiatria como Laura Delano, Salam Gómez e Darby Penney. Vou dar uma palestra principal sobre como responder à redução catastrófica da expectativa de vida entre pacientes psiquiátricos. Eles vão boicotar.

Lehmann com Darby Penney (1952-2021), 2017, em Berlim, Alemanha
TPM – Porque o acusam de compactuar com o sistema?
PL – Sim, claro. Eles só falam sobre força psiquiátrica formal, não a informal. O webmaster da Casa de Fuga de Berlim me chamou “especialista em tratamento coercivo”, que procurava “formas de tortura controlada pelo usuário na psiquiatria”. (16, 17) A Direção da Casa de Fuga não se distanciou desta calúnia, mesmo depois eu pedi para o fazerem. Permaneceram em silêncio. Então fizeram. Me Pergunto se essas pessoas também vão comparecer no próximo simpósio por ocasião do 100º aniversário de Dorothea Buck em Hamburgo e protestar.
TPM – Eu gostaria de participar nesta conferência…
PL – Sim, é no dia 6 de abril de 2017 em Hamburgo como uma grande reunião pública. Sou um dos muitos oradores. Dorothea queria que eu estivesse lá, vou falar sobre psiquiatria sem violência. Tenho uma ligação de confiança com a Dorothea.
Produzindo outros saberes sobre os modos de lidar com o transtrono mental
TPM – Li no seu e-mail que gosta de receber ideias de países do Sul, da África, sobre como lidar com o chamado transtorno mental. Eles apresentaram modelos que podem ser interessantes.
PL – Sim, claro. Escrevi um capítulo sobre alternativas de tratamento aos medicamentos psiquiátricos, com particular referência a países de baixa e média renda, para o “Manual Routledge de Desenvolvimento Internacional, Saúde Mental e Bem-estar”, que será publicado pela Routledge (18). É sobre como alcançar o Objetivo de Desenvolvimento Sustentável 3 das Nações Unidas, chamado “ODS3”, da Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável. Exige que os estados melhorem o bem-estar dos cidadãos e combatam as doenças mais importantes que levam as pessoas à morte. Claro que se pode perguntar, quem são os alemães para dizer aos africanos o que devem fazer. Mas eles têm boas ideias. O mesmo na Ásia, por exemplo, em Pune, na Índia. Eles também têm boas ideias, podemos aprender uns com os outros. Quando escrevi este capítulo – e foi também a base para a minha palestra principal na conferência da WPA – perguntei por todo o mundo sobre métodos de trabalho para combater a reduzida expectativa de vida dos pacientes psiquiátricos. Assim, acabei por ter a informação de Bhargavi Davar sobre a sua organização Seher – “Aurora” em português – em Pune, que oferece apoio holístico para pessoas em sofrimento emocional. Também uma abordagem promissora da MindFreedom Ghana com apoio social e econômico, ajudando as pessoas simplesmente a sobreviver. Portanto, tenho alguns bons exemplos de como as pessoas psiquiatrizadas fora do mundo ocidental podem fazer.
TPM – Viajou para ver?
PL – Não! Por exemplo, fui convidado para Pune para participar na conferência da Rede Internacional para Alternativas e Recuperação em novembro de 2016. Eles queriam pagar os custos do voo, mas os outros custos eram enormes, 200 dólares por noite num hotel. 200 dólares uma noite. Perguntei-lhes se podiam organizar um hotel barato para mim, porque não preciso de um hotel de luxo, mas não conseguiram. Disseram-me que não eram capazes de reduzir os custos. Por isso não fui à Índia. Não tenho de ir a todo o lado.
TPM – Peter, uma última pergunta, sobre os saberes. Que novo tipo de conhecimento é que o movimento produziu? Saberes baseados na experiência?
PL – O movimento, a troca, produziu conhecimento de que há muitas pessoas com experiências importantes e pode-se aprender tanto com os outros, que têm ainda vidas diferentes, experiências diferentes. E pensar que você – com as suas próprias experiências, pequenas, limitadas e especialmente com poucos recursos – tem o conhecimento para resolver e compreender todos os problemas, é uma situação delicada. E o maior progresso que fiz, na minha opinião, vem dos muitos encontros com usuários e sobreviventes de todo o mundo. Podemos ter experiências semelhantes, podemos ter estado em manicômios ou ter sido tratados à força, formal ou informalmente, mas somos tão diferentes, nas nossas culturas, nas nossas opções, na forma como processamos as nossas experiências e nas consequências que tiramos… Ter o mesmo diagnóstico não significa nada.
TPM – Me parece que este conhecimento é valioso para além do domínio do transtorno mental. A sociedade, a sociedade em geral, pode aprender com estes movimentos e estou tentando pensar em formas de levar este tipo de conhecimento a outras áreas da vida.
PL – Sim, lutar para ter uma vida livre, melhores condições de vida, combater as violações dos direitos humanos, expressar e satisfazer as suas necessidades se não suprimir outros… Sim, as pessoas podem aprender conosco, mas isto não é novo.
TPM – Usou a palavra “louco”, como estar… alguém estava louco por um momento, pessoas loucas na Casa de Fuga… O que é a loucura, na sua opinião, ou estar louco?
PL – Com estes tópicos sutis, sinto que as minhas capacidades linguísticas não são suficientes para explicar. Loucura significa atravessar os limites da vida normal e limitada, e inclui quebrar correntes, mas também inclui riscos e perigos, claro. Mas sem saltos incivilizados para se desenvolverem, para muitas pessoas não há desenvolvimento da personalidade. Nos nossos estilos de vida e formas de perceber relacionados com a socialização cimentada há, dificilmente, alguma hipótese de nos libertarmos das restrições que adquiriram. Algumas pessoas falam sobre encontrar e libertar o “verdadeiro eu”, mas na minha opinião, o “eu padronizado” não é menos verdadeiro. Em qualquer caso, estou contente por ter deixado o meu “eu normal” para trás; mas teria dispensado de bom grado os maus-tratos psiquiátricos.
…Ou na depressão. As pessoas podem estar num círculo de exigências sobre o que devem fazer e funcionar e eventualmente, se as exigências são demasiado grandes, a alma reage e diz “Para, já não aguento mais”. Pessoas loucas ou deprimidas podem ser um sinal para a sociedade e dizer o que está errado. Karl Bach Jensen da Dinamarca escreveu um artigo extraordinário sobre esta questão para o meu livro “Deixar os medicamentos psiquiátricos” (19).

Lehmann com Karl Bach Jensen em Kolding, Dinamarca, por volta de 1994
TPM – Muito obrigado, Peter. Não vou tomar mais do seu tempo.
P.S. de 3 de novembro de 2024.
Já se passaram sete anos desde a entrevista. Aqui estão algumas atualizações:
1) Devido à falta de financiamento, a Psychexit não conseguiu desenvolver um website interativo para apoio competente na retirada de medicamentos psicotrópicos prescritos. Em 2022, a Psychexit terminou as suas conferências anuais de especialistas. Todas as informações estão disponíveis em www.absetzen.info e www.peter-lehmann.de/psychexit, mas apenas em alemão.
2) Os dois simpósios na conferência WPA em Berlim realizaram-se. As informações podem ser encontradas online em https://peter-lehmann.de/document/wpa-2017-symposium-lehmann-heinz.pdf e https://peter-lehmann.de/document/wpa-2017-symposium-lehmann-gomez.pdf.
3) A celebração do 100º aniversário de Dorothea Buck realizou-se a 6 de abril de 2017 na Universidade de Hamburgo, sem problemas. A aniversariante participou através de ligação online. Dorothea Buck faleceu a 9 de outubro de 2019, aos 102 anos.
Referências
(1) Lehmann, Peter (2004): “Relapse into life” (pp. 47-56). Em: Peter Lehmann (ed.): “Coming off psychiatric drugs: Successful withdrawal from neuroleptics, antidepressants, lithium, carbamazepine and tranquilizers”. Berlin, Eugene & Shrewsbury: Peter Lehmann Publishing. Última edição atualizada do e-book: Berlin & Lancaster: Peter Lehmann Publishing 2024. Informação online em http://www.peter-lehmann-publishing.com/withdraw.htm. Edições em francês, alemão, grego e espanhol ver http://www.peter-lehmann-publishing.com/coming-off.htm
(2) Lehmann, Peter / Newnes, Craig (eds.) (2021): “Withdrawal from prescribed psychotropic drugs”. E-book. Berlin & Lancaster: Peter Lehmann Publishing. Última edição atualizada do e-book 2024. Informação online http://www.peter-lehmann-publishing.com/withdraw.htm. Edição impressa: Lancaster: Egalitarian Publishing 2023. Informação online em https://www.egalitarianpublishing.com/books/withdrawal.html / Edição alemã: “Psychopharmaka reduzieren und absetzen – Praxiskonzepte für Fachkräfte, Betroffene, Angehörige”. Berlin & Lancaster: Peter Lehmann Antipsychiatrieverlag / Cologne: Psychiatrieverlag 2024. E-Book: Psychiatrieverlag 2004. Informação online em https://antipsychiatrieverlag.de/lehmann-newnes.htm / Edição espanhola: “Dejar los psicofármacos: Conceptos prácticos para profesionales, pacientes, familiares” (em preparação)
(3) Landesnetzwerk Selbsthilfe seelische Gesundheit Rheinland-Pfalz e.V. – NetzG-RLP e.V. (ed.) (2018): “Aufklärungsbögen Antipsychotika in deutscher, englischer, französischer, polnischer, spanischer, rumänischer, serbokroatischer, türkischer, russischer und arabischer Sprache”. Trier: NetzG-RLP. Recurso online https://antipsychiatrieverlag.de/artikel/gesundheit/pdf/aufklaerung-nl-inter.pdf
(4) Stastny, Peter / Lehmann, Peter (eds.) (2007): “Alternatives beyond psychiatry”. Berlin, Eugene & Shrewsbury: Peter Lehmann Publishing. Edição atualizada do e-book: “Alternatives beyond psychiatry. The great book of alternatives to psychiatry around the world”. Berlin & Lancaster: Peter Lehmann Publishing 2022. Informação online em http://www.peter-lehmann-publishing.com/alternatives-beyond-psychiatry.htm / Informação sobre edições em alemão, grego e marata ver http://www.peter-lehmann-publishing.com/alternatives.htm
(5) Lehmann, Peter (2024): “Psychiatry stripped naked: Current human rights violations in psychiatry in Germany, Greece and the rest of the world”. Em: Journal of Critical Psychology, Counselling and Psychotherapy, Vol. 24, pp. 16-37. Recurso online http://www.peter-lehmann-publishing.com/articles/lehmann/pdf/stripped-naked.pdf
(6) “The legacy of Chicago’s Abraham A. Low, MD: Recovery, Inc., an affordable mental health resource for patients” (2002). Reimpressão após Chicago Medicine, Vol. 105, No. 1
(7) Wehde, Uta (1991): “Das Weglaufhaus – Zufluchtsort für Psychiatrie-Betroffene. Erfahrungen, Konzeptionen, Probleme”. Berlin: Peter Lehmann Antipsychiatrieverlag. Informação online em http://www.peter-lehmann-publishing.com/books/wehde-e.htm
(8) Hartmann, Petra / Bräunling, Stefan (2007): “Finding strength together – The Berlin Runaway House” (pp. 188-199). Em: Peter Stastny / Peter Lehmann (eds.) (2007): “Alternatives beyond psychiatry”. Berlin, Eugene & Shrewsbury: Peter Lehmann Publishing. Edição atualizada do e-book: “Alternatives beyond psychiatry. The great book of alternatives to psychiatry around the world”. Berlin & Lancaster: Peter Lehmann Publishing 2022. Informação online em http://www.peter-lehmann-publishing.com/alternatives-beyond-psychiatry.htm / Informação sobre edições em alemão, grego e marata ver http://www.peter-lehmann-publishing.com/alternatives.htm
(9) Jesperson, Maths (2007): “Hotel Magnus Stenbock – A user-controlled house in Helsingborg, Sweden” (pp. 161-168). Em: Peter Stastny / Peter Lehmann (eds.): “Alternatives beyond psychiatry”. Berlin, Eugene & Shrewsbury: Peter Lehmann Publishing
(10) Lehmann, Peter / Jesperson, Maths (2007): “Self-help, difference in opinion and user control in the age of the Internet” (pp. 366-380). Em: Peter Stastny / Peter Lehmann (eds.): “Alternatives beyond psychiatry”. Berlin, Eugene & Shrewsbury: Peter Lehmann Publishing. Edição atualizada do e-book: “Alternatives beyond psychiatry. The great book of alternatives to psychiatry around the world”. Berlin & Lancaster: Peter Lehmann Publishing 2022. Informação online em http://www.peter-lehmann-publishing.com/alternatives-beyond-psychiatry.htm / Informação sobre edições em alemão, grego e marata ver http://www.peter-lehmann-publishing.com/alternatives.htm
(11) Action Project against “Harassment and Discrimination Faced by People with Mental Health Problems in the Field of Health Services”, organizado no âmbito do “‘Community Action Programme to Combat Discrimination in 2001-2006’ com apoio da União Europeia” (2005): “Recommendations to combat harassment and discrimination in health and mental health services” pela Mental Health Europe, LUCAS (Bélgica), Pro Mente Salzburg (Áustria), MIND (Inglaterra e País de Gales), Clientenbond (Países Baixos), FEAFES (Confederación Española de Agrupaciones de Familiares y Personas con Enfermedad Mental – Espanha), BPE (Bundesverband Psychiatrie-Erfahrener e.V. – Alemanha) e ENUSP (European Network of [ex-] Users and Survivors of Psychiatry). Recurso online http://www.peter-lehmann-publishing.com/articles/enusp/recommendations.htm
(12) Lehmann, Peter (2009): “A snapshot of users and survivors of psychiatry on the international stage”. Em: Journal of Critical Psychology, Counselling and Psychotherapy, Vol. 9, pp. 32-42. Recurso online http://www.peter-lehmann-publishing.com/articles/lehmann/pdf/inter2008e.pdf
(13) Romme, Marius / Escher, Sandra (2007): “Intervoice – Accepting and making sense of hearing voices” (pp. 131-137). Em: Peter Stastny / Peter Lehmann (eds.): “Alternatives beyond psychiatry”. Berlin, Eugene & Shrewsbury: Peter Lehmann Publishing. Edição atualizada do e-book: “Alternatives beyond psychiatry. The great book of alternatives to psychiatry around the world”. Berlin & Lancaster: Peter Lehmann Publishing 2022. Informação online em http://www.peter-lehmann-publishing.com/alternatives-beyond-psychiatry.htm / Informação sobre edições em alemão, grego e marata ver http://www.peter-lehmann-publishing.com/alternatives.htm
(14) Lehmann, Peter (2015): “Securing human rights in the psychiatric field by advance directives”. Em: Journal of Critical Psychology, Counselling and Psychotherapy, Vol. 15, pp. 1-10. Recurso online http://www.peter-lehmann-publishing.com/articles/lehmann/pdf/lehmann_advance-directives-2014.pdf
(15) Buck-Zerchin, Dorothea S. (2007): “Seventy years of coercion in psychiatric institutions, experienced and witnessed” (pp. 19-28). Em: Peter Stastny / Peter Lehmann (eds.): “Alternatives beyond psychiatry”. Berlin, Eugene & Shrewsbury: Peter Lehmann Publishing. Edição atualizada do e-book: “Alternatives beyond psychiatry. The great book of alternatives to psychiatry around the world”. Berlin & Lancaster: Peter Lehmann Publishing 2022. Informação online em http://www.peter-lehmann-publishing.com/alternatives-beyond-psychiatry.htm / Informação sobre edições em alemão, grego e marata ver http://www.peter-lehmann-publishing.com/alternatives.htm
(16) Lehmann, Peter (27 de julho de 2010): “Whose defamation? Whose insult? Whose shame? About the indifference of the Berlin Runaway House organisation towards its staff-member Jan Groth’s cybermobbing and defamation of Judi Chamberlin”. Publicação online http://www.peter-lehmann-publishing.com/articles/lehmann/combatting-the-defamation-of-judi-chamberlin.htm
(17) Lehmann, Peter (2014): “Facebook friends and other enemies”. Em: Journal of Critical Psychology, Counselling and Psychotherapy, Vol. 14, pp. 37-43. Recurso online http://www.peter-lehmann-publishing.com/articles/lehmann/pdf/facebookfriends.pdf
(18) Lehmann, Peter (2019): “Paradigm shift: Treatment alternatives to psychiatric drugs, with particular reference to low- and middle-income countries” (pp. 251-269). Em: Laura Davidson (ed.): “The Routledge Handbook of International Development, Mental Health and Wellbeing”. London & New York: Routledge. Recurso online http://www.peter-lehmann-publishing.com/articles/lehmann/pdf/sdg3-psychiatry-treatment-alternatives.pdf
(19) Bach Jensen, Karl (2004): “Detoxification – in the large and in the small: Towards a culture of respect” (pp. 303-309). Em: Peter Lehmann (ed.): “Coming off psychiatric drugs: Successful withdrawal from neuroleptics, antidepressants, lithium, carbamazepine and tranquilizers”. Berlin, Eugene & Shrewsbury: Peter Lehmann Publishing. Última edição atualizada do e-book: Berlin & Lancaster: Peter Lehmann Publishing 2024. Informação online em http://www.peter-lehmann-publishing.com/withdraw.htm. Edições em francês, alemão, grego e espanhol ver http://www.peter-lehmann-publishing.com/coming-off.htm