Um estudo publicado na revista britânica The BMJ evoca um debate sobre o polêmico uso da eltroconvulsoterapia (ECT). De um lado John Read, professor da Universidade do Leste de Londres, e Sue Cunliffe, uma sobrevivente dos eletrochoques, defendem que a ECT deveria parar de ser usada. Do outro lado, Sameer Jauhar, pesquisador sênior da Universidade de King’s College, e Declan M. Mcloughlin, professor da Trinity College Dublin, defendendo o uso da ECT.
Jonh Read fez uma revisão da literatura sobre o tema, identificando 10 estudos comparando ECT com placebo em casos de depressão. Metade dos resultados não apresentaram diferenças, e os outros 5 resultados acharam uma elevação temporária no humor daqueles que foram tratados com ECT em apenas 1/3 dos pacientes, mas só durante o período do tratamento.
Em um outro estudo, o famoso Northwick Park Study, essa melhoria mínima foi percebida apenas por psiquiatras, mas não por enfermeiras e pacientes. Segundo Read, as muitas revisões e meta-análises que afirmam que a ECT funciona se baseiam puramente nesses ganhos temporários.
Read também destaca uma revisão de literatura que mostrou uma persistente ou permanente perda de memória em 29% a 55% dos que foram tratados com ECT. Ademais, numerosos estudos têm mostrado taxas de mortalidade entre 10 e 100 vezes maior, predominantemente de insuficiência cardiovascular.
Já Sue Cunliffe argumenta que a exemplo de centenas de vítimas da ECT, ela acreditava que era algo seguro após a explicação dada pelo seu médico, mas ainda sim sofreu prejuízos catastróficos em seu cérebro. Atualmente suas mãos tremem e sua fala está arrastada, sua memória foi afetada, assim como a sua função motora, incluindo a capacidade de usar dinheiro, reconhecer faces, ler e outras tarefas básicas. Consequentemente, sua independência e capacidade de trabalhar desapareceram para sempre. Apesar do diagnóstico neuropsicológico, os psiquiatras rejeitaram sua queixa. Sue denuncia ainda que na Inglaterra, cerca de 40% das sessões de ECT ainda ocorrem sem consentimento, sendo aplicadas 2 vezes mais em mulheres e a maioria dos destinatários tem mais de 60 anos, os dois grupos que apresentam a maior perda de memória.
“Fiquei chocada que o meu dano cerebral venha sendo ainda rejeitado por alguns psiquiatras nos debates.”
Por outro lado, defendendo o uso de ECT, Sameer Jauhar e Declan M. Mcloughlin argumentam que a ECT é usado há 80 anos porque evidências mostram sua efetividade com depressão resistente a tratamento, assim como com manias resistentes e catatonia. Afirmam ainda que as revisões realizadas por Read e colegas, que encontraram pouca efetividade da ECT em casos de depressão e esquizofrenia, eram de validade questionável, sendo excluídas pelo UK ECT Review Group (um grupo de revisão de estudos de ECT).
Segundo os dois pesquisadores a ECT estaria associada com déficits de curto prazo na memória e função executiva, comparado ao desempenho anterior a ECT. No entanto, estes problemas se resolvem em algumas semanas, e a maioria das pessoas tem significante melhora funcional. O efeito de ECT na memória retrospectiva é menos claro e fica ainda mais complicado pelos delírios e efeitos da depressão em si. É recomendado o monitoramento da função cognitiva antes, durante e depois do tratamento com ECT, ajustando ou parando o tratamento dependendo da comparação entre riscos e benefícios.
“Por que existem objeções ideológicas, e algumas vezes emocionais, contra a ECT?”
Argumentam ainda que estudos mostram que a ECT apresenta mortalidade baixa e não apresentam evidências que correlacionem ECT com demência ou acidente vascular encefálico. Por fim, consideram que a objeção contra o ECT é ideológica e emocional e a representação pela mídia tem sido muito negativa e mal informada.
Nota: A BMJ declara que Declan M. Mcloughlin tem recebido honorários como palestrante da Mecta, fabricante de ECT e honorários da Janssen por participar da reunião do conselho consultivo do medicamento psiquiátrico sketamine.
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Should we stop using electroconvulsive therapy?