ANTONIO LANCETTI: “in memoriam”

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Faleceu Antonio Lancetti, um guerreiro na luta Antimanicomial! Mestre de várias gerações de trabalhadores da saúde mental no Brasil. Nossos agradecimentos por tudo o que ele nos ensinou. A sua memória será eterna entre todos nós.

Personagem central da luta anti-manicomial no Brasil e especialista em ações de enfrentamento da dependência do crack, o psicanalista argentino Antonio Lancetti era um dos profissionais que atuavam como consultor do programa De Braços Abertos em São Paulo. Nascido na Argentina e exilado político no Brasil desde 1979, Lancetti mergulhou na causa da saúde mental, liderando a intervenção que transformou Santos na primeira cidade brasileira sem manicômios. Consultor do Ministério da Saúde, trabalhava com a problemática das drogas e do crack — o grande desafio para as cidades e para a saúde pública em São Paulo e no Brasil. Sua significativa contribuição inclui também a direção da coleção SaúdeLoucura, hoje com 50 títulos, publicada pela editora Hucitec. É autor de “Clínica Peripatética” e “Contrafissura e plasticidade psíquica” entre outros títulos.

O Mad in Brasil está postando em sua página uma entrevista dada por Lancetti para a série Psicanalistas que falam.

É a nossa homenagem. Que o seu exemplo continue a iluminar os nossos caminhos.

“O que seria uma cidade que pretende acabar com os territórios marginais? Não seria um delírio?”

[Temas abordados e disparadores de diálogos*]

* os parágrafos destacados entre aspas são trechos do episódio LANCETTI BRASILEIRO

A psicanálise fora do setting tradicional: a clínica em movimento

A psicanálise fora do setting tradicional é tema de uma das principais obras de Lancetti — “Clínica peripatética” (ed. Hucitec, 10a edição). Os ensaios que o compõem o livro narram e problematizam experiências ocorridas na fronteira entre a dependência e a morte, entre a loucura e a cidadania, entre o exílio e o comunismo múltiplo e micropolítico ativado em práticas de saúde.

A clínica em movimento aparece como um tema transversal durante todo o episódio. Os trechos a seguir destacam-se como disparadores de diálogos:

[“Psicanalistas que se lançam a trabalhar fora do setting tradicional, na rua, na cracolândia, precisam ter formação, capacidade de escuta, alto grau de plasticidade psíquica para manter o tônus erótico.”]

[“Para trabalhar com psicanálise, é preciso de certo grau de esquizoidia – poder esquecer, estar em vários lugares, abandonar um e entrar em outro.”]

[“Um dos problemas dos terapeutas é o que eu chamo de metáfora da pilha. Pilha normal descarrega – o mesmo o terapeuta: ele não aguenta. Mas existe a pilha autocarregável. Há várias formas de se recarregar… a análise é uma delas. Mas a principal é a própria experiência: o momento de cura é o ato de escutar o outro.”]

[“Um psicanalista que não tem cultura, que não lê literatura, filosofia, é como um lutador vesgo: ele vai apanhar.”]

Psicanálise e territórios marginais

Lancetti atualmente trabalha, entre outras coisas, com a problemática das drogas e do crack – um grande desafio para a cidade e para a saúde pública em São Paulo.

É consultor especial do programa DE BRAÇOS ABERTOS, desenvolvido pela Prefeitura de São Paulo e que busca transformar a cracolândia a partir do acolhimento e de uma política de redução de danos.

O projeto existe desde janeiro de 2014, e pratica o resgate social dos usuários de crack por meio de trabalho remunerado, alimentação e moradia digna, com orientação de intervenção não violenta.

Suas diretrizes trazem um novo olhar sobre o dependente químico, que deixou de ser tratado como um caso de polícia e passou a ser encarado como cidadão, com direitos e capacidade de discernimento. O tratamento de saúde é uma consequência das etapas anteriores, e não condição prévia imposta para participar do programa.

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Uma pesquisa sobre o projeto publicada em setembro de 2016 mostra que mais de 70% dos beneficiários do programa diminuíram significativamente o uso de crack e outras drogas, os cuidados com a saúde melhoraram muito e a adesão ao trabalho é de aproximadamente 75%.

O programa é inspirado em políticas públicas de ponta nos Estados Unidos e Canadá, mas tem sido alvo de constantes ataques e polêmicas – com ameaças de interrupção pela nova gestão da Prefeitura, que se inicia em 2017.

Para Lancetti, o fim do programa seria um equívoco, e responde ao alarmismo social criado em torno do problema.

[“Existe essa campanha excessiva da mídia em cima do crack, da epidemia do crack. É o fenômeno de contrafissura, que afeta toda a sociedade.”]

CONTRAFISSURA, no vocabulário de Lancetti, é o sintoma social contemporâneo – presente na mídia, na política, na clínica, na subjetividade – representado pela tentação de se cair no erro da guerra aos usuários de drogas pelo alarmismo infundido na população e ações violentas e repressivas justificadas pelo discurso da criminalização.

[“Podemos oferecer em vez de eliminar ou esconder: oferecer uma rede. É o que nós da saúde podemos fazer. (…) De Braços Abertos é uma experiência complexa e controvertida, que vai na contramão de outros programas do Estado baseados na ideia de eliminação, abstinência, ideias convencionais e reducionistas. É reducionista achar que o problema do crack é apenas a droga.” ]

[“Uma pesquisa da Fiocruz mostra que 80% das pessoas em zonas de uso são homens, negros ou pardos, 80% que não completaram estudos primários, e 50% são egressos do sistema penitenciário.” ]

[“Senso comum é que o drogado é um cara safado que, se beber ou usar outra droga, não será atendido. O perdão é mais poderoso que a culpabilização.”]

Luta antimanicomial

Lancetti é um personagem fundamental da luta antimanicomial no Brasil. Militante histórico da Reforma Psiquiátrica Brasileira, trabalhou ao lado de David Capistrano em Santos, cidade pioneira nessa questão e que disparou a reforma psiquiátrica em outros lugares do Brasil.

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Equipe dirigente da Secretaria de Higiene e Saúde de Santos

Embaixo (da esq. p/ dir) – Lídia Silveira, Marcos Calvo, Sergio Zanetta,
Socorro Matos, Vera, David, Antonio Lancetti, Marcia Frigério, Melhado,
Tikanory Alto – Arthur Chioro e Elcy Pimenta.

Durante cerca de 30 anos, Santos abrigou a Casa de Saúde Anchieta, um hospital psiquiátrico particular situado em um complexo de 5 mil metros quadrados. Os proprietários eram pagos pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) para manter mais de 500 pacientes em dependências capazes de abrigar, no máximo, 250 pessoas. O local era alvo de denúncias de maus-tratos contra os internos.

Em maio de 1989, a prefeitura interveio no local em ação liderada principalmente por Lancetti, Tykanori, Cenise Monte Vicente e Williams Valentini – durante a gestão de David Capistrano como secretário de Saúde de Santos.

Os funcionários foram proibidos de trancar ou agredir os pacientes, além de não poderem mais recorrer a qualquer forma de violência. A força seria medida apenas de contenção – e não como justificativa de tratamento. O Anchieta foi fechado anos depois, em episódio conhecido como o “fim da Casa dos Horrores”.

Lancetti era amigo pessoal de David Capistrano e companheiro de militância e trabalho.

Capistrano foi secretário de Saúde de Santos de 1989 a 1992, e prefeito da cidade entre 1993 e 1996. Desenvolveu e implementou políticas públicas precursoras e inovadoras na área de saúde que acabaram por se tornar referência em todo o mundo – colaborando inclusive com o texto que deu origem ao capítulo sobre o SUS na Constituição de 1988. Também ganhou diversos prêmios internacionais.

[“Aprendi muito com ele. ‘Primeiro a vida, depois a lei; faça, depois pense’. É o que chamo de ‘Paixão Capistrano’. Sou considerado uma das viúvas do David. Com muito orgulho, mas temos que superar.” ]

Sobre a situação dessa luta hoje, Lancetti provoca:

[“A reforma psiquiátrica no brasil é triunfante, mas vem sofrendo derrotas. Foram desativados 60 mil leitos, mas outros tantos foram criados pelas clínicas.”]

[“O que seria de uma cidade que pretende acabar com os territórios marginais? Não seria um delírio? Todo o movimento antimanicomial se organizou em torno da utopia de uma sociedade sem manicômios, e hoje é surpreendido pela utopia de uma cidade sem drogas. Alguém já pensou o que seria uma sociedade sem drogas? Seres humanos que não pudessem sair de si?

Que teriam que permanecer na normatização chata, quadrada da vida contemporânea desse capitalismo idiotizante que a gente vive? ”]

Psicanálise e empatia

[“Deveríamos organizar um colóquio sobre o ódio social produzido no Brasil, sobre esse ressentimento, esse senso comum sobre corrupção. ”]

[“Nossa existência é tão achatada. Temos tantas ameaças à nossa subjetividade que urge se encontrar com as próprias potências. ”]

[“Vou citar um pedaço do texto que estamos escrevendo a quatro mãos, eu e esse rapaz, o Gabriel, que eu conheci ali no fluxo, na cracolândia. Chama-se ‘Gabriel e o mundo do submundo’: ‘(..) O negócio é o seguinte: você nunca vai ser dono do que é seu, por isso vc vai ter tudo o que vc precisa, e nada do que você deseja. Porque quem não sabe o que faz, não sabe o que quer’.”]

Bibliografia

LANCETTI, Antonio. Contrafissura e Plasticidade Psíquica. São Paulo, Hucitec, 2015. ___________________ . Clínica peripatética. São Paulo, Hucitec, 2006. ___________________ (org.). Coleção Saúde loucura. São Paulo, Hucitec.

___________________ . “Fim do programa De Braços Abertos seria um grande equívoco”. Revista Brasileiros, 27 de setembro de 2016. Disponível em: http://brasileiros.com.br/2016/09/fim-programa-de-bracos-abertos-seria-grande-equivoco/

FIORE, Maurício; RUI, Taniele; TÓFOLI, Luis Fernando. “Programa De Braços Abertos: uma análise dos impactos e perspectivas”. Cebrap, Open Society e outras: http://www.ibccrim.org.br/tvibccrim_video/504-Programa-De-Bracos-Abertos-uma-analise-dos-impactos-e-perspectivas

UM PESADELO DE MÃE: TERRÍVEL, MUITO TERRÍVEL

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O pior pesadelo para os pais é a morte de seu filho. O que aconteceu com Marci Weber é pior. Webber experimentou um episódio psicótico paranoide provocado pela medicação psiquiátrica. Ela saiu do episódio psicótico tomando conhecimento que havia matado a sua filha de quatro anos Maggie, a quem ela amava e tinha muito carinho, e tentou se suicidar.

Agora confinada indefinidamente em um hospital estatal para aqueles considerados Não Culpados Devido à Insanidade, Marci quer alertar o público acerca dos perigos das medicações psiquiátricas e está à procura por justiça para ela própria e a sua família. Ela me pediu para compartilhar a sua história.

Marci, com 43 anos de idade, era uma batalhadora mãe solteira de três filhas, quando a tragédia ocorreu. Ela estava vivendo no norte de Nova York e de licença médica da Escola de Direito Albany onde estava seguindo os estudos de mestrado em serviço social e doutorado profissional em direito. Ela é uma veterana do exército e foi voluntária em muitas organizações sem fins lucrativos que beneficiam crianças em sua comunidade.

Marci viveu sob grande estresse durante muitos anos. Para ajudá-la a lidar com o estresse, os médicos de Marci prescreveram uma crescente gama de drogas psiquiátricas, que incluíram dois antidepressivos (Wellbutrin 300 mg e Zoloft 200 mg), um antipsicótico (Seroquel 100 mg) para dormir e um sonífero (Ambien 10 mg), assim como medicação para a pressão sanguínea (Metoprolol 100 mg) para acalmar. Embora Marci não compreendesse isso naquela época, essa combinação de drogas não testada estava na prática exacerbando, não diminuindo, o estresse dela e a sua ansiedade, e causando problemas cognitivos e de memória junto com sintomas físicos inexplicáveis.

Em setembro de 2010, Marci levou Maggie a uma visita à sua mãe e à sua irmã mais velha, em Illinois. O seu médico da atenção primária, que estava prescrevendo a sua medicação psiquiátrica, não a via desde janeiro de 2010, embora continuasse a renovar a prescrição de Marci. Ela deixou de renovar a prescrição de Zoloft 200 mg, contudo, e que foi por fim renovada em 27 de julho.

Marci retornou rapidamente para Nova York e voltou logo depois para Illinois. Mas desta vez que ela retornou a Illinois, a sua mãe e Mallory a sua filha de 18 anos de idade notaram que Marci não era a mesma. Ela estava nervosa e preocupada que as pessoas estavam atrás dela. Marci também tinha sintomas parecidos com os da gripe, como dores pelo corpo, cansaço, sudorese e câimbras. Os membros da sua família estavam preocupados porque eles não conseguiam entender o que estava se passando, mas eles não ficaram alarmados porque Marci nunca havia sido perigosa. De fato, Marci estava experimentando sintomas de abstinência da medicação psiquiátrica, que podem causar sintomas semelhantes à gripe, assim como paranoia, psicose, comportamentos suicidas e homicidas. Ninguém havia advertido a ela ou a sua família que isso poderia vir a ocorrer.

Marci se deu conta de haver esquecido os seus remédios em casa e tentou obter as suas prescrições no Walmart em Illinois. Ela foi informada que eles não poderiam lhe fornecer os medicamentos, devido a uma lei de Nova York que impede que médico envie a prescrição por telefone ou por fax. A sua médica da atenção primária disse que ela deveria esperar pelas prescrições que estariam sendo enviadas pelo correio. Ninguém advertiu Marci acerca dos riscos da interrupção abrupta. Ninguém acessou o seu estado mental ou se ela tinha sintomas de abstinência ou a aconselhou a ir a um hospital.

Marci retornou à casa da sua mãe e passou a ficar mais paranoide e a delirar. Ela acreditava que a sua filha Maggi seria sequestrada pela internet por um disco iluminado que a iria vender como escrava sexual, e depois que a iria matar durante um ritual satânico, enviando a alma de Maggi para o inferno pela eternidade. A sua filha Mallory encontrou a sua irmã morta e a sua mãe ferida e chamou por socorro pelo telefone.

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Logo depois do homicídio, eu fui contatada pelos detetives que investigavam o caso. Eu era a antiga psicoterapeuta de Marci. Eu não tratava Marci há dois anos, mas eu ocasionalmente estava em contato com ela. Quando eu soube do que havia ocorrido, eu imediatamente informei os detetives que eu suspeitava que o homicídio e a tentativa de suicídio estavam relacionados com drogas psiquiátricas. Eu conheci Marci intimamente por 8 anos e sabia que ela era uma mãe atenciosa e amorosa para com as suas crianças. Marci nunca tinha sido violenta ou psicótica antes. E é extremamente pouco comum para uma pessoa ter um primeiro episódio psicótico em uma idade com a dela, e quando isso ocorre é geralmente devido a uma causa física.

Eu também contatei imediatamente o defensor público designado para o caso de Marci e o informei das minhas suspeitas. Eu enviei a ele artigos, livros e nomes de psiquiatras (incluindo Dr. Peter Breggin e Dr. Josep Glenmullen) que conheciam bem acerca de homicídio e suicídio induzidos por drogas psiquiátricas. O defensor público recusou em trazer essa questão para o processo de Marci e firmemente aconselhou Marci e a sua família a não apresentarem um processo de morte por negligência, justificando que isso iria prejudicar o seu caso criminal.

Após passar quase que dois anos na cadeia, Marci foi inocentada devido à insanidade e enviada para um hospital psiquiátrico para insanos criminosos, onde ela pode ficar confinada por até 100 anos. Ela passou quatro anos confinada no Centro Hospitalar Mental de Elgin. O pessoal do hospital recusou a considerar até mesmo a possibilidade de que o homicídio esteve relacionado às suas drogas psiquiátricas, e não demonstraram sinais de soltá-la. O ambiente lá era muito mais hostil e abusivo do que terapêutico. Ela sofreu 15 vezes abusos físicos por outros pacientes, algumas vezes por instigação da equipe. Dois membros da equipe até mesmo encorajaram-na a se matar e lhe forneceram meios para fazer isso.

Marci recusou tratamento com drogas psiquiátricas lá, o que lhe permitiu se recuperar da sua confusão mental. Ela está lúcida e não psicótica, apesar das circunstâncias muito difíceis em que vive. Ela não é um perigo para ela própria e nem para os outros. Recentemente ela foi transferida para um outro estabelecimento, Chicago Read Mental Health Center, com nenhuma explicação para as razões de tal procedimento ou plano de soltura. As condições de lá, embora menos violentas e hostis, continuam a serem desumanas. O pai de Marci em estado terminal e as suas duas filhas sobreviventes necessitam dela e querem que ela seja solta. Ela tem uma oferta de emprego em Arizona, onde ela pode estar perto do seu pai.

Nós estamos procurando recursos doados para uma representação legal e avaliações de psiquiatras independentes, a fim de garantir uma audiência de soltura para conseguir que Marci fique livre. Também estamos procurando por um promotor para representar Marci em um processo por prática de negligência contra a médica que prescrevia as drogas.

Marci prometeu que, após ganhar a liberdade, irá falar publicamente a respeito da sua experiência, a fim de educar o público acerca dos perigos das drogas psiquiátricas, para que ninguém passe pelo que ela passou descendo ao inferno.

A maioria das vítimas dos efeitos homicidas/suicidas das drogas psiquiátricas não vivem para contar a sua história. A história de Marci necessita ser contada.

Doações protegidas para despesas legais podem ser feitas clicando aqui.

Marci agradecerá muito se lhe enviarmos cartas de apoio. Está sendo muito difícil para ela manter o seu bom astral em tais circunstâncias. Você pode escrever para ela em: Marci Webber, Chicago Read Mental Health Center, B. South, 4200 North Oak Park Ave, Chicago, IL 60634. Ela também pode ser alcançada pelo telefone (773) 794-4036, mas por favor observe que esse telefone é para todos os pacientes da unidade e pode estar ocupado.

(trad. Fernando Freitas)

Cindy Perlin é trabalhadora da Clinical Social e profissional de Biofeedback practitioner que trabalha na clínica privada perto de  NY há 25 anos. Ela é a ex-presidente da Northeast Regional Biofeedback Society. Ela é autora do livro The Truth About Chronic Pain Treatments: The Best and Worst Strategies for Becoming Pain Free.

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O Ministério da Saúde quer custear as Comunidades Terapêuticas

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A despeito do posicionamento claro das entidades representativas de classe dos trabalhadores em saúde mental e das diversas organizações de movimentos sociais, o governo (golpista) Temer está decidido a cadastrar as comunidades terapêuticas como estabelecimentos de saúde, integrando-as ao SUS.

Sabe-se que as chamadas comunidades terapêuticas que se espalham pelo país, para tratamento de pessoas problemas com o uso de drogas ilegais e álcool, oferecem uma assistência em que na maioria dos casos é uma violência contra os direitos humanos de seus pacientes. Seus princípios ditos como assistenciais contrariam os pressupostos que orientam as políticas públicas construídas pelo Sistema Único de Saúde (SUS) – e, em particular, pela Reforma Psiquiátrica – que é a defesa intransigente da ‘dignidade humana’.

São abundantes e inequívocas as evidências de violência e de violação dos direitos humanos em relatos de pacientes, familiares e profissionais de saúde. As violações são a regra, tais como: interceptação e violação de correspondência, violência física, castigos, tortura, exposição a situações de humilhação, imposição de credo, exigência prévia de exames clínicos como teste de HIV, intimidações, desrespeito à orientação sexual, revista vexatória de familiares, violação de privacidade, entre outras.

Sabe-se que a suposta proposta terapêutica da grande maioria das Comunidades Terapêuticas está fundamentada no que há de mais retrógrado, em uma pseudociência.

Em um ambiente com características tipicamente do ‘modelo asilar’ de assistência, busca-se forjar como efeito ou cura da dependência a construção de uma identidade culpada e inferior, substituindo a dependência química pela submissão ao ideal, mantendo submissos, inferiorizados, os pacientes que lá são tratados. A maioria dessas práticas sociais adota a opção por um credo pela fé religiosa como recurso de tratamento. Além da incompatibilidade com os princípios que regem as políticas públicas – o caráter republicano e laico delas – essa escolha conduz à violação de um direito: escolha de outro credo ou a opção de não adotar nenhum, ou seja, não seguir nenhuma crença. Na prática desses lugares, conforme o que é constantemente relatado, os internos são constrangidos a participar de atividades religiosas, mesmo quando sua crença e fé são outras, até porque não existe outra possibilidade para os internos.

A maioria das Comunidades Terapêuticas tem como funcionários, apenas religiosos, pastores, obreiros, quase sempre ex-usuários convertidos. Quando há profissionais de saúde, como médicos, psicólogos, assistentes sociais, enfermeiros, técnicos de enfermagem, as suas atuações são submetidas a princípios religiosos e morais. Poucos profissionais se orientam de fato pelos saberes técnico-científicos.

Assim como ocorre nos manicômios, há falta de higiene, seus usuários trabalham sem remuneração (em nome da laborterapia), há tratamento diferenciado entre os pacientes com mais recursos financeiros.  E pasmem: a internação de menores nessas unidades é feita sem a presença dos pais.

Como já foi sublinhado pelo psicólogo Fábio Belloni, ‘Os manicômios hoje se chamam comunidades terapêuticas‘.

A matéria da Carta Capital sintetiza o que o governo (golpista) Temer está fazendo, “sem qualquer debate, a Secretaria de Atenção à Saúde da pasta editou em outubro a portaria 1.482, que determina a inclusão das comunidades terapêuticas no Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde (CNES)”.

Como diz o procurador da República Jefferson Aparecido Dias, do MPF:

Nós cometemos um erro grande no passado ao colocar pessoas com transtorno mental em locais inadequados, verdadeiros depósitos de gente. Depois de várias décadas, tentamos consertar isso. Mas estamos cometendo o mesmo erro agora, com as comunidades terapêuticas”.

Leia na íntegra essa matéria de Carta Capital.

 

 

POR QUE EU PENSO QUE OS ANTIDEPRESSIVOS CAUSAM MAIS DANOS DO QUE BENEFÍCIOS

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peter-gotzscheEm The Lancet Psychiatry, David Nutt e colegas (1)  afirmaram que manchetes tais como “Antidepressivos fazem mais mal do que bem”, ao explorarem “um novo patamar baixo de uma polêmica irracional”. Eu descordo e descrevo aqui as evidências que dão sustentação ao meu argumento, e com isso os leitores podem julgar por eles próprios o que eles pensam acerca da defesa dessas drogas por Nutt e seus colegas.

Com relação aos benefícios dos antidepressivos, a agência reguladora estudunidense FDA, em sua grande meta-análise de 100.000 pacientes, metade deles de deprimidos, observou que 10% mais pacientes responderam aos antidepressivos do que a placebo (2), e a revisão do Cochran (3) de pacientes deprimidos registrou resultados semelhantes (i.e, de cada dez pacientes tratados um pode se beneficiar).

Contudo, eu acredito que tais resultados foram exagerados, e por várias razões (4). A mais importante, as pesquisas não foram blindadas o suficientemente. Os antidepressivos têm efeitos colaterais evidentes e, por conseguinte, muitos pacientes e seus médicos irão saber se a droga testada é ativa ou é um placebo. Uma revisão sistemática de 21 pesquisas (5) em uma variedade de doenças, que tiveram avaliadores dos resultados mascarados e não-mascarados, descobriu que o efeito do tratamento foi exagerado por 36% em média (razão de chances) quando observadores não mascarados mais do que mascarados acessaram o efeito. O efeito de antidepressivos é acessado por escalas fortemente subjetivas (ex., a escala Hamilton), e se nós assumimos que o ‘cegamento’ (‘o mascaramento’) é quebrado por todos os pacientes nas pesquisas e ajustados pelo preconceito, nós encontraremos que os antidepressivos não têm efeito (razão de chance de 1.02) (4).

Contudo, eu não acredito que o ‘cegamento’ (‘mascaramento’) seja sempre quebrado, apenas que o efeito relatado seja muito provavelmente exagerado. Muitos anos atrás, pesquisas adequadamente ‘cegadas’ com antidepressivos tricíclicos foram feitas, nas quais o placebo continha atropina, que causa secura na boca como as drogas ativas assim o fazem. Essas pesquisas relataram efeitos muito pequenos, clinicamente insignificantes, dos antidepressivos tricíclicos comparados com o placebo (diferença da média padrão 0.17, 95% Cl 0.00-0.34) (6).

Um outro achado preocupante nas pesquisas randomizadas é que, por alguma razão, muitos pacientes interrompem o tratamento tanto com SSRIs quanto com placebos (7). Após apenas 2 meses, metade dos pacientes pararam de tomar a droga (8). Esse achado sugere que, em geral, considerando benefícios e danos juntos, os pacientes consideram as drogas sem utilidade. Mais importante ainda, nenhuma pesquisa mostra se essas drogas funcionam de fato para os resultados que realmente importam, tais como salvar relações e permitir que as pessoas retornem ao trabalho.

Com respeito aos danos dos antidepressivos, a maioria dos pacientes que tomam essas drogas experimentará efeitos colaterais.  A bula lista muitos efeitos colaterais comuns, dos quais os mais frequentes são problemas sexuais. Em um estudo (9) desenhado para avaliar esses efeitos colateral, problemas sexuais foram desenvolvidos em 604 (59%) dos 1022 pacientes que relataram não haverem tido problemas com a função sexual antes de começarem a usar antidepressivo. Os sintomas incluíram libido diminuída (50% dos pacientes em fluoxetina), orgasmo ou ejaculação retardados (também 50%), sem orgasmo ou ejaculação (39%), e disfunção erétil ou queda da lubrificação vaginal (22% para ambos combinados).

Mesmo quando diminuem lentamente a dose, metade dos pacientes têm dificuldade para interromper as drogas por causa dos efeitos de abstinência, que podem ser severos (10) e duradouros (4). Nós notamos que os sintomas de abstinência foram descritos em termos similares para benzodiazipinas e SSRIs, bem como para 37 dos 42 sintomas identificados (11). Contudo, tais sintomas não foram descritos como dependência para SSRIs (11). Definir como problemas similares a “dependência”, no caso dos benzodiazepínicos, e  ‘reações pela interrupção”, no caso dos SSRIs, é irracional. Para os pacientes, os sintomas são exatamente os mesmos; pode ser muito difícil interromper as drogas, as de um tipo ou as de outro.

Psiquiatras com frequência argumentam, como fizeram Nutt e colegas (1), que os antidepressivos protegem contra o suicídio. Contudo, eu acredito que não exista nenhuma  evidência clara para afirmar isso. Bons estudos de observação refutaram isso (12), e resultados de pesquisas randomizadas (13) mostraram que os antidepressivos estão associados com o aumento de risco de tentativas de suicídio (5.6 mais tentativas de suicídio para 1000 pacientes-anos de exposição aos SSRIs comparados com o placebo). Antidepressivos não apenas têm sido associados com o suicídio, mas também com o homicídio (4,14,16).  A análise da FDA mostrou que o comportamento suicida é aumentado com antidepressivos até a idade de 40 anos – mas de fato, a situação é muito pior do que isso. Suicídios e tentativas de suicídio foram amplamente não relatadas na análise do FDA por várias razões (4). Por exemplo, apenas cinco mortes por suicídio foram relatadas em 52 960 pacientes em antidepressivos na análise do FDA (2) em 2006, enquanto que cinco mortes por suicídio foram relatadas em 2963 pacientes em paroxetina apenas em uma meta-análise de 1993 (17).

Os SSRIs são particularmente daninhos para pacientes idosos. Resultados de estudo de uma amostra cuidadosamente controlada (18) com pessoas com mais de 65 anos de idade com depressão mostrou que SSRIs levaram a quedas em número maior do que  os antigos antidepressivos ou se a depressão não houvesse sido tratada. Para cada 28 pessoas idosas tratadas por 1 com um SSRI, houve uma morte adicional, comparado com os não tratados (18). SSRIs têm também efeitos estimulantes e podem precipitar a conversão para o transtorno bipolar em cerca de 10% das crianças entre 10-14 anos sendo tratadas pelos serviços de saúde mental (19).

“Os SSRIs são drogas muito pobres e eu duvido que elas possam ser seguras em qualquer idade. “

O primeiro SSRI foi a fluoxetina, com o regulador de drogas da Alemanha julgando ser “totalmente inadequada para o tratamento da depressão” (14,20) . Eu, e outros, (4,21) escrevemos sobre a controvérsia ao redor dessa droga e o seu processo para aprovação, não obstante ter sido aprovada e amplamente usada.

Eu escrevi previamente (4) que tem havido uma intensa comercialização e um crime generalizado cometidos pelas empresas farmacêuticas, incluindo fraude, promoção ilegal e corrupção de psiquiatras. Nos Estados Unidos, os psiquiatras recebem mais dinheiro da indústria farmacêutica do que nenhuma outra especialidade médica (4,22). Como resultado, a quantidade de antidepressivos prescritos todo ano na Dinamarca é suficiente para fornecer tratamento para todas as pessoas no país por 6 anos de suas vidas (4). Eu acredito que essa situação não parece boa e que também retrata o fato que muitos pacientes não podem interromper essas drogas, devido aos intoleráveis sintomas de abstinência.

Os SSRIs têm mostrado terem benefícios mínimos ou não-existentes em pacientes com depressão leve ou moderada (23), e eu penso que até mesmo essas drogas não podem sequer funcionar para a depressão severa (4). Elas devem ser usadas muito cuidadosamente, se de todo, e sempre com um plano claro para eliminá-los paulatinamente. Os assim chamados estudos de manutenção, nos quais pacientes após um tratamento bem sucedido recebem aleatoriamente ou uma droga ou um placebo, não podem ser interpretados como mostrando que os pacientes ainda necessitem a droga, por ser devido aos sintomas de abstinência, o que pode incluir depressão, e que são infligidas no grupo placebo.

Nutt e dois dos seus co-autores, Guy M Goodwin e Stephen Lawrie, têm entre eles declarado 22 conflitos de interesse em relação às companhias farmacêuticas (1). Eu pergunto-me se essa declaração não explica a sua renúncia à psicoterapia (embora seja efetiva e recomendada pelo NICE) e a descrição deles da minha visão como uma polêmica irracional que estaria insultando a disciplina da psiquiatria e reforçando o estigma contra as doenças mentais. Eles também falam de anti-psiquiatria, anti-capitalismo e de uma teoria conspiratória. Essa é a linguagem das pessoas que são curtas de argumentos.

Bibliografia:

1              Nutt DJ, Goodwin GM, Bhugra D, Fazel S, Lawrie S. Attacks on antidepressants: signs of deep-seated stigma? Lancet Psychiatry 2014 ; 1: 103–04.

2              Laughren TP. Overview for December 13 Meeting of psychopharmacologic drugs advisory committee (PDAC). 2006 Nov 16. http://www.fda.gov/ ohrms/dockets/ac/06/briefing/2006-4272b1-01-FDA.pdf (accessed Oct 22, 2012).

3              Arroll B, Elley CR, Fishman T, et al. Antidepressants versus placebo for depression in primary care. Cochrane Database Syst Rev 2009; 3: CD007954.

4              Gøtzsche PC. Deadly medicines and organised crime: how big pharma has corrupted health care. London: Radcliffe Publishing, 2013.

5              Hróbjartsson A, Thomsen AS, Emanuelsson F, et al. Observer bias in randomised clinical trials with binary outcomes: systematic review of trials   with both blinded and non-blinded outcome assessors. BMJ 2012; 344: e1119.

6              Moncrieff J, Wessely S, Hardy R. Active placebos versus antidepressants for depression. Cochrane Database Syst Rev 2004; 1: CD003012.

7              Barbui C, Furukawa TA, Cipriani A. Effectiveness of paroxetine in the treatment of acute major depression in adults: a systematic re- examination of published and unpublished data from randomized trials. CMAJ 2008; 178: 296–305.

8              Serna MC, Cruz I, Real J, et al. Duration and adherence of antidepressant treatment (2003 to 2007) based on prescription database. Eur Psychiatry 2010; 25: 206–13.

9              Montejo A, Llorca G, Izquierdo J, et al. Incidence of sexual dysfunction associated with antidepressant agents: a prospective multicenter study of 1022 outpatients. Spanish Working Group for the study of psychotropic- related sexual dysfunction. J Clin Psychiatry 2001; 62 (suppl 3): 10–21.

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20           Internal Eli Lilly memo. Bad Homburg. 1984 May 25 (available on request).

21           Virapen J. Side effects: death. College Station: Virtualbookworm.com Publishing, 2010.

22           Insel TR. Psychiatrists’ relationships with pharmaceutical companies: part of the problem or part of the solution? JAMA 2010; 303: 1192–93.

23           Fournier JC, DeRubeis RJ, Hollon SD, et al. Antidepressant drug effects and depression severity: a patient-level meta-analysis. JAMA 2010; 303: 47–53.

Este artigo foi originalmente publicado em  The Lancet.

 

Peter Gotzsche (Nordic Cochrane Centre), Dept 7881 Righospitalet, Copenhagen, Denmark [email protected]

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O QUE É PSIQUIATRIA HOLÍSTICA?

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Por Dr. Gary Gibbs.

Blog publicado originalmente em Mad in America de 3/12/2016

 

 

A psiquiatria holística ensina que em cada um e em todos nós há grandes e latentes poderes, que estão além da vida com a qual estamos habituados. Ela também ensina que há métodos práticos pelos quais essas forças podem ser liberadas. Há uma metáfora Oriental que diz que nós temos em nós uma ampla e linda casa, cheia de móveis finos, uma livraria, e muitos quartos maravilhosos, porém estamos presos em uma cozinha no porão. Desconhecemos os quartos que estão na casa, e quando nos dizem que eles existem, nós não acreditamos.

A psiquiatria implica mais do que apenas prescrever uma pílula. O que significa olhar para a pessoa como um todo, o quadro geral. Assim como uma educação da criança será incompleta se apenas um assunto é o estudado; as crianças necessitam estudar uma variedade de assuntos, incluindo a leitura, a escrita e a aritmética, assim como música e educação física, para estarem melhor preparadas para a vida neste mundo. Da mesma maneira, nós necessitamos trabalhar nos diversos níveis, quando uma transformação real e completa é a meta.

A psiquiatria holística significa se adotar uma abordagem mente-corpo-espírito. Isso não é apenas uma posição teórica; em vez disso, é uma postura em nossa vida cotidiana, para que cada parte – mente, corpo e espírito – seja especificamente abordada. Progresso cotidiano no autodesenvolvimento não é o resultado de acidente ou acaso, mas vem de uma sólida prática de trabalho consigo próprio.

O sistema com o qual eu trabalho tem seis ramos:

(1) Medicina convencional e medicina alternativa

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Estando bem informado sobre estes dois campos da medicina permite que o médico ofereça uma escolha mais ampla de medicamentos. Enquanto os medicamentos convencionais têm a vantagem de grandes estudos ‘duplamente cegos’ demonstrando eficácia, os medicamentos à base de plantas têm uma longa história de evidências empíricas que documentam o mesmo. Mas há uma diferença: medicamentos à base de plantas tendem a ter “benefícios colaterais” em vez de “efeitos colaterais”.

“Você anda brincando com remédios alternativos, não é?”

 

 

 

2) Auto estudo

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Detalhe da escola de Atenas por Raphael. Sócrates à esquerda, Platão à direita.

Duas das máximas mais famosas de Sócrates são: “Conhece-te a ti mesmo” e “A vida não examinada não vale a pena ser vivida”.  É claro que para que ocorra o autodesenvolvimento devemos aprender a estudar a nós mesmos – quem somos e quem podemos ser.

Além dos métodos tradicionais de auto-estudo, eu criei um método chamado Mapeamento da Mente (Mind Charting). Isso envolve um gráfico com três colunas: Eventos, Mente Inferior e Mente Superior. Os eventos são as ocorrências memoráveis de nossas vidas. A Mente Inferior e a Mente Superior são nossas percepções e reflexões sobre esses eventos. Treinando nossa Mente Superior a ser mais forte do que nossa Mente Inferior, nossa consciência é elevada. O grande filósofo estoico Epícteto disse: “Cada evento que experimentamos em nossas vidas tem duas alças, uma pela qual se pode facilmente transportar, enquanto pela outra não.” Pode-se considerar essas alças como representando as Mentes Superior e Baixa. Por exemplo, considere quando lamentamos uma ocorrência sobre a qual não temos poder para mudar. Com essa alça é difícil de transportar. Mas quando aceitamos uma ocorrência que está além do nosso poder de mudar, essa é a alça com a qual se pode bem transportar.  Eu acredito que essa é a alça que permitiu Jesus dizer: “Meu jugo é fácil e meu fardo é leve”.

Mapeando a Mente é uma ferramenta para sintonizar a mente, como um rádio, ao Canal da Verdade – a onda mental do pensamento positivo. É também uma ferramenta para entender o Canal de Maya – o canal das mentiras, a onda mental do pensamento negativo.

3) Pranayama

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Essa é uma palavra em sânscrito, que significa controle da expansão da energia. Isso é conseguido através da prática de técnicas de respiração. Na clássica Yoga Ashtanga (oito braços), a pranayama é o quarto membro, e como tal, é considerado o elo entre os membros inferiores e os superiores. Através de vários pranayamas se energiza o corpo, se purifica o sistema nervoso e se esclarece a mente. Por essas razões pranayama é considerada uma porta de entrada para a Mente Superior.

4) Treinamento do Corpo

Treinamento físico tem três componentes – flexibilidade, força e resistência. Cada uma dessas qualidades são desenvolvidas no corpo e depois transferidas para a mente.

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O alongamento constrói um corpo flexível. Quando temos flexibilidade do corpo naturalmente desenvolvemos a flexibilidade da mente. Na medida em que você é flexível, você nunca é velho. Assim como se você ficar rígido, não importa quão jovem você seja, você é velho. Nosso sistema nervoso central (cérebro e medula espinhal) está diretamente conectado ao nosso sistema nervoso periférico que se estende desde as pontas dos dedos até a ponta dos dedos dos pés. Estique seu corpo, estique sua mente.

Todo pensamento negativo cria uma contração em algum lugar no corpo físico. Regular alongamento (como as asanas do Yoga) libera estas contrações e ajuda a fortalecer onda da mente de pensamento positivo.

BKS Iyengar. 1918-2014. O mundialmente famoso mestre de hatha yoga

Força

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Um ícone da aptidão durante toda sua vida, Jack LaLanne comemorou seu aniversário de 80 anos nadando na baía de São Francisco puxando um rebocador por seus dentes.

Exercícios de construção de força não só constroem um corpo poderoso, eles promovem o poder da mente que nos ajuda a não ser facilmente sobrecarregados. A força do corpo ajuda a construir a força da mente. Quando nos tornamos fortes, não somos tão facilmente “empurrados” fisicamente ou mentalmente.

Resistência

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Atividades que aumentam a frequência cardíaca constroem resistência física e também promovem a perseverança da mente. A vida não é uma corrida de velocidade, mas sim um evento de longa distância.

5) Fortalecimento da Mente

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Assim como o corpo necessita de exercício físico, a mente também precisa ser estimulada diretamente para ser verdadeiramente saudável e forte.

Ler livros, jornais e revistas aumenta seu vocabulário. Aprender novas línguas e jogar xadrez (não apenas jogar, mas também estudar) são exemplos de exercícios privilegiados para a mente. A ciência demonstrou que exercícios mentais como a leitura e o estudo promovem a neurogênese (o crescimento de novos neurônios), bem como aumentam as conexões sinápticas entre os neurônios. Este é o processo anatômico e fisiológico de desenvolvimento da força da mente.

As palavras são os blocos de construção da mente. Ao aumentar nossa amplitude do vocabulário, aumentamos nossa amplitude da mente. A mente é um feixe de palavras inter-relacionadas que chamamos de pensamentos. A qualidade das palavras que dizemos a nós mesmos (nossos pensamentos) determina a qualidade de nossas vidas.

Para maximizar o fortalecimento da mente, precisamos nos envolver ativamente em nosso aprendizado. Por exemplo, se apenas adivinharmos uma nova palavra que encontramos em nossa leitura, não estamos aprendendo em um nível ótimo. Para dominar uma nova palavra, o método que aprendemos na escola é o melhor. Escreva as palavras em baixo, escreva a pronúncia e a definição, e coloque-as em uma frase. Assim como o corpo necessita de exercício físico, a mente também precisa ser estimulada diretamente para ser verdadeiramente saudável e forte.

6) Meditação

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Hariakhan Baba. O lendário yogi do Himalaia, que é dito ter a capacidade de aparecer e desaparecer conforme a sua vontade.

A meditação é dita ser o caminho real para a auto realização. Todos os grandes místicos praticavam a meditação. Métodos de meditação podem ser aprendido a partir de um livro, no entanto, pode-se fazer um progresso mais rápido se você é iniciado em um método com um autêntico professor.

* * * * *

Uma visão geral do livro do Dr. Gibb que está para sair – The Art of Mind

Dr. Gary Gibbs

www.drgarygibbs.com

Dr. Gary Gibbs é um Psiquiatra Holista. Ele é graduado pela Universidade de Nova Inglaterra (University of New England), Faculdade de Medicina Osteopata (College of Osteopathic) e completou o seu treinamento como residente em psiquiatria no Hospital St Luke’s Roosevelt em Manhattan, afiliado à Universidade de Columbia (Columbia University). Ele é graduado da Mt Madonna College de Ayurveda e um estudante de longo tempo da yoga clássica e Baba Hari Dass. Ele foi o diretor, por vários anos, da Clínica Mente-Corpo-Espírito de Monterey, Departamento da Saúde Comportamental. Atualmente, ele trabalha em clínica privada com Psiquiatria Holista em Santa Cruz, California, e é Professor Assistente na Universidade de Tuoro (Tuoro University), Faculdade de Medicina Osteopática.

Usando tratamento baseado na meditação-respiração para a depressão

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A eficácia da prática de meditação, baseada na respiração, enquanto tipo de intervenção ‘complementar’, senão substituta, para a depressão. Os autores de um recente artigo publicado online no The Journal of Clinical Psychiatry investigaram o quanto a meditação é eficaz para produzir um bem-estar. Os pesquisadores viram que esse tipo de intervenção aliviava os sintomas da depressão e da ansiedade em indivíduos que não haviam respondido bem ao tratamento com antidepressivos.

“Levando em consideração que uma grande parcela de pacientes  não respondem satisfatoriamente aos antidepressivos, é importante que encontremos novas opções para aqueles que lutam como melhor enfrentar a depressão.”

É o que foi afirmado pelo autor principal, Anup Sharma, em um comunicado à imprensa para o Penn Medicine.

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A depressão é um dos diagnósticos de transtorno mental mais comum, segundo as autoridades sanitárias. Nos Estados Unidos, tomando como referência os dados oficiais da Psiquiatria institucional, a depressão atinge 7% da sua população.  E, no Brasil, segundo os dados do IBGE, cerca de 10.2% dos desempregados no país sofrem de depressão; isso em 2013, portanto antes do aprofundamento da crise econômica e da forte recessão sofrida nos tempos atuais.

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A despeito que a medicação, especificamente os antidepressivos, seja o tratamento mais popular para essa condição, esse meio de tratamento deixa muito a desejar. Além do que nem todos se adaptam ao tratamento com antidepressivos, a médio e a longo prazos os efeitos colaterais nefastos se acumulam.

Em uma pesquisa prévia, os autores reforçam que é urgente que se faça uma revisão crítica com relação à prescrição de antidepressivos, devido a que as evidências científicas demonstram a sua pobre eficácia e o potencial de efeitos colaterais bastante daninhos.

Estudos científicos recentes que tomam como foco  exercícios físicos e  meditação demonstram que tais intervenções são válidas no tratamento da depressão, com reduzidos efeitos colaterais prejudiciais, para um grande número de condições incluindo stress, ansiedade e a depressão.

A prática de yoga Sudarshan Krya é uma dessas práticas com resultados surpreendentes: para um grande número de condições, incluindo stress, ansiedade e a depressão.

Vejamos mais detalhadamente o desenho da pesquisa e seus resultados.

Para serem incluídos nos critérios do estudo, os participantes tinham que apresentar sintomas de depressão (conforme os critérios de diagnóstico oficiais), estando em tratamento há pelo menos oito semanas com antidepressivos. Os pesquisadores recrutaram 25 adultos com um diagnóstico de ‘Transtorno de Depressão Maior’, que não estavam respondendo ao tratamento com antidepressivos. Os participantes foram escolhidos aleatoriamente (randomizados) para cada um dos dois grupos, durante oito semanas: ou para o grupo de que fazia yoga Sudarshan Kriya  (SKY), ou para um grupo de controle colocado na lista de espera. Independentemente da escolha aleatória (randomização), os participantes continuaram a receber antidepressivos durante o estudo.

Indivíduos no grupo SKY participaram em um programa de seis sessões de duração durante a sua primeira semana de tratamento. As sessões incluíram exercícios de yoga e posturas, assim como meditação e educação. Nas sete semanas subsequentes, os participantes participaram de uma sessão semanal de acompanhamento (follow-up) e completaram a sessão em sua casa.   Os indivíduos que fizeram parte do grupo de controle na lista de espera continuaram a receber o seu tratamento e a eles lhes foi oferecida a opção de participaram na intervenção com yoga ao final do estudo.

Os sintomas de depressão e de ansiedade dos participantes foram mensurados no começo do estudo, como base de dados de partida para a comparação, e no final do estudo (as 8 semanas como base de dados pós a experimentação).

A média na base de dados indicava uma severa depressão nos indivíduos da amostra feita para o estudo. Após oito semanas, os participantes no grupo SKY mostraram uma melhora significativa muito maior dos sintomas de depressão e ansiedade, na medição feita com a Escala Hamilton de Avaliação de Depressão (HDRS-17), ao ser comparado com o grupo da lista de espera. Os participantes no grupo de intervenção igualmente mostraram maiores reduções dos sintomas de depressão e ansiedade, ao ser utilizado o Inventário Beck de Depressão (BDI) e o Inventário Beck de Ansiedade (BAI). Os participantes no grupo de controle não tiveram melhoras significativas.

É verdade que, a despeito dos fortes resultados, o tamanho da amostra limita a generalização de seus achados. Porém, os autores concluíram que os resultados do seu estudo apontam que a intervenções com SKY como tratamento para os indivíduos que não respondem ao tratamento com antidepressivos são promissoras. O fato de não haverem sido relatados eventos adversos em seu estudo igualmente sugere que esse pode ser um tratamento importante para aqueles indivíduos para quem os antidepressivos podem de algo modo serem deletérios.

“Aqui, nós temos uma terapia promissora e de baixo custo que pode potencialmente servir como uma abordagem efetiva e não medicamentosa para pacientes que estão batalhando contra essa doença”, Sharma expressou em Penn Medicine.

****

Sharma, A., Barrett, M.S., Cucchiara, A.J., Gooneratne, N.S., & Thase, M.E. (2016). A breathing-based meditation intervention for patients with major depressive disorder following inadequate response to antidepressants: A randomized pilot study. Journal of Clinical Psychiatry. 10.4088/JCP.16m10819 (Abstract)

DIÁLOGO ABERTO: REDUÇÃO DA MEDICAÇÃO E SUPORTE CIENTÍFICO

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Jaakko Seikkula, apresenta com detalhes a abordagem finlandesa da esquizofrenia e das psicoses em geral com os melhores resultados em todas as sociedades do mundo ocidental. Trata-se do Open Dialogue (Diálogo-Aberto).

O Mad in Brasil, dá sequência às postagens com o resumo das palestras apresentadas no Simpósio Científico: Drogas Psiquiátricas – riscos e alternativas -, que ocorreu na cidade de Gotemburgo, na Suécia, em 15 de outubro de 2016, .

Jaakko inicia a sua apresentação chamando a nossa atenção para o fato que ele está naquele momento se apresentando enquanto um cientista. Ele nos lembra que sem rigor científico seria impossível o que foi desenvolvido até hoje com a abordagem do Diálogo-Aberto (Open Dialogue).  Daí a importância de se fazer Ciência.

Sabemos que a maioria da pesquisa que hoje em dia é feita no campo da psiquiatria está baseada em falhas que comprometem significativamente seus resultados. Isso porque uma parte considerável dos princípios básicos da ciência utilizados pela Psiquiatria estão baseados em uma lógica de laboratório, portanto separada da vida real das pessoas. São os critérios considerados como ‘padrão ouro’: que a pesquisa seja ‘randomizada’ (os sujeitos selecionados de forma aleatória) e em ‘duplo cego’ (onde nem o examinado e nem o examinador sabem qual é a variável que está sendo utilizada em um dado momento).  É esse o modelo que é defendido, patrocinado financeiramente, e propagandeado pela Indústria Farmacêutica.

A proposta de Jaakko é que se desenvolva uma metodologia que dê conta da experiência da clínica no cotidiano das pessoas, como é o caso do Diálogo-Aberto. Trata-se do que ele chama de ‘pesquisa naturalística’. E propõe que essa metodologia seja comparada com o modelo de pesquisa hoje dominante e que costuma ser generalizável para todas as realidades investigadas.

É muito frequente se ouvir que a pesquisa que é feita de orientação ‘naturalística’ não é Ciência, na medida em que não segue os padrões científicos dominantes. E em que consiste a metodologia naturalística?  Em termos gerais:

Desenho Naturalístico:

  • Volta o olhar para o que ocorre no mundo real.
  • Não é um desenho de pesquisa de laboratório.
  • A ênfase é na validade externa.
  • O desenho é de acordo com o contexto específico e o método específico
  • O emprego de ‘métodos mistos’ – dados tanto quantitativos quanto qualitativos no mesmo projeto.

Aspectos:

  • Uso de terapias interacionais.
  • Passo 1: Fazer um acompanhamento sistemático dos resultados.
  • Passo 2: Escolha de casos para comparações.
  • Fase 3: Estudos de caso com resultados pobres e bons.
  • Passo 4: Integrar os resultados dos casos para dados estatísticos.

Em seguida, Jaakko apresenta a evolução da abordagem do Diálogo-Aberto. A abordagem tem sido desenvolvida e construída a partir da experiência no mundo real das pessoas e das suas interações interpessoais. E graças à sistemática avaliação dos resultados é que a clínica passa a ser inseparável do processo de pesquisa.  Nas próprias palavras de Jaakko:

“Não haveria o Diálogo-Aberto sem a pesquisa, porque sem pesquisa não se pode sobreviver! “.

Vejamos esses quadros que sintetizam o processo desenvolvido nessa região da Finlândia há umas três décadas.

Estudos do Diálogo Aberto em Western Lapland:

  • 1988-1991: As fronteiras entre o Hospital e a família.
  • Diferença entre pacientes que estão na primeira hospitalização, quando é recorrente a hospitalização, e os pacientes em tratamento a longo-prazo.
  • A equipe abre-se para um interesse social mais amplo.
  • Primeiras ideias sobre a importância do ‘diálogo’.

Estudos sobre Psicose:

  • 1992-1993 (Projeto Tratamento Integrado da Psicose Aguda)

(1) estudar o papel da droga psiquiátrica, no começo do tratamento e não no final.

(2) começa-se a constatar que de fato muito poucas pessoas necessitam da medicação.

  • 1994-1997 (Pesquisar o papel do Diálogo Aberto na fase aguda)

(1) Mudanças do sistema do hospital para intervenções móveis, de preferência na residência.

(2) O diálogo como foco, explorando seus recursos.

  • 2003-2005: Quais são os principais aspectos?

(1) Diferenciar o Diálogo Aberto das abordagens convencionais.

(2) Não há necessidade de hospitalização, quando se reúne com as famílias e o diálogo é de fato aberto, as soluções são construídas em conjunto, sem hierarquia.

Estudos de follow-up são realizados sistematicamente. O primeiro, de dois anos; em seguida, de 5 anos, e depois um outro de 10 anos.  Os resultados são abordados quantitativa e qualitativamente.

Princípios fundamentais para a organização do Diálogo Aberto nas Redes Sociais:

  • Ajuda imediata
  • Perspectiva de rede social
  • Flexibilidade e Mobilidade
  • Responsabilidade
  • Continuidade Psicológica
  • Tolerância da incerteza
  • Dialogismo

Os resultados dos estudos de follow-up estão disponíveis ao final do texto.

A observar que o estudo naturalístico não é ‘randomizado’ e nem com o ‘duplo-cego’. O estudo é feito na vida real. As entrevistas de follow-up são fóruns de aprendizado mútuo: pacientes-família-redes sociais/equipe de saúde mental.

Metas:

  • Meta 1: Garantir o tratamento fora do hospital, no lar das pessoas de preferência.
  • Meta 2: Aumentar o conhecimento do lugar da medicação. Não começar com medicação neuroléptica no começo do tratamento, mas focalizar em um tratamento psicossocial ativo.
  • Explorar as forças terapêuticas inerentes ao diálogo

Os resultados com o Diálogo-Aberto são surpreendentes, de longe os melhores resultados obtidos em todo o mundo ocidental.

Conclusões:

  • O Diálogo Aberto se desenvolveu em um processo inseparável da pesquisa.
  • A pesquisa naturalística fornece informação avaliável a respeito da prática – levando em conta os problemas, os dilemas.
  • A validade externa (o acompanhamento dos casos) é mais elevada do que os ensaios clínicos empíricos.
  • O grupo não medicado desde o começo tem resultados muito superiores, em médio e longo prazos.
  • Há o uso seletivo da medicação (o uso de ansiolíticos, no começo do tratamento, quando é considerado necessário por todos envolvidos, quando indispensável após as duas primeiras semanas antipsicóticos), e isso é acompanhado avaliado sistematicamente.
  • Há a replicação de todo o processo, dez anos depois.
  • A ênfase é nas descrições, e não em explicações
  • É um processo continuado.

Atualmente está sendo realizado um estudo de follow-up de 25 anos.

Bibliografia dos estudos de follow-up.

  • Seikkula, J., Aaltonen, J., Alakare, B., Haarakangas, K., Keranen, J., & Lehtinen, K. (2006). Five year experience of first episode nonaffective psychosis in open-dialogue approach: Treatment principles, follow-up outcomes, and two case studies. Psychotherapy Research, 16(02), 214–228.CrossRefGoogle Scholar
  • Seikkula, J., Aaltonen, J., Rasinkangas, A., Alakare, B., Holma, J., & Lehtinen, K. (2003a). Open dialogue approach: Treatment principles and preliminary results of a Two-year follow-up on first episode schizophrenia. Ethical and Human Sciences and Services, 5, 163–182.Google Scholar
  • Seikkula, J., Alakare, B., & Aaltonen, J. (2001a). Open dialogue in psychosis I: An introduction and case illustration. Journal of Constructivisit Psychology, 14, 247–265.CrossRefGoogle Scholar
  • Seikkula, J., Alakare, B., & Aaltonen, J. (2001b). Open dialogue in psychosis II: A comparison of good and poor outcome cases. Journal of Constructivisit Psychology, 14, 267–284.CrossRefGoogle Scholar
  • Seikkula, J., Alakare, B., Aaltonen, J., Holma, J., Rasinkangas, A., & Lehtinen, V. (2003b). Open dialogue approach: Treatment priciples and preliminary results of a two-year follow-up on first episode psychosis. Ethical and Human Sciences and Services, 5(3), 163–182.Google Scholar

A experiência clínica da abordagem do Diálogo-Aberto (Open Dialogue)

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Dra. Birgitta Alakare, diretora médica do Programa Diálogo-Aberto (Open Dialogue), em Western Lapland, na Finlândia, apresenta como é possível tratar da esquizofrenia e das psicoses em geral, sem antipsicóticos, particularmente nos primeiros episódios agudos. A experiência finlandesa é a que de longe obtém os melhores resultados em todo o mundo ocidental.

O Mad in Brasil, dando sequência às postagens com o resumo das palestras apresentadas no Simpósio Científico: Drogas Psiquiátricas – riscos e alternativas -, que ocorreu na cidade de Gotemburgo, na Suécia, em 15 de outubro de 2016, apresenta agora a intervenção de Birgitta Alakare.

Há 30 anos Birgitta é a coordenadora médica do Programa do Diálogo-Aberto (Open-Dialogue).

No começo, no Hospital de Laplande, ela lembra, a sua população era de esquizofrênicos crônicos, a maioria de pacientes fortemente medicados. Os antipsicóticos eram muito usados, que era o protocolo para os psiquiatras fazerem; no mínimo, dois diferentes a cada vez. Evidentemente que eram muitos os efeitos colaterais, e para que fossem atenuados os sintomas, cada vez mais medicamentos se faziam necessários.

A questão do diagnóstico? Ela reconhece que após 30 anos de experiência enquanto médica ainda não sabe o que é um diagnóstico ‘correto’ – quando ela se encontra com um paciente. E mesmo quando sabe qual é o diagnóstico, como estar segura de que tratamento e qual é a medicação mais adequada?

E quando se encontra com os pacientes, ela diz não poder deixar de admitir que os diagnósticos mudam todo o tempo. Isto porque os diagnósticos mudam quando se está em relações com os pacientes.  O que significa que são as relações que constroem o chamado ‘diagnóstico psiquiátrico’.

Como ocorre na psiquiatria tradicional?

Nela, o psiquiatra é um tipo de autoridade, ele é uma autoridade médica. Por conseguinte, ninguém questiona as suas recomendações ou as suas prescrições.

A medicação e a sua necessidade não são objeto de discussão com os outros. Tal quadro ilustra bem isso:

Medicação Psiquiátrica:

O paciente, a família e os outros profissionais:

  • Espera-se por um milagre
  • Há os medos
  • O tratamento pode se tornar apenas ajustar a medicação.

A família, o paciente e outras pessoas próximas ao paciente, incluindo os outros membros da equipe e profissionais, todos confiam no médico. Mas eles também têm muitos tipos de medos, e também uma certa esperança por um milagre que a medicação possa ajudar: a medicação a fazer milagres.

Os psiquiatras prescrevem a medicação de acordo com o seu próprio treinamento, essa é a regra geral.

Consequentemente, os medicamentos não são integrados ao processo de tratamento como um todo.

Mas na prática, os medicamentos são apenas uma parte – diferente e separada do tratamento.

E quando se prescreve medicamento no início, o que ocorre é que a medicação passa a se tornar o aspecto mais importante durante todo o processo de tratamento.

O foco passa a ser:

Como a medicação afeta? A dosagem é suficiente? Deve-se aumentar ou diminuir a dosagem?

Todas as pessoas ficam a olhar para ver se os sintomas desapareceram.

Assim sendo, a medicação pode ser a única discussão.

Isso é inevitável: quando a medicação é prescrita no começo do tratamento

E o que está ocorrendo na vida real? Muito pouco se sabe, não é mesmo? – ela nos indaga.

Na experiência na Finlândia, eles começaram a reforma do seu sistema de assistência com as assim chamadas ‘reuniões de tratamento’; isso foi em 1984.  E um detalhe que irá fazer a diferença: a medicação fazia parte do discutido nessas reuniões.

Com o que aprenderam com o processo: há um avanço, ao se evitar o uso de medicação com antipsicóticos durante as duas primeiras semanas do processo agudo psicótico.  Resumindo o que passa a ser experimentado entre 1992-1993:

No Projeto de 1992-1993:

  • Evitar a hospitalização
  • Evitar o uso de medicação neuroléptica no início (durante as 2 semanas)

O surpreendente para todos os membros da equipe é que a demanda por neurolépticos não foi tão grande quanto era o esperado, graças à maneira como começaram a trabalhar.

O projeto foi um estudo de nível nacional (Finlândia), mas eles continuaram a fazê-lo em Western Lapland até 1997.

Birgitte apresenta vários estudos de follow-up. Esses estudos serão apresentados por Mad in Brasil em uma postagem onde iremos apresentar com mais detalhes em que consiste a abordagem do Diálogo Aberto.

Birgitte reconhece que durante muito tempo prescreveu antipsicóticos e a hospitalização.  Mas essa experiência era muito frustrante para ela enquanto médica assim como para a equipe.

Ela fala das recaídas.

O que é dito pela indústria farmacêutica? Que o indivíduo não pode interromper o tratamento medicamentoso, senão terá recaídas.

E o que é uma recaída?  É uma nova crise, ela sublinha. Evidentemente que todo mundo pode ter uma nova crise em suas vidas. Se alguém foi deprimido num momento do passado e depois tem uma nova depressão, então ele/ela está em crise.

Birgitte apresenta os principais elementos da abordagem do Diálogo Aberto. A saber:

Princípios do Diálogo Aberto:

  • Ajuda imediata (há algo decisivo nas vidas das pessoas a espera de ajuda)
  • Rede Social (explorando os recursos disponíveis, os seus saberes dos atores)
  • Flexibilidade e mobilidade (ver os pacientes em suas residências e em seu meio social)
  • Responsabilidade (o mesmo médico acompanha todo o processo de tratamento, quando há vários há muitas medicações prescritas inevitavelmente)
  • Continuidade psicológica (a equipe acompanha todo o processo)
  • Tolerância à incerteza (as dúvidas, o reconhecimento que há uma construção coletiva, que não se tem de antemão as soluções)
  • Diálogo (tudo é discutido juntos, inclusive a própria medicação).

Com esses princípios, na prática clínica a necessidade por medicamentos diminui muito significativamente. Quando a medicação é prescrita, é importante discuti-la, e ainda avaliá-la e garantir meios para interrompe-la. E todos discutem a medicação.

Quando necessária, em geral a medicação é um ansiolítico, e no começo do tratamento. E sempre que qualquer medicação psiquiátrica é usada, sempre em baixas doses – e por um período curto. Nenhum psiquiatra está autorizado a se encontrar sozinho com o paciente. O psiquiatra faz parte, é membro da equipe específica para o caso, o que torna mais fácil enfrentar o problema da medicação.

Como abandonar a medicação?

Abandonar a medicação:

  • As medicações psiquiátricas afetam muitos receptores no cérebro.
  • O cérebro é sábio e flexível: adaptação.
  • Um grande aumento nos receptores com relação ao que havia antes da medicação.
  • Interrupção de antipsicóticos = ‘tempestade no cérebro’. Alucinações, entre outras, como uma das consequências da interrupção. Mas isso não é recaída.
  • Diminuir lentamente a medicação para que assim o cérebro possa se adaptar.
  • Esse processo pode chegar mesmo de dois a quatro anos.

Birgitta Alakare tem publicados vários artigos em periódicos científicos. Mas recomendamos o que ela escreve nesse livro:

alternatives-beyond-psychiatry

 

O DIAGNÓSTICO PSIQUIÁTRICO E A MEDICAÇÃO PSIQUIÁTRICA: O QUE NÃO COMBINA

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No dia 15 de outubro em Gotemburgo, Suécia, ocorreu um Simpósio internacional que abordou a pesquisa e as evidências baseadas na prática com relação às alternativas ao tratamento com drogas psiquiátricas.  Um grupo de cientistas internacionalmente conhecidos, clínicos, e também pessoas com as suas próprias experiências de vida, estiveram juntos para discutir essa questão fundamental da saúde mental e apresentar alternativas.

Mad in Brasil inicia a publicação de algumas das apresentações. Um resumo em português de cada palestra estará sendo disponibilizado para o público em geral. E você poderá ver na íntegra o vídeo da apresentação.

A primeira palestra aqui apresentada é a do Dr. Sami Tamimi. Ao final você pode encontar um resumo da biografia e bibliografia do Dr. Sami.

O Dr. Sami abre a sua apresentação enumerando alguns dos dilemas que ele enquanto clínico e educador enfrenta no cotidiano. Embora não tenha soluções, ele mostrou como ele vem enfrentando esses dilemas. São dilemas que provavelmente a maioria de nós enfrenta. Pois como ele diz, lidar com a vida real é confuso, muito difícil, pois implica entre outras coisas saber negociar com as pessoas.

São três os dilemas que ele sublinhou:

  • O primeiro é como lidar com as pessoas a quem foram prescritas drogas psiquiátricas.
  • O segundo dilema é que as pessoas recebem uma enorme propaganda a respeito das medicações psiquiátricas. As pessoas já chegam esperando que o diagnóstico psiquiátrico será útil e que há medicamentos que ajudarão a aliviar seus sofrimentos.
  • Por conseguinte, como trabalhar em equipe? Quando o diagnóstico e a prescrição de medicamentos psiquiátricos são a regra.

O que se transformou em senso-comum:

Que há ‘anti-psicóticos’. Ou que há ‘anti-depressivos’.  Mas não existe isso a que se chama de ‘antipsicóticos’ ou de ‘antidepressivos’.  Isso é algo que o marketing utiliza, a fim de vender a ideia de que existe um tratamento específico para uma específica condição.

Na verdade, essas drogas ‘psicoativas’ são químicas usadas em qualquer pessoa, ‘normal’ ou com um diagnóstico de ‘transtorno mental’.

Um paciente chega com uma queixa: depressão:

Dr. Sami ilustra a problemática com uma situação muito comum na clínica. Uma paciente chega se queixando de um persistente baixo humor. Ela já esteve em terapia cognitivo comportamental (TCC) mas se queixa que essa terapia não lhe tem ajudado. Ela diz que uma amiga sua pensa que ela necessita de um ‘antidepressivo’, na medida em que nada lhe ajudou até agora. Assumamos que se concorde com a prescrição, diz o Dr. Sami, como isso será explicado à paciente?

Pelo modelo médico:

A razão para tal sofrimento (um persistente baixo humor) é que há um desequilíbrio químico.

É dito à paciente: “Você irá tomar esse medicamento prescrito por mim, por um período; irei suspendê-lo e iremos ver se você tem uma recaída”.

Portanto, o que está sendo dito é que está ocorrendo um desequilíbrio na química no cérebro e que a medicação irá corrigir tal desequilíbrio, quer dizer, o tratamento prescrito irá ajudar o paciente.

Na prática o que está ocorrendo?

  • Se a meta do terapeuta é mudar um estado mental (psiquico), logo isso é terapia psíquica (psicoterapia).
  • O quadro de referência empregado (a mensagem e a relação interpessoal criada), usado quando se diagnostica e prescreve, é com frequência muito mais importante do que o suposto efeito químico. Não há nenhuma evidência de ‘desequilíbrio químico’ ali.
  • Ora o modelo biomédico é provavelmente o pior quadro de referência a ser usado quando se prescreve medicamentos. Porque está se empregando um agente externo ao que é ‘psicoterápico’.

Consequentemente, são construídas ideias de que se trata de ‘doenças crônicas’, porque é isso o que de fato ocorre com tais ideias construídas em torno da abordagem biomédica da psiquiatria. E o modelo psicofarmacológico é um desses meios.

Dr. Sami apresenta um quadro com evidências científicas que sinalizam o que ele chama de ‘más notícias’.

O hiato entre o laboratório/clínica

  • Entre 50 -70% das pessoas se recuperam sem serem tratadas, sem intervenções.
  • 75% das pessoas que entram em tratamento não apresentam melhorias (USA).
  • Apenas 15% no UK alcançam recuperação com esse paradigma.
  • Pesquisas na Austrália. Apesar de haver dobrado os recursos em saúde mental, o que resultou foi o aumento de pessoas em tratamento e resultados muito abaixo do esperado. O que ocorreu? Foi o aumento de pessoas tomando medicamentos. E não se recuperando.
  • As pessoas que se recusaram a aceitar a ideia de doença mental têm muito mais chances de se recuperarem do sofrimento.

Embora há sempre o problema de falta de recursos destinados à assistência em saúde mental, Dr. Sami chama a nossa atenção que não esse o problema mais importante que está em jogo, quando o foco se volta para a falta de recuperação dos que são tratados por esse paradigma biomédico da psiquiatria.

O principal problema não é a falta de recursos para a multiplicação desse modelo de assistência.

Dr. Sami apresenta um quadro dramático sobre o que ocorre no mundo com os pacientes em tratamento por longo-prazo.

Pacientes em tratamento por longo-prazo:

  • USA: pessoas que dependem de pensão por ‘doença mental’ – via o Supplemental Security Income (SSI) ou Social Security Disability Insurance (SSDI) – mais do que dobrou: de 1 em 184 americanos em 1987 para 1 em 76 em 2007.
  • UK: A doença mental se tornou a principal razão para a dependência por ‘incapacitação’ em 2011. Cerca de 50% é por diagnóstico de ‘depressão’. Enquanto que outras condições médicas têm melhorado ao longo do tempo.
  • Esse padrão é replicado em todos os países ocidentais que têm aumentado o seu financiamento para os serviços de saúde mental.

Como bem pode ser observado, o aumento do financiamento para o tratamento de problemas ‘psiquiátricos’ não é acompanhado pela melhoria das condições (‘transtornos mentais’), como ocorre com as enfermidades em geral.

O que se observa é que quanto mais pessoas entram no sistema de assistência psiquiátrica mais pessoas ficam doentes; sendo que uma parcela significativa para o resto de suas vidas.

Dr. Sami faz uma análise da visão dominante que está sustentando essa epidemia: a proliferação de serviços psiquiátricos sendo acompanhada pela epidemia de doenças mentais.  Trata-se do que ele chama de ‘tecnologia psiquiátrica’.

A visão de uma tecnologia psiquiátrica:

– Um sistema de classificação válido.

– Trilhas causais biológicas e psicológicas.

– Tratamento tecnológicos que possam ser aplicados independentemente do contexto.

O que está implicado nesse modelo tecnológico:

O modelo tecnológico:

– Privilegia a técnica, em detrimento da relação.

– Privilegia o diagnóstico, em detrimento das expectativas.

– Privilegia o processo, em detrimento dos resultados.

– Privilegia os manuais, em detrimento do contexto social.

Dr. Sami desconstrói os componentes dessa visão ‘tecnológica’.  Primeiramente, sublinhando que na verdade não há ‘diagnóstico psiquiátrico’. Na teoria médica, diagnóstico é explicação para certos sintomas; é o que se aprende desde os primeiros dias da formação acadêmica em medicina.  E o que ocorre com a medicina mental (quer dizer, com a psiquiatria) é que não há ‘diagnósticos’ propriamente ditos.

Em Psiquiatria não há diagnósticos:

  • Os diagnósticos em psiquiatria não podem ser explicados (exceto demências).
  • Considere-se a questão ‘O que é TDAH’ e compare-se com a questão ‘O que é diabetes’?
  • Considere o que ocorre quando nós argumentamos que ‘TDAH causa hiperatividade e falta de atenção’!
  • Em psiquiatria nós temos classificação e não diagnóstico.
  • Ecossistemas usam múltiplas classificações – o que é o mais apropriado para sistemas com contexto rico e dinamicamente abertos.

Dr. Sami apresenta resultados de pesquisa da qual ele é um dos colaboradores. Trata-se do Projeto Colaborativo de Pesquisa sobre Depressão.

Foram comparadas quatro abordagens de tratamento (Terapia Cognitivo-Comportamental, Terapia Interpessoal, Antidepressivos, Placebo) aplicadas em diversos locais de assistência. As expectativas de tratamento e a aliança criadas entre paciente e profissional de saúde mental, nas duas primeiras sessões, são os melhores preditores dos resultados ao longo de cada um dos tratamentos. As psicoterapias (Terapia Cognitivo-Comportamental e Terapia Interpessoal), sem as condições criadas pelos antidepressivos, em longo prazo foram as práticas que garantiram menor probabilidade de recaída, e mais semanas de mínimos sintomas ou de nenhum sintoma.

Dr. Sami chama a atenção para algo que é muito comum escapar da clínica. Ele diz: “Se você encaixa a sua abordagem em um modelo específico tem menos chances de ter bons resultados”.  A própria importância do efeito placebo ainda é pouca conhecida e desenvolvida.

Achados centrais da pesquisa sobre resultados: Contexto e relações

Contexto e Relações:

  • A pesquisa mostra que a psicoterapia é efetiva para problemas de saúde mental, principalmente como um ‘catalisador’.
  • Modelo ou técnica tem um mínimo impacto nos resultados.
  • Fatores extra-terapêuticos tais como circunstâncias sociais e motivação têm o maior impacto nos resultados.
  • E a qualidade da aliança terapêutica é de suma importância.
  • Outras ideias, tais como um sistemático monitoramento de resultados, a abertura dialógica, o pensamento sistêmico, a ‘aativação dos recursos’, todas são ideias promissoras.

Daí a ênfase a ser dada deve ser na ‘relação’ em ‘contexto’, e não na técnica.  Trabalhando-se com as ‘motivações’ e as ‘expectativas’, e criando janelas de oportunidades.

Voltando à problemática da medicação.  Quando necessária, as prescrições devem ser apenas por um tempo limitado.

Alguns dos livros escritos pelo Dr. Sami Timimi, entre outros:

Re-thinking Autism: Diagnosis, Identity and Equality

A straight talking introduction to children’s mental health problems

Livros em co-autoria, entre outros:

Dimimi, S., Cohen, C. Liberatory Psychiatry: philosophy, politics and mental health.

Dimimi, S., Maitra, B. Critical voices in child and adolescent mental health

 

 

 

DESPATOLOGIZA

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As sociedades ocidentais vivem processo de patologização de todas as esferas da vida, associado à busca de padronização e homogeneização dos diferentes modos de viver. A diversidade e as diferenças que caracterizam e enriquecem a humanidade são tornadas problemas. Ocultam-se as desigualdades, reapresentadas como doenças. Problemas de diferentes ordens são transformados em doenças, transtornos, distúrbios que escamoteiam as grandes questões políticas, sociais, culturais, afetivas que afligem a vida das pessoas. Questões coletivas são tomadas como individuais; problemas sociais e políticos são tornados biológicos.

Reduzida a vida a seu substrato biológico, está preparado o terreno para a medicalização, ideário em que questões sociais são apresentadas como decorrentes de problemas de origem e solução no campo médico.

Deve ser ressaltado que quando se fala em reducionismo e medicalização, está-se referindo à concepção de medicina enraizada no paradigma positivista.

Ao ser a primeira ciência ligada aos seres humanos a se constituir como ciência moderna, a medicina se constitui, por sua vez, em modelo epistemológico para as ciências do homem. Daí decorre que os processos de medicalização da vida são concretizados por profissionais da medicina, da psicologia, da educação, da fonoaudiologia, de todas as áreas quando pensam e atuam em conformidade com o positivismo… Por este motivo, as expressões medicalização e patologização têm sido amplamente utilizadas como sinônimos.

Por sua vez, os discursos de inclusão, tão comuns nos processos patologizantes, ocultam uma segunda exclusão realizada pelo estigma da doença (ou do transtorno) daqueles já excluídos, social, educacional ou afetivamente. Hoje, esse processo vem, de modo crescente, se articulando à judicialização das relações, dos conflitos e dificuldades que permeiam o viver em sociedade; o passo seguinte, que vem sendo atingido com grande facilidade, consiste na criminalização das diferenças, das utopias e dos questionamentos à ordem estabelecida.

Especificamente em relação à medicalização da vida de crianças e adolescentes, ocorre a articulação com a medicalização da educação na invenção das doenças do não-aprender e das doenças do não-se-comportar. Os campos da saúde afirmam há mais de um século que os graves – e crônicos – problemas do sistema educacional e da vida em sociedade seriam decorrentes de doenças que eles seriam capazes de resolver; criam, assim, a demanda por seus serviços, ampliando a patologização.

O Brasil é um dos países em que a patologização da vida tem sido mais intensa e extensa, despontando em todas as estatísticas como um dos maiores consumidores de substâncias psicoativas legais. Também é um dos países em que a crítica à medicalização tem se fortalecido nos últimos anos, em diferentes campos do conhecimento.

O DESPATOLOGIZA – Movimento pela Despatologização da Vida – filia-se à utopia de outros futuros possíveis, de vidas despatologizadas, reunindo profissionais de diferentes áreas para refletir sobre processos de patologização e medicalização da vida, e propor e realizar enfrentamentos a esses processos.

O DESPATOLOGIZA é composto por vários grupos, em diferentes regiões, que se articulam pelas mesmas concepções de sujeito, de mundo e de ciência, embasados em referenciais epistemológicos e políticos semelhantes; cada grupo se organiza com reuniões periódicas, sempre abertas a todos os interessados.

Uma das ações mais visíveis do DESPATOLOGIZA tem sido a realização de encontros profissionais e acadêmicos, com o propósito de divulgar e aprofundar as discussões sobre o tema, sempre com a participação de profissionais e pesquisadores renomados e reconhecidos, das áreas de Educação, Fonoaudiologia, Medicina, Psicologia, Direito, entre outras. Entre esses eventos, destacamos aqui os “Encontro Despatologiza”.

Além disto, os membros do DESPATOLOGIZA têm participado de inúmeros eventos, organizados por outras entidades e movimentos; sempre que o tema da patologização está em pauta, estamos dispostos a colaborar com as reflexões e avanços nos modos de organização e propostas de ações no campo das políticas públicas.

Toda elaboração teórica e prática resultante do trabalho do grupo deve servir como suporte de qualidade para ações despatologizantes em diversas áreas de conhecimento e regiões do país.

Ao longo desses anos, o DESPATOLOGIZA já promoveu inúmeros debates, sempre buscando construí-los frutíferos, contando com contribuições riquíssimas de pesquisadores e profissionais reconhecidos em suas áreas de atuação. Os eventos  buscam sensibilizar profissionais e usuários e a sociedade em geral para temas polêmicos, geralmente naturalizados pela forma de vida que se adota hoje. Assim, temos discutido o conceito de patologização/medicalização e formas de enfrentamento; distúrbios de aprendizagem X fracasso escolar X supostos transtornos; os impactos da medicalização na educação e na saúde; a possibilidade de atuar de forma despatologizada e despatologizante em serviços públicos de diferentes campos; a judicialização da vida; relações do poder legislativo com os processos de patologização da sociedade; processos de subjetivação e a construção de vidas despatologizadas; medicina do marketing e marketing da medicina; medicalização e racismo;  disputas capitalistas e biomedicalização da infância; a  produção de sofrimento psíquico; pseudociência e o terrorismo nutricional; sociedade de desigualdades e seus produtos; preconceitos de todas as formas – as relações raciais, étnicas, de gênero, … Os temas elencados  para cada encontro têm sido selecionados em consonância com as discussões mais pertinentes daquele momento. Um tema recorrente tem sido as crianças e adolescentes encaminhadas aos equipamentos de saúde com a queixa de dificuldades de aprendizagem, transtornos e distúrbios, que nós, do DESPATOLOGIZA preferimos chamar de “crianças que não aprendem na escola”.

Um princípio fundante do DESPATOLOGIZA é a compreensão de que não se deve – nem se pode – criar amarras burocratizantes que dificultem ainda mais o trabalho em um terreno já tão minado e cheio de armadilhas, posto que situado contra hegemonias e interesses financeiros. Assim, entendemos que o grupo que constitui o DESPATOLOGIZA em cada região é quem pode saber das possibilidades e limites de suas ações a cada momento, pela avaliação de condições concretas, internas e externas ao grupo. Cada grupo constrói seu próprio caminho caminhando, não há metas pré fixadas, não há obrigatoriedade outra que o compromisso contra os processos que, pela naturalização, patologização, judicialização, retiram a vida de cena.

Venha também colaborar com a construção de vidas despatologizadas!

Próximo fórum: Políticas Públicas Socialmente Compromissadas, Vidas Despatologizadas. 29 e 30 de novembro. Auditório do Instituto de Economia – IE – UNICAMP.

 

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Maria Aparecida Affonso Moysés. Médica, Pediatra. Com doutorado em Medicina pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (1979) e Livre-Docência em Pediatria Social na Faculdade de Ciências Médicas da Unicamp (1998). É professora Titular em Pediatria da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP). É autora do livro A institucionalização invisível: crianças que não aprendem na escola.

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