Mais de 1.000 usuários de Antidepressivos Descrevem Como a Sua Vida Pessoal foi Afetada

Pesquisa examina os efeitos pessoais e interpessoais adversos dos antidepressivos e o impacto da polimedicação

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Zenobia

Nova pesquisa, publicada em Psychiatry Research, apresenta relatos pessoais de usuários de antidepressivos e suas experiências com efeitos colaterais negativos – relacionados ao sexo, trabalho, socialização e saúde física. John Read e uma equipe de pesquisadores do Reino Unido exploraram o consentimento informado e o impacto das drogas psiquiátricas.

“Esta pesquisa, a segunda maior feita até hoje, confirma que os efeitos colaterais são muito comuns ao se tomar antidepressivos”.

Antidepressivos_1000 usuários

As elevadas taxas de prescrição de antidepressivos continuam a subir. Na Inglaterra, as prescrições duplicaram desde 2005. Da mesma forma, o uso de antidepressivos dobrou na Austrália entre 2000 e 2014, tornando-se a medicação mais comumente usada diariamente por 1 em cada 10 australianos. Em 2005, os antidepressivos eram a droga mais amplamente prescrita nos Estados Unidos e, até 2012, 1 em cada 8 adultos tinham incorporado o seu uso em sua rotina diária.

A eficácia dos antidepressivos para depressão, quando testada em estudos não-industrias e com a metodologia do duplo cego, não é diferente do placebo. Os autores citam evidências meta-analíticas que demonstram que “o efeito geral dos medicamentos antidepressivos de nova geração está abaixo dos critérios recomendados para significância clínica”.

Os pesquisadores afirmam que os custos nocivos do consumo de antidepressivos superam os seus potenciais benefícios, os quais demonstraram ser potencialmente maiores que os efeitos placebo apenas em indivíduos que apresentam sinais de depressão muito grave.

Os sintomas negativos que são os mais comumente relatados pelos usuários de antidepressivos incluem náuseas, dores de cabeça, boca seca, insônia, sonolência, diarreia, tonturas e constipação. Outros achados de estudos controlados com placebo também se concentraram em sintomas relacionados com os próprios medicamentos. Embora reconheçam o significado dessas descobertas, os autores deste estudo procuraram expandir a pesquisa existente para examinar como os antidepressivos impactam negativamente as pessoas em termos de suas vidas pessoais e interpessoais.

Atualmente, a pesquisa que abarca o maior conjunto de dados sobre o uso de antidepressivos e seus efeitos negativos na vida pessoal identifica experiências de dificuldades sexuais, dormência emocional, perda da sensibilidade para com os seus próprios sentimentos, agitação, redução de sentimentos positivos, suicídio e desinteresse com o cuidado para com os outros. Muito poucos estudos até hoje investigaram como os que prescrevem tais drogas tratam de informar os pacientes sobre os efeitos adversos e quase nenhum deles examinou os efeitos da combinação de outros medicamentos psiquiátricos com antidepressivos.

Read e seus colegas investigaram mais de 1.000 usuários de antidepressivos no Reino Unido sobre suas experiências de sintomas interpessoais e aqueles relacionados com a vida pessoal cotidiana. Para abordar as lacunas na literatura, eles também questionaram até que ponto os participantes foram informados sobre os efeitos negativos e também se estavam tomando simultaneamente outras drogas psiquiátricas. A pesquisa on-line foi projetada e divulgada pela Mind, uma instituição de caridade que atua no campo da saúde mental na Inglaterra e no País de Gales.

A maioria dos participantes que tomaram apenas antidepressivos (85,9% de 484) relataram efeitos colaterais do uso de antidepressivos. Dos efeitos relatados, os sintomas adversos relacionados à vida sexual (43,7), trabalho ou estudo (27%), saúde física (26,8%) e vida social (23,5%) foram os mais comumente endossados, seguidos por efeitos negativos em seus relacionamentos próximos (20,9%) e no grau de independência (10,5%). Foram incluídos comentários adicionais dos participantes sobre suas experiências com antidepressivos:

“Eu odeio isso. Isso me deixa emocionalmente embotado – por exemplo, eu tive que parar de toma-los depois de um recente falecimento na família, para garantir que eu pudesse chorar no funeral “.

“As drogas me deixam totalmente desconectada de tudo e sem vida”.

“Eu acho que está causando fadiga, entre outras coisas, então eu tive que deixar minhas horas no trabalho de tempo integral reduzindo para 3 dias por semana”.

“Isso afetou minha relação sexual com o meu parceiro, pois não desejava fazer sexo, e ainda sinto os efeitos disso agora, pois ele passou a ficar nervoso e a me perguntar por que eu há tanto tempo não estava interessada “.

“É muito difícil separar os efeitos dos medicamentos e os efeitos da doença”.

Os restantes 524 participantes relataram tomar antidepressivos junto com tranquilizantes ou pílulas para dormir, antipsicóticos e / ou estabilizadores do humor. Isso indica que pouco mais da metade dos 1.008 entrevistados estavam tomando dois ou mais medicamentos psiquiátricos. Além disso, quanto mais medicamentos forem os usados, mais graves serão os efeitos colaterais relatados.

“Apesar do seu aumento rápido, a polimedicação não pode ser descrita como uma abordagem baseada em evidências”, observa os autores, sublinhando que quase nenhum estudo examinou o impacto da polimedicação, muito menos as evidências encontradas para apoiá-la.

Aproximadamente 48% dos participantes que tomaram antidepressivos indicaram que receberam suficientes informações sobre a medicação, enquanto cerca de 40% relataram que não. A porcentagem restante dos respondentes observou que eles não tinham certeza ou não conseguiam se lembrar. Curiosamente, os homens (53,5%) foram significativamente mais propensos a informar que receberam informações suficientes do que as mulheres (46,8%). A idade esteve positivamente relacionada com a não obtenção de informações adequadas, de modo que os mais velhos se sentiam menos informados com relação aos sintomas adversos.

Com respeito ao consentimento informal, os comentários adicionais dos participantes foram os seguintes:

“Na realidade, os psiquiatras se recusam a responder perguntas, bem como a aceitar ou a discutir os efeitos colaterais”.

“Os efeitos colaterais não foram muito bem explicados pelo clínico na atenção primária. A anorgasmia (a incapacidade de chegar ao orgasmo) é um efeito colateral particularmente ruim “.

“Gostaria de ter ouvido mais sobre os efeitos colaterais … Eu tive que descobrir muitas informações quando me encontrava em um estado difícil e ansioso”.

“Não me disseram todos os efeitos colaterais; na verdade, quando eu os investiguei e depois disse à minha médica, ela admitiu que não tinha ideia de que a prescrição poderia afetar-me da maneira que me estava afetando “.

De um modo geral, os resultados desta pesquisa assinalam o quão é extremamente comum experimentar sintomas negativos ao tomar medicamentos antidepressivos, particularmente aqueles sintomas relacionados ao funcionamento pessoal e interpessoal.

“Ao reduzir a depressão, as drogas também podem estar reduzindo todos os sentimentos e, assim, substituindo os sentimentos dolorosos por um forte vazio emocional, tanto em termos pessoais quanto, como consequência, em termos interpessoais.”

Curiosamente, 85% dos participantes disseram que para eles os medicamentos antidepressivos estavam sendo pelo menos ” suficientemente eficazes”. Os autores oferecem o seguinte contexto para entender esse achado da investigação:

“Muitas pessoas sentem-se menos deprimidas ao tomar ADs [antidepressivos], mas parece que isto é principalmente por causa da expectativa criada pelos processos envolvidos na prescrição e no tratamento das pílulas, e não pelos produtos químicos nele contidos”.

Eles acrescentam que, no maior estudo realizado sobre sintomas pessoais negativos relacionados ao antidepressivo, “um dos maiores preditores de eficácia percebida foi a qualidade da relação entre quem prescreve e o paciente”.

Finalmente, os achados ressaltam a importância do consentimento informado, explorando sintomas além do domínio biomédico e desencorajando as taxas crescentes de polimedicação promovidas por psiquiatras.

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Read, J., Gee, A., Diggle, J., & Butler, H. (2017). The interpersonal adverse effects reported by 1,008 users of antidepressants; and the incremental impact of polypharmacy. Psychiatry Research. http://dx.doi.org/10.1016/j.psychres.2017.07.003 (Link)