Resultados do Modelo de Soteria como Alternativa de Internação em Israel

O modelo da Soteria poderia oferecer uma alternativa humanitária para os ambientes de internação psiquiátrica tradicional.

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Em um novo artigo publicado em Psychosis, Avraham Friedlander e seus colegas examinam a implementação do modelo Soteria em Isreal. O modelo da Soteria é um programa de moradia alternativa para indivíduos que experimentam estados psiquiátricos agudos. Em vez de confinar os usuários dos serviços às instalações psiquiátricas hospitalares, o Modelo Soteria procura fornecer um tratamento estável e consensual que não dá ênfase à medicação.

A pesquisa atual conclui que ainda que o modelo Soteria tenha tido que fazer algumas mudanças para se adaptar às circunstâncias da vida real, os lares Soteria podem ser úteis como alternativa de tratamento às instalações psiquiátricas hospitalares, contribuindo ao mesmo tempo para o desenvolvimento de serviços de saúde mental mais humanizados. Os autores escrevem:

“Os lares da Soteria podem ser um componente viável dos sistemas de saúde mental financiados pelo Estado. A implementação do modelo Soteria pode fornecer lições importantes para o desenvolvimento futuro de um serviço de saúde mental profissional e humano – não como uma alternativa, mas como uma parte integrante do sistema”.

Pesquisas demonstraram que o alojamento pode ser um instrumento no tratamento de doenças mentais e no alívio do problema dos sem-teto. Ao comparar os usuários de serviços que têm acesso à moradia como parte de seu tratamento com aqueles aos quais esse acesso é negado, o primeiro grupo mostra melhorias na estabilidade da moradia, na qualidade de vida e no funcionamento da comunidade.

Os modelos de moradia de apoio têm demonstrado eficácia no tratamento de doenças mentais e também podem economizar dinheiro da comunidade ao reduzir o número de usuários de serviços nas prisões por dificuldades relacionadas à psiquiatria. Pesquisas também demonstraram que a moradia de apoio reduz tanto o custo de moradia quanto o custo de saúde.

Os usuários de serviços que experimentam atendimento de baixa qualidade em instalações de internação são menos propensos a confiar no sistema de saúde mental. Os usuários de serviços diagnosticados com um transtorno psicótico têm 50 vezes menos probabilidade de confiar no sistema de saúde mental do que seus pares. A hospitalização involuntária em instalações de internação impede que os jovens procurem cuidados de saúde mental no futuro. Passar tempo em instalações de internação também aumenta muito o risco de suicídio.

Muitos autores escreveram sobre o abuso desenfreado nas instalações de internação psiquiátrica. De acordo com um autor, ” a assistência de saúde mental tem sido lenta para assumir esforços robustos para melhorar a segurança do paciente”. Este atraso é especialmente aparente na psiquiatria hospitalar, onde existe o risco de danos físicos e psicológicos”. A violência sexual também é um problema para as instalações psiquiátricas hospitalares e recebe pouca ou nenhuma atenção dos pesquisadores e reguladores.

45% das crianças internadas em estabelecimentos psiquiátricos hospitalares são prescritas com antipsicóticos. Isto continua mesmo que estes medicamentos possam prejudicar o desenvolvimento normal do cérebro. Este problema é especialmente pronunciado em crianças, onde pesquisadores alertaram que os antipsicóticos em crianças causam atrofia cerebral.

A presente pesquisa examina a implementação do modelo Soteria em Israel, uma alternativa às instalações psiquiátricas de internação biomédica. A partir de 1970, o modelo Soteria tenta ajudar aqueles que experimentam crises psicóticas, enfatizando as relações empáticas e os tratamentos não-intrusivos.

O modelo Soteria opera com base em oito princípios básicos: a assistência psiquiátrica deve ser dada em um lar e não em uma “instituição”, os grupos são pequenos (8 ou menos), a comunicação é aberta, as atividades são centradas no cliente, o tratamento é consensual, a medicação não é incentivada, o pessoal é treinado para estar presente com os usuários do serviço sem julgamento, e o grupo é o principal instrumento terapêutico.

Os autores examinaram dados de 3 casas da Soteria em Israel, uma casa de homens, uma casa de mulheres e uma casa mista de gêneros. Um total de 486 residentes viveu nessas casas durante a época da presente pesquisa. 62,2% tiveram um diagnóstico de transtorno psicótico ou bipolar, 14,5% foram diagnosticados com transtornos de humor, 14,3% foram diagnosticados com transtorno complexo de estresse pós-traumático, e 9,1% com outros transtornos.

O modelo Soteria foi implementado de forma ligeiramente diferente em Israel em comparação com algumas das implementações anteriores. Eles começaram com sete residentes e eventualmente aumentaram a capacidade para 10 (2 além da diretriz do modelo Soteria de 8). Além disso, eles aceitaram quaisquer usuários de serviços que precisassem de atendimento 24 horas por dia, não apenas aqueles diagnosticados com transtornos psicóticos.

A principal parte da equipe incluiu não profissionais, direcionados a “cultivar uma comunidade terapêutica, com uma atmosfera calorosa e não hierárquica”. Os regulamentos também requeriam que as Casas Soteria tivessem uma equipe profissional completa, que não estava presente na primeira implementação do modelo da Soteria.

Esta implementação do modelo da Soteria enfrentou vários desafios. Primeiro foi a gestão dos estados violentos e suicidas de seus residentes. Por exemplo, durante a presente pesquisa, 68 de 486 (14%) residentes tiveram que ser admitidos em instalações psiquiátricas hospitalares durante sua estada nas casas da Soteria, e um residente cometeu suicídio.

Os autores observam que o número de usuários de serviços que exigiram internação hospitalar diminuiu de 37,5% em 2016 para 8,3% em 2020. Para os autores, isto indica a adaptação bem sucedida do modelo para lidar com os problemas que estava enfrentando em tempo real.

Para atrair residentes e garantir que as seguradoras pagassem pelo tratamento, o modelo da Soteria teve que competir com o atendimento hospitalar padrão em termos de custo. Isto significava que grande parte do pessoal precisava ser não-profissional, e a duração da internação tinha que ser significativamente menor do que no modelo original da Soteria (39 dias na implementação atual contra 3-6 meses no original). Os autores acreditam que este tempo reduzido de permanência contribuiu para a readmissão de muitos residentes, com 18,7% exigindo uma segunda permanência.

Embora a implementação do modelo Soteria possa precisar ser adaptada de alguma forma para atender às necessidades dos residentes, da comunidade, dos reguladores e das seguradoras, os autores acreditam que ele pode contribuir para criar um sistema de saúde mental mais humano, fornecendo uma alternativa aos freqüentes cuidados psiquiátricos hospitalares desumanizantes, tão comuns agora dentro da saúde mental.

Os autores concluem:

“Tendo demonstrado que o conceito da Soteria pode funcionar dentro de um sistema de saúde mental convencional e influenciá-lo a partir de dentro, é tentador considerar se os princípios da Soteria podem ser replicados em outros ambientes, não apenas na comunidade, mas até mesmo em enfermarias fechadas e forenses, embora possam parecer mais hostis ao que Soteria procura fazer. As pessoas involuntariamente encarceradas em departamentos psiquiátricos forenses, por exemplo, também podem se beneficiar da cultura terapêutica cultivada na Sotéria? Acreditamos que oferecemos aqui uma correção importante para a forma como grande parte da psiquiatria trata os indivíduos mais angustiados sob seus cuidados. Nosso trabalho sugere um caminho para o desenvolvimento futuro de um serviço de saúde mental responsável, profissional e humano – não como uma alternativa, mas como uma parte integrante do sistema”.

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Avraham Friedlander, Dana Tzur Bitan & Pesach Lichtenberg (2022): The Soteria model: implementing an alternative to acute psychiatric hospitalization in Israel, Psychosis, DOI: 10.1080/17522439.2022.2057578 (Link)

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Para saber mais sobre Sotéria em Israel, leia aqui →

[trad. e edição Fernando Freitas]