Psicólogos Pressionam por Novas Abordagens para Psicose: Parte 1

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O relatório, "Compreensão da psicose e da esquizofrenia: por que as pessoas às vezes ouvem vozes, acreditam em coisas que outros acham estranhas ou parecem fora de contato com a realidade, e o que pode ajudar", está disponível gratuitamente através da BPS.

ZenobiaUm relatório, publicado pela British Psychological Society (BPS), critica o estado atual do conhecimento dos sintomas psicóticos e as implicações prejudiciais dos tratamentos padrão e faz sugestões sobre o que precisa ser mudado.

Uma semana após o anúncio do governo britânico de sua revisão da legislação sobre saúde mental, a Divisão de Psicologia Clínica da Sociedade Britânica de Psicologia (Reino Unido) publicou um relatório de acesso aberto desafiando a estrutura existente que conceitua a “psicose”. Os autores tentam desmantelar a noção de que a esquizofrenia é uma “doença do cérebro”que resulta em comportamentos violentos melhor melhor regulados pela intervenção médica.

“Nós esperamos que este relatório contribua para uma mudança fundamental que já está em andamento sobre como pensamos e oferecemos ajuda à ‘psicose’ e ‘esquizofrenia'”, escrevem os autores. Por exemplo, “esperamos que os futuros serviços não insistam mais que os usuários do serviço aceitem uma visão particular de seu problema, a saber, a visão tradicional de que eles têm uma doença que precisa ser tratada principalmente por medicação”.

O relatório, "Compreensão da psicose e da esquizofrenia: por que as pessoas às vezes ouvem vozes, acreditam em coisas que outros acham estranhas ou parecem fora de contato com a realidade, e o que pode ajudar", está disponível gratuitamente através da BPS.
O relatório, “Compreensão da psicose e da esquizofrenia: por que as pessoas às vezes ouvem vozes, acreditam em coisas que outros acham estranhas ou parecem fora de contato com a realidade, e o que pode ajudar”, está disponível gratuitamente através da BPS.

O relatório, “Compreensão da psicose e da esquizofrenia: por que as pessoas às vezes ouvem vozes, acreditam em coisas que outros acham estranhas ou parecem fora de contato com a realidade, e o que pode ajudar”, está disponível gratuitamente através da BPS.

Com o objetivo de causar impactos junto aos fornecedores de serviços, usuários e formuladores de políticas, o relatório revisa de forma abrangente o paradigma atual que envolve o tratamento de “psicose”, como uma versão atualizada de um relatório anterior, publicado em 2000. Distintos psicólogos estão incluídos entre os autores, representando oito universidades e seis membros do NHS, bem como pessoas que se identificam com os sintomas associados à “psicose”. Mais de um quarto dos contribuintes são do último grupo, denominados “especialistas por experiência”.

Em conjunto, a peça fornece novas ideias, contextualizando manifestações psicóticas em contextos interpessoais e sociopolíticos, e reposicionando o que sabemos sobre psicose na literatura científica atual.

O relatório começa fazendo uma revisão do que comumente se entende como psicose (ouvir vozes, acreditar em coisas que outros acham estranhas, falar de maneiras que outros acham difíceis de entender, e experimentar confusão que pode ser percebida como uma perda de contato com a realidade). Os autores sublinham, no entanto, quão heterogêneas são essas experiências, enfatizando a natureza única dessas experiências em indivíduos e culturas.

A cultura, os autores acrescentam, pode influenciar radicalmente a apresentação de tais experiências (por exemplo, quais tipos de vozes podem ser ouvidas), como alguém entende e faz sentido de suas experiências e como se escolhe descrever ou explicar suas experiências aos outros. As atribuições erradas da psiquiatria ocidental historicamente patologizaram diferentes grupos ou culturas no que alguns chamam de “imperialismo cultural”.

Além disso, os autores citam pesquisas que descobrem que muitas pessoas têm crenças que outros consideram estranhas, e que até 10% da população ouvem vozes pelo menos uma vez em sua vida. Enquanto alguns podem estar assustados ou angustiados por essas experiências, outros nunca procuram ajuda ou entram em contato com os serviços de saúde mental, simplesmente porque não se sentem incomodados com o que experimentam. Algumas pessoas acham que ouvir vozes serve a uma função útil em suas vidas, ou as veem como espiritualmente enriquecedoras.

“O principal aspecto que parece distingui-los daqueles que entram em contato com os serviços de saúde mental é a medida em que eles ou aqueles que os rodeiam acham a experiência angustiante ou assustadora”.

  Um ouvidor de vozes descreveu o seguinte:

 “Quando você não consegue encontrar uma saída ao entrar em uma situação complexa, elas (as vozes) ajudam a nos orientar. Você não precisa ouvir, não precisa seguir seu conselho, mas é bom que elas se manifestem de qualquer jeito”.

Os autores, portanto, sugerem a compreensão de experiências de “esquizofrenia” em um continuum em vez de as conceituar como uma construção única. Uma compreensão matizada e diversificada permite uma maior inclusão das várias frequências e intensidades de experiências. Algumas pessoas experimentam eventos como ouvir vozes ocasionalmente ou em padrões menos angustiantes, enquanto outros podem caracterizá-los como mais duradouros e perturbadores.

Considerando a fenomenologia expansiva e diversificada de experiências, as pesquisas, sem surpresa, demonstram que a confiabilidade entre os clínicos permanece baixa, variando especialmente em diferentes médicos, hospitais e países.

“Mesmo os clínicos experientes que receberam treinamento extra na aplicação dos critérios, apenas 50% são os que concordam com a categoria de diagnóstico todo o tempo. “

No entanto, a visão tradicional de conceituar a psicose é aquela em que as pessoas a possuem ou não. Essa ideia tomou posse no campo, pois diferentes sistemas de diagnóstico, incluindo o DSM, enfatizam a psicose como um estado ou apresentação qualitativamente distinta.

Os autores demonstram como fornecer um nome para um fenômeno é enquanto tal enganador, e talvez perigoso, especialmente quando não é experimentado de forma homogênea. Referem-se ao psiquiatra Jim Van Os, quem escreve:

“O termo grego complicado, em última análise sem sentido, sugere que a esquizofrenia realmente é uma ‘coisa’, ou seja, uma ‘doença cerebral’ que existe como tal na natureza. Esta é uma falsa sugestão”.

Um colaborador que recebeu um diagnóstico de esquizofrenia descreve sua reação ao diagnóstico:

“Eu fui rotulado com todos os tipos de diagnóstico: transtorno alimentar não especificado de outra forma, transtorno depressivo maior, transtorno de personalidade limítrofe, transtorno esquizoafetivo e eventualmente esquizofrenia … esse foi o único que me derrubou completamente. Valeria a pena lutar, estando a sofrer de uma doença cerebral vital para sempre? “

Outro escreve: “Estou rotulado para o resto da minha vida … Penso que a esquizofrenia sempre me tornará um cidadão de segunda classe … Eu não tenho um futuro”.

Enquanto alguns autores descrevem um efeito de incapacitação ao receber um diagnóstico, outros discutem os benefícios decorrentes do rótulo:

“Eu acho que prefiro a minha doença tendo um nome porque me faz sentir menos solitária, e sei que existem outras pessoas que experimentam o meu tipo de miséria. E que as pessoas vivem a despeito da mesma doença que a minha, e que criam um sentido para a sua existência apesar da doença. Mas eu também tenho que ter cuidado para não adotar o papel de doente, pois sei que simplesmente eu desistiria de tudo se fizesse isso “.

O diagnóstico, escreve os autores, não fornece nenhuma informação sobre a etiologia e o contexto interpessoal dessas experiências, privilegiando as explicações internalizantes, ao invés de abordar o impacto de experiências como trauma, pobreza, discriminação e racismo institucionalizado.

Recomendações recentes se afastaram do uso de diagnósticos, por causa do impacto negativo observável que eles podem ter, particularmente no que se refere a gerar estigma, discriminação adicional e uma avaliação medicamente patologizadora das experiências. A British Psychological Society (BPS) é uma dessas organizações que criticou os diagnósticos DSM-5 e CID-10, conclamando para “uma mudança de paradigma em relação às experiências que esses diagnósticos se referem, em direção a um sistema conceitual não baseado em um ‘modelo de doença’”.

Outras organizações, como a Comissão de Esquizofrenia, se juntaram para questionar a utilidade de diagnosticar, lançando uma investigação sobre o impacto da rotulagem das experiências das pessoas.

Além disso, construções diagnósticas que se concentram exclusivamente na apresentação de sintomas obscurecem uma compreensão holística do bem-estar dos indivíduos. As pessoas que ouvem vozes ou que se engajam em crenças incomuns, muitas vezes realizam vidas significativas e funcionais sem terem problemas com tais experiências. Essas experiências desafiam aquelas abordagens que buscam simplesmente reduzi-las a “sintomas”.

Como um indivíduo explica:

“Trabalho quatro dias por semana em um trabalho profissional; eu possuo minha própria casa e vivo feliz com meu parceiro e animais de estimação. Ocasionalmente, ouço vozes – por exemplo, quando fico particularmente estressada ou cansada, ou eu tenho visões depois de um luto. Sabendo que muitas pessoas ouvem vozes e vivem bem, e que algumas culturas veem essas experiências como um presente, me ajudam a nunca me preocupar ou a achar que seja o começo de uma crise ‘psicótica’. Embora eu tenha sorte de que as experiências nunca tenham sido tão perturbadoras quanto as de algumas pessoas, se alguém me dissesse que era uma loucura, eu poderia entrar em um círculo vicioso e ter lutado para sair “.

Alternativamente, os autores destacam os fatores que parecem mais influentes para a recuperação de experiências angustiantes e bem-estar geral: “conectar-se ao mundo fora de si mesmo (por exemplo, relações de apoio, espiritualidade), esperança, uma identidade positiva para além do papel de paciente, encontrar significado na vida e capacitação (aprendendo o que ajuda e assim ganhando controle e tendo as oportunidades certas) “.

Intimamente relacionado a esses fatores está a temática dos ‘relacionamentos’ e do ‘suporte’. Infelizmente, no entanto, as imagens da mídia estão saturadas de estereótipos prejudiciais sobre pessoas que ouvem vozes, experimentam esquizofrenia ou que têm crenças consideradas estranhas. Elas são mais comumente descritas como susceptíveis de cometer crimes violentos. No entanto, os autores são claros ao dissipar esses mitos que cercam uma associação equivocada entre experiências de psicose e violência.

“Na realidade, em contraste com os estereótipos da mídia, poucas pessoas que experimentam paranoia ou ouvem vozes angustiantes machucaram mais alguém do que as outras. É muito pouco mais provável que pessoas com diagnósticos psiquiátricos cometam mais crimes violentos do que aquelas sem tais diagnósticos. No entanto, a diferença das taxas é extremamente pequena: muito menor, por exemplo, do que o risco aumentado associado a qualquer uma de condições como: ser masculino, ser jovem, consumir álcool ou drogas de rua ou ter sido violento no passado “.

Por outro lado, os usuários dos serviços de saúde mental são muito mais propensos a serem vítimas de violência, talvez por causa da perpetuação de estereótipos tão nocivos que servem para incitar o medo em outros.

Em última análise, os autores enfatizam a necessidade de os prestadores de serviços respeitar as opiniões dos clientes, uma vez que a etiologia e a apresentação das experiências associadas à psicose são contextualmente únicas e inadequadas para explicações redutoras, particularmente aquelas que tentam limitar completamente essas experiências a modelos biológicos.

Enquanto décadas de pesquisa insistem na hipótese de estruturas genéticas, neuroquímicas ou outras estruturas cerebrais e funções que sustentam essas experiências, os autores afirmam expressamente que “até os dias atuais, não temos evidências firmes de nenhum mecanismo biológico específico subjacente às experiências psicóticas”.

Não só a explicação “doença cerebral” privilegia o tratamento de drogas em detrimento de terapias com a palavra, tornando estas últimas menos acessíveis, criou-se uma cultura na qual os serviços de saúde mental são desencorajados de tentar entender as experiências do indivíduo ou o contexto delas.

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A parte 2 da cobertura deste relatório (a ser publicada nos próximos dias) expandirá as teorias que compreendem trauma, violência estrutural e fatores sociopolíticos como subjacentes ao desenvolvimento de sintomas psicóticos. O relatório apresenta contribuições adicionais de ouvintes de voz, seguidos de implicações para pesquisa, prática, autoajuda e um apelo para uma mudança de paradigma no campo em direção a uma compreensão mais humanística dessas experiências.

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Cooke, A., Basset, T., Bentall, R., Boyle, M., Cupitt, C., Dillon, J., … & Kinderman, P. (2017). Understanding psychosis and schizophrenia, Revised version. London: British Psychological Society, Division of Clinical Psychology.  (Texto Completo)  (Full Text)

Rivotril e seus semelhantes matam mais do que Cocaína e Heroína

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Publicado na Folha 1: os benzodiazepínicos têm taxas de mortalidade mais altas do que as drogas ilegais, como a heroína ou a cocaína.

Tomando com referência recentes estudos realizados em Vancouver, mais uma vez é confirmado o que já há décadas vem sendo revelado no meio científico e clínico: os gravíssimos danos causados por drogas conhecidas como ‘tranquilizantes’ – os benzodiazepínicos –  comumente prescritas, como Valium, Xanax e Rivotril.

Leia a matéria na íntegra →

Rivotril

Diálogo-Aberto: Jaakko Seikkula no Seminário Internacional A Epidemia das Drogas Psiquiátricas: Causas, Danos e Alternativas

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Jaakko SeikkulaÉ com prazer que em breve estarei no Rio de Janeiro, participando dessa importante iniciativa que é o Seminário Internacional A Epidemia das Drogas Psiquiátricas: Causas, Danos e Alternativas, na Escola Nacional de Saúde Pública (ENSP/FIOCRUZ).

Estou lhes enviando um Resumo do que eu apresentarei.

Aceitar o Outro sem condições é o caminho de ouro para abrir diálogos nas redes sociais que se encontram em crises severas. No entanto, o sistema de cuidados é construído sobre diretrizes, onde os profissionais são orientados a seguir sua via de tratamento de um caso para outro dentro de categorias de diagnóstico específicas. Dentro deste tipo de prática hoje dominante, respeitar as vozes dos clientes não é o objetivo básico. Infelizmente, a prática hegemônica muitas vezes desrespeita os recursos psicológicos dos clientes e, portanto, enfatiza a prática fortemente centrada no chamado expert. O tratamento é direcionado aos sintomas de clientes individuais para que o tratamento esteja sob controle.

Nas crises graves, outro tipo de abordagens é imprescindível. Em 30 anos, as experiências de desenvolver a prática do diálogo aberto como foco tornaram-se da maior importância: 1) convidar a família e outras redes sociais dos pacientes para aumentar os recursos; e 2) se concentrar na geração de diálogo para fazer ouvir todas as vozes nas reuniões terapêuticas. Os clientes são abordados como seres humanos em sua plenitude e não como sintomas. Se esses dois elementos principais forem realizados, os recursos dos clientes são ampliados para encontrar seu próprio caminho ao longo de suas vidas. Conforme observado nos estudos de psicose em primeiro episódio, 85% dos pacientes podem retornar ao pleno emprego. Ou em estudos de depressão maior, onde a recuperação ocorre mais rápido e mais frequentemente, em comparação com o tratamento habitual. Em ambos os casos, o papel da medicação pode ser reduzido, evitando assim o efeito nocivo das medicações de psicose e de depressão. Por exemplo, na Lapónia Ocidental com pacientes psicóticos em seu primeiro episódio, 65% não usaram medicação de psicose durante cinco anos; e a situação parece ser a mesma após 20 anos após o início do tratamento. Na primeira comparação, a taxa de aposentadoria é mais baixa na Lapônia Ocidental. e pode ser duas vezes maior dos que em tratamentos baseados em medicação.

Para o clínico, adotar a prática dialógica de respeitar o Outro, sem condições, provou ser uma tarefa desafiadora. Diálogo Aberto enfatiza a importância da nossa escuta cuidadosa de aceitar o outro sem condições. Adotar a prática dialógica é uma nova habilidade, onde podemos nos encontrar em diferentes papéis profissionais do que aqueles com os quais estamos acostumados a agir.

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SEMINÁRIO INTERNACIONAL

Transmissão ao vivo →

A Família que Construiu um Império de Dor

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The New Yorker. Illustration by Ben Wiseman

Matéria no The New Yorker. Como a família dos Sacklers, conhecida por sua generosidade e filantropia, está por detrás de uma das maiores tragédias contemporâneas produzidas por drogas farmacêuticas: a epidemia dos opioides?

É verdade que os Sacklers estão fortemente presentes na cultura e na ciência. Quem visita o Metropolitam Museum of Art (conhecido informalmente como The Met) percorre certamente a ala Sackler (Sackler wing). O nome Sackler está em Harvard, o Museu Sackler; há o Sackler Center for Arts Education, no Guggenheim; senão a ala Sackler no Louvre. Bem como há institutos e instalações Sackler em Columbia, Oxford e em uma dúzia de outras universidades.

Muito pouco divulgado para o público em geral: os Sacklers são os donos da Purdue Pharma – uma empresa privada, com sede em Stamford, Connecticut, que desenvolveu o analgésico de prescrição OxyContin. Após sua liberação, em 1995, OxyContin foi saudado como um avanço médico, um narcótico duradouro que poderia ajudar os pacientes que sofriam de dor moderada a grave. A droga tornou-se um sucesso de vendas, e teria gerado cerca de trinta e cinco bilhões de dólares em receita para Purdue.

Mas OxyContin é uma droga controversa. Seu único ingrediente ativo é o oxicodona, um primo químico da heroína, que é até duas vezes mais poderoso do que a morfina. No passado, os médicos haviam relutado em prescrever opioides fortes – como se sabe são drogas sintéticas derivadas do ópio – exceto para a dor aguda do câncer e cuidados paliativos de fim de vida, por causa de um medo antigo e bem fundamentado sobre as propriedades aditivas destas drogas. Purdue lançou o OxyContin com uma campanha de marketing que tentou contrariar essa atitude e mudar os hábitos de prescrição dos médicos. A empresa financiou pesquisa e médicos pagos para fazer o caso de que as preocupações com o vício em opioides eram exageradas e que a OxyContin poderia seguramente tratar uma gama cada vez maior de doenças. Os representantes de vendas comercializaram o OxyContin como um produto “para começar e ficar com”. Milhões de pacientes descobriram que a droga era uma pomada vital para uma dor excruciante.

E hoje em dia, milhões de pessoas que passaram a fazer uso desta droga se encontram dependentes químicos e com enormes dificuldades para levar uma vida normal, na medida em que não conseguem se livrar dessa droga. Uma droga com efeitos colaterais gravíssimos. Hoje é um escândalo internacional. Aqui no Brasil Oxycontin é livremente comercializado, com venda inclusive na internet.

Veja a matéria do The New Yorker na íntegra →

A Indústria Farmacêutica Capturou a Psiquiatria

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Gustavo Miranda / Agência O Globo

Matéria de O Globo, ‘A indústria farmacêutica capturou a psiquiatria’, entrevista dada por Robert Whitaker ao jornalista Nelson Gobbi.

“Investigo o fenômeno da medicalização, em particular a influência das drogas utilizadas na psiquiatria. Já publiquei quatro livros. Ganhei o Prêmio George Polk para Escrita Médica, em 1998, por meus artigos sobre a psiquiatria e a indústria farmacêutica, e fui finalista do Prêmio Pulitzer no Serviço Público, em 1999.”

Veja a matéria na íntegra →

Entrevista com Robert Whitaker

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Image 22-10-17 at 18.43Vida Integrada entrevistou Robert Whitaker: jornalista, autor de 5 livros, que recentemente publicou “Anatomia de uma Epidemia” livro premiado e traduzido em diversos idiomas, que aborda a contravertida questão do uso abusivo de drogas nos tratamentos psiquiátricos.

1) Caro Robert, como o Sr. vê a evolução dos tratamentos de Saúde Mental durante as últimas décadas?

Existe pouca evidência de que durante os últimos trinta anos tenha havido qualquer progresso real no tratamento de doenças mentais. As pesquisas não levaram a nenhum avanço real em encontrar causas “biológicas” para as doenças mentais, e mesmo no que tange a tratamentos medicamentosos, há pouca evidência de que as drogas de segunda geração tenham resultados melhores que as de primeira.

Mais assustador ainda é o seguinte: como diversos países do Mundo adotaram o “modelo de doença” e estão utilizando cada vez mais essas drogas, o número de pessoas incapacitadas só vem aumentando ao longo do tempo (índice medido pela porcentagem da população afastada do trabalho por doença mental e que depende de ajuda financeira do governo, nos EUA). Então na prática, há pouquíssima evidência de qualquer progresso em psiquiatria para doenças conhecidas como “doenças ou desequilíbrios químicos do cérebro”. A maior evidência de que a teoria desequilíbrio químico está incorreta, é que os tratamentos propostos para essa teoria fizeram mais mal do que bem durante as últimas décadas.

2) No seu livro recente “Anatomia de uma Epidemia” você se posiciona contra a ideia de que a doença mental seja causada por qualquer “desequilíbrio químico” no cérebro. Você acredita que isto seja um mito? 

anatomia_de_uma_epidemia_imagem_2Não é uma questão pessoal de acreditar ou não, já que a própria ciência revela que a teoria é um mito. A Psiquiatria sabe disso…A melhor referência sobre o assunto vem de um Psiquiatra, o Dr. Ronald Pies que foi o último Editor Chefe da revista “Psychiatric Times”, basicamente um braço da Associação Americana de Psiquiatria (APA). Ele escreveu: “Na verdade, a ideia de um desequilíbrio químico sempre foi uma espécie de lenda urbana, nunca foi uma teoria seriamente proposta por psiquiatras bem-informados”.

Existem muitos comentários similares a esse, feitos por cientistas que investigaram a fundo a hipótese do desequilíbrio químico e que mostraram que essa hipótese não tem fundamento científico algum. Por isso não se tratar de uma questão pessoal minha sobre ser um mito ou não.

Em 1998 Dr. Elliot Vallenstein, professor de neurociências na Universidade de Michigan, escreveu um livro que se chama “Blaming the Brain” ou “Culpando o cérebro” e nele ele diz: “As evidências coletadas não sustentam nenhuma teoria bioquímica como causadora de doenças mentais”. Mais recentemente, em 2005, Kenneth Kendler, co-editor da revista “Psychological Medicine” disse o seguinte: “Por muito tempo nós procuramos explicações neuroquímicas simples, que pudessem ser tidas como causas das doenças mentais, mas simplesmente não as encontramos. Ou seja, as pessoas que pesquisaram o assunto a fundo concluíram que essa teoria não se respalda, o que também é verdade sobre a teoria de que as pessoas deprimidas também têm baixas taxas de serotonina no cérebro.

3) Algo que chama a atenção tanto no livro quanto nos seu vídeos é que você postula que os efeitos das drogas psiquiátricas são nocivos a médio prazo, tanto no sentido cognitivo quanto também comportamental. Você poderia explicar em que se baseia para fazer essas afirmações?

Todos os estudos de longo prazo com drogas psiquiátricas mostram os mesmos resultados: aqueles que tomam as drogas por períodos mais longos se saem pior do que aqueles que não as tomam. Enquanto isso, os pesquisadores que buscam entender esses resultados ruins acharam uma explicação biológica para isso: no longo prazo, as drogas acabam causando anormalidades ao cérebro, o que é exatamente o oposto do que deveria ser o seu efeito inicial previsto.

Por exemplo, tome os casos dos antidepressivos conhecidos como Inibidores Seletivos de Recaptação de Serotonina (ISRS). Eles bloqueiam a recaptação normal de serotonina na fenda sináptica e portanto, aumentam a atividade serotonérgica. Fomos ensinados que isso resolveria o desequilíbrio químico cerebral, mas os pesquisadores nunca encontraram pessoas com depressão que tivessem baixas taxas de serotonina antes de começarem a tomar os remédios.

Ou seja, as drogas aumentam a atividade serotonérgica, mas o cérebro tem mecanismos de biofeedback, feitos para manter um equilíbrio homeostático (mantendo funcionamento normal dentro da sopa química cerebral). Esses mecanismos agora sinalizam ao cérebro para reduzir a atividade serotonérgica, uma vez que há excesso de serotonina em circulação. Então os neurônios pré-sinápticos começam a reduzir a quantidade produzida de serotonina, e os neurônios pós-sinápticos diminuem a densidade de seus receptores de serotonina de forma a tornar o cérebro menos sensível ao excesso circulante. Resumindo, a droga aumenta a atividade de serotonina e o cérebro aciona o freio exatamente nessa mesma atividade, de forma a manter o equilíbrio.

Veja que ironia: antes de começar a medicação, o paciente deprimido não tinha nenhum problema conhecido com seu sistema serotonérgico, mas agora ele tem! Agora ele tem menos receptores de serotonina do que o normal. Ou seja, o uso constante das drogas criou exatamente o problema que imagina-se causar a depressão. E ao se retirar a medicação, há menos receptores e menos serotonina sendo produzida e portanto a pessoa recai.

Os pesquisadores então chegaram à conclusão de que provavelmente é esse o motivo pelo qual as pessoas não melhoram com os remédios a longo prazo. “As drogas induzem a modificações opostas ao previsto” disse um dos pesquisadores.

4) Será que esse mesmo mecanismo de biofeedback explica porque as pessoas têm tanta dificuldade em deixar as medicações psiquiátricas, em geral?

Claro, é essa a razão pela qual deixar a medicação se torna tão difícil. O seu cérebro se adaptou à presença da droga e quando você tenta retirá-la, o cérebro entra em um estado anormal. Se voltarmos ao exemplo dos Inibidores de Recaptação Seletiva de Serotonina, ao deixar o remédio, você agora está equipado com um sistema serotonérgico que está deficiente, ou até comprometido. E isso provavelmente irá levá-lo a uma recaída quase que imediata, além de possíveis complicações, efeitos colaterais e de abstinência, etc.

Eu devo dizer que esta é uma explicação muito simplista de como sistemas de neurotransmissores cerebrais funcionam. Na realidade, um sistema afeta o outro, e tomar medicação psiquiátrica é como atirar uma chave inglesa dentro desse complexo mecanismo que é o cérebro humano. É por isso que tentar parar a medicação pode ser uma tarefa tão difícil para os pacientes.

5) Na sua opinião essa hipótese do feedback cerebral e da homeostase adaptativa é a mesma para outras drogas psiquiátricas, seja para depressão, ansiedade, hiperatividade, etc?

Sim, eu acredito que isso aconteça com todas as drogas psiquiátricas. Foi isso que Stephen Hyman, um ex-diretor do Instituto Nacional de Doenças Mentais dos Estados Unidos (NIMH), escreveu em 1996 num paperintitulado “A paradigm for understanding psychotropic drugs”. Ele descreve que esse é um processo universal que acontece com todos os tipos de medicação psiquiátrica.

6) Aqui no Brasil também seguimos o mesmo modelo de doença preconizado pelos manuais de Psiquiatria e pela Organização Mundial da Saúde – OMS. Mas se essas políticas claramente não têm dado resultados, porque não há ninguém alertando sobre isso, mundialmente falando?

Bom, essa é uma boa pergunta… Na verdade quem escreve as diretrizes para a OMS? São os próprios psiquiatras contratados para fazerem parte dos painéis de desenvolvimento da OMS e que suportam esse “saber convencionado.” Então é uma teoria suportada pelos seus próprios criadores.

Além disso, os psiquiatras são treinados nas universidades exatamente para aprenderem a medicar. Eles são educados dentro de um espectro profissional que indica drogas específicas, recomendadas para doenças bem definidas do cérebro, desequilíbrios químicos, distúrbios neurobiológicos, entre outros. Ou seja,  a “boa medicina”, como eu falo no livro, é aquela que encontra a causa para uma doença e portanto uma medicação adequada para tratá-la. Foi esse modelo que a psiquiatria abraçou e que buscou no cérebro um culpado para a aparente “causa” das doenças mentais.

7) Como você vê o aumento da medicação também em crianças, especialmente nos casos de TDAH – Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade, cada vez mais comuns atualmente?

Há “evidência” de que as drogas reduzem os sintomas de TDAH – o tamborilar dos dedos, inquietação, desatenção e outros, a curto prazo. Se fôssemos avaliar nesse sentido, as drogas parecem “funcionar” e portanto com a efetiva redução dos sintomas, medicar as crianças se tornou a norma e também a prática recomendada. Mas ninguém está se perguntando se sufocar esses movimentos das crianças nas salas de aula é realmente bom para elas, e claro, ninguém está preocupado com os efeitos a longo prazo.

Como os estudos para aprovação das drogas duram em média seis semanas, a avaliação fica restrita à diminuição dos sintomas de forma bastante imediatista. Mas ninguém está realmente se questionando se as drogas ajudam as crianças a se saírem melhor no longo prazo. O que se sabe é que as drogas funcionam ao serem mensuradas escalas de sintomas, tais como movimentos excessivos das mãos, pernas inquietas, etc. Os pesquisadores sabem que as drogas até pioram o desempenho das crianças a longo prazo, mas ao serem confrontados com esses resultados, eles voltam a sua atenção para os resultados imediatos e com isso, justificam e validam sua utilização. Então as políticas medicamentosas são muito bem recebidas pelo meio médico e social, e as drogas, aprovadas.

8) Seria possível traçar alguma associação entre este movimento medicamentoso e o financiamento para pesquisas exercido pela indústria farmacêutica?

A pressão exercida pela indústria farmacêutica é um dos problemas. O outro problema, ainda maior do que este, é que organizações ditas “independentes” são povoadas por psiquiatras formadores de opinião, que recebem milhares de dólares via pesquisas ou diretamente das próprias companhias farmacêuticas, para promoverem e disseminarem suas novas drogas. Então esses psiquiatras que são tidos como autoridades e líderes em seus segmentos, acabam “financiados” pelas grandes indústrias que se beneficiam em vendas, a partir da recomendação direta ou indireta do médico.

9) Ainda falando de TDAH, você acredita que o uso massivo de equipamentos eletrônicos tais como Iphones e Ipads possa estar contribuindo para esse aumento nos casos diagnosticados da doença em crianças?

Sim, com certeza. Basta perceber que uma criança que cresce tendo o hábito de ler livros terá um comportamento e uma mente diversa da criança que passa horas na frente de computadores, televisão ou jogos eletrônicos. A primeira aprende a manter o foco por longos períodos de tempo enquanto a segunda aprende a ser responsiva a múltiplos estímulos, de curta duração e de forma rápida, aprendendo a estar alerta a novos impulsos a qualquer segundo. Os cérebros dessas “novas” crianças está sendo treinado para ser hiperativo.

10) Você conhece a iniciativa o método de tratamento conhecido por “Open Dialogue” , criado para tratar episódios de psicose na Finlândia? Eles parecem ter algumas das melhores taxas no Mundo inteiro quando se pensa em readaptação dos pacientes, recidivas e sociabilidade a longo prazo. Será que isso poderia ser uma alternativa para tratar também TDAH, depressão, etc?

Eu viajei para Tornio e conheci o Open Dialogue quando estava escrevendo “Anatomia de uma Epidemia”. Enquanto meu maior interesse era pesquisar como eles utilizavam esse processo para tratar pacientes psicóticos, acabei descobrindo que eles usam o mesmo método para tratar pacientes deprimidos e até mesmo crianças que estão tendo dificuldades na escola, o que poderíamos chamar de TDAH.

É muito interessante perceber que eles veem todos os problemas como sendo oriundos de um contexto social, em vez de uma doença que afeta um indivíduo e não outro. Open Dialogue é um método e uma forma de terapia desenvolvidos para ajudar a curar não apenas os indivíduos mas também toda a sociedade que os envolve.

 11) Então qual seria o caminho a seguir, se queremos desenvolver um novo modelo, capaz de tratar as doenças mentais de uma maneira mais humanizada?

Eu acredito que o Open Dialogue promova um modelo. Trata-se de pensar em dificuldades psiquiátricas como consequência de dificuldades de adaptação a um contexto social. Portanto se tentarmos melhorar esse contexto social e também cuidarmos das pessoas para que possam tolerar melhor essa realidade, talvez tenhamos uma boa chance de sucesso.

Nós podemos utilizar drogas como acessórios temporários neste processo, mas entendendo que elas não estão curando nada e, mais do que isso, a longo prazo elas tendem a piorar os resultados daquilo que elas deveriam tratar. Mas sim, é verdade que elas promovem algum alívio a curto prazo e esta é a armadilha paradoxal do que estamos observando acontecer atualmente.

O ponto mais importante é que precisamos enterrar o paradigma atual de tratamento mental, no qual é dito que existem doenças mentais ou desequilíbrios químicos dentro dos cérebros de alguns indivíduos, e que podem ser consertadas de alguma forma por remédios. Esse paradigma é falso e precisamos substituí-lo por um novo, que seja humilde o suficiente para reconhecer que a mente humana é extraordinariamente complexa, que seu modo de funcionamento ainda é misterioso para nós, e que, portanto, fingir que podemos consertá-la apenas com um remédio é de uma extrema arrogância, sem precedentes. As pessoas existem, vivem e se relacionam dentro de um contexto social e ambiental. Elas respondem a essa sociedade e a esse ambiente. As concepções psiquiátricas dos problemas mentais e de seus tratamentos deveriam começar a partir desse entendimento.

Esta entrevista foi originalmente postada em meu blog →

A MORTE DO SEXO

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dhealy

A vocês brasileiros estou escrevendo este blog. Leiam com atenção. Que se integrem à esta iniciativa.

E vejam como cada um pode fazer parte desse movimento internacional.

 

Você pode esfregar a pasta de pimenta em seus órgãos genitais e não sentir isso, se você tiver uma Disfunção Sexual pós-ISRS (PSSD),  Síndrome de Pós Finasterida (PFS) ou  uma Disfunção Sexual Pós Retinoides (PRSD).

Esses problemas podem de repente aparecer na vida de alguém – depois de haver parado o tratamento. Mesmo quando não há mais droga restando ainda em seu corpo.

Algo tão inusitado como isso deveria chamar a atenção de médicos, pesquisadores,  empresas farmacêuticas e políticos. Há demasiado sofrimento humano aqui. Existe aí uma ótima oportunidade para se descobrir coisas importantes sobre o que fazem todas as drogas. Essas descobertas não apenas poderão aliviar o sofrimento, mas também fornecer a base para novos tratamentos para outras condições de saúde.

Todos deveriam estar se perguntando como chegamos a demorar tanto tempo para reconhecer algo tão extraordinário como isto.

Discinesia tardia

Há sessenta anos, quase imediatamente após a descoberta dos antipsicóticos, os primeiros relatos a respeito de uma estranha condição apareceu, a Discinesia Tardia (DT). Assim como com ocorre com PSSD, PFS e PRSD, a DT algumas vezes apenas aparecia depois que a pessoa parava o tratamento. Igualmente era estranho o fato de que poderia persistir por décadas depois, sem exposição ao medicamento provocador.

Em 5 anos, artigos sobre a DT começaram a aparecer em todos os principais periódicos. A maioria das reuniões internacionais que nada tinham a ver com a saúde mental passou a reservar simpósios sobre essa condição – como parte de um esforço concertado para se estabelecer o que poderia estar acontecendo e como tratar tal fenômeno. Embora houvessem respostas desfavoráveis de alguns médicos, por estarem preocupados em chamar a atenção para os perigos de um grupo de drogas consideradas muito úteis, o campo da saúde passou a se engajar com o problema. A FDA criou uma Força Tarefa para ver o que poderia ser feito.

Tal como aconteceu mais tarde, com a epidemia de HIV, quando mais e mais pessoas passaram a se envolver com o problema ao invés de ignorá-lo. Com relação à Discinesia Tardia, conseguimos uma nova geração de drogas, o que, apesar de ter seus próprios problemas, era menos provável que viesse a causar esse problema. As pessoas não pararam de usar antipsicóticos. Provavelmente, o antipsicótico é hoje muito mais usado do que deveria ser. Porém, haver reconhecido o problema ajudou a muitos, incluindo as empresas farmacêuticas, e não parece ter prejudicado a ninguém.

Quarenta Anos Mais tarde

Quarenta anos depois, hoje qualquer pessoa que tome um SSRI, isotretinoína ou finasterida está em uma situação completamente diferente. Levaram cerca de 15 anos do lançamento dos ISRSI e Finasteride, e ainda mais do lançamento de retinoides como o Roaccutane, para haver algum reconhecimento dos problemas.

Para minha vergonha, lembro-me da primeira pessoa que me apresentou este problema, depois de ter estado no citalopram. Ainda a vejo, a cor de seus cabelos, a angústia no rosto e a descrença na minha perplexidade. É o brometo ligado ao citalopram ela perguntou? Uma questão muito razoável – os brometos foram outrora administrados para reprimir os apetites sexuais. Não escrevi sobre o problema quando eu deveria assim ter agido.

Em 2006, os primeiros relatórios apareceram em um periódico obscuro, seguidos de relatórios sobre PFS e PRSD, também em periódicos obscuros.

Nenhuma de nossas principais revistas escolheu algum artigo para abordar esses tópicos. Não houve simpósios em reuniões médicas sobre os problemas. Não foram criadas forças-tarefa.

Isso é extraordinário, na medida em que as pessoas afetadas muitas são jovens e profissionais. Eles não estão trancados em enfermarias dos asilos psiquiátricos dos anos 60. A discinesia tardia (DT) foi um problema terrível, mas esta é uma morte viva. DT afetou milhares, porém isso agora está afetando dezenas de milhares de pessoas.

Disfunção sexual_1

Relacionamentos afetivo-amorosos se desintegram. Centenas, talvez milhares, vão aos médicos e acabam se sentindo desacreditadas ou ridiculizadas. Muitos já se suicidaram.

E, embora essas drogas possam ser úteis, não são tão insubstituíveis quanto eram os antipsicóticos.

Mas ninguém, e menos ainda a medicina, parece ver as oportunidades de que o enfrentamento do problema pode criar linhas de pesquisa e permitir o desenvolvimento de medicamentos – além da necessidade de ajudar as pessoas que necessitam ser ajudadas, mesmo que seja apenas ouvindo com simpatia ao em vez de ridicularizá-las.

O mesmo atraso em reconhecer outros problemas e ajudar pessoas a enfrenta-los atravessa toda a medicina, o que vem piorando. Existem mais de uma centena de drogas que podem desencadear suicídio, homicídio e grandes mudanças comportamentais. Precisamos enfrentar essa crescente cultura de negligência.

Estigma

Um grande problema que inibe o reconhecimento da PSSD, PFS e PRSD tem sido o estigma – um problema que os ativistas da AIDS enfrentaram de frente e superaram.

No início dos anos 1980, poucas pessoas queriam admitir publicamente que eram homossexuais. Quase ninguém queria admitir que tinham uma doença letal que potencialmente poderia ser transmitida aos outros. Mas longe de se esconderem diante disso, as comunidades homossexuais e de AIDS foram para a luta. Elas abraçaram o estigma.

Enquanto escrevo, há uma discussão internacional sobre Harvey Weinstein quando, pela primeira vez em massa, mulheres saíram e deixaram que seus nomes fossem conhecidos, preparadas para viver com a possibilidade de que outros passassem a pensar que foram maculadas. Ao atuar juntas, elas estão conscientizando o público para a necessidade de se encontrar uma solução para um problema – mesmo que os homens sejam, pelo menos por enquanto, como os antipsicóticos da década de 1960, difíceis de serem substituídos.

O mesmo necessita que ocorra para antidepressivos e isotretinoína e finasterida; mas as dificuldades são formidáveis e divididas por gênero.

Em nossa cultura, as mulheres, com medo de serem atacadas por tipos Harry Weinsteins em táxis ou caminhando pela rua durante a noite, muitas vezes ficam agarradas a um telefone celular. A mensagem é que elas estão em contato com os outros e que o valentão ou o estuprador ou o ladrão eles não vão se sair bem. Mas esse sinal de controle aparente grita medo e vulnerabilidade.

Da mesma forma, as mulheres estão dispostas a dizer que estão tomando um ISRI. Em alguns casos, a mensagem para todos que escutam é que elas estão no controle da situação. Isto é o que elas estão fazendo para garantir que elas não se quebrem em lágrimas ou que se tornem histéricas ou que caiam em constrangimento frente ao(s) outro (a)s. Todos podem relaxar.

Para os homens as mensagens são completamente diferentes. Os homens podem se sentir inibidos de usar um telefone celular quando possivelmente deveriam. Eles têm medo de mostrar uma fraqueza ou vulnerabilidade. Eles não querem deixar ninguém saber que eles estão tomando um antidepressivo ,quando eles talvez deveriam ter um bom motivo para fazê-lo. E eles são muito relutantes em falar sobre serem emasculados.

Através de um Vidro Escuro

PSSD e condições relacionadas não são apenas um instantâneo clínico – esta é uma janela e não uma imagem.

Há mais de um século, a teoria das emoções de James-Lange disse que nossas emoções e intuições vêm de nossos corpos. Os cérebros não sentem, eles interpretam.

Essa teoria semi-escandalosa nunca pegou de fato, porque estamos em uma plena era centrada no cérebro. Agora estamos todos como computadores, com os nossos corpos relegados ao papel de veículo que transporta o processador.

Quase todo mundo assume que condições como PSSD, PFS e PRSD devem estar localizadas no cérebro. Mas o divisor de águas mais claro e óbvio sobre tais condições é o entorpecimento genital que essas drogas causam – dentro de 30 minutos após tomar um comprimido, como é o caso de um ISRS. Toda a síndrome clínica pode ser explicada como uma consequência disso. O entorpecimento genital levará à perda de libido e da perda de libido à perda de função.

disfuncao-sexual-feminina-Os ISRSs entorpecem as emoções, assim como entorpecem os genitais. É esta ação que pode ser útil; mas, quando isso vai muito longe, leva a queixas de despersonalização e, por vezes, esses estados podem permanecer presentes após o tratamento psicofarmacológico parar.

Desde a década de 1960, sabemos sobre a despersonalização que nossas drogas podem desencadear, mas ninguém pensou em perguntar sobre sexo. Ainda posso ver a primeira pessoa que me falou na década de 1980 sobre o estado de despersonalização permanente em que ela estava após o tratamento. Engraçado como as pessoas se mantêm se relacionando com o clínico. É constrangedor. Talvez seja essa impotência que me impede de fechar o livro sobre esses casos.

Um Movimento das Pessoas

O Prêmio RxISK oferece um suporte para as pessoas se unirem. Estamos buscando criar um fundo de prêmios de US $ 100.000 para se encontrar uma cura. Mas as pessoas com estas condições já gastaram muito mais do que isso em remédios perigosos e visitas a terapeutas, todos muito felizes em tirar seu dinheiro para sustentar isso – por nada, exceto culpa. Na saúde e ainda mais em saúde mental se o tratamento não funcionar, o paciente é quem é o culpado. Queremos impedir que as pessoas paguem para serem culpadas e que paguem para assumir riscos perigosos.

Essas drogas destrutivas também oferecem oportunidades políticas. Se não podemos depender de médicos ou empresas ou políticos ou mesmo da mídia para a tomada de consciência de questões como esta, teremos que fazer isso por nós próprios.

Cooperar na busca de uma cura pode transformar a Medicina Baseada em Evidências, tendo a regulamentação de drogas com questão de frente. Em vez de se permitir que especialistas e reguladores decidam quando uma cura deve ser encontrada, há oportunidades aqui para aqueles sofredores dessa condição clínica que digam que “somos nós que decidiremos quando o remédio funciona”. Ou que,  “aconselhamos a outras pessoas que estão no mesmo barco que nós ou que podem acabar no mesmo barco que nós, o quanto vale a pena pagar dinheiro por esse tipo de tratamento”.

Se pudermos fazer com que este Prêmio funcione no caso da PSSD, PFS e PRSD, poderemos fazê-lo funcionar para outros problemas com tantos outros medicamentos. No momento, estamos nas mãos de seguradoras e do sistema de assistência para tratamentos para nós, e eles fazem negócios atrás de nossas costas, com empresas farmacêuticas e políticos e outros atores sociais. Podemos transformar isso e exigir transparência, para que todos que iniciem um tratamento vejam a base de evidências por trás do que lhes é pedido, bem como o verdadeiro custo de fornecer esse tratamento.

Engajamento

Tanto homens quanto mulheres têm AID, gays e heterossexuais, em países desenvolvidos e em desenvolvimento. Eles encontraram uma plataforma em comum e venceram. É momento de se vencer de novo. A medicina não construirá uma plataforma de luta com relação ao PSSD, PFS e PRSD, como foi outrora com a Discinesia Tardia. Os brasileiros tiveram um papel de destaque na história do HIV – e vocês têm um papel igualmente importante agora. Saibam disso!

Nós necessitamos de pesquisadores em farmacologia, medicina, engenharia, analistas de sistema e de outros grupos que pensem em trabalhar por essa causa. Precisamos de ativistas e políticos e talvez adolescentes, qualquer um que possa fazer a diferença, ao se envolverem com isso.

Mas, acima de tudo, precisamos de uma nova compaixão para com os afetados – uma compaixão que escute e ajude a se ajuntarem em uma comunidade que posa garantir uma mútua ajuda. E para isso, precisamos chamar os afortunados que até agora foram poupados e perguntar-lhes o que eles querem para seus parceiros ou filhos ou netos, se algum médico ou companhia farmacêutica enviar o infortúnio em seu caminho.

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Para mais informações a respeito da Disfunção Sexual Pós-Antidepressivos, há a publicação traduzida para o português e já postada no Mad in Brasil, basta você clicar aqui.

Para mais informações propriamente ditas sobre o nosso Prêmio RxISK e como se engajar na campanha, clique aqui.

E conto com o Mad in Brasil para ajudar que vocês acompanhem a nossa Campanha. Futuras publicações estarão aí postadas. E não se esqueçam, a nossa página do RxISK é destinada a como “garantir que os remédios sejam seguros para todos nós”. Na página do RxISK você poderá acompanhar sistematicamente toda a dinâmica desta Campanha.

DAVID HEALY

Comprimidos para a Dor da Vida: os Antidepressivos

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Publicado em 2013, no Jornal El País: O uso de psicofámarcos, de maneira especial, antidepresivos, disparou em toda a Europa. Na Espanha e Reino Unido, dobraram nos últimos dez anos. Algumas causas apontadas por especialistas para esse crescimento excessivo é a extensão do diagnóstico daquilo que se considera depressão, a medicalização do sofrimento cotidiano e a indicação desses fármacos para outras patologias (transtornos endócrinos e fibromialgia, por exemplo). O problema não se resume ao uso de antidepressivos, exemplo disso é que,  no mesmo ritmo estão crescendo o uso de ansiolíticos e dos medicamentos hipnóticos e sedativos.

O psiquiatra Alberto Ortiz Lobo acredita estejam sendo patologizadas emoções normais, sob o rótulo de ‘depressão’. Pelo fato de nos anos 90 a indústria farmacêutica e algumas sociedades médicas terem feito programas específicos e campanhas de difusão para detecção da depressão. Segundo o psiquiatra, agora detrás dessa construção da ‘depressão’, mete-se na categoria de diagnóstico qualquer sintomatologia de tristeza ou desânimo.

Várias pesquisas científicas nos últimos anos analisaram a eficácia e o benefício dos antidepressivos no combate a sintomas leves ou moderados da depressão. Todos chegaram a conclusões similares, a eficácia do medicamento é muito limitada. Inclusive é interessante ressaltar um dos resultados, publicados na Revista Plos Medical, que concluiu que os antidepressivos tinham a mesma eficácia que placebo.

A Associação Espanhola de Neuropsiquiatria (AEN) reconhece esse excesso de diagnósticos e receitas de medicamentos para o sofrimento cotidiano.

Para saber mais sobre o assunto, leia a matéria na integra →

Inspeção em comunidades terapêuticas encontra internações à força e instalações precárias

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O Globo

Publicado em O Globo: O Ministério Público Federal (MPF), o Conselho Federal de Psicologia (CFP) e Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura (MNPCT) deflagraram nesta semana uma investigação em 31 Comunidades Terapêuticas que recebem dependentes de drogas e álcool para recuperação. Dentre os problemas que foram encontrados nas entidades espalhadas por dez estados e Distrito Federal estão internações forçadas e indocumentadas, instalações precárias e péssimas condições de higiene, suspeita de trabalhos forçados e até indícios de sequestro e cárcere privado com a anuência da família.

Leia a matéria completa aqui →

Conhecimento de Estados Mentais e do Comportamento: Insights de Heidegger e Outros

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jmoncrieff-150x150Este é o terceiro de uma série de blogs apresentando uma análise filosófica do sistema moderno de saúde mental.

 

Wittgenstein esclarece que os estados mentais não são processos cerebrais privados ou universalmente idênticos ou eventos mentais. São padrões socialmente significativos e reconhecíveis de comportamentos característicos dos seres humanos. Nunca podemos entender ou conhecer esses estados olhando no cérebro ou construindo modelos ou teorias sobre quais estados mentais particulares consistem e como se relacionam um com o outro. Os estados mentais são propriedades de pessoas vivas em ‘formas de vida’ humanas, expressadas em atividades que são intencionais, interativas e cujo significado é inextrincável do seu contexto social. Não são entidades abstratas, independentes do contexto, como funções matemáticas ou elementos o são.

Muitos pensadores têm argumentado que essas propriedades significam que os estados mentais e a atividade humana não são susceptíveis aos métodos da ciência natural. O método científico, como se desenvolveu em física, química e biologia, é baseado na previsibilidade do mundo material, o que nos permite olhar para uma determinada situação e determinar suas ‘causas, olhar para adiante de um conjunto de circunstâncias e prever o que irá ocorrer.

O comportamento humano é inerentemente imprevisível, no entanto; e por isso argumenta-se que a compreensão é logicamente diferente da nossa compreensão do mundo material. [1] O comportamento humano não é causado da mesma forma que os eventos naturais, estes sim podem ser ditos como sendo causados. As pessoas fazem escolhas e fazem as coisas por razões. Essas escolhas são influenciadas e restritas, mas não determinadas, pelas circunstâncias da vida de uma pessoa, que incluem toda a história da sociedade humana que, ao longo dos séculos, estabeleceu as formas em que entendemos e respondemos aos fenômenos do mundo, incluindo cada outro. [2]. Mas a história – tanto pessoal como social – não é um evento ou entidade externa. Nossa história faz parte de quem somos e de quem nos tornamos. Faz parte da nossa individualidade. Não podemos distinguir nossa história das nossas ações, da maneira que podemos isolar causas das consequências nos sistemas físicos ou mecânicos.

A ideia de que os métodos da ciência natural possam ser transferidos para o estudo da atividade humana é comumente referida como ‘positivismo’, e os filósofos têm desafiado essa suposição desde o século XIX. Pensadores alemães, como Wilhelm Dilthey, seguindo as ideias de Hegel sobre a evolução cultural e social do pensamento humano, argumentaram que os aspectos distintivos da atividade humana exigem um tipo diferente de abordagem. Dilthey contrastou o tipo de conhecimento que é produzido pela ciência natural, que é pela explicação causal (Erklaren), da interpretação do sentido ou o entendimento, que é apropriada para o estudo do mundo humano (Verstehen).[3]

Ser e TempoSucessor intelectual de Dilthey, a mais famosa obra de Martin Heidegger é particularmente útil aqui. Em Ser e Tempo [4] Heidegger descreve como nossa atividade ordinária e cotidiana sempre envolve um certo tipo de ‘conhecimento’, que consiste em uma familiaridade com o ambiente que está ‘disponível’ para fins humanos. Consiste portanto em identificar e usar objetos relevantes e úteis para nós, como são as ferramentas e as roupas. Também envolve saber como se comportar em situações sociais, o que, por sua vez, envolve a compreensão das regras ou convenções que governam o comportamento em uma determinada sociedade. Heidegger referiu-se a esse tipo de conhecimento como ‘saber como’ (saber usar ou fazer algo) e o contrastou com o tipo de conhecimento que obtemos com uma análise científica objetiva do mundo, conhecida como ‘saber disso’ (saber a verdade de proposições ou ‘fatos’, às vezes referida como ‘conhecimento proposicional’).

Para Heidegger, a abordagem científica é uma atitude particular e incomum com relação ao mundo, na medida que é projetada para estudar o mundo ‘ocorrido’, enquanto o que existe isoladamente da atividade humana [5]. Envolve sair dele, ou se distanciar dele, estar além do nosso íntimo engajamento com o mundo ‘disponível’, para assim estudar objetos isoladamente do habitual contexto humanamente significativo em que estão incorporados. Somente quando despojamos um objeto de seu significado humano é que podemos investigar suas propriedades universais. Somente quando vemos um prego como um pedaço de ferro, por exemplo, podemos aprender como o ferro, em geral, funciona. A análise científica envolve a procura de propriedades universais que sejam independentes das situações particulares nas quais um objeto pode ser encontrado.

Heidegger enfatizou a prioridade do nosso familiar “saber como” em nosso engajamento com o mundo, que constitui o fundamento sobre o qual outros tipos de conhecimento são construídos. Ele não negou a utilidade e a validade da ciência natural para obter conhecimento e domínio sobre o mundo que nos rodeia. No entanto, para Heidegger, o método científico não pode ser aplicado de forma significativa ao estudo do mundo humano. O conhecimento dos seres humanos e de suas atividades é sempre uma forma de “saber como”. O comportamento humano não pode ser extraído do mundo familiar com seu significado humano nele imbuído e todas as suas convenções implícitas. Se queremos estudar técnicas de ensino, por exemplo, nós dependemos dos entendimentos convencionais sobre o que consiste o ensino e o que termos tais como aprendizado, teste e resultados alcançados, significam em uma cultura e configuração particulares. Ao contrário das ciências naturais, não podemos identificar ou desenvolver princípios que sejam independentes das atividades historicamente específicas que queremos estudar.

Pense também em ‘depressão’ ou tristeza descrita no meu blog anterior! A depressão não é uma coisa abstrata que pode ser medida e estudada independentemente das pessoas reais e individuais que a experimentam e do mundo social em que habitam. Você simplesmente não pode separar a ‘depressão’ de outros elementos da vida humana da maneira que é necessária para se identificar princípios universais e se obter conhecimento objetivo e conhecimento científico sobre isso.

Podemos fazer um julgamento de que alguém que não deixou sua cama ou que falou por semanas necessita de mais ajuda do que alguém que chora muito mas que continua a seguir sua vida diária, não obstante isso não é o mesmo tipo de comparação daquela entre a força de diferentes materiais ou de leituras da pressão arterial.

Tendo dito tudo isso, penso que existem algumas circunstâncias em que precisamos medir aspectos do comportamento humano de maneira “positivista“. Quando modificamos a forma como o corpo funciona através do uso de drogas ou outros meios, é melhor avaliar se obtemos o resultado pretendido.

Se recomendarmos medicamentos “antipsicóticos”, por exemplo, bem como a compreensão das alterações subjetivas e comportamentais que eles produzem, podemos querer saber se  reduzem as manifestações de psicose, se melhoram o comportamento perturbado ou o comportamento agressivo, e qual o tipo de impacto que têm sobre a qualidade de vida das pessoas, suas experiência e seu funcionamento. Da mesma forma, se reduzirmos ou tiramos as pessoas de tais produtos químicos (como o teste de Radar está visando fazer), precisamos saber como essas áreas serão afetadas. Para fazer isso, precisamos medir essas coisas de alguma forma, imperfeito como esse processo será inevitavelmente.

Não devemos esquecer, no entanto, que o propósito de qualquer intervenção que seja dada para modificar o comportamento, assim como de outras intervenções sociais (métodos de ensino, medidas de segurança rodoviária), é político, não é científico. Descobrir a melhor maneira de viver juntos é do campo da política. A ciência pode ajudar a descobrir como alcançar o que queremos alcançar, se houver diferentes opções com valor moral ou político igual, mas não pode determinar o valor que colocamos em algo.

Por conseguinte, a aplicação dos métodos da ciência natural à atividade humana às vezes é necessária, mas não pode ilustrar-nos sobre a natureza dessa atividade ou os motivos que a motivam e a sustentam. Em vez disso, as ideias devem vir das experiências próprias e da dos outros, e dos exemplos que encontramos na mídia, na literatura e em outros lugares. O aluno de Wittgenstein, Maurice O’Connor Drury (que se tornou psiquiatra), sugeriu que o conhecimento psicológico não vem de experiências psicológicas, mas da literatura, da arte e da música. São as artes que iluminam os dilemas e os desafios da vida humana. [6] Na mesma linha, Thomas Szasz recomendou, uma vez, a história curta Enfermaria 6, de Chekhov, como uma dos contas mais iluminantes sobre a natureza da loucura e as circunstâncias que podem gerá-la. [7]

Notas de rodapé:

  1. An idea expressed most clearly by Peter Winch, who applied Wittgenstein’s ideas to the study of social science. Winch, P. 2008. The Idea of a Social Science and its Relation to Philosophy, Routledge Classics edition ed. London, Routledge.
  2. As Marx famously said: ‘Men make their own history, but they do not make it as they please; they do not make it under self-selected circumstances, but under circumstances existing already, given and transmitted from the past’ Marx, K. 1852. The Eighteenth Brumaire of Louis Napoleon New York, Die Revolution.
  3. Dilthey, W. 2010. Dilthey: Selected Writings Cambridge, Cambridge University Press.
  4.  Heidegger, M. 1962. Being and Time New York, Harper & Row.
  5. American philosopher Hubert Dreyfus has written one of the most accessible commentaries on Being and TimeDreyfus, H.L. 1991. Being-in-the-World. A Commentary on Heidegger’s Being and Time, Division I. Cambridge, MA, MIT Press. Heidegger devises a whole new vocabulary to convey his ideas, which is translated in varying ways. Dreyfus translates Heidegger’s terms Zuhandenheit as ‘availableness’ and Vorhandenheit as ‘occurrentness’. Most translators use the more literal translations of being ‘ready at hand’ and ‘present at hand’.
  6.  Drury, M.O. 1973. The Danger of Words London, Routledge and Kegan Paul.
  7.  Chekhov, A. 1999. The Essential Tales of Chekhov London, Granta Books.

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