Resultados do maior estudo com antidepressivos feito até hoje

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JoannaAlguns meses atrás, fiquei surpresa ao receber um pedido de um obscuro jornal de estudos de consciência para revisar um artigo. Surpresa porque, embora não fosse imediatamente óbvio o que estava no título, o artigo continha os primeiros relatos do desfecho primário do massivo e notório estudo STAR-D , 14 anos após o seu término.

Quais foram as principais descobertas do maior estudo sobre antidepressivo de todos os tempos e que está sendo apresentado agora em uma revista pouco conhecida?

A resposta pode estar no fato de que os dados mostram o quão miseravelmente pobres são os resultados do tratamento médico padrão para a depressão!

Com 4041 participantes, o estudo STAR-D é de longe o maior e mais caro estudo sobre antidepressivos até hoje realizado. A intenção do estudo foi ver se o tratamento com antidepressivo, combinado com cuidados de alta qualidade realizados em condições clínicas usuais, obteve os resultados esperados.  Não envolveu placebo ou qualquer tipo de controle. Para maximizar o envolvimento das pessoas, todo o tratamento foi fornecido gratuitamente durante o período do estudo.

O artigo que me pediram para revisar, que agora é publicado em Psicologia da Consciência: Teoria, Pesquisa e Prática, foi escrito por um grupo liderado por Irving Kirsch,  e baseado nos dados originais obtidos através do NIMH . [1]  Shannon Peters descreve suas descobertas em detalhes.

O grupo de Kirsch ressalta que o artigo que descreve o projeto do estudo STAR-D identifica claramente a Escala de Hamilton para Depressão (HRSD) como sendo o desfecho primário[2].  Isso faz sentido, uma vez que a HRSD é uma das escalas de avaliação mais comumente usadas em pesquisas de tratamento da depressão, especialmente pesquisas de uso de antidepressivos. Como os autores do STAR-D observam no protocolo do estudo, “o HAM-D17 (HRSD), o resultado primário, permite a comparação com a vasta literatura de ECR” (citado em [1] ).

No entanto, o resultado que foi apresentado em quase todos os documentos do estudo foi o QIDS (Inventário Rápido de Sintomatologia Depressiva) , uma medida feita especialmente para o estudo STAR-D, sem credenciais anteriores ou posteriores. De fato, como os autores do presente artigo apontam, essa medida foi concebida não como uma medida de resultado, mas como uma forma de rastrear sintomas durante o curso do tratamento, e o protocolo original do estudo declarou explicitamente que não deveria ser usado como uma medida de resultado.

A análise constatou que, durante as primeiras 12 semanas de tratamento com antidepressivo, as pessoas no estudo STAR-D mostraram uma melhoria de 6,6 pontos no HRSD. Este nível de mudança não atinge o limite necessário para indicar uma “melhoria mínima”, de acordo com a escala Clinical Global Impressions (uma escala global de classificação), que seria de 7 pontos. Também está abaixo da média de melhora do placebo em ensaios controlados com placebo de antidepressivos. Uma meta-análise de pesquisas com paroxetina , por exemplo, descobriu que a melhora média em pacientes tratados com placebo foi de 8,4 pontos no HRSD. [3] Uma meta-análise de pesquisas com fluoxetina e venlafaxina relataram níveis médios de melhora no placebo de 9,3 pontos em apenas 6 semanas.[4] Outra meta-análise encontrou níveis de melhoria de placebo entre 6,7 e 8,9 pontos em grupos de placebo em ensaios envolvendo uma variedade de antidepressivos.[5]

A proporção de pessoas classificadas como apresentando uma ‘resposta’ (usando a definição arbitrária mas comumente usada de uma redução de 50% na pontuação da HRSD de acordo com o protocolo original) foi de 32,5% no estudo STAR-D, e a proporção classificada como apresentando remissão (Pontuação HRSD ≤7) foi de 25,6%. A meta-análise de ensaios controlados com placebo de fluoxetina e venlafaxina relatou taxas de resposta de 39,9% entre as pessoas alocadas em placebo, e taxas de remissão de 29,3%. Em outra metanálise com antidepressivos, a taxa de resposta no placebo foi um pouco acima do nível STAR-D em 34,7%, [6] e em outro foi logo abaixo em 30,0%. [7]

Os autores do artigo atual ressaltam, no entanto, que a melhora é menor nos ensaios controlados com placebo, mesmo nas pessoas tratadas com antidepressivos, do que nos estudos que comparam um antidepressivo com outro sem controles com placebo. Isto é presumível  porque as pessoas em ensaios controlados por placebo são informadas de que há uma chance de receberem um placebo, enquanto que em estudos comparativos, eles sabem que receberão algum tipo de droga ativa. Portanto, os pesquisadores compararam os resultados do estudo STAR-D com os resultados de uma grande meta-análise de ensaios comparativos (citado em [6]). Eles encontraram níveis médios de melhoria de HRSD de 14,8 pontos; taxas de resposta de 65,2% e taxas de remissão de 48,4%. Portanto, os resultados de STAR-D são aproximadamente metade da magnitude daqueles obtidos em testes comparativos com drogas padrão.

Os autores propõem que as razões para este mau desempenho dos antidepressivos no estudo STAR-D se devem à seleção de pacientes mais complexos. Os estudos da indústria, em particular, excluem pessoas com condições e sintomas ‘co-mórbidos’ ou história de autoflagelação, e muitas vezes recrutam pessoas através de anúncios. Também pode ser devido à atenção intensiva e procedimentos de avaliação que as pessoas realizam em estudos financiados pela indústria, e o efeito placebo adicional de estar em um teste de um ‘novo’ tratamento, que a maioria dos estudos envolve.

Seja qual for o motivo, o STAR-D sugere que, em situações da vida real (que o STAR-D imitava melhor que outros testes), as pessoas que tomam antidepressivos não se saem muito bem. Na verdade, dado que para a grande maioria das pessoas a depressão é uma condição naturalmente remitente, é difícil acreditar que as pessoas tratadas com antidepressivos tenham um desempenho melhor do que as que não recebem tratamento algum.

Parece que esta pode ser a razão pela qual os resultados do principal do estudo STAR-D permanecerem enterrados por tanto tempo. Em vez disso, foi selecionada uma medida que mostrava resultados em uma perspectiva ligeiramente melhor. A propósito, mesmo assim os resultados foram muito ruins, especialmente no longo prazo, como Piggott et al. mostraram em uma análise anterior. [8]

Se isso foi deliberado ou não por parte dos autores originais do STAR-D, certamente isso não foi explicitado. Certamente deve haver alvoroço sobre a retenção de informações sobre uma das classes de medicamentos mais prescritas no mundo. Devemos ser gratos a Kirsch e seus co-autores por finalmente colocarem esses dados no domínio público.

Referências bibliográficas:

  1. Kirsch I, Huedo-Medina TB, Pigott HE, Johnson BT. Do outcomes of clinical trials resemble those “real world” patients? A reanalysis of the STAR-D antidepressant dataset. Psychology of Consciousness: Theory, Research and Practice 2018;Sept 2018.
  2. Rush AJ, Fava M, Wisniewski SR, Lavori PW, Trivedi MH, Sackeim HA, et al. Sequenced treatment alternatives to relieve depression (STAR*D): rationale and design. Controlled Clinical Trials 2004;25:119-42.
  3. Sugarman MA, Loree AM, Baltes BB, Grekin ER, Kirsch I. The efficacy of paroxetine and placebo in treating anxiety and depression: a meta-analysis of change on the Hamilton Rating Scales. PLoS One 2014;9(8):e106337.
  4. Gibbons RD, Hur K, Brown CH, Davis JM, Mann JJ. Benefits from antidepressants: synthesis of 6-week patient-level outcomes from double-blind placebo-controlled randomized trials of fluoxetine and venlafaxine. Arch Gen Psychiatry 2012 Jun;69(6):572-9.
  5. Kirsch I, Moore TJ, Scoboria A, Nicholls SS. The emperor’s new drugs: an analysis of antidepressant medication data submitted to the US Food and Drug Administration. Prevention and Treatment 2002;5.
  6. Rutherford BR, Sneed JR, Roose SP. Does study design influence outcome?. The effects of placebo control and treatment duration in antidepressant trials. Psychother Psychosom2009;78:172-81.
  7. Walsh BT, Seidman SN, Sysko R, Gould M. Placebo response in studies of major depression: variable, substantial, and growing. JAMA 2002 Apr 10;287(14):1840-7.
  8. Pigott HE, Leventhal AM, Alter GS, Boren JJ. Efficacy and effectiveness of antidepressants: current status of research. Psychother Psychosom 2010;79(5):267-79.