Convite à ação: próxima Greve de fome contra a Terapia Eletroconvulsiva (eletrochoque)

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A proclamação anti-eletrochoque

Nós que nos importamos, 
Nós que estamos comprometidos com a decência 
Nós que contemplamos com horror o desrespeito pela vida humana ao nosso redor, 
Nós que estremecemos com o conhecimento 
De que mulheres cuja memória foi transformada em brasas e cinzas, 
De famílias brutalmente rasgadas por ondas de impulso ou ondas senoidais, 
Dos idosos, cuja recompensa final de vida é a eletrocussão, 
Nós que possuímos esse assustador conhecimento não podemos mais calar. 
LEGISLADORES, a esse respeito, nesta semana do Dia das Mães, responsabilizamos vocês diretamente e pedimos que vocês retirem sua autorização para eletrochoque. 
CIDADÃOS COMPANHEIROS que acham que esta ‘prática’ parou há décadas, nesta semana do Dia das Mães, 
nós lhes dizemos que a carnificina continua e que vocês também são responsáveis.
Neste dia antecede o Dia das Mães, 20 de maio, como sobreviventes e aliados, nos reunimos para levantar nossas vozes em protesto, 
E prometemos retornar, 
retornar, 
e voltar novamente 
Até que esta abominação 
não exista mais. (Burstow, 2004 ) [1]

O objetivo deste blog é fornecer a vocês algumas informações críticas contra-hegemônicas. Além disso, o artigo constitui um apelo à ação. Mais especificamente, é um chamado à ação contra uma das atrocidades psiquiátricas mais terríveis dos dias atuais – o horror eufemisticamente conhecido como ‘eletroconvulsoterapia’.

Os contextos para este artigo e para essa chamada de mobilização – e os contextos são importantes não apenas como contexto, mas também em si mesmos – são os seguintes:

  1. O eletrochoque (ECT) continua a crescer, embora tenha sido demonstrado conclusivamente ser ineficaz e prejudicial ao cérebro. Além disso, como os profissionais e os sobreviventes da ECT têm demonstrado há muito tempo, a ECT destrói a memória e deixa rotineiramente a vida das pessoas em frangalhos (ver Ross, de 2006, [2] Burstow, 2015, [3] e Andre, 2009 [4]).
  2. Embora a ECT seja inaceitável e seja um ato de violência, independentemente de quem esteja sendo submetido a ela, a ECT é desproporcionalmente violenta contra as mulheres. [5] Notem a este respeito, apesar da impressão errônea criada por filmes como Um Estranho no Ninho, em cada época em que o choque foi dado e em cada jurisdição na qual a ECT prevalece, duas a três vezes mais mulheres do que homens são submetidas a esse tratamento prejudicial ao cérebro – uma realidade ainda mais hedionda quando, como mostra o maior estudo da história da ECT, o estudo de Sackeim, [6] as mulheres são consideravelmente mais danificadas por esse ‘tratamento’ do que os homens. Somado a isso, a ECT é desproporcionalmente dada aos idosos. Consequentemente, à luz dessas estatísticas, há mais de uma década várias organizações vem no dia anterior ao Dia das Mães se manifestando contra o choque, junto com o grupo radical que iniciou a tradição – a Coalition Against Psychiatric Assault (CAPA) – que usa o slogan “ Parem de dar choques em nossas mães e avós. ”
  3. Um romance que torna real a dinâmica envolvida – The Other Mrs. Smith – foi recentemente selecionada para um prestigiado prêmio literário. O que aumentam as chances de esse livro ser colocado em mais e mais mãos, estimulando assim um despertar do público.
  4. Graças a uma ação coletiva na Califórnia, houve um avanço impressionante graças contra os fabricantes das máquinas de choque elétrico (sim, as máquinas usadas na Califórnia são idênticas àquelas usadas em todos os locais do mundo e, de fato, são produzidas e comercializadas pelas mesmas empresas.). Como o psiquiatra Dr. Peter Breggin – um perito que atuou no caso – nos informa, o processo da ação contra os fabricantes de máquinas de choque da Califórnia produziu exatamente o que os peritos críticos da ECT já tinham previsto – em essência, a determinação de que sim, “um júri razoável poderia descobrir que o fabricante de dispositivos ECT causou danos cerebrais aos queixosos ao deixar de avisar. . . da lesão cerebral, ou, alternativamente, por não investigar e relatar à FDA alegações de danos cerebrais e perda permanente de memória, para que as informações sejam disponibilizadas ao público.”  À luz desse desenvolvimento, um acordo foi fechado para a compensação dos demandantes.

E, sim, a propósito, essas são as mesmas máquinas e procedimentos que, ano após ano, a indústria tem assegurado ao público desavisado como sendo algo novo, melhor, seguro e eficaz – sobretudo para que os profissionais saiam por aí a repetir isso! E pensar que a maioria da mídia ainda se apaixona por tal propaganda! Dito isto, por esta conquista, precisamos agradecer ao escritório de advocacia DK Law Group, que levou o caso adiante, bem como aos demandantes corajosos, e aos vários profissionais honestos – e houve legiões deles- que forneceram dados que desmentiam a linha oficial da indústria e / ou que deram seu testemunho. Contudo, acima de tudo, eu gostaria de reconhecer a coragem de uma mulher que sobreviveu a choques, cuja visão desencadeou essa ação de classe e foi quem fez uma quantidade gigantesca de trabalho para que isso viesse a acontecer: a ainda desconhecida heroína Deborah Schwartzkopff! Eu adicionaria que você em breve poderá esperar haver processos similares em todos os locais do mundo. Do mesmo modo, se você mesmo for uma vítima da ECT em qualquer Estado, eu o(a) encorajaria a escrever para [email protected]

O contexto final – e particularmente atraente – é uma decisão pessoal que foi tomada há alguns meses por uma outra mulher corajosa sobrevivente de choque – Connie Neil, residente em Ontário. Tendo sido profundamente prejudicada pelos choques e havendo sido testemunha e militante durante anos, Connie se aproximou da Coalition Against Psychiatric Assault (CAPA) anunciando a sua intenção de fazer uma greve de fome contra o eletrochoque e pedindo à CAPA para organizá-la. Depois que ela recebeu a aprovação do seu médico e conselhos sobre como fazer uma greve de fome com segurança, a resposta da CAPA foi um retumbante sim! E que outra resposta poderia ser concebível !!?

Peço licença ao leitor para esticar esse meu blog para relatar a grande importância do que aconteceu aqui. No momento em que a sociedade está finalmente fazendo avanços contra a ECT, o que Connie nos deu é nada menos que sensacional. Montar uma greve de fome está alinhado com o melhor do ativismo louco (mad activism) – notem, a esse respeito, o Fast for Freedom Hunger Strike of 2013, a greve de fome contra a Associação Americana de Psiquiatria (APA).  Esse episódio dramatiza, torna concreto e, no processo, tem a chance de atrair a atenção do público em geral. Observem, adicionalmente, que o mestre da resistência não-violenta, que é o próprio Gandhi, enfatizou a importância do simbolismo na ação não-violenta – e observem igualmente que o que Connie está nos dando aqui é um símbolo enormemente poderoso: nada menos que uma sobrevivente de choque de 80 anos de idade que foi a uma greve de fome para tentar impedir que o horror que foi visitado por ela continue a ser visitado por outros. Um símbolo como esse cai no colo uma vez na vida. E como cidadãos informados, temos o dever de aproveitar ao máximo.

Daí que a CAPA irá ampliar a sua atuação durante a semana do Dia das Mães daqui a alguns meses. Trata-se, portanto, de um apelo à solidariedade – um chamado à ação.

Então, o que exatamente é o planejamento da CAPA para 2019? A agenda evoluiu e é a seguinte:

  1. No dia 10 de maio próximo, ao meio-dia, uma conferência de imprensa será realizada em Toronto. Nela, membros da CAPA, incluindo Connie e o ex-MPP Cheri DiNovo, falarão contra o choque – o financiamento público e a própria existência da própria terapêutica do choque – e esclarecerão o que CAPA estará fazendo e por quê.
  2. No dia 11 de maio, em aliança com várias organizações diferentes que estão co-patrocinando ou endossando, a partir do meio-dia haverá uma enorme manifestação pública anti-choque realizada em frente da prefeitura de Ontário, completada com discursos, testemunhos e canções de protesto.
  3. Em 12 de maio, em um local ainda a ser determinado, a greve de fome de vários dias começará. Connie estará presente, acompanhada por apoiadores. Idealmente, ela também será acompanhada por mulheres e homens em greve de fome com ela. Os dias da greve de fome serão igualmente repletos de discursos e depoimentos, e esperamos que haja uma interação frequente com a mídia. A pièce de la résistance, é claro, será a própria Connie. Quem pode simplesmente dispensar uma sobrevivente de choque de oitenta anos tão comprometida como ela e essencialmente colocando seu corpo frágil na linha de frente?

Então o que você pode fazer? Ou, em outras palavras, como você pode se envolver?

Se você pertence a alguma organização, exemplos de coisas que você pode fazer são os seguintes:

  • Ajude CAPA a divulgar o evento
  • Concordar em co-patrocinar ou endossar
  • Ajudar a reunir imprensa simpática
  • Organize uma ação paralela, possivelmente a sua própria greve de fome
  • Envie declarações e depoimentos para serem lidos
  • Pressão sobre seus próprios legisladores para retirar o financiamento público ou melhor ainda não permitir o eletrochoque
  • Trazer um contingente de pessoas para Toronto para participar como grevistas de fome e/ ou apoiadores da ação.

Indivíduos podem participar de forma semelhante.

Qualquer pessoa ou organização que deseje se envolver, seja assumindo uma ou mais dessas sugestões, ou de qualquer outra forma, você pode começar enviando um e-mail para a Coalizão em [email protected].

Concluindo, eu encorajaria o maior número possível de pessoas e grupos a participar desta ação e / ou criar um protesto anti-ECT. Resumindo: é hora de as mentiras sobre a ECT pararem. E além disso, é hora de parar o uso da ECT.

O que temos aqui é uma questão de justiça social. O que temos aqui é uma questão feminista. Apesar da sobreposição “pseudo-médica”, o que temos aqui é um crime contra a humanidade. Além disso, o momento está conosco.

E o “tempo para atacar” é agora.

Notas de rodapé:

  1. Burstow. B. (2004). The Anti-Electroshock Proclamation (written for a demo and used every year—please feel free to spread far and wide and to use as needed)
  2. Ross, C. (2006). The sham ECT literature. Ethical Human Psychology and Psychiatry, 8, 7-16
  3. Burstow (2015). Psychiatry and the business of madness. New York: Palgrave
  4. Andre, L. (2009). The doctors of deception: What they don’t want you to know about shock. Chicago: Rutgers University Press
  5. Burstow, B. (2006). Electroshock as a form of violence against women. Violence Against Women, Vol. 12, No. 4, pp. 372-392
  6. Sackeim, H. et. al (2007). The cognitive effects of electroconvulsive therapy in community settings. Neuropharmacology, 32, 245-255.