A evidência biológica para a ‘doença mental’

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Em 2 de janeiro de 2017, eu publiquei uma curta postagem intitulada A Morte de Carrie Fisher com a Idade de 60 Anos, na revista eletrônica Behaviorism and Mental Health. O artigo foi publicado simultaneamente no Mad in America.

Em 4 de janeiro, na cadeia de comentários de ambos os sites entrou uma resposta de Carolina Partners.

O que é Carolina Partners?  Trata-se de um grupo poderoso de assistência psiquiátrica que presta serviços no Estado de Carolina do Norte, no sudeste dos Estados Unidos.  De acordo com o seu website (https://www.carolinapartners.com ), a entidade é composta por 14 psiquiatras, 7 psicólogos, 34 profissionais com formação em enfermagem / médicos assistentes, e 43 terapeutas e consultores. A entidade atua em 27 locais do Estado da Carolina do Norte.

Os comentários de Partners consistem essencialmente de afirmações não fundamentadas, com conclusões arbitrárias, e que fazem apelo à autoridade psiquiátrica.

De fato, os comentários dessa entidade são bastante típicos da ‘refutação’ que os adeptos da psiquiatria baseada no modelo de doença rotineiramente dirigem aos que refutam as suas bases. Por essa razão, e por serem comentários que presumivelmente representam os pontos de vista de uma prática psiquiátrica que está amplamente espalhada entre nós, é que seus comentários merecem um olhar atento.

Eu discutirei cada parágrafo destacadamente.

“Nós discordamos fortemente desse artigo, que negligencia um monte de informações importantes, e que faz uso de uma audiência seletiva, para distorcer o que Carrie Fischer representou, distorcendo as evidências de que o transtorno mental é de fato uma doença”.

Meu artigo sobre Carrie Fisher foi curto (556 palavras), e teve a intenção de ser um contraponto aos inúmeros obituários espalhados, que estavam a transmitir ao público haver sido ela um forte exemplo de ‘transtorno bipolar’.

A questão essencial do meu artigo foi que a Sra. Fisher foi uma vítima da psiquiatria, e que, a exemplo de inúmeras vítimas, morreu prematuramente.

Obviamente que eu negligenciei um monte de informações importantes. Eu poderia ter me estendido sobre a imprudência da psiquiatria em atribuir o rótulo bipolar – com todas as suas implicações de desamparo, falta de poder (disempowerment), e ‘desequilíbrio químico’ – a uma jovem mulher que, por sua própria conta, na época, usava qualquer droga que chegassem às suas mãos. Mas eu achei que uma declaração breve e respeitosa sobre os fatos fosse apenas o necessário.

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“As doenças mentais têm uma longa história de evidências biológicas. Por exemplo, os pesquisadores demonstraram que as pessoas com depressão têm uma área do cérebro hiperativa, chamada Brodmann 25.  A esquizofrenia tem sido associada a genes específicos, assim como o transtorno de estresse pós-traumático e o autismo têm sido transtornos associados a específicas anormalidades no cérebro. O suicídio tem sido associado a um decréscimo de concentração de serotonina no cérebro. O transtorno compulsivo-obsessivo tem sido associado a um aumento da atividade na região dos gânglios basais do cérebro. “

Área Brodmann (BA25)

Partners não apresenta uma referência específica para sustentar essa afirmação, mas o meu melhor palpite é que a referência seja Mayberg, HS et al. (1999).  Pois aqui está a principal conclusão desse estudo: “As mudanças recíprocas envolvendo o cíngulo subgenual [que inclui a área de Brodmann 25] e o córtex pré-frontal direito ocorrem com mudanças transitórias e crônicas no estado de ânimo negativo”.

O que isto significa essencialmente é que o humor negativo, seja ele transitório ou duradouro, está correlacionado com mudanças tanto no cíngulo subgenual (área de Brodmann 25) quanto no córtex pré-frontal direito, e que, quando a depressão é aliviada, as mudanças são invertidas.

Essa, evidentemente, é uma descoberta interessante, mas não fornece nenhuma evidência de que a depressão, leve ou grave, transitória ou duradoura, seja causada por uma patologia biológica.

A realidade é que toda a atividade humana é desencadeada pela atividade cerebral. Cada pensamento, cada sentimento, cada ação tem suas origens no cérebro. Não consigo levantar um dedo, piscar um olho, coçar a cabeça, ou lembrar da minha casa de infância, sem que uma função cerebral característica inicie e mantenha a ação em questão. Sem estímulos vindos do cérebro, meu coração irá parar de bater, meu aparelho respiratório irá ser bloqueado, e eu vou morrer, a menos que essas funções sejam mantidas por máquinas.

Portanto, não há absolutamente nenhuma surpresa na descoberta de que a tristeza e o desânimo tenham gatilhos neurais e semelhantes mantenedores. Seria incrível se assim não fosse. Mas – e esse é o ponto crítico – isso não garante a conclusão de que a tristeza, que cruza limites arbitrários e vagamente definidos de severidade, duração e frequência, seja melhor conceituada enquanto uma doença causada por atividade patológica ou excessiva em BA 25.

A depressão é um estado normal. É a reação humana normal a perdas significativas e / ou viver em condições / circunstâncias pouco favoráveis ao bem-estar. É também um mecanismo adaptativo, cuja finalidade é encorajar-nos a tomar medidas para restaurar a perda e / ou melhorar as condições.

Todos os impulsos humanos conscientemente sentidos resultam de sentimentos desagradáveis. A sede leva-nos a buscar água; a fome, a buscar comida; a hipotermia, a buscar calor; a hipertermia, a buscar frieza; o perigo, a buscar segurança; etc. Tristeza e desânimo não são exceções. São condições que nos levam a buscar mudanças, e que têm servido muito bem às espécies desde os tempos pré-históricos.

Mas – como é o caso de todos os exemplos acima – quando um impulso não é agido, por qualquer motivo, os sentimentos desagradáveis pioram. Assim como a fome e a sede não correspondidas aumentam em força, assim é com depressão, quando esta não é elaborada, ela se aprofunda.

A realidade é que a maioria das pessoas lida com a depressão de forma apropriada, naturalista, e com as formas consagradas ao longo do tempo. Se a fonte da depressão é a perda de um emprego, as pessoas começam a buscar emprego. Se a fonte é um relacionamento abusivo, elas procuram maneiras de sair ou de remediar a situação. Se a fonte é uma escassez de dinheiro, elas procuram maneiras mais sensatas de lidar com o orçamento, ou de aumentar seus ganhos; e assim por diante.

Depressão, seja ela leve ou grave, transitória ou duradoura, não é uma condição patológica. É a resposta natural, apropriada e adaptativa, quando um organismo capaz de sentir confronta um evento ou uma circunstância adversa. E a única maneira sensata e eficaz para melhorar a depressão é lidar apropriadamente e construtivamente com a situação deprimente. Adulterar equivocadamente o aparelho sensitivo da pessoa é algo análogo a danificar deliberadamente a audição de uma pessoa, porque ela está chateada com a poluição sonora em seu bairro, ou a danificar a sua visão, por causa de queixas sobre lixo na rua.

Nosso aparelho emocional é tão valioso e adaptável quanto nossos outros sentidos. Mas a psiquiatria rotineiramente entorpece, e em muitos casos permanentemente danifica esse aparelho, para vender drogas e promover a ficção de que os psiquiatras são verdadeiros médicos. Sua justificativa para essa atividade – descaradamente destrutiva – depende da falsa noção de que a depressão consiste em uma doença diagnosticável, cuja gravidade cruza limites arbitrários e vagamente definidos. Não obstante, o desânimo profundo não é mais doença do que um leve desânimo. Esse último é a resposta adequada e adaptável a pequenas perdas e adversidades. E o primeiro é a resposta adequada e natural a uma adversidade mais profunda ou mais duradoura. Embora, evidentemente, o que constitui uma adversidade profunda variará enormemente de pessoa para pessoa. Um indivíduo, por exemplo, movido por uma expectativa de emprego estável e permanente, pode ter verdadeiramente o seu coração partido com a perda de um emprego. Enquanto que outro indivíduo, movido pela noção de que há sempre um outro trabalho ‘ao virar a esquina’, será menos afetado. E assim por diante.

A esse respeito, é de se notar que o comentário de Partners refere-se à hiperatividade na BA 25. A utilização do prefixo implica em patologia; mas na realidade não existe um critério para determinar o que seria uma quantidade correta de atividade para BA 25. Tudo o que pode ocorrer, tomando como base as descobertas de Mayberg et al. e as subsequentes pesquisas de BA 25, é que quando uma pessoa está triste, há mais atividade do que quando está feliz. Assim, o uso do termo “excesso de atividade” é enganoso – esgueirando-se na noção de patologia, sem razões genuínas ou válidas para considerá-la assim. O “raciocínio” aqui é:

– Depressão é uma doença

– Depressão está correlacionada com alta atividade em BA 25

– Logo alta atividade em B 25 é patológica.

Em outras palavras, a afirmação de patologia baseia-se na suposição de que a depressão é uma doença. Inverter e usar essa patologia falsamente inferida para provar que a depressão é uma doença é obviamente um ato falacioso. É também típico do modo de raciocínio circular que permeia as afirmações psiquiátricas. Na realidade, não há nada no estudo de Mayberg e colegas (ou em alguma pesquisa posterior) que justifique a conclusão de que o aumento da atividade em BA 25 é patológico ou excessivo.

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Esquizofrenia associada a genes específicos

Essa afirmação, de que a esquizofrenia está ligada a genes específicos, é frequentemente citada nesses debates; enquanto evidência de que a ‘esquizofrenia’ é uma doença real com patologia biológica. Mais uma vez, os Partners não fornecem quaisquer referências em apoio a essa afirmação, embora haja uma série de estudos nos últimos quinze anos ou mais anos que encontraram ligações desse tipo. No entanto, em todos os casos, as correlações foram pequenas. Em outras palavras, há sempre um grande número de indivíduos aos quais foi atribuído o rótulo de ‘esquizofrenia’, mas que não possuem a variante genética em questão; e há um grande número de pessoas que têm a variante do gene, mas que não adquirem o rótulo de ‘esquizofrenia’. Até hoje em dia, nenhum teste genético foi encontrado como sendo útil para confirmar ou refutar um ‘diagnóstico de esquizofrenia’.

Um problema adicional surge aqui, em que a afirmação de que “a esquizofrenia tem sido associada a genes específicos” é muitas vezes interpretada como significando que ‘esquizofrenia’ é uma doença genética; o que enfaticamente não é. Para ilustrar isso, vejamos brevemente uma verdadeira doença genética: a ‘doença renal policística’ (PKD). Esta é uma doença genética bem estabelecida causada por cistos nos rins. Os cistos bloqueiam progressivamente o fluxo sanguíneo pelos rins, causando a morte do tecido.

A maioria dos casos de PKD são causados pelo gene defeituoso (PKD-1). Na doença renal policística, a patologia ocorre porque o gene PKD-1 faz com que os néfrons sejam feitos de epitélio de parede de cisto em vez de epitélio de nefrona. E o epitélio da parede do cisto produz o líquido que é acumulado dentro, e que destrói finalmente os nephrons e o rim.

Assim, o gene determina a estrutura da parede de néfron. Este é o principal efeito genético. Essa estrutura faz com que a parede produza fluido. À medida que os nefrões ficam cada vez mais bloqueados, os rins produzem menos urina. Assim, micção reduzida é um efeito secundário do gene PKD-1. Sintomas de PKD geralmente não surgem até a idade adulta; mas cerca de 25% das crianças com PKD1 têm dor e outros sintomas. Logo, uma criança crescendo com doença renal policística pode sentir-se doente a maior parte do tempo. Tal criança é provável que seja mais agitada e mais angustiada do que outras crianças, e é perfeitamente possível que se poderia encontrar uma relação de correlação fraca entre gene PKD-1 e a agitação infantil; embora, naturalmente, qualquer pesquisa para uma tal correlação será confundida pelo fato óbvio de que as crianças podem ser habitualmente agitadas por outras razões. A agitação seria um efeito terciário do gene PKD1.

E daí a cadeia causal poderá continuar em várias direções – cada vez mais fracas. Por exemplo, a criança pode ficar um pouco triste e desanimada. Ou pode ser que a criança tenha recebido atenção extra e reconfortante de seus pais, e consequentemente tenha ficado bastante contente; e assim por diante. Em última análise, o resultado é impossível ser previsto com qualquer tipo de precisão, e o melhor que podemos esperar de genes versus estudos de comportamento subsequentes sejam correlações fracas, tênues.

A ‘fenda palatina’ é outro exemplo de uma patologia que é causada pela remoção de um gene; realmente uma falha genética. Esta condição resulta em uma qualidade de fala caracteristicamente tensa e nasal, que pode ser bastante estigmatizante. A fala nasal é um efeito secundário da falha genética.

As crianças com este tipo de discurso são às vezes objeto de zombarias e de intimidações por seus pares. A criança pode reagir a esse tipo de estigmatização falando o mínimo possível, retirando-se socialmente, ou de várias outras maneiras. Essas reações seriam consideradas efeitos terciários do defeito. E assim por diante. Assim como com o PKD, cada passo na cadeia nos leva mais longe do defeito genético; e as associações estatísticas crescem proporcionalmente mais fracas; e estaríamos esticando a questão ao dizer que a falta de fala tenha sido causada pela falha genética. Nem se poderia concluir que o isolamento social da criança é um sintoma de uma doença genética!  E isso é verdade, mesmo que a ligação entre a falha e a fenda palatina seja clara e direta.

Da mesma forma, não é simplesmente possível alegar que comportamentos ‘esquizofrênicos’ (por exemplo, o discurso desorganizado) são sintomas de uma doença genética. Esse é particularmente o caso em que as correlações entre o ‘diagnóstico’ e anomalias genéticas são tipicamente muito pequenas. Os efeitos de quaisquer anomalias genéticas – menores que possam existir – têm uma ampla oportunidade de serem moldadas por fatores sociais e ambientais, e estas são construções causais mais credíveis.

‘Esquizofrenia’ não é uma condição unificada. Pelo contrário, é uma coleção solta de comportamentos vagamente definidos. Por essa razão, qualquer pesquisa genética feita sobre esta condição inevitavelmente redundará em resultados conflitantes e confusos. É como procurar semelhanças genéticas em todas as pessoas que jogam bridge, ou leem romances, visitam bibliotecas, jogam futebol, ou qualquer outra coisa. Se o tamanho da amostra for grande o suficiente, e na pesquisa genética os tamanhos das amostras são muitas vezes enormes, pode-se provavelmente encontrar pequenos efeitos em todas ou na maioria dessas áreas, mas ninguém concluiria que essas são atividades geneticamente determinadas; e muito menos doenças.

A capacidade de uma pessoa para aprender depende de dois fatores gerais: a) a estrutura de seu cérebro, conforme o determinado pelo seu DNA, e b) suas experiências desde o nascimento.

Não se pode aprender a tocar piano, por exemplo, a menos que haja um aparelho neural e dedos apropriados, os quais requerem um DNA apropriado. Mas mesmo uma pessoa com boa dotação genética nesses aspectos nunca aprenderá a tocar piano, a menos que esteja exposta a certos fatores ambientais. Ele/ela deve, no mínimo, encontrar um piano. Da mesma forma, uma pessoa cuja dotação genética seja relativamente marginal, pode se tornar um excelente pianista, se ele/ela receber um estímulo e apoio ambiental persistentes.

Raciocínio semelhante pode ser aplicado ao comportamento de não-ser- ‘esquizofrênico’. Esse comportamento envolve navegar nas armadilhas do final da adolescência / início da idade adulta, e o estabelecimento de hábitos funcionais nas áreas interpessoais, ocupacionais e em outras áreas de vida importantes. Obviamente, que isso requer um aparelho neural apropriado, daí as correlações fracas com o material genético; mas que igualmente clama por um ambiente de educação na infância que garanta oportunidades para o crescimento emocional e para a aquisição de habilidades sociais, ocupacionais e outras.

Dito isso, não é de surpreender que os pesquisadores encontrem correlações entre as variações de DNA e um ‘diagnóstico’ de esquizofrenia; mas dado o número de elos na cadeia causal e a multiplicidade de caminhos possíveis em cada elo, também não surpreende que as correlações sejam sempre consideradas fracas e de pouca ou nenhuma conseqüência prática.

Nem é surpreendente que as correlações entre a rotulagem de ‘esquizofrênico’ e vários fatores psicossociais sejam, em geral, fortes. Ter um rótulo de esquizofrenia está correlacionado com adversidade social na infância, abuso e maus-tratos na infância, pobreza, e uma história familiar de migração.

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Considerações geralmente semelhantes aplicam-se às afirmações de Partners com relação ao ‘transtorno de estresse pós-traumático’, ‘autismo’, suicídio e ‘transtorno obsessivo-compulsivo’. Mas o espaço impede uma discussão detalhada aqui.

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“Eric Kandel, MD, Prêmio Nobel e professor de ciências cerebrais na Universidade de Columbia, diz: ‘Todos os processos mentais são processos cerebrais e, portanto, todos os distúrbios do funcionamento mental são doenças biológicas … O cérebro é o órgão da mente.  Onde mais poderia [doença mental] ser, se não no cérebro? ‘ ”

Dr. Kandel (agora com 87 anos) é um investigador eminente em neurociência na Universidade de Columbia. Há uma extensa biografia na Wikipedia.  Sua pesquisa inicial teve como foco a neurofisiologia da memória. Ele recebeu inúmeros prêmios, incluindo o Prêmio Nobel de Fisiologia / Medicina (2000), e suas obras são amplamente publicadas. O registro de suas realizações de pesquisa é enorme, e seu conhecimento e perícia são vastos. Mas na declaração citada por Partners, e, aliás, por outros adeptos de psiquiatria, ele está simplesmente errado.

Vamos dar uma olhada mais de perto. Logicamente, as citações de Kandel podem ser declaradas simbolicamente como: A é idêntico a B; portanto, disfunções ou aberrações em A são disfunções ou aberrações em B.

À primeira vista, isso parece soar bem; porque se trata de uma inferência válida em algumas situações. Por exemplo, o forno na casa de uma pessoa é o aparelho de aquecimento primário; portanto, avarias no forno são avarias no aparelho de aquecimento primário. Na verdade, num exemplo simples desse tipo, a afirmação é tautológica. Estamos simplesmente colocando como sinônimos o forno e o aparelho de aquecimento primário, e a inferência não contém novas informações ou insights. Porém, em questões mais complexas, essa lógica é absolutamente falaciosa.

Vamos admitir, por razões de discussão, que a premissa das citações de Kandel seja verdadeira; isto é, que todos os processos mentais são processos cerebrais. O termo processos mentais abrange uma ampla gama de atividades, incluindo sensações, percepções, pensamentos, escolhas, sentimentos positivos, sentimentos negativos, esperanças, crenças, fala, canto, comportamento geral, etc.

O termo ‘transtornos do funcionamento mental’ é mais difícil de definir; não obstante, novamente para fins de discussão, vamos aceitar o catálogo da APA como definitivo a esse respeito. Vamos aceitar que qualquer coisa listada no DSM seja um ‘transtorno do funcionamento mental’.

É imediatamente óbvio que algumas das entradas do DSM são de fato o resultado do mau funcionamento do cérebro. No texto essas ‘entradas’ são referidas como sendo transtornos devido à uma condição médica geral ou aos efeitos de uma substância. Porém, na grande maioria dos rótulos de DSM, nenhuma causa biológica é identificada, por conseguinte, a conclusão na citação de Kandel parece exigir algum tipo de evidência ou prova. No entanto, na citação Kandel, a conclusão não é apresentada como algo que foi, ou mesmo precisa de ser comprovada. Em vez disso, ela é apresentada como uma conclusão lógica inerente, e que decorre diretamente da premissa. E é nessa perspectiva que as citações de Kandel precisam ser avaliadas.

Para perseguir isso, vamos considerar o exemplo do ‘transtorno desafiante de oposição’. Esta aqui é uma desordem do funcionamento mental como definida acima, porque está listada no DSM. E de acordo com a ‘lógica’ do Dr. Kandel, é também uma ‘doença biológica‘. Os ‘sintomas’ do transtorno desafiante de oposição, conforme listado no DSM-5, são:

  1. Muitas vezes perde o humor.
  2. É muitas vezes sensível ou facilmente irritado.
  3. Muitas vezes está com raiva e ressentimento.
  4. Argumenta frequentemente com figuras de autoridade ou com crianças e adolescentes, senão com adultos.
  5. Freqüentemente desafia ativamente ou se recusa a atender a pedidos ou regras de figuras de autoridade.
  6. Muitas vezes, deliberadamente, irrita os outros.
  7. Muitas vezes culpa os outros por seus erros ou mau comportamento.
  8. Tem sido rancoroso ou vingativo pelo menos duas vezes nos últimos 6 meses. (p. 462 do DSM-IV)

Obviamente, para que qualquer um desses comportamentos ocorra, há que haver atividade neural correspondente. Mas não há necessidade de que a atividade neural esteja doente ou com defeito de qualquer maneira. Uma criança aprendendo com seu ambiente, desenvolvendo seu repertório comportamental de acordo com os princípios comuns da aprendizagem, poderia adquirir qualquer um ou todos esses hábitos comportamentais, sem nenhum mau funcionamento em seu aparelho neural. Adquirimos hábitos, contraproducentes tão facilmente, e essencialmente pelos mesmos processos, na mesma medida em que adquirimos os produtivos. Em geral, se uma criança descobre que pode adquirir poder e controle em seu ambiente – com birras de temperamento – , ele/ela adquire o hábito de produzir birras de temperamento. Da mesma forma, se ao discutir com os pais e outras figuras de autoridade são produizidos resultados positivos, há uma boa chance de que isso também se torne habitual. E isso não é porque há algo de errado com o cérebro da criança. Pelo contrário, é porque seu cérebro está funcionando corretamente. Ele/ela está internalizando – como hábitos – aquelas decisões e ações que são gratificadas. Muitas vezes é observado na prática da educação das crianças que se você não está treinando (educando) seus filhos, são eles que estão treinando (educando) você.

Observações semelhantes podem ser feitas sobre os outros sete ‘sintomas’ do transtorno de oposição desafiante.

Como de fato ocorre com todos os rótulos (‘entradas’) do DSM.

Uma pessoa com um cérebro perfeitamente normal-funcionando pode adquirir os hábitos em questão, se as circunstâncias forem conducentes com essa aprendizagem.

Assim, para retornar à pergunta na citação de Kandel: “Onde mais poderia [doença mental] haver, se não no cérebro?”.

A resposta é clara: ela está na defesa dos interesses da corporação psiquiátrica e na sua injustificada percepção.

A doença mental é a lente distorcida pela qual os psiquiatras vêem todos os problemas de pensamento, sentimento e comportamento. É o dispositivo que eles usam para legitimar sua inclinação para prescrever drogas e para manter a ficção de que eles estão praticando medicina.

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“Você está certo de que a doença mental também é afetada por condições sociais e ambientais – por o que está disponível a uma pessoa, à sua educação, ou ao seu ambiente atual. É também verdade que a doença mental é afetada pelo uso de drogas (prescritas e não prescritas). Assim como para outras condições médicas, como doenças cardíacas e câncer. ”

Eu não não sei de onde os Partners tiraram isso, porque eu nunca fiz essa declaração. Na minha opinião, o que já afirmei claramente em numerosas ocasiões, a ‘doença mental’ é uma invenção psiquiátrica criada de modo a promover a noção espúria de que todos os pensamentos, sentimentos e / ou comportamentos problemáticos são doenças. E não apenas doenças em algum sentido alegórico vago; mas como se fossem doenças reais, ‘como o diabetes’, que precisam ser tratadas por psiquiatras com treinamento médico, por meio de drogas que alteram o humor, e por choques elétricos de alta tensão para o cérebro.

As concessões vagas dos Partners a respeito do ambiente, da criação das crianças e dos efeitos de drogas, são de fato uma ‘sopa’ ao padrão psiquiátrico; o que, porém, não mitiga as suas primeiras alegações sobre a “a longa história de evidências biológicas” e seu endosso acrítico da citação logicamente espúria de Kandel.

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“E é verdade que a doença mental é muitas vezes difícil de ser diagnosticada por causa de:

1) as atuais limitações do campo de pesquisa. Thomas R. Insel, MD, diretor do Instituto Nacional de Saúde Mental, por exemplo, fala sobre como o diagnóstico do tratamento da doença mental hoje é o que a cardiologia foi há 100 anos, concluindo que precisamos continuar a investigação científica de doenças mentais. (Há uma citação mais longa sobre isso abaixo.) ”

Citação acima mencionada:

“Tomem como exemplo a cardiologia”, diz Insel. “Há um século atrás, os médicos tinham pouco conhecimento da base biológica da doença cardíaca. Eles podiam simplesmente observar a apresentação física do paciente e ouvir as queixas subjetivas do paciente. Hoje eles podem medir os níveis de colesterol, examinar os impulsos elétricos do coração com ECG, e tomar imagens detalhadas de tomografia computadorizada de vasos sanguíneos e artérias para entregar um diagnóstico preciso. “ Como resultado, Insel diz, a mortalidade por ataques cardíacos caiu drasticamente nas últimas décadas. “Na maioria das áreas da medicina, agora temos um conjunto de ferramentas para nos ajudar a saber o que está acontecendo – do nível comportamental ao nível molecular. Isso realmente levou a grandes mudanças na maioria das áreas da medicina “, diz ele.

Insel acredita que o diagnóstico e tratamento da doença mental está hoje onde a cardiologia estava há 100 anos. E, a exemplo da cardiologia do passado, o campo está pronto para a transformação dramática, diz ele. “Estamos realmente no auge de uma revolução na forma como pensamos sobre o cérebro e o comportamento, em parte por causa de avanços tecnológicos. Finalmente, podemos responder a algumas das questões fundamentais “.

Há pelo menos quarenta anos, eu comecei a ouvir sobre as grandes descobertas biológicas da psiquiatria que estavam ao redor do canto proverbial; e essa promessa, se meus leitores perdoarem o trocadilho, está ficando um pouco velha em demasia.

O que é digno de nota, no entanto, é que em outras disciplinas, onde há esperança ou expectativa de avanços, os proponentes desses esforços geralmente esperam pelas evidências, antes de implementarem práticas baseadas nessas esperanças. Na verdade, pelo que eu sei, a psiquiatria é a única profissão cuja obra inteira, cuja estrutura conceitual inteira, se baseia em ‘evidências’ e ‘descobertas’ que ainda não estão disponíveis.

Observe você, caro leitor, também o contraste verdadeiramente requintado entre a afirmação confiante de Partners de que “as doenças mentais têm uma longa história de evidência biológica” com a afirmação de que o ‘diagnóstico’ e o ‘tratamento’ da ‘doença mental’ estão hoje onde a cardiologia de há 100 anos atrás estava.

Aliás, Dr. Insel, ex-diretor do NIMH, também disse:

“Embora o DSM tenha sido descrito como uma ‘Bíblia’ para o campo, o Manual é, na melhor das hipóteses, um dicionário, criando um conjunto de rótulos e definindo cada um. A força de cada uma das edições do DSM tem sido a ‘confiabilidade’ – cada edição tem garantido que os clínicos usem os mesmos termos e da mesma maneira. A fraqueza é a sua falta de validade. Ao contrário de nossas definições de doença cardíaca isquêmica, linfoma ou de AIDS, os diagnósticos do DSM são baseados em um consenso sobre os os conjuntos de sintomas clínicos, e não em qualquer medida laboratorial objetiva. No restante da medicina, isso seria equivalente à criação de sistemas de diagnóstico com base na natureza da dor no peito ou da qualidade da febre. Enquanto que, o diagnóstico baseado em sintomas, uma vez comum em outras áreas da medicina, tenha sido amplamente substituído no meio século passado, na medida em que temos entendido que os sintomas por si só raramente indicam a melhor escolha de tratamento “. (Transforming Diagnosis, 2013)

E vamos ser bem claros. “Falta de validade” neste contexto significa que os ‘diagnósticos’ não correspondem realmente a nenhuma entidade de doença no mundo real. A observar também que o Dr. Insel não disse validade pobre, ou baixa validade. Ele disse falta de validade – significando nenhuma.

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Voltando para o comentário de Carolina Partners:

“2) os sintomas da doença mental muitas vezes se sobrepõem com os sintomas causados por outras doenças, por exemplo, alguém com câncer também pode ficar deprimido após o diagnóstico, ou a fadiga de alguém pode ser causada por uma deficiência de vitamina, e não por depressão. Embora considerando todos esses fatores, ainda é completamente impreciso para afirmar que não há base biológica para doenças mentais. Elas não são doenças de ‘fantasia’, mas sim são causadas por uma variedade de fatores, incluindo os biológicos. À medida que entendemos mais sobre doenças mentais por meio de pesquisas, nós (como ocorre com a cardiologia, por exemplo) ganhamos veículos mais precisos para medir e entender as implicações biológicas desses distúrbios “.

Essa é uma pequena divagação, mas vamos ver se podemos desvendá-la:

“… alguém com câncer também pode ficar deprimido após o diagnóstico”.

Isso é verdade. De fato, eu diria que a maioria das pessoas que contraem doenças graves se tornam um pouco tristes e desanimadas. Mas isso de modo algum estabelece a noção de que a tristeza deva ser considerada uma doença adicional.

“… a fadiga de alguém pode ser causada por uma deficiência de vitamina, e não por depressão.”

Essa citação contém uma das falácias principais da psiquiatria: que as várias ‘doenças mentais’ são as causas de seus respectivos sintomas (como é o caso da doença real). Para ilustrar a falácia, considere a conversa hipotética:

A esposa do cliente: Por que meu marido está tão cansado o tempo todo?

Psiquiatra: Porque ele tem uma doença chamada transtorno depressivo maior.

A esposa do cliente: Como você sabe que ele tem esta doença?

Psiquiatra: Porque ele está cansado o tempo todo.

A psiquiatria define a depressão maior (a assim chamada doença) pela presença de cinco ‘sintomas’ de uma lista de nove, um dos quais é fadiga, e depois rotineiramente aduz a ‘doença’ para explicar os sintomas. Na realidade, os ‘sintomas’ são implicados na definição da ‘doença’, e a explicação é inteiramente falsa. Há muitas razões válidas pelas quais uma pessoa pode se sentir fatigada, mas nenhuma delas é porque ela “tem uma doença mental”. As doenças mentais são apenas rótulos sem significado explicativo. E por causa da vaguedade inerente nos critérios, elas não são mesmo boas etiquetas.

“… ainda é completamente impreciso se afirmar que não há fundamento biológico para as doenças mentais.”

Como enfatizado acima, há uma base biológica para tudo o que fazemos – cada pensamento, cada sentimento, cada piscar de olhos, cada ação. Mas – e este é o ponto que parece fugir à psiquiatria – não há boas razões para acreditar que os vários problemas catalogados no DSM estejam subjacentes a processos biológicos patológicos. E há muitas razões boas para acreditar que não são.

“Elas não são doenças” falsas “, mas são causadas por uma variedade de fatores, incluindo os biológicos.”

Eu não acho que eu já usei o termo ‘fazer-acreditar’ para descrever ‘doenças psiquiátricas’, embora eu rotineiramente descreva rótulos psiquiátricos como inventados. Os dois termos não são sinônimos. O que a psiquiatria chama de doenças mentais não é nada mais que coleções soltas de problemas vagamente definidos de pensamento, sentimento e / ou comportamento. Na maioria dos casos, o ‘diagnóstico’ é político (cinco em nove, quatro em seis, etc.); de modo que os rótulos não são entidades coerentes de nenhum tipo, muito menos doenças.

Mas os problemas apresentados nas chamadas listas de sintomas são problemas reais. Há dúvida quanto a isso? Esse não é o problema. Eu me refiro a esses rótulos como invenções, por causa da afirmação da psiquiatria de que os aglomerados soltos de problemas são doenças reais. Na realidade, não são doenças genuínas; são invenções. Eles não são descobertos na natureza, mas são votados como existentes pelos comitês APA

Mas, entretanto, a psiquiatria decidiu. Dentro do dogma psiquiátrico, todos os problemas humanos significativos de pensamento, sentimento e comportamento são doenças que precisam ser “tratadas” com drogas e choques elétricos.

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Finalmente

Tudo isso é interessante, e suponho que é importante refutar o fluxo mais ou menos constante de afirmações sem fundamento, raciocínio falacioso e rotação que flui dos bastiões psiquiátricos.

Mas enquanto isso a carnificina continua. Há abundante evidência prima facie de que as drogas psiquiátricas estão implicadas causalmente nos suicídios / assassinatos que se tornaram quase diariamente ocorrências aqui nos EUA. Meu desafio à psiquiatria institucionalizada é simples: chamar publicamente um estudo independente e definitivo para explorar esse relacionamento.

Se o que você, colega psiquiatra, está fazendo é sem reservas algo saudável, seguro e eficaz, então o que você tem que temer de uma investigação científica independente dos interesses corporativos?

A IMPORTÂNCIA DO MAD IN BRASIL

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A Importância do Mad in Brasil

            Mad in America, que é uma revista publicada na internet desde 2011, no ano passado deu boas vindas a duas afiliadas: Mad in America Hispanohablante, e Mad in Brasil.  Nós vemos essas afiliadas como parte de um crescente movimento global para repensar o existente “modelo de doença” para o tratamento psiquiátrico. Esse é um modelo que se espalhou pelo mundo inteiro, e – como vem se tornando cada vez mais claro – com efeitos doentios.

            E aqui está o que os leitores dessa revista na internet devem saber: Mad in Brasil tem uma oportunidade para se tornar um líder nesse esforço mundial para repensar a psiquiatria.

            Para se entender o por quê que tal “repensar” é tão necessário, é importante fazer uma revisão da história do nosso atual modelo de atenção: como o modelo de doença foi desencadeado, e as histórias que posteriormente vêm sendo contadas ao público. A revisão revela que as sociedades em todo o mundo têm organizado a sua assistência ao redor de uma falsa narrativa que está produzindo um enorme dano.

Uma Breve História do Modelo de Doença

             O modelo atual de assistência psiquiátrica – o “modelo de doença – foi iniciado em 1980, quando a Associação Psiquiátrica Americana (APA) publicou a terceira edição do seu Manual de Diagnóstico e Estatística (DSM III). Esse foi o momento em que a APA decidiu que os principais transtornos psiquiátricos de todos os tipos – transtornos psicóticos, transtornos de humor, e assim por diante – seriam concebidos enquanto doenças do cérebro, com cada doença distinta das outras.

            Contudo, não haviam descobertas científicas que justificassem que a APA viesse a adotar esse modelo de doença para categorizar transtornos psiquiátricos. Ao contrário, a APA assim agiu em grande medida por razões corporativas. Durante os anos 1970, a psiquiatria dos Estados Unidos sentiu que estava sob ataque, na medida em que haviam inúmeros críticos e grupos na sociedade questionando a sua legitimidade enquanto um ramo da medicina. A Psiquiatria, diziam os críticos, funcionava mais como uma agência de controle social do que como um provedor de cuidado médico. Como a APA buscava responder a essa crítica, seus líderes perceberam que ao adotar o que era chamado um modelo médico (embora seja mais correto descrevê-lo como um modelo de doença), a profissão poderia apresentar os psiquiatras ao público como “médicos de verdade” –  vestindo jalecos brancos e tratando as chamadas “doenças” do cérebro.

            Após a publicação do DSM III, em 1980, a APA iniciou uma campanha de relações públicas para vender esse novo modelo ao povo dos Estados Unidos. Ela treinou seus membros, para o que dizer à imprensa; passou a promover sistemáticas campanhas nacionais “educativas”; e passou a cortejar a imprensa, distribuindo prêmios para as mídias que relatassem esse avanço “revolucionário” na psiquiatria. A indústria farmacêutica, por sua vez, ajudou a dar suporte financeiro para essa venda do modelo de doença, concedendo subvenções à APA para os seus esforços de treinamento junto aos meios de comunicação, assim como para as suas campanhas educativas. As empresas farmacêuticas também passaram a contratar psiquiatras da academia enquanto consultores, assessores, palestrantes; e esses “líderes da opinião pública” –  como a indústria os chamava – ajudaram a remodelar o pensamento da sociedade.

            Com a psiquiatria e a indústria agora reunidas – em uma “profana” aliança – formada para vender esse modelo de doença, o público dos Estados Unidos passou a aprender que as doenças mentais eram devidas a desequilíbrios químicos no cérebro, e que as drogas psiquiátricas colocam essa química anormal em equilíbrio, como a insulina para o diabetes. Levando-se em conta a complexidade do cérebro humano, essa foi a história que passou a contar o espetacular avanço médico. A patologia que causava os principais transtornos mentais havia sido descoberta, e os pesquisadores estavam desenvolvendo drogas que corrigiam o problema.

            Isso tudo ocorreu no final dos anos 1980, e após Eli Lilly trazer para o mercado o Prozac, o público nos Estados Unidos passou a ouvir a história que essa droga ‘maravilhosa’ não apenas curava a depressão, mas que poderia tornar os pacientes “melhor do que estar bem”.

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              A psiquiatria estava progredindo; e em seguida chegaram ao mercado os novos antipsicóticos que foram considerados muito melhores do que os antigos. A prescrição de drogas psiquiátricas explodiu, e hoje, um em cada cinco estadunidenses acima da idade de doze anos toma uma droga psiquiátrica diariamente.

             Embora essa história – dos desequilíbrios químicos e das drogas maravilhosas que corrigem essas anormalidades químicas – tenha sido primeiro contada ao público dos Estados Unidos, ela logo foi exportada aos países “desenvolvidos” ao redor do mundo. O método para exportar esse “modelo de doença” foi bem simples.

            No início dos anos 1990, pelo menos 50% dos psiquiatras que participavam do congresso anual da APA eram de fora dos Estados Unidos. Quase todos viajavam com todas as despesas pagas pelas empresas farmacêuticas, e durante o evento eles eram tratados com toda a pompa. Lá tinham café da manhã, almoço e jantar; tudo pago pelas empresas farmacêuticas, onde eles iriam ouvir famosos psiquiatras estadunidenses, provenientes das mais prestigiadas Faculdades de Medicina, a dizerem os últimos avanços na psiquiatria e a eficácia das novas drogas. Quando esses psiquiatras estrangeiros retornavam a seus países, com frequência com as suas malas cheias de brindes, eles evocavam o evangelho do novo modelo de doença. Além disso, aqueles em posições acadêmicas prestigiadas com frequência eram contratados pelas empresas farmacêuticas, para servir como consultores, palestrantes e assessores.

         Desse modo, o “modelo médico” da APA se espalhou pelo mundo inteiro. A Organização Mundial da Saúde (OMS) também passou a promover tais esforços, e tudo isso levou à globalização do modelo de doença em saúde mental.

Uma Falsa Narrativa de Ciência

         O entendimento comum é que essa é uma história de progresso, de uma especialidade médica saindo de um passado sombrio e entrando na brilhante luz da ciência moderna. Mas o que é realmente espantoso a respeito dessa toda história é que ela foi construída baseada em uma mentira, que sem muitas dificuldades pode ser revelada. A noção de que os principais transtornos mentais eram devidos a desequilíbrios químicos começou a desmoronar, faz muito tempo, no final dos anos 1970 e no começo dos anos 1980, chegando a 2005, havendo sido declarada morta em suas bases e enterrada na literatura científica.

            A hipótese de que os principais transtornos mentais, como a esquizofrenia e a depressão, poderiam ser causados por desequilíbrios químicos apareceu pela primeira vez nos anos 1960, após os pesquisadores haverem descoberto como os antipsicóticos e os antidepressivos atuam no cérebro. Os cientistas aprenderam que a Clorpromazina e outros antipsicóticos bloqueavam os receptores da dopamina no cérebro, e daí eles formularam a hipótese que talvez a esquizofrenia fosse devida a um excesso da atividade dopamínica no cérebro (e, portanto, que as drogas funcionavam opondo-se a essa atividade). De forma semelhante, eles descobriram que os antidepressivos aumentavam a atividade da serotonina e outras ‘monoaminas’ no cérebro, e como consequência eles formularam a hipótese de que talvez a depressão fosse devida ao problema oposto (muito pouca serotonina).

         Os pesquisadores então procuraram determinar se essas hipóteses eram verdadeiras. Eles necessitavam verificar se as pessoas diagnosticadas com esquizofrenia tinham um excesso de atividade de dopamina, ou se os pacientes deprimidos tinham muito baixa a atividade serotonérgica. A teoria da baixa serotonina para a depressão foi a primeira a ser derrubada. Tão cedo quanto 1984, os pesquisadores do Instituto Nacional de Saúde Mental (National Institute of Mental Health) concluíram que “Elevações ou quedas no funcionamento dos sistemas serotonérgicos per si não são susceptíveis de serem associados com a depressão. “ Eles não haviam encontrado nada de errado com o sistema serotonérgico nos pacientes deprimidos.

           Investigações subsequentes produziram o mesmo resultado. Enquanto o público estava sendo informado de como a depressão era devida à baixa concentração de serotonina, pesquisadores familiarizados com os estudos científicos estavam chegando a uma diferente conclusão. Aqui está uma pequena amostra de tais achados:

1995: “Não há evidências científicas quaisquer de que a depressão clínica seja devida a qualquer tipo de estado de déficit biológico. “ – Colin Ross, professor associado de psiquiatria no Southwest Medical Center em Dallas, Texas.

1999: Décadas de pesquisa “não confirmaram a hipótese de diminuição de monoamina para a depressão”.  Livro Didático de Psiquiatria da Associação de Psiquiatria Americana APA).

2000: “Não há clara e convincente evidência de que a deficiência de monoamina leve à depressão; quer dizer, não há um ‘real’ déficit de monoamina.”  Livro didático de Psicofarmacologia Essencial (Essencial Psychopharmacology textbook).

2012: “Eu não penso que haja qualquer corpo de dados convincentes de que alguém tenha alguma vez encontrado que a depressão esteja associada, em uma extensão significativa, com a perda de serotonina. ” Alan Frazer, diretor do Departamento de Farmacologia do Centro de Ciências da Saúde da Universidade do Texas.

              As investigações com a teoria da hiperatividade da dopamina para a esquizofrenia produziam dados bem mais complicados, mas no começo dos anos 1990 vários renomados pesquisadores americanos concluíram que não haviam “boas evidências para a perturbação da função da dopamina na esquizofrenia. “ Em 2002, essa conclusão ganhou uma grande repercussão, ao ser assumida pelo diretor do Instituto Nacional de Saúde Mental (National Institute of Mental Health),  Steve Hyman.  Ele escreveu: “Não há evidência forte de que uma lesão no sistema dopamínica seja uma causa primária da esquizofrenia. “

          Finalmente, em 2005, Kenneth Kendler, coeditor chefe do Psychological Medicine, resumiu essa história de pesquisa de um modo sucinto: “Temos ido à caça de grandes explicações neuroquímicas simples para transtornos psiquiátricos e não as encontramos. “

       Tal é a história que pode ser encontrada na literatura científica. A teoria do desequilíbrio químico dos transtornos mentais foi investigada e desacreditada. Mas essa descoberta não foi comunicada ao publico, seja nos Estados Unidos ou em outros países. Ao contrário, o público foi levado a acreditar que o oposto era a verdade. Em 2005, no mesmo ano em que Kendler declarou morta a teoria do desequilíbrio químico para os transtornos mentais, uma pesquisa conduzida pela Associação de Psiquiatria Americana (APA) verificou que 75% dos adultos estadunidenses acreditavam que “doenças mentais são usualmente causadas por um desequilíbrio químico no cérebro. ”

             Esta foi a grande mentira que foi promovida para vender o modelo de doença ao público. A história foi primeiramente contada ao público dos Estados Unidos, e então, como parte da globalização do modelo de doença para a saúde mental, ela foi contada ao público dos países do mundo inteiro. A globalização do modelo de doença levou a um delírio da sociedade acerca da biologia dos transtornos mentais.

          A segunda parte dessa narrativa, que surgiu da aliança profana da psiquiatria americana e da indústria farmacêutica, envolveu a promoção de novos medicamentos psiquiátricos ‘de segunda geração’ para o público. Os novos antidepressivos, antipsicóticos e outros medicamentos psiquiátricos foram considerados bastante seguros e eficazes, e muito melhores do que os medicamentos de primeira geração; mas hoje essa história se desfez. Sabemos que os ensaios clínicos foram influenciados pelo design para fazer com que os novos medicamentos parecessem melhores; sabemos que os resultados das pesquisas publicadas nas revistas médicas exageraram os benefícios das drogas e obscureceram muitos de seus riscos; e sabemos que estudos de longo prazo não conseguiram descobrir que as drogas levam a melhores resultados. De fato, em tais estudos de longo prazo, os pacientes não medicados têm se saído regularmente melhor.

             Juntas, essa narrativa de desequilíbrios químicos e drogas altamente eficazes criou uma falsa ‘narrativa da ciência’. Mas os Estados Unidos e outras sociedades organizaram seus cuidados em torno dessa falsa narrativa, e hoje é fácil se ver o dano causado. Em cada país que o modelo de doença para os cuidados em saúde mental foi adotado, o fardo da doença mental aumentou drasticamente.

O Aumento do Fardo da Doença Mental

              Em 2010, publiquei um livro intitulado Anatomia de uma Epidemia, que, entre outras coisas, investigou o crescente número de pessoas que recebem um pagamento por invalidez por causa de uma doença psiquiátrica. Nos Estados Unidos, o número de adultos que recebem pensão governamental por invalidez devido a uma doença mental subiu de 1,25 milhões em 1987 para quase 4 milhões em 2007 (e já chegou a cerca de 5 milhões.) O número de jovens de 18 anos e com menos idade recebendo um pagamento de invalidez devido à doença mental aumentou de 16.200 em 1987 para 728.000 em 2011.

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            Após Anatomia de uma Epidemia ter sido publicado, comecei a olhar para o número de pessoas consideradas como ‘incapacitadas’ por doença mental em outros países. E numa sociedade ou em outra, invariavelmente eu encontrei a mesma imagem: em cada país em que havia sido adotado o modelo de doença para os cuidados em saúde mental, o número de pessoas com ‘incapacidade’ devido a transtornos mentais havia aumentado dramaticamente. Isso era a verdade nos países escandinavos, na Alemanha, na Alemanha, na Austrália, na Nova Zelândia, e assim por diante. Da mesma forma, como o ‘modelo de doença mental’ foi globalizado, a Organização Mundial da Saúde relatou que o fardo global da doença mental – e, em particular, o fardo devido à depressão – aumentou consideravelmente nas últimas décadas.

            Esses são marcadores de um paradigma fracassado de assistência em saúde mental. A história explica a origem desse fracasso: as sociedades organizaram seus cuidados psiquiátricos em torno de uma narrativa falsa. É por isso que o atual paradigma do cuidado precisa ser repensado, e o por quê o ‘repensar’ necessita ser conduzido através de uma avaliação honesta da literatura científica.

Mad in America

          Fundamos o site Mad in America em 2011 com esse objetivo em mente. Nós publicamos regularmente resultados da literatura científica que apoiam a criação de um paradigma diferente de cuidado, que se concentraria mais em tratamentos psicológicos e não-medicamentosos (dieta, exercício, apoio social, etc.). No entanto, esses achados que desmentem a atual forma de conceber a saúde mental não são regularmente divulgados nos principais meios de comunicação. Na verdade, eu acho que Mad in America é a única mídia nos Estados Unidos que publica regularmente esses resultados.

           Além disso, Mad in America recrutou um grupo internacional de escritores, com uma variedade de backgrounds – psiquiatras, psicólogos, assistentes sociais, jornalistas, pessoas com experiência de vida e membros da família – para escrever blogs que explorem tanto as falhas do sistema atual quanto promissoras alternativas. Nós também regularmente apresentamos as histórias pessoais de pessoas com experiência vivida enquanto “pacientes mentais.” Suas histórias muitas vezes dizem dos cuidados psiquiátricos que fazem mais mal do que bem.

           Estamos publicando Mad in America há seis anos e é encorajador que o pensamento social, nos Estados Unidos e no exterior, esteja mudando e que haja um crescente apelo para se repensar o atual paradigma de cuidados baseado em drogas. Em uma recente conferência da INTAR, na Índia, houve oradores da Organização Mundial da Saúde, da International Disability Alliance e do Escritório das Nações Unidas para os Direitos das Pessoas com Deficiência, e ao final da Conferência houve um acordo unânime de que uma nova “narrativa global de saúde” é necessária, um paradigma que possa substituir o fracassado ‘ modelo médico’ que hoje domina a saúde mental.

            “As pessoas estão clamando pela mudança”, disse Alberto Vasquez, coordenador de pesquisa do escritório do relator especial para as Nações Unidas sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência. “Queremos ver outra coisa.”

Mad in Brasil

          Isso nos leva ao Mad in Brasil, e por isso ele é tão importante para essa luta global maior (e, em particular, para nós do Mad in America).

            Em Mad in America, somos “críticos” do sistema existente e, portanto, podemos ser vistos como se esforçando para reformar o sistema, de fora. Os fundadores e editores de Mad in Brasil vêm de dentro do sistema.

            Os criadores do Mad in Brasil são Fernando de Freitas e Paulo Amarante. Paulo Amarante tem sido um dos líderes da reforma psiquiátrica no Brasil, desde a década de 1980, e tanto ele como Fernando de Freitas foram dirigentes da Associação Brasileira de Saúde Mental (ABRASME). Ambos são membros do corpo docente da Fundação Oswald Cruz (FIOCRUZ), a mais importante instituição federal de educação e de pesquisa do Brasil dedicada à melhoria da saúde pública.

          É precisamente por isso que o Mad in Brasil pode se tornar um líder neste esforço global para se repensar o paradigma atual do cuidado e desenvolver novas abordagens aos serviços psiquiátricos. Mad in Brasil está sendo liderado por editores que estão em posição de buscar mudanças nos serviços e nos tratamentos psiquiátricos. O equivalente para nós seria algo como se no Mad os seus editores nos Estados Unidos trabalhassem para o Instituto Nacional de Saúde Mental (National Institute of Mental Health), e se assim fosse, as possibilidades de mudança nos Estados Unidos – e para reformular o pensamento da nossa sociedade – seria muito maior.

         É assim como nós do Mad in America pensamos o Mad in Brasil. Vemos este site como um momento ímpar para se repensar o atual modelo de atenção à doença, e acreditamos que o Mad in Brasil, com seus relatos sobre os esforços de reforma no Brasil, irá produzir notícias que serão de interesse para Mad in América em todo o mundo.

Uma história dramática de uma mãe

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Trata-se de um depoimento pessoal de uma mãe que perdeu o seu filho devido às drogas psiquiátricas. É um drama como tantos e tantos outros que ocorrem no dia a dia.

É um depoimento enviado a Katinka Blackford Newman, uma inglesa cuja história pessoal com antidepressivos ficou conhecida internacionalmente após a publicação do seu livro The Pill That Steals Lives, One Woman’s Terrifying Journey To Discover The Truth about AntidepressantsO Mad in Brasil já postou um blog enviado por Katinka, clique aqui para vê-lo.

 

Querida Katinka,

Eu prometi lhe contar a história do meu filho, depois de ler várias publicações em seu site. As semelhanças são em tudo muito familiares.

O primeiro antidepressivo (entre os chamados SSRIs) foi receitado ao meu filho Aaron, aos 15 anos de idade, quando eu erradamente o enviei a um psiquiatra infantil. Até então, meu filho era uma linda alma, um músico, graduado, uma pessoa genuinamente doce.

Com o passar dos anos meu filho foi diagnosticado com transtorno obsessivo compulsivo, esquizofrenia, e várias outras “doenças”, o que resultou para ele o ter que andar com os venenos psiquiátricos que lhe eram prescritos em sua mochila .

De forma semelhante às muitas pobres e gentis almas das quais você fala, ele sabia que esses venenos estavam destruindo o seu cérebro, como ele me dizia. Ele perdeu a sua paixão pela música que escrevia, que tocava e cantava de forma tão bonita.

Ele me dizia que não mais conseguia pensar.

No dia em que ele deixou essa terra ele tentou me chamar, mas eu não não recebi a sua chamada. Ele estacionou seu carro em uma garagem da propriedade que possuímos e ‘foi a dormir’.

O último veneno foi o Effexor, que o colocou no hospital com um coração dilatado, anemia e outras condições.

Ele me disse que daquele dia em diante não iria nunca mais tomar nenhum outro SSRI.

E aí começaram os terríveis sintomas do desmame, mais fortes do que o seu pobre cérebro fragilizado poderia suportar.

Eu sinto a sua falta todos os dias.

Ele morreu em 14 de novembro de 2002, mas parece que foi ontem.

Eu não irei dizer um montão de lúgubres detalhes da sua horrível descida aos infernos com esses venenos, mas eu lhe agradeço muito pelos seus esforços para ajudar as pessoas a se darem conta do que elas estão fazendo para a nossa sociedade.

Que Deus a abençoe.

Atenciosamente,

Glenna Todovich (Mãe de Aaron).

P.S. Por favor, ouçam essa canção chamada “Dondante” (encontrada em um e-mail de Aaron) enviada a Aaron pela banda My Morning Jacket, amigos muito próximos a ele.

Se você quer ver mais detalhes, clique aqui.

Você tem uma história pessoal que queira tornar pública? Faça contato com o Mad in Brasil: [email protected]  A sua contribuição será importante para todos os que buscam a construção de um novo paradigma de abordagem do sofrimento psíquico.

 

Cidadãos e capazes

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Em matéria publicada em O Globo na edição de hoje, 19 de dezembro de 2016, Paulo Amarante lembra que há um ano atrás usuários dos serviços de saúde mental, familiares, profissionais de saúde e ativistas dos movimentos sociais da luta antimanicomial estavam ocupando instalações do Ministério da Saúde em Brasília para defender a Reforma Psiquiátrica sob ameaça. As perspectivas para 2017 são desafiadoras.

 

Coordenação Geral de Saúde Mental, Álcool e Drogas do Ministério da Saúde sendo ocupada por militantes da luta antimanicomial, usuários e familiares.

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Eis aqui alguns trechos do artigo:

“Os ocupantes de Brasília eram ativistas da reforma psiquiátrica brasileira que, por conhecerem o interior, o cotidiano destas instituições, lutavam por sua extinção e substituição por um modelo comunitário, inclusivo e integrador.”

“… Muitos daqueles internos em hospitais psiquiátricos, em cujos prontuários se lia que eram incapazes, perigosos e irresponsáveis, são hoje cidadãos em defesa e exercício de seus direitos, inclusive como defensores da reforma psiquiátrica antimanicomial. E isto é fundamental.”

Leia a matéria na íntegra clicando aqui.

O conluio da psiquiatria com a indústria farmacêutica: o maior caso de iatrogenia na história

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Uma vez mais a Scientific American adverte ao público para a terrível possibilidade de que a psiquiatria esteja fazendo mais mal às pessoas do que as ajudando.

antidepressivosEm um recentente artigo de Sarah G. Miller, fica-se sabendo que “de cada 6 estadunidenses 1 toma uma droga psiquiátrica”.  Nos Estados Unidos, os antidepressivos são as drogas mais consumidas, seguidas por sedativos, pelos hipnóticos e drogas contra a ansiedade, e ainda os antipsicóticos. E o que se observa é que a tendência de consumo de drogas psiquiátricas aumenta a cada ano.

No Brasil, não temos indicadores precisos sobre o consumo de drogas psiquiátricas, mas há a percepção que os padrões de consumo entre nós siga essa mesma tendência globalizante.

Se estivéssemos falando de outras ‘enfermidades’, poderíamos pensar que o aumento do consumo de medicamentos significa que estamos impulsionando a saúde mental. Se diria que quanto mais as pessoas têm acesso aos medicamentos psiquiátricos melhores condições elas têm para garantir a qualidade da sua saúde mental. Mas no caso das drogas psiquiátricas é justamente o contrário!

Segundo  Edmund S. Higgins, professor de psiquiatria na Universidade Médica de Carolina do Sul, há que se reconhecer algo incontornável, quer dizer, a “verdade inconveniente” que a saúde mental em várias medidas vem se deteriorando. Em um estudo de 2013, Higgins escreve que “o número de transtornos mentais cresceu nas últimas duas décadas, mesmo quando outras condições graves se tornaram mais manejáveis”. Higgins sustenta que “uma falta de precisão e objetividade em diagnosticar e tratar a doença mental estancou o nosso progresso. Nós temos que abraçar novas estratégias de pesquisa e prevenção para avançar”.  A tese de Higgins é que, as drogas psiquiátricas, embora seja indiscutível que ajudem algumas pessoas em curto prazo, levando a ‘estórias bem sucedidas’, são medicamentos que podem ao longo prazo de uso produzir nítidos efeitos danosos para amplas populações.

Higgins reitera o que vários renomados cientistas vem afirmando, como por exemplo , fundador e um dos diretores do Cochrane Institute, conforme artigos já publicados aqui no Mad in Brasil.

anatomy-of-an-epidemicOra, é essa a tese perturbadora do livro que no primeiro semestre de 2017 será lançado pela Editora da Fiocruz, o livro do jornalista Robert Whitaker,  Anatomy of an Epidemic: Magic Bullets, Psychiatric Drugs, and the Astonishing Rise of Mental Illness in America.

Assim como começa a ocorrer em diversas partes do mundo, é hora que os profissionais de saúde mental no Brasil lidem com a possibilidade de que na grande maioria dos casos as drogas psiquiátricas causam mais danos do que benefícios.

Conforme o que vem sendo afirmado por diversos cientistas renomados, somos contemporâneos do que provavelmente é o maior caso de iatrogenia (doenças produzidas pelo próprio exercício da medicina) da história, graças à aliança inescrupulosa da psiquiatria com a indústria farmacêutica.

Leia o artigo na íntegra que foi publicado em Scientific of America: clique aqui.

Programa De Retirada Da Medicação Psiquiátrica

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fernando_foto_definitivaReduzir e parar de tomar drogas psiquiátricas é um processo difícil, em geral é uma experiência muito sofrida. Os sintomas de abstinência são em geral muito difíceis de serem enfrentados com segurança e eficácia. E os médicos em geral dizem que os sintomas de abstinência são na verdade sintomas da reincidência do seu suposto transtorno mental.

Mas sabe-se que, na medida em que você consegue ficar livre da medicação psiquiátrica, aumentam significativamente as chances de você e a sua rede social saberem lidar com os problemas, a partir dos seus próprios recursos psíquico e sociais.

O Mad in Brasil sugere mais um site onde são disponibilizados meios para diminuir, senão parar definitivamente de tomar essas drogas.

Mas lembre-se: sempre tendo o cuidado de estar sob a supervisão de um médico da sua confiança, para que o processo possa ser acompanhado com eficácia, e para não por em risco a sua saúde e das pessoas próximas a você.

Para acessar o site, com todo o seu conteúdo em português: clique aqui.

ANTONIO LANCETTI: “in memoriam”

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Faleceu Antonio Lancetti, um guerreiro na luta Antimanicomial! Mestre de várias gerações de trabalhadores da saúde mental no Brasil. Nossos agradecimentos por tudo o que ele nos ensinou. A sua memória será eterna entre todos nós.

Personagem central da luta anti-manicomial no Brasil e especialista em ações de enfrentamento da dependência do crack, o psicanalista argentino Antonio Lancetti era um dos profissionais que atuavam como consultor do programa De Braços Abertos em São Paulo. Nascido na Argentina e exilado político no Brasil desde 1979, Lancetti mergulhou na causa da saúde mental, liderando a intervenção que transformou Santos na primeira cidade brasileira sem manicômios. Consultor do Ministério da Saúde, trabalhava com a problemática das drogas e do crack — o grande desafio para as cidades e para a saúde pública em São Paulo e no Brasil. Sua significativa contribuição inclui também a direção da coleção SaúdeLoucura, hoje com 50 títulos, publicada pela editora Hucitec. É autor de “Clínica Peripatética” e “Contrafissura e plasticidade psíquica” entre outros títulos.

O Mad in Brasil está postando em sua página uma entrevista dada por Lancetti para a série Psicanalistas que falam.

É a nossa homenagem. Que o seu exemplo continue a iluminar os nossos caminhos.

“O que seria uma cidade que pretende acabar com os territórios marginais? Não seria um delírio?”

[Temas abordados e disparadores de diálogos*]

* os parágrafos destacados entre aspas são trechos do episódio LANCETTI BRASILEIRO

A psicanálise fora do setting tradicional: a clínica em movimento

A psicanálise fora do setting tradicional é tema de uma das principais obras de Lancetti — “Clínica peripatética” (ed. Hucitec, 10a edição). Os ensaios que o compõem o livro narram e problematizam experiências ocorridas na fronteira entre a dependência e a morte, entre a loucura e a cidadania, entre o exílio e o comunismo múltiplo e micropolítico ativado em práticas de saúde.

A clínica em movimento aparece como um tema transversal durante todo o episódio. Os trechos a seguir destacam-se como disparadores de diálogos:

[“Psicanalistas que se lançam a trabalhar fora do setting tradicional, na rua, na cracolândia, precisam ter formação, capacidade de escuta, alto grau de plasticidade psíquica para manter o tônus erótico.”]

[“Para trabalhar com psicanálise, é preciso de certo grau de esquizoidia – poder esquecer, estar em vários lugares, abandonar um e entrar em outro.”]

[“Um dos problemas dos terapeutas é o que eu chamo de metáfora da pilha. Pilha normal descarrega – o mesmo o terapeuta: ele não aguenta. Mas existe a pilha autocarregável. Há várias formas de se recarregar… a análise é uma delas. Mas a principal é a própria experiência: o momento de cura é o ato de escutar o outro.”]

[“Um psicanalista que não tem cultura, que não lê literatura, filosofia, é como um lutador vesgo: ele vai apanhar.”]

Psicanálise e territórios marginais

Lancetti atualmente trabalha, entre outras coisas, com a problemática das drogas e do crack – um grande desafio para a cidade e para a saúde pública em São Paulo.

É consultor especial do programa DE BRAÇOS ABERTOS, desenvolvido pela Prefeitura de São Paulo e que busca transformar a cracolândia a partir do acolhimento e de uma política de redução de danos.

O projeto existe desde janeiro de 2014, e pratica o resgate social dos usuários de crack por meio de trabalho remunerado, alimentação e moradia digna, com orientação de intervenção não violenta.

Suas diretrizes trazem um novo olhar sobre o dependente químico, que deixou de ser tratado como um caso de polícia e passou a ser encarado como cidadão, com direitos e capacidade de discernimento. O tratamento de saúde é uma consequência das etapas anteriores, e não condição prévia imposta para participar do programa.

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Uma pesquisa sobre o projeto publicada em setembro de 2016 mostra que mais de 70% dos beneficiários do programa diminuíram significativamente o uso de crack e outras drogas, os cuidados com a saúde melhoraram muito e a adesão ao trabalho é de aproximadamente 75%.

O programa é inspirado em políticas públicas de ponta nos Estados Unidos e Canadá, mas tem sido alvo de constantes ataques e polêmicas – com ameaças de interrupção pela nova gestão da Prefeitura, que se inicia em 2017.

Para Lancetti, o fim do programa seria um equívoco, e responde ao alarmismo social criado em torno do problema.

[“Existe essa campanha excessiva da mídia em cima do crack, da epidemia do crack. É o fenômeno de contrafissura, que afeta toda a sociedade.”]

CONTRAFISSURA, no vocabulário de Lancetti, é o sintoma social contemporâneo – presente na mídia, na política, na clínica, na subjetividade – representado pela tentação de se cair no erro da guerra aos usuários de drogas pelo alarmismo infundido na população e ações violentas e repressivas justificadas pelo discurso da criminalização.

[“Podemos oferecer em vez de eliminar ou esconder: oferecer uma rede. É o que nós da saúde podemos fazer. (…) De Braços Abertos é uma experiência complexa e controvertida, que vai na contramão de outros programas do Estado baseados na ideia de eliminação, abstinência, ideias convencionais e reducionistas. É reducionista achar que o problema do crack é apenas a droga.” ]

[“Uma pesquisa da Fiocruz mostra que 80% das pessoas em zonas de uso são homens, negros ou pardos, 80% que não completaram estudos primários, e 50% são egressos do sistema penitenciário.” ]

[“Senso comum é que o drogado é um cara safado que, se beber ou usar outra droga, não será atendido. O perdão é mais poderoso que a culpabilização.”]

Luta antimanicomial

Lancetti é um personagem fundamental da luta antimanicomial no Brasil. Militante histórico da Reforma Psiquiátrica Brasileira, trabalhou ao lado de David Capistrano em Santos, cidade pioneira nessa questão e que disparou a reforma psiquiátrica em outros lugares do Brasil.

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Equipe dirigente da Secretaria de Higiene e Saúde de Santos

Embaixo (da esq. p/ dir) – Lídia Silveira, Marcos Calvo, Sergio Zanetta,
Socorro Matos, Vera, David, Antonio Lancetti, Marcia Frigério, Melhado,
Tikanory Alto – Arthur Chioro e Elcy Pimenta.

Durante cerca de 30 anos, Santos abrigou a Casa de Saúde Anchieta, um hospital psiquiátrico particular situado em um complexo de 5 mil metros quadrados. Os proprietários eram pagos pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) para manter mais de 500 pacientes em dependências capazes de abrigar, no máximo, 250 pessoas. O local era alvo de denúncias de maus-tratos contra os internos.

Em maio de 1989, a prefeitura interveio no local em ação liderada principalmente por Lancetti, Tykanori, Cenise Monte Vicente e Williams Valentini – durante a gestão de David Capistrano como secretário de Saúde de Santos.

Os funcionários foram proibidos de trancar ou agredir os pacientes, além de não poderem mais recorrer a qualquer forma de violência. A força seria medida apenas de contenção – e não como justificativa de tratamento. O Anchieta foi fechado anos depois, em episódio conhecido como o “fim da Casa dos Horrores”.

Lancetti era amigo pessoal de David Capistrano e companheiro de militância e trabalho.

Capistrano foi secretário de Saúde de Santos de 1989 a 1992, e prefeito da cidade entre 1993 e 1996. Desenvolveu e implementou políticas públicas precursoras e inovadoras na área de saúde que acabaram por se tornar referência em todo o mundo – colaborando inclusive com o texto que deu origem ao capítulo sobre o SUS na Constituição de 1988. Também ganhou diversos prêmios internacionais.

[“Aprendi muito com ele. ‘Primeiro a vida, depois a lei; faça, depois pense’. É o que chamo de ‘Paixão Capistrano’. Sou considerado uma das viúvas do David. Com muito orgulho, mas temos que superar.” ]

Sobre a situação dessa luta hoje, Lancetti provoca:

[“A reforma psiquiátrica no brasil é triunfante, mas vem sofrendo derrotas. Foram desativados 60 mil leitos, mas outros tantos foram criados pelas clínicas.”]

[“O que seria de uma cidade que pretende acabar com os territórios marginais? Não seria um delírio? Todo o movimento antimanicomial se organizou em torno da utopia de uma sociedade sem manicômios, e hoje é surpreendido pela utopia de uma cidade sem drogas. Alguém já pensou o que seria uma sociedade sem drogas? Seres humanos que não pudessem sair de si?

Que teriam que permanecer na normatização chata, quadrada da vida contemporânea desse capitalismo idiotizante que a gente vive? ”]

Psicanálise e empatia

[“Deveríamos organizar um colóquio sobre o ódio social produzido no Brasil, sobre esse ressentimento, esse senso comum sobre corrupção. ”]

[“Nossa existência é tão achatada. Temos tantas ameaças à nossa subjetividade que urge se encontrar com as próprias potências. ”]

[“Vou citar um pedaço do texto que estamos escrevendo a quatro mãos, eu e esse rapaz, o Gabriel, que eu conheci ali no fluxo, na cracolândia. Chama-se ‘Gabriel e o mundo do submundo’: ‘(..) O negócio é o seguinte: você nunca vai ser dono do que é seu, por isso vc vai ter tudo o que vc precisa, e nada do que você deseja. Porque quem não sabe o que faz, não sabe o que quer’.”]

Bibliografia

LANCETTI, Antonio. Contrafissura e Plasticidade Psíquica. São Paulo, Hucitec, 2015. ___________________ . Clínica peripatética. São Paulo, Hucitec, 2006. ___________________ (org.). Coleção Saúde loucura. São Paulo, Hucitec.

___________________ . “Fim do programa De Braços Abertos seria um grande equívoco”. Revista Brasileiros, 27 de setembro de 2016. Disponível em: http://brasileiros.com.br/2016/09/fim-programa-de-bracos-abertos-seria-grande-equivoco/

FIORE, Maurício; RUI, Taniele; TÓFOLI, Luis Fernando. “Programa De Braços Abertos: uma análise dos impactos e perspectivas”. Cebrap, Open Society e outras: http://www.ibccrim.org.br/tvibccrim_video/504-Programa-De-Bracos-Abertos-uma-analise-dos-impactos-e-perspectivas

UM PESADELO DE MÃE: TERRÍVEL, MUITO TERRÍVEL

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O pior pesadelo para os pais é a morte de seu filho. O que aconteceu com Marci Weber é pior. Webber experimentou um episódio psicótico paranoide provocado pela medicação psiquiátrica. Ela saiu do episódio psicótico tomando conhecimento que havia matado a sua filha de quatro anos Maggie, a quem ela amava e tinha muito carinho, e tentou se suicidar.

Agora confinada indefinidamente em um hospital estatal para aqueles considerados Não Culpados Devido à Insanidade, Marci quer alertar o público acerca dos perigos das medicações psiquiátricas e está à procura por justiça para ela própria e a sua família. Ela me pediu para compartilhar a sua história.

Marci, com 43 anos de idade, era uma batalhadora mãe solteira de três filhas, quando a tragédia ocorreu. Ela estava vivendo no norte de Nova York e de licença médica da Escola de Direito Albany onde estava seguindo os estudos de mestrado em serviço social e doutorado profissional em direito. Ela é uma veterana do exército e foi voluntária em muitas organizações sem fins lucrativos que beneficiam crianças em sua comunidade.

Marci viveu sob grande estresse durante muitos anos. Para ajudá-la a lidar com o estresse, os médicos de Marci prescreveram uma crescente gama de drogas psiquiátricas, que incluíram dois antidepressivos (Wellbutrin 300 mg e Zoloft 200 mg), um antipsicótico (Seroquel 100 mg) para dormir e um sonífero (Ambien 10 mg), assim como medicação para a pressão sanguínea (Metoprolol 100 mg) para acalmar. Embora Marci não compreendesse isso naquela época, essa combinação de drogas não testada estava na prática exacerbando, não diminuindo, o estresse dela e a sua ansiedade, e causando problemas cognitivos e de memória junto com sintomas físicos inexplicáveis.

Em setembro de 2010, Marci levou Maggie a uma visita à sua mãe e à sua irmã mais velha, em Illinois. O seu médico da atenção primária, que estava prescrevendo a sua medicação psiquiátrica, não a via desde janeiro de 2010, embora continuasse a renovar a prescrição de Marci. Ela deixou de renovar a prescrição de Zoloft 200 mg, contudo, e que foi por fim renovada em 27 de julho.

Marci retornou rapidamente para Nova York e voltou logo depois para Illinois. Mas desta vez que ela retornou a Illinois, a sua mãe e Mallory a sua filha de 18 anos de idade notaram que Marci não era a mesma. Ela estava nervosa e preocupada que as pessoas estavam atrás dela. Marci também tinha sintomas parecidos com os da gripe, como dores pelo corpo, cansaço, sudorese e câimbras. Os membros da sua família estavam preocupados porque eles não conseguiam entender o que estava se passando, mas eles não ficaram alarmados porque Marci nunca havia sido perigosa. De fato, Marci estava experimentando sintomas de abstinência da medicação psiquiátrica, que podem causar sintomas semelhantes à gripe, assim como paranoia, psicose, comportamentos suicidas e homicidas. Ninguém havia advertido a ela ou a sua família que isso poderia vir a ocorrer.

Marci se deu conta de haver esquecido os seus remédios em casa e tentou obter as suas prescrições no Walmart em Illinois. Ela foi informada que eles não poderiam lhe fornecer os medicamentos, devido a uma lei de Nova York que impede que médico envie a prescrição por telefone ou por fax. A sua médica da atenção primária disse que ela deveria esperar pelas prescrições que estariam sendo enviadas pelo correio. Ninguém advertiu Marci acerca dos riscos da interrupção abrupta. Ninguém acessou o seu estado mental ou se ela tinha sintomas de abstinência ou a aconselhou a ir a um hospital.

Marci retornou à casa da sua mãe e passou a ficar mais paranoide e a delirar. Ela acreditava que a sua filha Maggi seria sequestrada pela internet por um disco iluminado que a iria vender como escrava sexual, e depois que a iria matar durante um ritual satânico, enviando a alma de Maggi para o inferno pela eternidade. A sua filha Mallory encontrou a sua irmã morta e a sua mãe ferida e chamou por socorro pelo telefone.

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Logo depois do homicídio, eu fui contatada pelos detetives que investigavam o caso. Eu era a antiga psicoterapeuta de Marci. Eu não tratava Marci há dois anos, mas eu ocasionalmente estava em contato com ela. Quando eu soube do que havia ocorrido, eu imediatamente informei os detetives que eu suspeitava que o homicídio e a tentativa de suicídio estavam relacionados com drogas psiquiátricas. Eu conheci Marci intimamente por 8 anos e sabia que ela era uma mãe atenciosa e amorosa para com as suas crianças. Marci nunca tinha sido violenta ou psicótica antes. E é extremamente pouco comum para uma pessoa ter um primeiro episódio psicótico em uma idade com a dela, e quando isso ocorre é geralmente devido a uma causa física.

Eu também contatei imediatamente o defensor público designado para o caso de Marci e o informei das minhas suspeitas. Eu enviei a ele artigos, livros e nomes de psiquiatras (incluindo Dr. Peter Breggin e Dr. Josep Glenmullen) que conheciam bem acerca de homicídio e suicídio induzidos por drogas psiquiátricas. O defensor público recusou em trazer essa questão para o processo de Marci e firmemente aconselhou Marci e a sua família a não apresentarem um processo de morte por negligência, justificando que isso iria prejudicar o seu caso criminal.

Após passar quase que dois anos na cadeia, Marci foi inocentada devido à insanidade e enviada para um hospital psiquiátrico para insanos criminosos, onde ela pode ficar confinada por até 100 anos. Ela passou quatro anos confinada no Centro Hospitalar Mental de Elgin. O pessoal do hospital recusou a considerar até mesmo a possibilidade de que o homicídio esteve relacionado às suas drogas psiquiátricas, e não demonstraram sinais de soltá-la. O ambiente lá era muito mais hostil e abusivo do que terapêutico. Ela sofreu 15 vezes abusos físicos por outros pacientes, algumas vezes por instigação da equipe. Dois membros da equipe até mesmo encorajaram-na a se matar e lhe forneceram meios para fazer isso.

Marci recusou tratamento com drogas psiquiátricas lá, o que lhe permitiu se recuperar da sua confusão mental. Ela está lúcida e não psicótica, apesar das circunstâncias muito difíceis em que vive. Ela não é um perigo para ela própria e nem para os outros. Recentemente ela foi transferida para um outro estabelecimento, Chicago Read Mental Health Center, com nenhuma explicação para as razões de tal procedimento ou plano de soltura. As condições de lá, embora menos violentas e hostis, continuam a serem desumanas. O pai de Marci em estado terminal e as suas duas filhas sobreviventes necessitam dela e querem que ela seja solta. Ela tem uma oferta de emprego em Arizona, onde ela pode estar perto do seu pai.

Nós estamos procurando recursos doados para uma representação legal e avaliações de psiquiatras independentes, a fim de garantir uma audiência de soltura para conseguir que Marci fique livre. Também estamos procurando por um promotor para representar Marci em um processo por prática de negligência contra a médica que prescrevia as drogas.

Marci prometeu que, após ganhar a liberdade, irá falar publicamente a respeito da sua experiência, a fim de educar o público acerca dos perigos das drogas psiquiátricas, para que ninguém passe pelo que ela passou descendo ao inferno.

A maioria das vítimas dos efeitos homicidas/suicidas das drogas psiquiátricas não vivem para contar a sua história. A história de Marci necessita ser contada.

Doações protegidas para despesas legais podem ser feitas clicando aqui.

Marci agradecerá muito se lhe enviarmos cartas de apoio. Está sendo muito difícil para ela manter o seu bom astral em tais circunstâncias. Você pode escrever para ela em: Marci Webber, Chicago Read Mental Health Center, B. South, 4200 North Oak Park Ave, Chicago, IL 60634. Ela também pode ser alcançada pelo telefone (773) 794-4036, mas por favor observe que esse telefone é para todos os pacientes da unidade e pode estar ocupado.

(trad. Fernando Freitas)

Cindy Perlin é trabalhadora da Clinical Social e profissional de Biofeedback practitioner que trabalha na clínica privada perto de  NY há 25 anos. Ela é a ex-presidente da Northeast Regional Biofeedback Society. Ela é autora do livro The Truth About Chronic Pain Treatments: The Best and Worst Strategies for Becoming Pain Free.

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O Ministério da Saúde quer custear as Comunidades Terapêuticas

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A despeito do posicionamento claro das entidades representativas de classe dos trabalhadores em saúde mental e das diversas organizações de movimentos sociais, o governo (golpista) Temer está decidido a cadastrar as comunidades terapêuticas como estabelecimentos de saúde, integrando-as ao SUS.

Sabe-se que as chamadas comunidades terapêuticas que se espalham pelo país, para tratamento de pessoas problemas com o uso de drogas ilegais e álcool, oferecem uma assistência em que na maioria dos casos é uma violência contra os direitos humanos de seus pacientes. Seus princípios ditos como assistenciais contrariam os pressupostos que orientam as políticas públicas construídas pelo Sistema Único de Saúde (SUS) – e, em particular, pela Reforma Psiquiátrica – que é a defesa intransigente da ‘dignidade humana’.

São abundantes e inequívocas as evidências de violência e de violação dos direitos humanos em relatos de pacientes, familiares e profissionais de saúde. As violações são a regra, tais como: interceptação e violação de correspondência, violência física, castigos, tortura, exposição a situações de humilhação, imposição de credo, exigência prévia de exames clínicos como teste de HIV, intimidações, desrespeito à orientação sexual, revista vexatória de familiares, violação de privacidade, entre outras.

Sabe-se que a suposta proposta terapêutica da grande maioria das Comunidades Terapêuticas está fundamentada no que há de mais retrógrado, em uma pseudociência.

Em um ambiente com características tipicamente do ‘modelo asilar’ de assistência, busca-se forjar como efeito ou cura da dependência a construção de uma identidade culpada e inferior, substituindo a dependência química pela submissão ao ideal, mantendo submissos, inferiorizados, os pacientes que lá são tratados. A maioria dessas práticas sociais adota a opção por um credo pela fé religiosa como recurso de tratamento. Além da incompatibilidade com os princípios que regem as políticas públicas – o caráter republicano e laico delas – essa escolha conduz à violação de um direito: escolha de outro credo ou a opção de não adotar nenhum, ou seja, não seguir nenhuma crença. Na prática desses lugares, conforme o que é constantemente relatado, os internos são constrangidos a participar de atividades religiosas, mesmo quando sua crença e fé são outras, até porque não existe outra possibilidade para os internos.

A maioria das Comunidades Terapêuticas tem como funcionários, apenas religiosos, pastores, obreiros, quase sempre ex-usuários convertidos. Quando há profissionais de saúde, como médicos, psicólogos, assistentes sociais, enfermeiros, técnicos de enfermagem, as suas atuações são submetidas a princípios religiosos e morais. Poucos profissionais se orientam de fato pelos saberes técnico-científicos.

Assim como ocorre nos manicômios, há falta de higiene, seus usuários trabalham sem remuneração (em nome da laborterapia), há tratamento diferenciado entre os pacientes com mais recursos financeiros.  E pasmem: a internação de menores nessas unidades é feita sem a presença dos pais.

Como já foi sublinhado pelo psicólogo Fábio Belloni, ‘Os manicômios hoje se chamam comunidades terapêuticas‘.

A matéria da Carta Capital sintetiza o que o governo (golpista) Temer está fazendo, “sem qualquer debate, a Secretaria de Atenção à Saúde da pasta editou em outubro a portaria 1.482, que determina a inclusão das comunidades terapêuticas no Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde (CNES)”.

Como diz o procurador da República Jefferson Aparecido Dias, do MPF:

Nós cometemos um erro grande no passado ao colocar pessoas com transtorno mental em locais inadequados, verdadeiros depósitos de gente. Depois de várias décadas, tentamos consertar isso. Mas estamos cometendo o mesmo erro agora, com as comunidades terapêuticas”.

Leia na íntegra essa matéria de Carta Capital.

 

 

POR QUE EU PENSO QUE OS ANTIDEPRESSIVOS CAUSAM MAIS DANOS DO QUE BENEFÍCIOS

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peter-gotzscheEm The Lancet Psychiatry, David Nutt e colegas (1)  afirmaram que manchetes tais como “Antidepressivos fazem mais mal do que bem”, ao explorarem “um novo patamar baixo de uma polêmica irracional”. Eu descordo e descrevo aqui as evidências que dão sustentação ao meu argumento, e com isso os leitores podem julgar por eles próprios o que eles pensam acerca da defesa dessas drogas por Nutt e seus colegas.

Com relação aos benefícios dos antidepressivos, a agência reguladora estudunidense FDA, em sua grande meta-análise de 100.000 pacientes, metade deles de deprimidos, observou que 10% mais pacientes responderam aos antidepressivos do que a placebo (2), e a revisão do Cochran (3) de pacientes deprimidos registrou resultados semelhantes (i.e, de cada dez pacientes tratados um pode se beneficiar).

Contudo, eu acredito que tais resultados foram exagerados, e por várias razões (4). A mais importante, as pesquisas não foram blindadas o suficientemente. Os antidepressivos têm efeitos colaterais evidentes e, por conseguinte, muitos pacientes e seus médicos irão saber se a droga testada é ativa ou é um placebo. Uma revisão sistemática de 21 pesquisas (5) em uma variedade de doenças, que tiveram avaliadores dos resultados mascarados e não-mascarados, descobriu que o efeito do tratamento foi exagerado por 36% em média (razão de chances) quando observadores não mascarados mais do que mascarados acessaram o efeito. O efeito de antidepressivos é acessado por escalas fortemente subjetivas (ex., a escala Hamilton), e se nós assumimos que o ‘cegamento’ (‘o mascaramento’) é quebrado por todos os pacientes nas pesquisas e ajustados pelo preconceito, nós encontraremos que os antidepressivos não têm efeito (razão de chance de 1.02) (4).

Contudo, eu não acredito que o ‘cegamento’ (‘mascaramento’) seja sempre quebrado, apenas que o efeito relatado seja muito provavelmente exagerado. Muitos anos atrás, pesquisas adequadamente ‘cegadas’ com antidepressivos tricíclicos foram feitas, nas quais o placebo continha atropina, que causa secura na boca como as drogas ativas assim o fazem. Essas pesquisas relataram efeitos muito pequenos, clinicamente insignificantes, dos antidepressivos tricíclicos comparados com o placebo (diferença da média padrão 0.17, 95% Cl 0.00-0.34) (6).

Um outro achado preocupante nas pesquisas randomizadas é que, por alguma razão, muitos pacientes interrompem o tratamento tanto com SSRIs quanto com placebos (7). Após apenas 2 meses, metade dos pacientes pararam de tomar a droga (8). Esse achado sugere que, em geral, considerando benefícios e danos juntos, os pacientes consideram as drogas sem utilidade. Mais importante ainda, nenhuma pesquisa mostra se essas drogas funcionam de fato para os resultados que realmente importam, tais como salvar relações e permitir que as pessoas retornem ao trabalho.

Com respeito aos danos dos antidepressivos, a maioria dos pacientes que tomam essas drogas experimentará efeitos colaterais.  A bula lista muitos efeitos colaterais comuns, dos quais os mais frequentes são problemas sexuais. Em um estudo (9) desenhado para avaliar esses efeitos colateral, problemas sexuais foram desenvolvidos em 604 (59%) dos 1022 pacientes que relataram não haverem tido problemas com a função sexual antes de começarem a usar antidepressivo. Os sintomas incluíram libido diminuída (50% dos pacientes em fluoxetina), orgasmo ou ejaculação retardados (também 50%), sem orgasmo ou ejaculação (39%), e disfunção erétil ou queda da lubrificação vaginal (22% para ambos combinados).

Mesmo quando diminuem lentamente a dose, metade dos pacientes têm dificuldade para interromper as drogas por causa dos efeitos de abstinência, que podem ser severos (10) e duradouros (4). Nós notamos que os sintomas de abstinência foram descritos em termos similares para benzodiazipinas e SSRIs, bem como para 37 dos 42 sintomas identificados (11). Contudo, tais sintomas não foram descritos como dependência para SSRIs (11). Definir como problemas similares a “dependência”, no caso dos benzodiazepínicos, e  ‘reações pela interrupção”, no caso dos SSRIs, é irracional. Para os pacientes, os sintomas são exatamente os mesmos; pode ser muito difícil interromper as drogas, as de um tipo ou as de outro.

Psiquiatras com frequência argumentam, como fizeram Nutt e colegas (1), que os antidepressivos protegem contra o suicídio. Contudo, eu acredito que não exista nenhuma  evidência clara para afirmar isso. Bons estudos de observação refutaram isso (12), e resultados de pesquisas randomizadas (13) mostraram que os antidepressivos estão associados com o aumento de risco de tentativas de suicídio (5.6 mais tentativas de suicídio para 1000 pacientes-anos de exposição aos SSRIs comparados com o placebo). Antidepressivos não apenas têm sido associados com o suicídio, mas também com o homicídio (4,14,16).  A análise da FDA mostrou que o comportamento suicida é aumentado com antidepressivos até a idade de 40 anos – mas de fato, a situação é muito pior do que isso. Suicídios e tentativas de suicídio foram amplamente não relatadas na análise do FDA por várias razões (4). Por exemplo, apenas cinco mortes por suicídio foram relatadas em 52 960 pacientes em antidepressivos na análise do FDA (2) em 2006, enquanto que cinco mortes por suicídio foram relatadas em 2963 pacientes em paroxetina apenas em uma meta-análise de 1993 (17).

Os SSRIs são particularmente daninhos para pacientes idosos. Resultados de estudo de uma amostra cuidadosamente controlada (18) com pessoas com mais de 65 anos de idade com depressão mostrou que SSRIs levaram a quedas em número maior do que  os antigos antidepressivos ou se a depressão não houvesse sido tratada. Para cada 28 pessoas idosas tratadas por 1 com um SSRI, houve uma morte adicional, comparado com os não tratados (18). SSRIs têm também efeitos estimulantes e podem precipitar a conversão para o transtorno bipolar em cerca de 10% das crianças entre 10-14 anos sendo tratadas pelos serviços de saúde mental (19).

“Os SSRIs são drogas muito pobres e eu duvido que elas possam ser seguras em qualquer idade. “

O primeiro SSRI foi a fluoxetina, com o regulador de drogas da Alemanha julgando ser “totalmente inadequada para o tratamento da depressão” (14,20) . Eu, e outros, (4,21) escrevemos sobre a controvérsia ao redor dessa droga e o seu processo para aprovação, não obstante ter sido aprovada e amplamente usada.

Eu escrevi previamente (4) que tem havido uma intensa comercialização e um crime generalizado cometidos pelas empresas farmacêuticas, incluindo fraude, promoção ilegal e corrupção de psiquiatras. Nos Estados Unidos, os psiquiatras recebem mais dinheiro da indústria farmacêutica do que nenhuma outra especialidade médica (4,22). Como resultado, a quantidade de antidepressivos prescritos todo ano na Dinamarca é suficiente para fornecer tratamento para todas as pessoas no país por 6 anos de suas vidas (4). Eu acredito que essa situação não parece boa e que também retrata o fato que muitos pacientes não podem interromper essas drogas, devido aos intoleráveis sintomas de abstinência.

Os SSRIs têm mostrado terem benefícios mínimos ou não-existentes em pacientes com depressão leve ou moderada (23), e eu penso que até mesmo essas drogas não podem sequer funcionar para a depressão severa (4). Elas devem ser usadas muito cuidadosamente, se de todo, e sempre com um plano claro para eliminá-los paulatinamente. Os assim chamados estudos de manutenção, nos quais pacientes após um tratamento bem sucedido recebem aleatoriamente ou uma droga ou um placebo, não podem ser interpretados como mostrando que os pacientes ainda necessitem a droga, por ser devido aos sintomas de abstinência, o que pode incluir depressão, e que são infligidas no grupo placebo.

Nutt e dois dos seus co-autores, Guy M Goodwin e Stephen Lawrie, têm entre eles declarado 22 conflitos de interesse em relação às companhias farmacêuticas (1). Eu pergunto-me se essa declaração não explica a sua renúncia à psicoterapia (embora seja efetiva e recomendada pelo NICE) e a descrição deles da minha visão como uma polêmica irracional que estaria insultando a disciplina da psiquiatria e reforçando o estigma contra as doenças mentais. Eles também falam de anti-psiquiatria, anti-capitalismo e de uma teoria conspiratória. Essa é a linguagem das pessoas que são curtas de argumentos.

Bibliografia:

1              Nutt DJ, Goodwin GM, Bhugra D, Fazel S, Lawrie S. Attacks on antidepressants: signs of deep-seated stigma? Lancet Psychiatry 2014 ; 1: 103–04.

2              Laughren TP. Overview for December 13 Meeting of psychopharmacologic drugs advisory committee (PDAC). 2006 Nov 16. http://www.fda.gov/ ohrms/dockets/ac/06/briefing/2006-4272b1-01-FDA.pdf (accessed Oct 22, 2012).

3              Arroll B, Elley CR, Fishman T, et al. Antidepressants versus placebo for depression in primary care. Cochrane Database Syst Rev 2009; 3: CD007954.

4              Gøtzsche PC. Deadly medicines and organised crime: how big pharma has corrupted health care. London: Radcliffe Publishing, 2013.

5              Hróbjartsson A, Thomsen AS, Emanuelsson F, et al. Observer bias in randomised clinical trials with binary outcomes: systematic review of trials   with both blinded and non-blinded outcome assessors. BMJ 2012; 344: e1119.

6              Moncrieff J, Wessely S, Hardy R. Active placebos versus antidepressants for depression. Cochrane Database Syst Rev 2004; 1: CD003012.

7              Barbui C, Furukawa TA, Cipriani A. Effectiveness of paroxetine in the treatment of acute major depression in adults: a systematic re- examination of published and unpublished data from randomized trials. CMAJ 2008; 178: 296–305.

8              Serna MC, Cruz I, Real J, et al. Duration and adherence of antidepressant treatment (2003 to 2007) based on prescription database. Eur Psychiatry 2010; 25: 206–13.

9              Montejo A, Llorca G, Izquierdo J, et al. Incidence of sexual dysfunction associated with antidepressant agents: a prospective multicenter study of 1022 outpatients. Spanish Working Group for the study of psychotropic- related sexual dysfunction. J Clin Psychiatry 2001; 62 (suppl 3): 10–21.

10           Fava GA, Bernardi M, Tomba E, et al. Effects of gradual discontinuation of selective serotonin reuptake inhibitors in panic disorder with agoraphobia. Int J Neuropsychopharmacol 2007; 10: 835–38.

11           Nielsen M, Hansen EH, Gøtzsche PC. What is the difference between dependence and withdrawal reactions? A comparison of benzodiazepines and selective serotonin re-uptake inhibitors. Addiction 2012; 107: 900–08.

12           Zahl PH, De Leo D, Ekeberg Ø, et al. The relationship between sales of SSRI, TCA and suicide rates in the Nordic countries. BMC Psychiatry 2010; 10: 62.

13           Fergusson D, Doucette S, Glass KC, et al. Association between suicide attempts and selective serotonin reuptake inhibitors: systematic review of randomised controlled trials. BMJ 2005; 330: 396.

14           Healy D. Let Them Eat Prozac. New York: New York University Press; 2004.

15           Moore TJ, Glenmullen J, Furberg CD. Prescription drugs associated with reports of violence towards others. PLoS One 2010; 5: e15337.

16           Lucire Y, Crotty C. Antidepressant-induced akathisia-related homicides associated with diminishing mutations in metabolizing genes of the CYP450 family. Pharmgenomics Pers Med 2011; 4: 65–81.

17           Montgomery SA, Dunner DL, Dunbar GC. Reduction of suicidal thoughts with paroxetine in comparison with reference antidepressants and placebo. Eur Neuropsychopharmacol 1995; 5: 5–13.

18           Coupland C, Dhiman P, Morriss R, et al. Antidepressant use and risk of adverse outcomes in older people: population based cohort study. BMJ 2011; 343: d4551.

19           Martin A, Young C, Leckman JF, et al. Age effects on antidepressant-induced manic conversion. Arch Pediatr Adolesc Med 2004; 158: 773–80.

20           Internal Eli Lilly memo. Bad Homburg. 1984 May 25 (available on request).

21           Virapen J. Side effects: death. College Station: Virtualbookworm.com Publishing, 2010.

22           Insel TR. Psychiatrists’ relationships with pharmaceutical companies: part of the problem or part of the solution? JAMA 2010; 303: 1192–93.

23           Fournier JC, DeRubeis RJ, Hollon SD, et al. Antidepressant drug effects and depression severity: a patient-level meta-analysis. JAMA 2010; 303: 47–53.

Este artigo foi originalmente publicado em  The Lancet.

 

Peter Gotzsche (Nordic Cochrane Centre), Dept 7881 Righospitalet, Copenhagen, Denmark [email protected]

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