A Atenção Básica Tem Medo da Esquizofrenia

Profissionais da Atenção Básica manifestam preconceitos, medo e desconhecimentos sobre a esquizofrenia, limitando o atendimento e cuidado em saúde mental aos serviços especializados.

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O artigo Por trás da máscara da loucura: cenários e desafios da assistência à pessoa com esquizofrenia no âmbito da Atenção Básica, publicado na revista Fractal, analisa os cenários e os desafios no atendimento de pessoas diagnosticadas com esquizofrenia na Atenção Básica.

A pesquisa exploratória e descritiva foi realizada no município de Pau dos Ferros, Rio Grande do Norte, junto aos médicos e enfermeiros que atuam no Estratégia Saúde da Família (ESF), pelo fato de serem os profissionais que estão em contato direto com a população. Foram selecionados cinco enfermeiros e cinco médicos entre oito Unidades Básicas de Saúde. O roteiro que orientou a entrevista foi formado por questões que consideravam as concepções sobre esquizofrenia e seus efeitos, as políticas públicas de saúde mental e o papel da ESF na promoção da saúde mental. Após as entrevistas, foi realizada a análise de conteúdo através da análise e categorização das respostas obtidas nas entrevistas e, assim, avaliou-se a presença de semelhanças e diferenças nos discursos registrados.

A partir da análise das falas, foram gerados quatro categorias temáticas de discussão: Conceituações dos profissionais acerca da esquizofrenia; Assistências às pessoas com esquizofrenia na Atenção Básica – da ideal à real; Entraves para a assistência em saúde à pessoa com esquizofrenia; Possibilidades para a melhoria do trabalho em saúde mental.

Na categoria conceituações dos profissionais acerca da esquizofrenia, o primeiro conceito que surgiu foi “doença incapacitante”,  com sequelas psíquicas e do convívio social. Os profissionais da Atenção Básica manifestam medo de lidar com usuários considerados esquizofrênicos. O segundo conceito que emergiu foi o de “doença que altera o comportamento humano”, nas falas estiveram presentes o desconhecimento ou uma definição reducionista sobre as causas e sintomas do transtorno. Por último, o terceiro conceito é que a esquizofrenia exige diagnóstico e tratamento adequado.

“[…] Eu tenho medo de esquizofrênico! […] Já tive a oportunidade de trabalhar, de fazer visitas a pacientes esquizofrênicos e eu tinha muito medo, sempre ficava na retaguarda porque eu nunca sabia qual reação ele teria. Infelizmente é isso que eu penso.” (profissional de saúde F)

Outra categoria, a de assistência à pessoa com esquizofrenia na Atenção Básica – da ideal à real, o primeiro item identificado pelos profissionais foi o atendimento multiprofissional, mas observar -se uma transferência de responsabilidade do profissional de saúde básica para profissionais de serviços especializados, como o CAPS ou o Núcleo de Apoio à Saúde da Família, que conta com psiquiatras e psicólogos. Outro item destacado foi a ênfase na terapêutica medicamentosa, dessa forma os profissionais reforçam o modelo biomédico da contenção farmacológica dos sintomas. O último item, foi o papel central da família na adesão e manutenção do tratamento.

“[…] trabalhar a família de modo que permita que esse pessoal esteja realmente fazendo uso do medicamento.” (profissional de saúde G)

” O que é feito no PSF não é nem  acompanhamento da medicação, mas talvez a troca de receitas para que o paciente ele tenha acesso a sua medicação.” (profissional de saúde H)

Já na categoria entraves para assistência em saúde à pessoa com esquizofrenia, três aspectos aparecem nos depoimentos:  a falta de envolvimento e participação da família no tratamento, a ausência de ações e atividades voltadas às pessoas com esquizofrenia e a dificuldade de articulação entre a Atenção Básica e os serviços especializados.

“[…] A família é omissa! A comunidade é rotulante! Para a comunidade  todo mundo é doido e não esquizofrênico! […] A família é omissa tanto no cuidado como na socialização do problema […] (Profissional de saúde F)

Por último, a categoria possibilidades para melhoria do trabalho em saúde mental, a primeira estratégia mencionada foi o fortalecimento do processo de educação permanente dos profissionais para melhorar a qualidade da assistência, enquanto a segunda estratégica citada concerne a participação da família no tratamento. Os participantes da pesquisa também identificam outros instrumentos de intervenção que poderiam ser fortalecidos como a visita domiciliar, que parece ser a única alternativa que estimula o trabalho com a esquizofrenia.

“[…] É muito complicado porque ninguém se aproxima dessa pessoa e ela não vai ter u cuidado e assim ela vai sentir rejeitada e não vai buscar esse cuidado. Vai se sentir doido realmente! Numa crise ele vai para um hospital psiquiátrico de onde ele volta pior do que ele foi, que geralmente é isso que acontece. Então esse é o fator complicador. A comunidade rotula e a família esconde o caso dentro de casa […].” (Profissional de saúde F)

Os autores consideram a partir do estudo, que a assistência às pessoas consideradas esquizofrênicas na atenção básica não identifica as maiores necessidades dessa clientela, se distanciando do princípio da integralidade. Mostrou-se um trabalho totalmente dependente do que é desempenhado no CAPS, no setor hospitalar psiquiátrico e no setor privado, apresentando baixa autonomia nas intervenções. Algumas soluções propostas seriam a qualificação permanente dos profissionais da atenção básica, efetivação de um sistema de referência e contrarreferência entre atenção básica e serviço especializado, a efetivação das políticas públicas em saúde mental, promoção de recursos por parte da iniciativa pública para desenvolver para desenvolver estas ações e a diversificação dos instrumentos de intervenção que ampliem as ações para a comunidade.

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SILVA, Ailton Pereira da et al . “Por trás da máscara da loucura”: cenários e desafios da assistência à pessoa com esquizofrenia no âmbito da Atenção Básica. Fractal, Rev. Psicol.,  Rio de Janeiro ,  v. 31, n. 1, p. 2-10,  abr.  2019 .   Disponível em <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1984-02922019000100002&lng=pt&nrm=iso>. acessos em  03  jul.  2019.  http://dx.doi.org/10.22409/1984-0292/v31i1/5517.