Após a crise dos benzodiazepínicos nos anos 80, psiquiatras e médicos de clínica geral voltaram-se com alívio para os antidepressivos; o Royal College of Psychiatrists & General Practitioners nos assegurou e aos nossos pacientes que não causariam dependência e que não eram viciantes. Eu compartilho dessa crença. Porque, de fato, os antidepressivos não são viciantes, no sentido de que acarretam alterações nas hierarquias motivacionais, tais como um indivíduo hipotecar seus meios de subsistência e tudo o que ele considera importante para obter mais suprimentos da droga. Mas os pacientes estão preocupados em ficar ‘presos’ aos antidepressivos, e os antidepressivos podem se ‘agarrar’ ao sujeito no sentido de torná-lo fisicamente dependente.
Na década de 1960 surgiu o conceito de dependência terapêutica de drogas antipsicóticas e de antidepressivos, ficando claro que alguns indivíduos talvez nunca seriam capazes de suspender o uso dessas drogas. A retirada de antipsicóticos, por exemplo, poderia levar a discinesia tardia, o que mais tarde foi reconhecido como podendo aparecer ao longo do tratamento (1). O fato de que ‘sintomas de abstinência’ pudessem ocorrer quando o sujeito estava em tratamento com drogas que não fossem euforizantes e que não interrompessem hierarquias motivacionais, isso era completamente incompatível com as teorias do vício de então e as de agora. Isso, aliado à necessidade de conter o uso de opiáceos, LSD e anfetaminas em 1960, levou a um eclipse do conceito de dependência terapêutica. Desde a década de 1960, tivemos uma demonização de algumas drogas e a glorificação de outras. As drogas más são supostamente caracterizadas pela dependência, mesmo que o LSD e outras drogas ruins não causem dependência física. As boas drogas são supostamente livres desse problema.
Neste contexto, a dependência de drogas terapêuticas benzodiazepínicas provocou uma crise. Pacientes ressentidos por serem viciados, ressentidos por não terem sido avisados sobre os riscos de ficarem viciados, e mais ainda ressentidos por serem culpados enquanto autores de sua própria desgraça. O surgimento dos antidepressivos ISRSs (Inibidores Seletivos de Recaptação da Serotonina) ofereceu a possibilidade de um compromisso quase que ‘político’.
De 1960 a 1990, os antidepressivos eram geralmente prescritos apenas para pacientes gravemente deprimidos, e nestes pacientes as evidências de recaída com a interrupção podiam muitas vezes serem razoavelmente vistas como evidências de recaída de uma doença. Essa posição tornou-se mais difícil de ser mantida em pacientes que anteriormente haviam sido casos do Valium, mas que agora haviam passado a ser casos do Prozac (Fluoxetina), Seroxat (Paroxetina), Sertralina (Cloridrato de Sertralina) e Efexor (Velanfaxina). Esses doentes não apresentavam as condições severas que poderiam ter sido esperadas para levar a uma recaída precoce com a descontinuação do medicamento. Relatórios sobre os efeitos com a retirada desses medicamentos passaram a ser transmitidos às agências reguladoras.
ISRSs
ISRS (sigla conhecida em inglês como SSRI) significa ‘inibidor seletivo da recaptação da serotonina’. Isso não significa que esses fármacos sejam seletivos para o sistema de serotonina ou que sejam, em algum sentido, farmacologicamente ‘limpos’. Isso significa que eles têm pouco efeito sobre o sistema norepinefrina / noradrenalina. Existem seis ISRSs no mercado:
ISRS | Nome comercial no Brasil |
Fluoxetina | Prozac |
Paroxetina | Aropax |
Sertralina | Zoloft |
Citalopram | Cipramil |
Escitalopram | Lexapro |
Fluvoxamina | Luvox |
Venlafaxina | Efexor |
Nota: A Venlafaxina em doses até 150 mg é um ISRS, acima de 150 mg ela também inibe a recaptação da noradrenalina.
CARACTERÍSTICAS DA ABSTINÊNCIA / SINTOMAS DE ABSTINÊNCIA
Os sintomas comuns na retirada dos ISRS dividem-se em dois grupos (2). O primeiro grupo pode ser diferente de qualquer coisa que você já teve antes, e seus sintomas incluem:
Tontura
Dor de cabeça
Espasmos musculares
Tremor
Sensações de choque elétrico
Outras estranhas sensações de formigamento ou dor
Náusea, diarreia, flatulência
Agitação
O segundo grupo se sobrepõe com nervosismo geral e pode levar você ou o seu médico a pensar que tudo o que você tem são características do seu problema original. Esses sintomas incluem:
Depressão
Incapacidade de humor
Irritabilidade
Agitação
Confusão
Fadiga / Mal-estar
Sentimentos semelhantes a gripe
Insônia ou Sonolência
Mudanças de humor
Sudorese
Sentimentos de perda da realidade
Sentimentos de estar quente ou frio
Esses sintomas aparecem entre 20% a 50% dos pacientes que tomam ISRSs, às vezes dentro de horas após a última dose. Paroxetina e Venlafaxina parecem ser os agentes mais problemáticos no momento, mas sintomas semelhantes são susceptíveis de ocorrer com todos os ISRS e, em menor grau, com antidepressivos tricíclicos. Em casos mais leves, os problemas podem desaparecer após uma semana ou duas, mas noutros os sintomas podem continuar semanas ou meses após a última dose, e para alguns doentes pode não ser possível parar o tratamento. A ajuda especializada pode beneficiar alguns pacientes desse último grupo, nem que seja apenas para fornecer sugestões sobre antídotos para os problemas induzidos pela droga, tais como problemas como a perda de libido.
É DEVIDO À RETIRADA?
Há três maneiras de distinguir os problemas com a retirada dos ISRSs daqueles problemas nervosos para os quais os ISRSs inicialmente podem ter sido usados para tratar.
Em primeiro lugar, se o problema começa imediatamente ao reduzir ou deixar de tomar uma dose, ou que começa dentro de horas ou dias ou talvez até semanas após a retirada, então é mais provável que seja um problema produzido pela retirada. Se o problema original foi tratado e você está indo bem, então ao interromper o tratamento nenhum novo problema deveria aparecer por vários meses.
Em segundo lugar, se o nervosismo ou outros sentimentos estranhos que aparecem na redução ou interrupção do ISRS (às vezes depois de apenas faltar uma dose) desaparecem quando você é colocado de volta ao ISRS ou quando a dose é colocada de volta, então isso também aponta para um problema produzido com a retirada do medicamento, ao em vez de ser um retorno da doença original. Quando as doenças originais retornam, elas levam muito tempo para responder ao tratamento. A resposta relativamente imediata dos sintomas na interrupção da reinstituição do tratamento aponta para um problema de abstinência.
Em terceiro lugar, as características da retirada podem sobrepor-se às características do problema nervoso para o qual você foi tratado pela primeira vez – ambos podem conter elementos de ansiedade e de depressão. No entanto a retirada também muitas vezes irá conter novas características distintas do estado original, como comichão, sensações de formigamento, sensações de choque elétrico, dor e uma sensação geral de gripe.
Antes de começar a retirar o medicamento, deve-se notar que muitas pessoas não terão problema algum. Muitas outras terão problemas mínimos, que podem chegar a um pico após alguns dias antes de diminuir. Os sintomas podem permanecer por algumas semanas ou meses. Outras pessoas terão maiores problemas, mas estes podem ser ajudados pelo plano de manejo descrito abaixo.
Finalmente, não obstante, haverá um pequeno grupo de pessoas que são simplesmente incapazes de parar. É importante reconhecer esta última possibilidade para evitar punir-se. A ajuda de especialistas pode fazer a diferença para algumas pessoas que fazem parte deste último grupo, como eu disse nem que seja para fornecer possíveis antídotos para atenuar os problemas com a continuação dos ISRS, como a perda da libido.
GESTÃO DA RETIRADA
A retirada de ISRSs é algo que deve ser feito em consulta com o seu médico. Você pode mostrar isso ao seu médico de família, por exemplo. A retirada brusca pode até ser medicamente perigosa, particularmente em pessoas idosas.
- Converta a dose de ISRS que você toma em uma dose equivalente de Prozac líquido. Aropax / Paxil 20mg, Efexor 75mg, Cipramil / Citalopram 20mgs, Sertralina / Zoloft 50mgs, essa são doses equivalentes a 20mg de Prozac líquido. A lógica para isso é que o Prozac tem uma meia-vida muito longa, o que ajuda a minimizar os problemas de abstinência. A forma líquida permite que a dose seja reduzida mais lentamente do que pode ser feito quando com pílulas.
- Estabilize o Prozac por uma semana, depois reduza para metade a dose.
- Se não houver qualquer problema com o passo 2, a dose pode ser ainda reduzida para metade. Alternativamente, se houver um problema a partir desse ponto, a dose pode ser reduzida ainda mais lentamente em incrementos semanais.
- A partir de uma dose de Prozac de 10mgs líquido, considere a redução de 1mg a cada poucos dias ao longo de várias semanas – ou meses, se for necessário. Com o líquido Prozac isso pode ser feito por diluição.
- Se houver dificuldades em qualquer fase em particular, a resposta é esperar nessa fase por um período de tempo mais longo, antes de reduzir ainda mais.
- Os sintomas de abstinência e a dependência são fenômenos físicos. Mas algumas pessoas podem ficar compreensivelmente fóbicas com a retirada, especialmente se a experiência for literalmente chocante. Se você acha que pode ter se tornado fóbico, um psicólogo clínico pode ser capaz de ajudar a gerenciar o problema fóbico.
- Grupos de apoio de autoajuda podem ser inestimáveis. Junte-se a um. Se não houver nenhum nas proximidades, considere configurar um. Haverá muitas outras pessoas com um problema semelhante.
Há evidências anedóticas e alguns fundamentos teóricos para acreditar que outra opção é substituir o ISRS pela Erva de São João. Se uma dose de 3 comprimidos de Erva-de-São João é tolerada em vez do ISRS, esta pode então ser reduzida lentamente – por uma pílula por quinzena ou mesmo por mês.
Algumas pessoas por razões compreensíveis podem preferir essa abordagem. Mas é preciso notar que a Erva de São João tem seu próprio conjunto de interações com outras pílulas e seus próprios problemas, e que você deve consultar o seu médico se for esta a opção que você escolher.
ACOMPANHAMENTO
Os problemas colocados com os sintomas de abstinência podem estabilizar-se a tal ponto em que você pode seguir em frente com a sua vida. Mas nesse caso ou em casos onde não é possível deixar de tomar tais medicamentos, é importante anotar problemas que estão ocorrendo e procurar se possível o seu médico ou alguém para relatá-los.
Há efeitos claros no âmago dos ISRSs. A lista acima não inclui problemas cardíacos ocorridos durante o período de pós-retirada. Tais problemas, se ocorrerem, podem, contudo, estar relacionados com a retirada e devem ser anotados e registados.
Os ISRSs são bem conhecidos por prejudicar o funcionamento sexual. A visão convencional foi que uma vez que a droga fosse interrompida, o funcionamento voltaria ao normal. Existem indicadores contudo que isso pode não ser verdadeiro para muitos. Se o funcionamento sexual permanecer anormal, este deve ser trazido à atenção do seu médico, que esperamos ajude a resolver.
A retirada pode revelar outros problemas contínuos, semelhante ao problema de disfunção sexual em curso. É importante relatá-los. A melhor maneira de encontrar um remédio é levar o problema à atenção de tantas pessoas quanto for o possível.
(1) Healy D (2001). Drogas Psiquiátricas Explicadas. Churchill Livingstone, Edimburgo; Healy D (2001). A Criação da Psicofarmacologia. Harvard University Press, Cambridge Mass.
(2) Rosenbaum JF, Fava M, Hoog SL, Ashcroft RC, Krebs W (1998). Síndrome seletiva de descontinuação do inibidor da reabsorção de serotonina: um estudo clínico randomizado. Biological Psychiatry 44, 77-87;
Como fazer a retirada gradual se não existem esse antidepressivos em forma liquida?
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Bacana.