Ayahuasca, Antidepressivo Natural?

Um estudo com saguis induzidos a comportamentos depressivos, tenta demonstrar os efeitos da ayahuasca como antidepressivo natural.

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Pesquisadores da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia Translacional em Medicina (INCT-RN) e Instituto do Cérebro e USP – Ribeirão Preto, organizaram uma pesquisa sobre os efeitos da ayahuasca sobre a depressão, intitulado Acute effects of ayahuasca in a juvenile non-human primate model of depression (Efeitos agudos da ayahuasca em um modelo juvenil de primatas não humanos para a depressão), publicado pela Revista Brasileira de Psiquiatria.

O artigo considera que a depressão maior é caracterizada por humor depressivo, anedonia, alterações de peso, desordens do sono e alterações psicomotoras. Os antidepressivos só causam alívio nos sintomas em apenas 40% dos pacientes, depois de diversos tratamentos; além disso, demoram cerca de 2 semanas para começar a fazer algum efeito.

A ayahuasca é um cozimento de uma combinação entre duas plantas da Floresta Amazôniza: Psychotria viridis e Banisteriopsis caapi. Estudos recentes sugerem que a ayahuasca não causa tolerância e não é aditiva. De fato, benefícios positivos tem sido achados em indivíduos que regularmente usam a ayahuasca em contextos religiosos. Além do mais, seus efeitos antidepressivos foram explorados em um recente ensaio controlado randomizado, mostrando um rápido início de efeitos antidepressivos em pacientes resistentes ao tratamento da depressão.

A pesquisa foi realizada com jovens saguis, respeitando a variedade genética, havendo sido escolhidos oito machos e sete fêmeas. A depressão foi induzida através de isolamento social, os animais foram removidos de seus grupos familiares e colocados de maneira isolada em recintos menores, apresentando contato auditivo e olfativo, mas sem contato visual com outros da sua espécie.

Os animais receberam a mesma dieta, duas vezes ao dia. A dieta incluiu frutas da estação, assim como batatas e proteínas. Duas vezes na semana, um suplemento multivitamínico era diluído na alimentação dos saguis. Os animais foram pesados todos os 15 dias, para monitorar sua saúde.

Enquanto os saguis estavam com suas famílias, seu comportamento e seu cortisol fecal foram monitorados em dias alternados. Depois se seguiram oito semanas de isolamento social, foram novamente monitorados na primeira e na última semana. Consequentemente, cinco machos e quatro fêmeas foram selecionados para participar da pesquisa. O grupo recebeu na primeira semana um placebo, seguido pela avaliação do comportamento e do cortisol fecal. Depois de uma semana, os animais receberam uma dose de ayauhasca, seguido novamente por monitoramento comportamental e amostra fecal.

Depois de oito semanas de isolamento social, os saguis demonstraram aumento de comportamentos auto -dirigidos, tais como coçar e catação, comum durante estresse psicossocial. Também foram observados redução do comportamento alimentar, aumento de sonolência e anedonia (inferido através da diminuição do consumo de sacarose). Os machos também apresentaram perda de peso e aumento dos marcadores de odores, considerados comportamentos de ansiedade, quando ocorridos sem um interesse específico. Esses comportamentos são considerados depressivos em primatas não-humanos.

Depois do tratamento apenas com o placebo, não foram observadas mudanças de comportamento ou de peso corporal. Já com uma única dose de ayahuasca notou-se melhora em alguns dos comportamentos depressivos, principalmente nos machos. Nesse caso, houve uma significativa redução do coçar e aumento das taxas de alimentação com recuperação do peso corporal, indicando um efeito positivo. O cortisol também sofreu aumento, diferentemente de alguns antidepressivos, já que estes apresentam como um de seus efeitos colaterais o desenvolvimento de anorexia, diminuindo a sua tolerância ao medicamento. Os níveis de cortisol observados com o isolamento começou a diminuir 24 horas depois da dose de ayahuasca, assim como a regulação homeostática que foi relativamente rápida. Um estudo anterior com o antidepressivo nortriptilina apresentou uma diminuição de níveis de cortisol apenas depois de uma semana.

A pesquisa é relevante ao trazer a possibilidade de um antidepressivo natural, já utilizado pelos povos indígenas brasileiros milenarmente em rituais religiosos. Ao mesmo tempo em que a ayahuasca não demonstra apresentar risco de dependência ou grandes efeitos colaterais, ao contrário dos antidepressivos sintéticos cujos fortes efeitos colaterais são amplamente reconhecidos, assim como o risco de dependência. .

No entanto, é necessário esclarecer que a pesquisa também apresenta vulnerabilidades. Primeiramente, a pesquisa foi realizada de maneira artificial, induzindo os saguis a apresentarem comportamentos considerados depressivos, através do isolamento social. Nesse sentido, sabemos que a depressão não se resume a apresentar comportamentos considerados disfuncionais, mas é um sofrimento multifacetado, que pode se expressar através de certos comportamentos. Pessoas que acabaram de perder um ente querido apresentam os mesmo sintomas da pessoa diagnosticada com depressão, ainda que não recebam o diagnóstico (ou pelo menos não deveriam!) de depressão, porque na verdade estão passando pelo luto. Os saguis passaram por isolamento social, o que gerou o sentimento de tristeza, o que muito provavelmente aconteceria também com um ser humano isolado, já que somos seres sociais. Porém, sabemos que pessoas com sintomas de depressão, não necessariamente estão apenas isoladas socialmente, ou então a solução seria simplesmente reintegrar a pessoa a um grupo no qual possa travar relações.

Provavelmente isto está claro para os pesquisadores (mas não necessariamente para quem lê a pesquisa), então podemos considerar que os pesquisadores desejavam apenas perceber a ação química da ayahuasca nos comportamentos presentes com a depressão (que também aparecem no luto, na tristeza, etc.). Sendo assim, podemos perceber melhorias no comportamento dos saguis, ainda sim, é necessário manter o olhar sobre a pesquisa como um recorte, um olhar lançado apenas ao fator químico e comportamental, enquanto que a depressão é de natureza fortemente psicossocial. Assim como poderíamos fazer esses saguis se “sentirem bem” através de efeitos químicos, também seria possível, simplesmente, serem reintegrados na sua colônia. Como consequência, poderíamos dizer que a inserção social é importante para não adquirir comportamentos considerados depressivos?

Novamente, pode ser muito útil no tratamento da depressão um auxiliar para os momentos mais críticos, juntamente com outros elementos psicossociais, como terapia, rede de apoio, atividades físicas, etc. Mas devemos tomar cuidado para que a ayahuasca não venha a ser apropriada pela indústria farmacêutica e objeto de seu lucro.

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DA SILVA, Flávia S. et al . Acute effects of ayahuasca in a juvenile non-human primate model of depression. Braz. J. Psychiatry,  São Paulo ,  v. 41, n. 4, p. 280-288,  Aug.  2019. (Link)

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Graduada em Psicologia pela UERJ, especialista em Terapia Familiar pelo IPUB/UFRJ, com ênfase em saúde mental. Pesquisadora auxiliar do Centro de Estudos Estratégicos da Fiocruz Antonio Ivo de Carvalho (CEE/Fiocruz) e Laboratório de Estudos e Pesquisas em Saúde Mental e Atenção Psicossocial(LAPS/ENSP/Fiocruz) Produtora e apresentadora do podcast Enloucast. Além de atuar como psicóloga clínica. Áreas de interesse: Saúde Mental, Terapia Sistêmica, Diálogo Aberto, Construcionismo Social, Medicalização e Patologização da vida

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