Um estudo publicado recentemente em Psicoterapia e Psicossomática examina as injustiças e complexidades associadas ao processo de descontinuação dos antidepressivos. Os autores apresentam um novo modelo de tratamento adaptado para abordar os sintomas de abstinência, comuns durante a descontinuação dos antidepressivos, e para delinear uma abordagem multidisciplinar para os profissionais.
“Os danos da falta da informação dos profissionais de saúde são difíceis de se superar. Antidepressivos são medicamentos importantes e potencialmente salvadores, se as indicações apropriadas forem aprovadas. No entanto, o médico prescritor é atualmente conduzido por uma superestimação dos benefícios potenciais, com pouca atenção à probabilidade de resposta adequada e a negligência da potencial vulnerabilidade do paciente aos efeitos adversos do tratamento ”, escrevem os autores, Giovanni Fava e Carlotta Belaise.
Fava, o principal autor deste artigo, é um psiquiatra empenhado em desembaralhar a relação entre antidepressivos e sintomatologia de abstinência e tratamento. A pesquisa de Fava foi informada a partir de sua própria experiência clínica, que pode ser rastreada até a década de 1990, quando vários estudos de caso já indicavam sintomas de abstinência ligados à descontinuação de uma categoria de antidepressivos comumente prescritos, que são os Inibidores Seletivos de Recaptação de Serotonina (ISRSs). Embora esses relatos tenham sido na época “minimizados”, surgiu desde então um aumento na pesquisa sobre sintomatologia de abstinência de antidepressivos.
O segundo autor, Carlotta Belaise, é uma psicóloga envolvido no tratamento de síndromes de abstinência ou de pós-abstinência de antidepressivos (especificamente os ISRSs e os inibidores de recaptação de serotonina e noradrenalina – IRSNs). e reconhece a necessidade de se ter abordagens psicoterapêuticas específicas para responder à descontinuação do antidepressivo.
Informados por “ensaios clínicos fracassados e pela extensa experiência clínica”, os autores se propuseram a explorar o processo de descontinuação e sugerem respostas terapêuticas adequadas ao tratamento farmacológico e terapêutico, argumentando que “a descontinuação de antidepressivo – sem consulta médica e suporte psicoterapêutico adequado – acarreta riscos substanciais para o paciente e muitas vezes está fadada ao fracasso ”.
Os motivos para a interrupção dos antidepressivos variam, incluindo, razões médicas, gravidez e amamentação, efeitos colaterais, falta ou perda da eficácia do medicamento, razões obscuras para as prescrições iniciais e o prolongamento automático do tratamento, um processo de descontinuação planejada, melhores condições clínicas e preferência do paciente, entre outros . A suspensão de um medicamento “é um processo altamente individualizado”, escrevem os autores, “é uma ilusão se pensar que exista um protocolo único que possa ser aplicado a todos os pacientes aos quais o antidepressivo é descontinuado”.
Fava e Belaise delineiam as seguintes responsabilidades clínicas neste processo:
- Avaliação inicial completa
- Definições claras de recaída / recorrência, novos sintomas de abstinência, rebote, distúrbio pós-abstinência persistente
- Familiaridade com sintomas de abstinência comuns aos antidepressivos ISRS eI IRSN
- Conhecimento das discrepâncias entre as síndromes de recaída e abstinência
Os autores examinam as estratégias farmacológicas para a descontinuação do antidepressivo, constatando que “a redução lenta feita com contatos frequentes parece ser uma estratégia razoável para muitos pacientes”, embora existam algumas exceções. No entanto, eles dizem aos pacientes “é como jogar uma moeda: não temos como saber o que vai acontecer”- com relação aos sintomas individuais de abstinência.
Juntos, Fava e Belaise desenvolveram uma abordagem psicoterapêutica para gerenciar a descontinuação do antidepressivo. O que envolve 3 módulos de duração variável, onde os pacientes são atendidos a cada 2 semanas para um total de 16-24 sessões.
“O Módulo 1 utiliza terapia explicativa, que envolve o fornecimento de informações precisas, o ensino de princípios da percepção seletiva, a confiança no processo, esclarecimento e repetição. Este módulo deve começar antes do processo da redução gradativa e deve encorajar os pacientes a iniciar e a manter um diário durante a descontinuação.
O Módulo 2 envolve a reavaliação e o tratamento do comportamento cognitivo, com foco na revisão do diário e dando atenção especial à trajetória da sintomatologia de abstinência e dos sintomas afetivos.
O Módulo 3 emprega terapia de bem-estar, uma terapia de curto prazo que “enfatiza a auto-observação do bem-estar psicológico, o uso de um diário estruturado, a reestruturação cognitiva de pensamentos e / ou comportamentos interferentes que é feita através de técnicas cognitivas comportamentais e de ‘deveres de casa’.
(Veja uma lista completa dos objetivos do módulo nas Tabelas 1, 2 e 5.)
As limitações deste estudo incluem a falta atual de pesquisa que examine as nuances das interações medicamentosas entre os indivíduos. Fava e Belaise expressam particular preocupação com a falta de pesquisas sobre os efeitos polifarmacêuticos da descontinuação, afirmando que “a polifarmácia simplesmente não é abordada pela literatura sobre a descontinuação dos antidepressivos e que é uma realidade freqüentemente encontrada na realidade clínica”. Além disso, uma revisão de outros práticas psicoterapêuticas, em termos prospectivos, feitas durante a descontinuação é ainda inexistente, assim como as considerações transculturais.
Este estudo contribui à pesquisa existente e se esforça para melhor se entender e responder aos sintomas de abstinência associados ao uso de antidepressivos. Os autores chamam a atenção para o impacto deletério de se ignorar a abstinência de antidepressivos e fornece estratégias farmacológicas e psicoterapêuticas para os profissionais.
“Um uso racional de antidepressivos que incorpore todos os potenciais benefícios e danos consiste em direcionar sua aplicação apenas aos casos mais persistentes de depressão, limitando o seu uso ao menor tempo possível e reduzindo seu emprego nos transtornos de ansiedade”, concluem Fava e Belaise, acrescentando que “a dose mais baixa desses agentes que pareça ser eficaz e bem tolerada é o que deve ser a empregada”, “Assim como “estratégias de aumento precisam ser cuidadosamente pesadas em termos de benefícios e danos” e “deve-se estar particularmente preocupado com pacientes jovens que recebem antidepressivos para transtornos de ansiedade”, bem como em se prolongar este tratamento indefinidamente sem passar por qualquer forma de psicoterapia ”.
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Fava, G. & Belaise, C. (2018). Discontinuing antidepressant drugs: Lesson from a failed trial and extensive clinical experience. Psychotherapy and Psychosomatics, 87 , 257-267. doi: 10.1159 / 000492693 (Link)