A Big Pharma atende aos interesses do Sistema de Diagnóstico, do Sistema Hospitalar e do Sistema Judiciário

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Se você acha que a verdade pode nos libertar e se preocupa com os danos causados às almas sofridas que buscam ajuda do sistema de saúde mental tradicional, apenas para descobrir com muita frequência e muito tarde que esse sistema aumenta exponencialmente os problemas, o extraordinário sucesso junto ao público do livro de Jim Gottstein, The Zyprexa Papers, é uma leitura essencial. Deve ser leitura obrigatória para todos os amigos ou familiares bem-intencionados de alguém em sofrimento emocional, bem como para os legisladores que realmente desejam eliminar a corrupção e os danos.

O foco do livro está na droga neuroléptica Zyprexa e em dois casos relacionados a ela – um no qual Gottstein representou um cliente enquanto advogado e outro no qual ele se tornou acusado – mas, o mais importante, exemplifica problemas que atravessam os sistemas, não apenas das grandes empresas farmacêuticas, mas também do que poderia ser chamado de Sistema de Diagnóstico, Sistema de Hospitais Psiquiátricos e Sistema de Tribunais relacionados à saúde mental. É um livro sobre como o tsunami alimentado pelo lucro e os vastos Sistemas envolvidos na política de saúde mental, incluindo o chamado Sistema de Justiça, inundam o que deveria ser primordial: o alívio da dor emocional.

O livro de Gottstein é algo como Os Documentos do Pentágono (The Pentagon Papers) a respeito do sistema de saúde mental tradicional. Porque o livro expõe um número alucinante e uma variedade de ações feitas a sangue frio, calculadas, por parte do laboratório farmacêutico Eli Lilly na tentativa de esconder o que já sabiam ser os efeitos devastadores do extremamente lucrativo Zyprexa, desde as suas mentiras omitindo e autorizando dados relevantes até ao que só pode ser chamado de perseguição ao próprio Gottstein – por tentar soar o alarme. Gottstein é um advogado corajoso e brilhante e ativista incansável que vem tentando, através de litígios estratégicos, impedir que as pessoas sejam prejudicadas por drogas psiquiátricas e eletrochoques por meio do Law Project for Psychiatric Rights (PsychRights), uma organização sem fins lucrativos, que também nos leva a saber do dia após dia das suas tentativas para impedir alguém, em particular seu cliente Bill Bigley (a quem o livro é dedicado), a ser involuntariamente internado em uma unidade psiquiátrica e ser lá drogado à força. Ao fazer isso, ele expõe o número impressionante de maneiras pelas quais o sistema judicial lida com esses casos, funcionando com  frequência como uma espécie de Tribunal Canguru, onde as probabilidades são tão altas contra as pessoas rotuladas como doente mental, na medida em que é quase inevitável que elas sejam privadas de seus direitos. Os obstáculos que o cliente e o advogado precisam superar são tão numerosos e variados que essa parte dos Documentos Zyprexa será muito revelador para aqueles que ainda não passaram por isso.

Onde entra o Sistema de Diagnóstico? Sem as centenas de categorias psiquiátricas que compõem o Manual de Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM), nada disso poderia acontecer, porque dar a uma pessoa pelo menos uma única etiqueta do DSM – mesmo que pareça relativamente inócua – é o que permite a terapeutas, empresas farmacêuticas, e juízes (para não mencionar outros atores sociais) fazer uma ampla gama de recomendações e até impor um conjunto de ação que eles podem chamar de “tratamento”. E quando os “tratamentos” – incluindo drogas – causam danos ou deixam de ajudar, os relatos da pessoa rotulada são facilmente ignorados, minimizados ou usados ​​como mais uma “prova” de que ela ou ele são “doentes mentais”. Igualmente assustador é chamar drogas psiquiátricas, eletrochoques, internação involuntária e outras violações à dignidade humana de “tratamentos”, permitindo que os que os sugerem, impõem ou os tornam obrigatórios fiquem isentos de qualquer culpabilidade. Em um processo no qual eu fui testemunha enquanto expert: três terapeutas que quase destruíram a vida de alguém não tiveram qualquer penalidade, por alegarem que estavam apenas seguindo as normas de atendimento vigentes no sistema de saúde mental.

Os Documentos Zyprexa é um livro difícil de se largar, e a sua leitura é muito valiosa, porque precisamos saber o que acontece em grande parte em segredo e, na medida em que o lemos, vemos claramente os muitos pontos em que mudanças urgentemente devem ser feitas … e como cada um de nós pode ajudar a promovê-las.

Gottstein ele próprio teve a sua experiência pessoal no sistema de saúde mental. Em 1982, aos 29 anos, ele ficou terrivelmente desorientado por perder o sono e, como resultado, foi preso no Instituto Psiquiátrico do Alasca (API) – a mesma entidade que havia repetidamente hospitalizado e drogado à força Bill Bigley. No API, Gottstein relata:

Foi-me dito que pelo resto da minha vida eu teria que tomar drogas parecidas com a Torazina. Quando eu lhes disse que era formado pela Harvard Law School (o que era verdadeiro), fui considerado como em delírio. Quem acreditava que eu era advogado dizia que eu nunca mais poderia praticar o Direito. No entanto, minha mãe, que era diretora executiva da Associação de Saúde Mental do Alasca, me levou a um ótimo psiquiatra, Robert Alberts, que disse que qualquer pessoa que não durma o suficiente se tornará psicótica, e que eu somente precisava aprender como evitar problemas. … tive sorte de não ter sido transformado em paciente mental permanente pelo sistema de doenças mentais. Essas experiências iniciaram minha advocacia junto às pessoas diagnosticadas com doenças mentais graves.

Gottstein descreve ter sido inspirado pelo livro clássico de investigação de Robert Whitaker, o Mad in America, que ele descreve como “uma leitura fantástica” e “um roteiro de litígio que desafia o tratamento forçado com droga psiquiátrica tomando como base o fato de que não é do melhor interesse do paciente”. Ele explica que medicamentos como o Zyprexa “foram comercializados como ‘antipsicóticos’ “, quando na verdade o que eles fazem é “suprimir a atividade cerebral das pessoas a tal ponto que não podem mais causar problemas – pelo menos temporariamente”. Por esse motivo, ele usa o termo “neuroléptico”, que significa “agarrar o cérebro” – que foi “um dos primeiros nomes dados a essa classe de medicamentos e que é a descrição mais precisa”. Passaram a ser chamados de “antipsicóticos”, ele diz, como “marca de propaganda”.

Os leitores descobrem até onde a Lilly foi capaz de ir, visando apenas maximizar seus lucros, ao ocultar desde o início o fato de que o Zyprexa causava, entre muitos outros problemas graves, altas taxas de diabetes, rápido e enorme ganho de peso e até mesmo a morte. Quanto dinheiro estava em jogo? Em 2005, um ano antes do início da saga contada pelo livro, as vendas declaradas da Zyprexa foram de US $ 4,2 bilhões, com cerca de dois milhões de pessoas em todo o mundo tomando o medicamento.

Gottstein descreve seus triplos esforços, a partir de 2006:  ajudar uma pessoa a proteger seu direito de recusar drogas psiquiátricas, ajudar em outros litígios estratégicos e divulgar amplamente a verdade sobre os perigos de Zyprexa. As provas incriminatórias sobre esses perigos foram descobertas em seu trabalho de expert atuando em vários processos movidos por 8.000 pessoas, em “litígios multidistritais”, que acusaram haver sido prejudicados pela droga. E Gottstein obteve essas evidências como uma intimação para que fosse entregue a documentação referente ao tratamento forçado de Bill Bigley com drogas psiquiátricas. No “litígio multidistrital”, o grande número de ações judiciais havia sido consolidado e a documentação sobre os perigos ocultos do medicamento Zyprexa ficou mantida em sigilo por ordem judicial. Felizmente, no entanto, as informações poderiam ser produzidas se houvesse uma outra intimação feita por uma outra ação judicial e se Lilly recebesse um “aviso prévio e uma oportunidade razoável para objetar”.

Não foi especificada a quantidade de tempo que a “oportunidade razoável de objetar” era exigida. Portanto, quando Gottstein intimou que os documentos fossem trazidos a julgamento, o expert responsável o Dr. David Egilman – a quem ele descreve como um homem de consciência – os enviou a Gottstein, não imediatamente, porém antes que Lilly objetasse. Egilman havia dito a Gottstein que ele estava esperando que fosse intimado a depor. E, então, após receber a documentação de Egilman, ela foi entregue ao jornalista do New York Times Alex Berenson para as suas reportagens sobre o Zyprexa. No entanto, para prejuízo pessoal de Gottstein, ele confiou em Egilman para indicar quando ele achava que havia passado um tempo “razoável”  e que, por conseguinte, estaria livre para enviar os documentos a Berenson, bem como a muitos outros que ajudassem a divulgar a verdade.

A interpretação de “razoável” se tornou uma arma importante no que legitimamente pode ser chamado de perseguição de Gottstein por Lilly por tornar as informações públicas. Em 6 de dezembro de 2006, Egilman notificou o principal advogado de Lilly que Gottstein o havia intimado por telefone por volta de 20 de dezembro. Em 11 de dezembro, Gottstein enviou a Egilman uma intimação alterada, porque o original incluía a ordem para o médico levar seus documentos com ele, mas como o depoimento seria por telefone, Gottstein precisava dos documentos enviados antes do depoimento. Ele pediu à Egilman para notificar a Lilly da intimação, mas Egilman não o fez. Egilman disse que cinco dias se passaram desde a sua notificação à Lilly e ele acreditava que isso constituía um aviso “razoável”. Por isso, em 12 de dezembro, ele prosseguiu e enviou o material para um domínio da Internet que Gottstein havia criado para esse fim. Gottstein recebeu uma mensagem de voz de um advogado da Lilly na noite anterior e deixou uma mensagem de voz para ele na manhã seguinte. Enquanto isso, como ele disse, “sentindo a respiração de Lilly no meu pescoço”, ele deu ao repórter do Times acesso aos documentos e os enviou de várias maneiras a muitas outras pessoas.

A coragem de Gottstein em fazer isso é impressionante. Ele sabia que poderia acabar na prisão, considerando o poder e o dinheiro de Lilly, mas “milhares e milhares de pessoas já haviam sido mortas pela droga, e nós [ele e Egilman] esperávamos impedir que isso acontecesse a mais milhares e milhares de pessoas.”

O que se seguiu mostrou Lilly e os tribunais no que há de pior. A capacidade de Lilly de contratar juízes para tentar intimidar Gottstein era surpreendente. Os leitores ficarão alarmados ao descobrir nas páginas do The Zyprexa Papers como os que revelam verdades podem ficar vulneráveis, mesmo quando seu objetivo é totalmente altruísta e quando tentam evitar danos massivos como o que já havia chegado a um grande número de pessoas. Lilly exigiu que Gottstein não revelasse os documentos a ninguém e que ele os recuperasse imediatamente de todos para quem os havia enviado e os retirasse de qualquer lugar que os tivesse publicado. Até então, alguns de seus destinatários os enviaram a outras pessoas e, de várias maneiras, foram divulgados. De fato, em um artigo que Berenson escreveu naquela época, apareceu o seguinte:

Gottstein disse ontem que as informações contidas nos documentos devem estar disponíveis para pacientes e médicos, bem como para juízes que supervisionam as audiências necessárias antes que as pessoas possam ser forçadas a tomar drogas psiquiátricas.

“Os tribunais devem ter essas informações antes de ordenar que essas coisas sejam injetadas nos corpos das pessoas que não desejam”, disse Gottstein.

À medida que a cobertura da mídia sobre o assunto aumentava, Lilly, claramente ficava mais enraivecida, ameaçou Gottstein que ele perderia sua licença e que “procuraria sanções” contra ele por ter violado a ordem de sigilo daquele caso que havia sido resolvido com os 8.000 autores das queixas. Uma ordem judicial incluiu a instrução para ele: “Preservar todos os documentos, material em áudio postado na internet, e-mails, material e informações relacionados ao Dr. Egilman ou qualquer outro esforço para obter documentos produzidos pela Lilly.” Lembro-me de que naquela época eu tinha ligado para o escritório de Jim sobre algum outro assunto e fiquei surpresa ao ouvir sua mensagem, na qual instruía quem o chamasse a não deixar nenhum tipo de mensagem em sua secretária eletrônica. Parecia Orwelliano.

Os meios pelos quais Lilly e os tribunais conspiraram contra Gottstein devem ser lidos para se acreditar. E é comovente ler Gottstein reconhecendo erros cometidos e mais do que esperados quando chamado para testemunhar em circunstâncias de extrema privação de sono em que ele se encontrava, mas esses erros nunca deveriam justificar os resultados. Gottstein gastou grandes quantias de dinheiro tentando se defender e estava enfrentando ainda todos os custos com o processo judicial contra ele. Além disso, ameaças de perda de sua licença e toda a sorte de processos legais estavam pairando sobre sua cabeça. A história de por quê e como o caso terminou para ele faz parte do chamado sistema de justiça e do poder esmagador da Big Pharma, além de como eles trabalham juntos.

Gottstein especula que as decisões dos juízes foram devidas à opinião deles de que Gottstein desrespeitara a sua autoridade enviando o material protegido pela ordem de sigilo; e parece como se tivessem tido a chance de interpretar ou mal interpretar qualquer coisa que fosse a favor de Gottstein, para assim permitir que protegessem a Lilly. Essa impressão é reforçada pelo fato de que um grande número de documentos cobertos pela ordem de sigilo sempre foi do conhecimento público, incluindo relatos da mídia, mas todos foram incluídos naquela ordem.

Voltando para trás para entender o alarme do tribunal sobre a exposição dos documentos, pode-se perguntar que benefício trazia aos demandantes  acordos como o que incluiu a ordem de sigilo. Gottstein nos diz que o acordo de Zyprexa com 8.000 vítimas teve uma média de pouco menos de US $ 90.000 por vítima e diz:

“Isso não parece muito por haver produzido diabetes em alguém, mas é ainda pior quando você considera que os advogados tomaram 40% e, em seguida, Medicaid e Medicare foram reembolsados em outros 30%. Nesse ponto, mesmo os aproximadamente US $ 27.000 que as vítimas receberam individualmente, em média, colocaram aqueles que estavam sob Medicaid e em pensão por incapacidade no patamar acima do limite para o recebimento do benefício. Isso significava que eles tinham que gastar o dinheiro do acordo para tratar o diabetes, e gastá-lo ao longo de um ano ou dois para manter ou receber de volta os pagamentos do Medicaid e da pensão por incapacidade.”

Além disso, Gottstein escreve: “os juízes devem permitir o sigilo apenas se for do interesse público, mas, na prática, eles não o fazem. O segredo lubrifica a engrenagem dos acordos, bem como dos litígios, e os juízes querem que os casos sejam resolvidos e fora da súmula. … Normalmente, ninguém está representando o interesse público.” Ele continua:

Eu acho que é justo dizer, a respeito da ordem de sigilo que a… Corte foi cúmplice de Lilly em esconder o grande dano que está sendo causado às pessoas como resultado do Zyprexa. Se essas informações tivessem se tornado públicas mais cedo, milhares de vidas adicionais poderiam ter sido salvas e centenas de milhares de pessoas provavelmente não teriam tomado Zyprexa.

Gottstein descreve onde o Tribunal cometeu um erro ao considerar a intimação feita por ele e sua liberação dos Documentos Zyprexa:

“O tribunal achava que eu havia violado sua ordem de sigilo e nunca considerava seriamente a possibilidade de não o ter feito. Proteger sua autoridade era realmente a única consideração do tribunal. Não levou em consideração o interesse legítimo da PsychRights nos documentos da Zyprexa. Não levou em consideração o fato de que a PsychRights seguiu as regras da ordem de sigilo na obtenção dos documentos do Zyprexa. … Eu tinha minhas razões independentes e apropriadas para intimação, inclusive alertando o público sobre os grandes danos causados pelo Zyprexa. … eu acreditava que os havia recebido sob as regras da ordem de sigilo e que, uma vez que os recebi daquela maneira os documentos já haviam perdido o sigilo.”

A segunda história do livro, entrelaçada ao longo do caso Lilly, é sobre o modo como Bill Bigley, a quem Gottstein traz à vida com calor e respeito, experimentou perdas trágicas que compreensivelmente o deixaram triste. Sua reação profundamente humana foi então patologizada: ele foi diagnosticado com rótulos psiquiátricos que formaram a base para iniciá-lo em um ciclo de hospitalizações involuntárias que chegaram a cerca de 70 e de drogas forçadas que causaram tantos problemas e que ele compreensivelmente resistia a tomar esses produtos químicos. Tudo isso previsivelmente levou à sua deterioração de várias maneiras, e ele às vezes passou a agir de maneiras que incomodavam algumas pessoas, mas ele nunca foi violento. Gottstein escreve: “Na realidade, não se tratava da qualidade de vida de Bill, mas de reduzir o incômodo que as  outras pessoas sentiam frente a ele”.

Apesar disso, o sistema de saúde mental destruiu esse homem, cujo sofrimento, como o de muitos, levou a um diagnóstico que foi usado para justificar privá-lo de seus direitos, com base em argumentos totalmente sem sustentação de que ele devia ter um desequilíbrio químico incurável. E como Gottstein descreve em suas tentativas de ajudar Bigley tantas vezes, mostrando ponto por ponto como o sistema no Alasca – típico dos Estados Unidos – foi usado para pedir internações involuntárias e o uso forçado de drogas psiquiátricas.

O próprio fato de alguém ter recebido qualquer rótulo psiquiátrico é usado de maneiras impressionantemente variadas para privá-lo do respeito a si próprio, da dignidade, da autoconfiança, do emprego, da custódia de seus filhos, do direito de tomar decisões sobre seus aspectos médicos e assuntos legais, e até mesmo de suas vidas. Assim como a afirmação precisa de Gottstein de que ele se formou na Harvard Law School havia sido interpretada como evidência de sua “doença mental”, então quando Bigley afirmou com precisão que havia sido citado no New York Times, isso foi interpretado como prova de seu “transtorno psiquiátrico”.  E como tantas vezes acontece, a recusa de Bigley por drogas psiquiátricas era prova de que ele estava “doente” demais para saber como cuidar de si mesmo.

Ignorando flagrantemente a prova do dano causado por drogas psiquiátricas, o juiz ordenou que Bigley pudesse ser drogado contra sua vontade. O “raciocínio” do juiz pertence a Alice no país das maravilhas, e não a uma ordem judicial. Tente encontrar a lógica no que o juiz sustentava, como Gottstein cita:

O Tribunal está disposto a assumir que medicamentos passados ​​danificaram o cérebro de Bigley. Além disso, está disposto a presumir que danos cerebrais adicionais resultarão se a API for autorizada a administrar mais psicotrópicos. Mas isso não termina a análise.

O Tribunal considera que o perigo de danos adicionais (mas incertos) é superado pelos benefícios positivos da administração de medicamentos e pelos problemas emocionais e comportamentais que aumentarão se Bigley não for medicado. Mesmo que o medicamento diminua a vida útil de Bigley, o Tribunal autorizará a administração do medicamento, porque Bigley não está bem agora e está piorando.

Dado que Zyprexa e medicamentos semelhantes, como Risperdal, demonstraram que causam morte prematura, Gottstein é razoável ao concluir: “Acho que os juízes decidem quem deve viver e quem deve morrer o tempo todo, embora a pena de morte nem seja permitida em Alasca”.

As audiências de Bill Bigley geralmente eram realizadas em uma sala no Instituto Psiquiátrico do Alasca, e não em um tribunal, e geralmente não eram abertas ao público, pois a maioria dos processos judiciais semelhantes deveria ser para ajudar a garantir o devido processo e proteger os direitos da pessoa. Quando as audiências são realizadas nesses hospitais, elas tendem a se tornar kafkianas, lançando o devido processo e procedimentos legais pela janela, de modo que ordens coercitivas são feitas na ausência de evidências de que os critérios para coerção (perigo para si ou para outros, gravemente incapacitado, a alternativa menos restritiva) estejam presentes. Bill Bigley, portanto, queria que suas audiências acontecessem em um tribunal real e fossem públicas.

Quem corre o risco de perder seus direitos humanos – ou sua vida – por meio de um processo judicial deve ter alguém como Gottstein advogando por eles, porque ele é um advogado incansável, conhece a lei de dentro para fora e nunca perde de vista o que é verdade, o certo, e o que é humano a respeito da dignidade de seus clientes. Ele usa uma combinação de princípios e procedimentos legais para analisar se esses princípios se mantêm dentro das tradições legais, mas também fora dessas tradições. Não se sentindo constrangido por precedentes no tribunal e na prática no sistema de saúde mental, ele é consistentemente criativo e engenhoso na tentativa de encontrar soluções. Por exemplo, seguindo o princípio de que a “alternativa menos restritiva” deveria ser julgada e sabendo que as ordens judiciais em casos como o de Bigley eram geralmente baseadas na consideração de apenas duas alternativas – drogar a pessoa ou não a drogar, ponto final – ele faz esta proposta de bom senso e carinho que inclui uma terceira opção:

“… Quando alguém está tendo um colapso, pode ser abordado e ser dito: “Escute, não podemos obrigar você a fazer essas coisas, por causa de ______________ [por exemplo, você irrita as pessoas ou assusta as pessoas]; portanto, se você não se acalmar, teremos de injetar Haldol ou colocá-lo em restrições ou isolamento (confinamento solitário). O que você prefere? Eu acho que algumas pessoas preferem as restrições ou isolamento do que a droga, mas também acho que há alguma chance de simplesmente dar a eles a escolha que lhes permitiria se acalmar.”

Obviamente, como essa proposta se baseia no respeito à pessoa e na suposição de que ela pode usar a razão, considerar opções e ter agência, não é o tipo de coisa que os juízes tendem a aceitar. Suas duas preocupações – que eles serão “responsabilizados” se não pedirem hospitalização e / ou drogas e “algo vir a acontecer”, e sua tendência a acreditar nas reivindicações de entidades poderosas e bem-financiadas, como as grandes empresas farmacêuticas e os grandes hospitais psiquiátricos – no caminho.

Quanto aos representantes do hospital psiquiátrico, como escreve Gottstein, o que a contínua pressão deles por drogas forçadas “demonstra claramente é que a API era incapaz de tratar pessoas sem usar drogas. Isso foi e permanece basicamente verdadeiro nos ‘hospitais’ psiquiátricos em todo o país “.

Gottstein escreveu este livro em parte para tentar prescrever um roteiro para abordar esse tipo de caso, o que, ele disse em uma mensagem de e-mail para mim, inclui a necessidade de “tratar esses casos como os litígios de grande importância que eles são de fato”. As descrições de seus confrontos com Lilly e sua defesa de Bigley deixam claro o quão alto são os riscos e o quão perigoso é para as bravas almas que se envolvem nas lutas. Mas, como ele observa com tristeza, o Zyprexa “ainda está sendo usado em centenas de milhares de pessoas, inclusive sendo forçado em muitas. O mesmo vale para os outros neurolépticos.” De fato, mesmo muitos que advogam vítimas do sistema de saúde mental tradicional em seus escritos e filmes legitimam e até valorizam o ex-chefe da Força-Tarefa do DSM-IV, Allen Frances, apesar de saber que ele e dois colegas ganharam pouco menos de um milhão de dólares, por criar a base fraudulenta que permitiu à Janssen Pharmaceuticals, subsidiária da Johnson & Johnson, comercializar o enganosamente perigoso medicamento neuroléptico Risperdal para uma variedade surpreendente de “condições”, em pessoas desde a infância até a velhice. (Para saber mais sobre isso, consulte meus artigos “Diagnosisgate: Conflict of Interest at the Top of the Psychiatric Apparatus” e “Diagnosisgate: A Major Media Blackout Mystery.”)

Gottstein acredita, finalmente, que

“representação legal inadequada é o ponto principal do grande dano causado às pessoas por meio da psiquiatria. Se as pessoas estivessem sendo representadas adequadamente, o sistema atual seria incapaz de prender as legiões de pessoas e drogá-las contra sua vontade e teria que encontrar outra maneira de lidar com pessoas diagnosticadas com doenças mentais e perturbadoras. Se a PsychRights tivesse recursos para empregar apenas dois ou três advogados em tempo integral em Anchorage, no Alasca, para tais representações e fundos para testemunhas especializadas, acredito que a PsychRights poderia quebrar o sistema e forçar o fornecimento de abordagens diferentes que demonstrassem funcionar e ajudar as pessoas a enfrentar os problemas pelos quais elas estão passando.”

A edição Kindle do livro está disponível para pedidos a partir do dia 31 de janeiro passado. Agora, o livro em papel também está disponível na Amazon.