Autor e psicoterapeuta, Dr. Farhad Dalal, publicou recentemente um livro que critica as bases filosóficas e científicas da Terapia Cognitiva-Comportamental (TCC). Frequentemente defendida como uma alternativa às drogas psiquiátricas, a TCC, segundo a investigação de Dalal, é derivada dos mesmos entendimentos científicos e filosóficos falhos, menos preocupada com as origens do sofrimento e mais propensa a reduzir o sofrimento a explicações medicalizadas e a tratamentos institucionais.
O livro, intitulado CBT: The Cognitive Behavioural Tsunami (‘CBT: O Tsunami Cognitivo-Comportamental’), examina as influências da ideologia do gerenciamento (managerialism) dos problemas em saúde mental, da política e da ciência corruptas que endossam pontos de vista e respostas particulares ao sofrimento humano. A introdução do livro apresenta a seguinte declaração:
“A ascensão da TCC foi fomentada pelo neoliberalismo e pelo fenômeno da Nova Gestão Pública. O livro não apenas critica a ciência, a psicologia e a filosofia da TCC, mas também desafia a mentalidade gerencialista e sua compreensão hiper-racional de ‘eficiência’, ambos as quais são comuns na vida organizacional hoje em dia. “
“O livro sugere que essas são formas perversas de pensamento, que foram institucionalizadas pelo Instituto Nacional de Excelência Clínica e de Saúde (NICE) e pelo IAPT, e usadas por essas instituições para gerar narrativas das proezas da TCC. Ele afirma que a TCC é um exercício de redução de sintomas, que exagera enormemente o grau de redução dos sintomas, a durabilidade da melhora e o número de pessoas que ajuda.”
Farhad Dalal trabalha como psicoterapeuta e analista de grupo em consultório particular, e faz isso há cerca de vinte e cinco anos. Agora vivendo e trabalhando em Devon, ele é um analista de grupo do Institute of Group Analysis, em Londres. Ele também trabalha com equipes e organizações enquanto facilitador e consultor. Até recentemente ele era um membro associado na Escola de Negócios da Universidade de Hertfordshire. Ele publicou numerosos artigos sobre os temas da psicanálise, análise de grupo, política, organizações e racismo.
A questão central abordada por Dalal é: “A TCC é tudo o que afirma ser?” Em resposta a isso, Dalal descreve vários argumentos que ilustram as falsidades subjacentes ao apoio à TCC. Primeiro, ele argumenta que a TCC surgiu de um encantamento com a hiper-racionalidade e com uma noção muito restrita do que está incluído sob o guarda-chuva da ‘ciência’. A tentativa da TCC de entender o sofrimento humano é modelada a partir da noção de que tudo deve ser mensurável com precisão, para contabilizar, e, além disso, que tudo deve ser documentado para ser legítimo.
“A atividade da ciência é supostamente a produção de conhecimento objetivo por meios racionais”, escreve ele. “Os ‘meios’ em si são uma mistura de observação (evidência empírica) e argumento lógico. A TCC afirma produzir conhecimento científico dessa maneira e, com base nisso, afirma que suas reivindicações são racionais, objetivas e livres de valor. Em suma, que falam a verdade.
Desta forma, a TCC é apresentada de uma forma que nega a inserção cultural. No entanto, Dalal transmite a conexão entre essa abordagem e uma cultura de eficiência promovida pelo capitalismo neoliberal. Instituições e estruturas neoliberais promovem eficiência, por meio de formas tais como medidas de austeridade, e que na prática resultarão efetivamente em maiores níveis de sofrimento. Por conseguinte, o sofrimento humano passa assim a ser conceituado enquanto doença, por meio de uma estrutura de TCC e, como tal, as mesmas políticas culturais que contribuem para o sofrimento são aquelas que passam a oferecer a TCC enquanto uma solução.
Dalal expande seu enquadramento da TCC entendendo-a como uma terapêutica baseada na hiper-racionalidade:
“A palavra de ordem da hiper-racionalidade é ‘comando e controle’; sua expectativa é que devemos ser capazes de controlar tudo: não apenas o mundo, não apenas o funcionamento das organizações, mas nossas próprias formas de ser ”.
O embasamento da TCC em um quadro científico positivista dita as condições pelas quais a TCC é estudada e promovida, argumenta Dalal. Ele afirma que a narrativa da TCC é aquela que aceita sem crítica a existência de ‘transtornos mentais’ no DSM. A TCC, como tratamento, é estudada e promovida juntamente com a reificação dos transtornos mentais. Ele afirma:
“Com base nisso, os tratamentos para transtornos mentais são testados em condições controladas pelos cientistas. Isso produz evidências científicas sobre se o tratamento realmente funciona ou não (a base de evidências) ”.
Uma vez que essas evidências sejam estabelecidas e interpretadas como convincentes, os órgãos institucionais que regulam as recomendações de tratamento, como o NICE, desenvolvem diretrizes para a disseminação de tratamentos semelhantes.
Contudo, Dalal diz ser muito preocupante a explícita ausência de uma visão crítica e o baixo nível das evidências usadas para a promoção da TCC. Seu principal argumento envolve examinar e questionar os fundamentos ideológicos desse processo. Ele escreve:
“Leituras ideológicas eliminam as reviravoltas, assim como as complexidades, contradições e lutas de poder para fazer parecer que eles nunca estiveram lá em primeiro lugar. O fato é que a narrativa da TCC sobre si mesma é uma narrativa política que se disfarça como sendo científica ”.
O livro de Dalal se concentra em desconstruir essa leitura ideológica. Ele discute a influência da filosofia utilitarista na popularização da TCC, ou o que ele chama de “tsunami da TCC”. Isso envolve a necessidade de uma exploração mais cuidadosa das compreensões convencionais do que é felicidade.
Além disso, ele desconstrói a política de formação de identidade. Isso se refere às maneiras pelas quais as psicodisciplinas (psicologia, psiquiatria e psicoterapia) exercem o positivismo para medicalizar e individualizar o sofrimento. Ao fazer isso, o que fazem é aceitar os quadros diagnósticos de sofrimento enquanto transtornos individuais.
Dalal prossegue explicando a gênese do cognitivismo e sua conexão com a economia neoliberal. Ele relata um exemplo disso, descrevendo a conceituação de angústia (enquadrada como depressão) como a incapacidade para trabalhar. Os órgãos governamentais não conseguem ver as maneiras pelas quais esse ‘fardo’ é resultado de medidas de austeridade. A solução lógica para este problema, quando enquadrado dessa maneira, é, de acordo com Dalal:
“Trate a doença e as pessoas voltarão ao trabalho.”
“Por trás disso, novas categorias de diagnóstico aparecem em discursos e artigos emanados do Departamento do Trabalho e Pensões (DWP), por exemplo, a ‘resistência psicológica ao trabalho’. O DWP está hoje oferecendo contratos lucrativos para os que fornecem tratamentos para ‘doenças mentais’ desse tipo.”
A ligação entre o cognitivismo e a economia neoliberal é representada também no ‘vamos fornecer à população’ a TCC , afirma ele. Nesse processo, a tarefa de examinar as evidências e a base científica dos tratamentos é repleta de corrupção e ilusão, na medida em que um enquadramento terapêutico particular é incentivado, sem o reconhecimento de sua inserção cultural, nem tampouco o seu plano de fundo de natureza ideológica.
Dalal assume a postura de que o apoio à TCC é amplificado por generalizações, distorções, e mentiras (‘fake news’), tudo isso enraizado na objetivação da subjetividade. A pesquisa é restrita e os resultados são impulsionados pelo desejo dos pesquisadores, e não pela realidade clínica propriamente dita:
“Quando despojado do jargão”, escreve ele, “o tratamento com TCC é pouco mais do que a injunção: pense diferente, e você se sentirá diferente”.
Ele continua:
“Essas práticas não apenas terminam atendendo a pacientes que mudam rapidamente na sua forma de pensar, diluindo significativamente a intensidade e a duração dos tratamentos aos quais têm direito, mas também colocam os praticantes sob níveis insuportáveis de estresse. Mas a arte do gerencialismo é a de fazer parecer que nenhuma dessas coisas está acontecendo e que a instituição está cumprindo todos os seus objetivos e metas ”.
Em sua conclusão, Dalal adverte contra a terceira onda da TCC, que inclui a promoção da Terapia Cognitiva Baseada na Atenção Plena (MBCBT). Embora a evidência dessa abordagem enquanto um remédio eficaz para a depressão tenha sido adotada pelo NICE e pelo IAPT, o autor aponta que não é essa história de sucesso real da TCC que à primeira vista pode parecer.
Em vez disso, ele analisa esses estudos para demonstrar as maneiras pelas quais as manobras estatísticas e a ofuscação linguística criam uma história que combina com uma narrativa da TCC. Dalal conclui que a TCC em si é uma ilusão, reforçada e sustentada por crenças, sistemas e estruturas gerencialistas circundantes:
“A ilusão cognitivista é exatamente isso: a ilusão de que os seres humanos modernos são essencialmente seres cognitivos, de tomada de decisão racional. A ilusão continua: os pensamentos precedem as emoções e são separáveis delas … Uma vez corrigida, uma vez que a cognição combina com a realidade, então a vida emocional se alinha e a pessoa está em recuperação. Isso é prontamente possível com qualquer coisa que cause sofrimento, e bastam entre seis a vinte sessões.”
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Vídeo de Dalal apresentando como é a venda ao público da base de evidências da TCC: https://www.youtube.com/watch?v=T2OsehrTKTA
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Dalal, F. (2018). CBT: The Cognitive Behavioural Tsunami: Managerialism, Politics and the Corruptions of Science.