Manual de Direitos em Saúde Mental

No Chile foi criado o Manual de Direitos em Saúde Mental, protagonizado pelos usuários e ex usuários da saúde mental, o manual visa a defesa de seus direitos.

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O artigo Locos por nuestros derechos: Comunidad, salud mental y ciudadanía en el Chile contemporáneo, publicado na revista Quaderns de Psicologia, apresenta uma análise crítica das políticas públicas no Chile, ao mesmo tempo, descreve um olhar global sobre os direitos na saúde mental desde uma perspectiva dos usuários e ex usuários.

O autor, Juan Carlos C. Madrid, afirma que no contexto chileno o processo de elaboração do Plano Nacional de Saúde Mental 2017-2025 promoveu espaços consultivos. No entanto, a convocatória para a discussão do documento foi direcionado para alguns grupos específicos, atores institucionais como ONGs, sociedades científicas vinculadas a indústria farmacêutica e organizações familiares que possuem um estreito vínculo com a psiquiatria. Com isso, houve o consenso amplo em torno da crítica ao modelo biomédico e farmacológico.

Em contrapartida, várias organizações internacionais consideram a importância de desenvolver ações orientadas a reconhecer e valorizar o ponto de vista dos usuários, ex usuários e sobreviventes da psiquiatria, como caminho para elaborar um modelo de saúde mental com perspectiva de direitos. Nesse sentido, vale destacar o trabalho da Rede Mundial de Usuários e Sobreviventes da Psiquiatria e a recente conformação da RedEsfera Latinoamericana de Diversidade Psicossocial.

Um estudo chileno de nível nacional revela que os usuários de saúde mental tendem a avaliar o serviço de forma negativa, além de relatar os âmbitos que apresentam o menor número de desempenho em relação ao respeito dos direitos dos usuários. Entre eles estão: a falta de controle dos usuários sobre os planos de recuperação, a escassa educação e promoção da saúde física, proteção insuficiente para evitar a aplicação de tratamentos sem consentimento, assim como a inexistência de ações para prevenir tratamentos que atentem contra a dignidade da pessoa. Também se destacou o baixo acesso dos usuários a empregos e educação, assim como pouco apoio para participar da vida politica e ao exercício da liberdade de associação. Como consequência, o direito de viver de forma independente e ser incluído na comunidade obtiveram níveis baixos de desempenho no estudo.

O artigo é produto da etapa de difusão do projeto FONIS SA12I2073 “Avaliação da qualidade de atenção e respeito dos direitos dos pacientes em serviços de saúde mental, integrando perspectivas de usuários e equipes de saúde.” O autor foi contratado para desenvolver um processo participativo de apresentação e análise da investigação com pessoas que haviam recebido atenção de saúde mental, o objetivo era elaborar o Manual de Direitos em Saúde Mental. Foram convocadas sete pessoas (quatro homens e três mulheres) da região metropolitana de Santiago (capital chilena), para participar de cinco sessões de discussão grupal em torno da temática de saúde mental e direitos humanos. O documento tomou como fundamento a Convenção sobre os Direitos da Pessoa com Deficiência da ONU (2006).

A partir da discussão foram identificados três esferas relevantes para o exercício da saúde mental desde o ponto de vista dos participantes: liberdade e autonomia pessoal; bem-estar e qualidade de vida; participação social e ação coletiva. O artigo desenvolve amplamente cada uma dessas esferas.

“Por un lado,  se afirma el derecho a no recibir etiquetas diagnósticas, a rechazar el tratamiento farmacológico y a cuestionar el abordaje institucional en salud mental. Así lo señala un participante: ‘lo que hay que hacer es despsiquiatrizar, desmedicalizar y desinstitucionalizar a las personas, y no otorgarles una nueva etiqueta o tratamiento’.”

Manual de Direitos em Saúde Mental é uma experiência pioneira no Chile, sendo uma ferramenta inovadora para construir pontes entre os atores sociais comprometidos com a saúde mental e com os direitos humanos.

O Manual começa reconstruindo uma perspectiva crítica da sociedade atual e seu modelo de atenção em saúde mental, além de propor a transformação dessa realidade a partir de um manifesto intitulado “Loucos por nossos direitos”. O manual conta ainda com perguntas frequentes, indicações práticas e atividades grupais. Em anexo, foram acrescentados um formato de consentimento livre e informado para o tratamento psicofarmacológico, um formato de declaração de vontade antecipada em situações de crise e uma recopilação dos princípios do modelo de recuperação em saúde mental.

O manual é uma importante iniciativa cujas principais contribuições incluem sua produção coletiva, o protagonismo dos usuários e ex usuários da saúde mental e a aposta na autonomia e defesa de seus direitos. Nossos companheiros chilenos realizaram um projeto inovador a nível de América Latina, como a formulação de um consentimento livre e informado para o tratamento psicofarmacológico, ferramenta pouco ou nada discutida no Brasil. Que a seu exemplo, outros países latinos fomentem a discussão sobre esse importante assunto, com a participação dos seus principais interessados, os usuários e ex usuários da saúde mental.

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CEA MADRID, Juan Carlos. “Locos por nuestros derechos”: Comunidad, salud mental y ciudadanía en el Chile contemporáneo. Quaderns de Psicologia, [S.l.], v. 21, n. 2, p. e1502, ago. 2019. (Link)

Manual de Direitos em Saúde Mental (Link)