Medicalização Infantil: O Perigo dos Diagnósticos Apressados

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Nos últimos anos, houve um aumento significativo no número de diagnósticos de transtornos mentais na infância, especialmente o Transtorno do Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH). Embora seja essencial reconhecer que muitas crianças precisam de suporte por meio de um tratamento, a rapidez com que esses diagnósticos são feitos vem chamando atenção, por trazer consequências severas através medicalização excessiva e precoce, levantando questionamentos sobre os impactos do diagnóstico. Por isso, destaca-se a necessidade de manter o olhar crítico ao interpretar as atitudes infantis como sendo problemas de saúde mental. Dessa forma, podemos respeitar a diversidade do comportamento humano, sem reduzi-lo a uma leitura apenas biomédica da questão.

O uso excessivo de medicamentos de forma precoce pode resultar em sérios efeitos na saúde mental, física e emocional da criança, tanto a curto quanto a longo prazo. Muitas vezes, isso pode levar à dependência de medicamentos, influenciando significativamente a construção da identidade infantil. Como afirma o filósofo austríaco Illich crítico às instituições da cultura moderna:

“A verdade é que o diagnóstico precoce transforma pessoas que se sentem bem em pacientes ansiosos.” – (1975)

Com o passar dos anos, diversas pesquisas indicaram um aumento abrupto no número de crianças diagnosticadas com TDAH. Um estudo publicado na Revista Brasileira de Psiquiatria em 2015 apontava que a prevalência do TDAH no Brasil variava entre 3% e 7% da população infantil (Polanczyk et al., 2015). No entanto, um relatório do Ministério da Saúde, publicado em 2022, indicou que a prevalência do transtorno já alcançava nesse mesmo ano inicialmente aproximadamente 7,6% entre crianças e adolescentes de 6 a 17 anos. Esses dados reforçam a necessidade de uma avaliação mais criteriosa, pois o aumento dos diagnósticos pode estar relacionado a avaliações precipitadas.

Esse excesso de diagnósticos gera uma preocupação crescente, pois comportamentos comuns da infância, como agitação, curiosidade excessiva e dificuldade de concentração, podem estar sendo interpretados de forma equivocada, resultando na prescrição desnecessária de medicamentos. Illich, em sua crítica à medicalização da sociedade, destaca:

“A medicina moderna tende a transformar dificuldades naturais da vida em doenças, promovendo uma dependência excessiva de soluções médicas.”

Esse pensamento se aplica diretamente à infância, onde, muitas vezes, busca-se uma solução rápida para comportamentos que fazem parte do desenvolvimento natural de uma criança. Diante desse cenário, é importante explorar alternativas menos medicalizantes e patologizantes. O crescimento dos diagnósticos e da medicalização está também diretamente ligado à expansão da indústria farmacêutica, como reforça o livro Anatomia de uma Epidemia: pílulas mágicas, drogas psiquiátricas e o aumento assombroso da doença mental do autor Robert Whitaker, que pesquisou esse fenômeno do uso das medicações, demonstrando a influência da psiquiatria moderna ao recorrer rapidamente a medicamentos para “corrigir” comportamentos que podem ser naturais da infância. Isso parece criar uma lógica mercadológica da saúde mental infantil, transformando-a em uma grande fonte de lucro para a indústria.

Um exemplo desse aumento do uso de medicamentos é o metilfenidato (Ritalina) é o caso do Brasil, que se tornou o segundo maior consumidor de metilfenidato do mundo, ficando atrás somente dos Estados Unidos como aponta a pesquisa realizada pela Revista Interdisciplinar em Saúde, Cajazeiras no ano de 2024, estimando assim o possível crescimento alarmante nos próximos anos de tal medicamento. Há a preocupação com a normalização da medicalização, levando os responsáveis das crianças e as próprias crianças a internalizarem a ideia de que precisam de um medicamento para aprender, se concentrar ou se comportar “adequadamente”. Esse processo pode gerar impactos psicológicos graves, contribuindo para a dependência de medicamentos desde cedo.

Diante do aumento expressivo nos diagnósticos de TDAH e da consequente medicalização precoce, é imprescindível uma abordagem mais criteriosa e que seja responsável na avaliação do comportamento infantil, tentando evitar esse grande risco da patologização excessiva e da medicalização precoce, risco esse que não pode e nem deve ser ignorado. Um olhar mais atento, cuidadoso e multidisciplinar pode garantir que as crianças recebam o suporte adequado sem serem rotuladas ou medicadas desnecessariamente.

É nesse sentido que busca-se compreender quais fatores podem estar levando a essa mudança de visão sobre a infância, como por exemplo as novas formas de se relacionar com o trabalho, a rotina, os estudos que exigem cada vez mais adaptação em menos desvios à norma. Portanto, é fundamental que pais, educadores e profissionais da saúde adotem uma postura crítica e responsável, buscando garantir que cada criança receba o suporte adequado sem ser submetida a diagnósticos precipitados e tratamentos desnecessários. Apenas com um olhar multidisciplinar, ético e sensível será possível equilibrar a necessidade de assistência com a preservação da infância, evitando que a medicalização se torne uma resposta automática para desafios que fazem parte do desenvolvimento humano. O desafio, então, é questionar essa relação e buscar alternativas mais saudáveis e eficazes, priorizando abordagens psicossociais e educacionais antes de uma intervenção medicamentosa.

 

Referências

Ivan Illich, na obra “A expropriação da saúde nêmesis da medicina” (1975)

Link do artigo utilizado na revista:  https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/17541055/

Link do relatório do Ministério da Saúde: https://www.gov.br/conitec/pt-br/midias/consultas/relatorios/2022/20220311_relatorio_cp_03_pcdt_tdah.pdf?utm_source=chatgpt.com

Link da pesquisa da revista de cajazeiras: https://www.interdisciplinaremsaude.com.br/Volume_32/Trabalho_91_2024.pdf?utm_source=chatgpt.com