Não vamos exagerar a respeito da ECT

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Em uma discussão por e-mail na Internet em um grande grupo de profissionais de saúde mental supostamente esclarecidos, poucos se prontificaram a condenar ou proibir diretamente a ECT. Um participante respondeu aos meus comentários dizendo: “Me preocupa como esse debate esteja tão polarizado. Eu aprecio a oposição de Peter à ECT. Mas isso não significa que a ECT não tenha ‘ajudado as pessoas’, mesmo que possa ser um efeito placebo.” Outra pessoa declarou que estava “na moda” criticar a ECT, mas que todos os tratamentos tinham seus prós e seus contras. A maioria parecia concordar que “às vezes funciona”.

Essa recusa em dizer ou aceitar algo polarizador é um marco da maioria dos chamados reformadores no campo da saúde mental. E a lobotomia – que a maior parte dos seus defensores parou de defender após a minha campanha nos anos 1970? E quanto à terapia por coma insulínica? Ou a cadeira giratória? E quanto aos banhos congelantes? E quanto ao sangramento e aos purgantes? E todas as outras atrocidades cometidas pela psiquiatria em “pacientes” indefesos? Será que nunca deveríamos simplesmente ter dito “Pare!”?

Algumas coisas vale a pena ser polarizadas

Sabemos o suficiente sobre os danos causados ​​pela ECT  para concluir que seria antiético até mesmo experimentar em pessoas (e talvez mesmo animais) em busca daquela pessoa que supostamente poderia dela se beneficiar. Uma vez me pediram para dar a minha orientação enquanto consultor em um estudo da ECT feito num país estrangeiro, a fim de garantir que os efeitos prejudiciais fossem revelados pelas medições. Teria sido como estar a participar de um estudo sobre espancamento de crianças e adultos para garantir que os autores catalogassem corretamente todos os danos. A única orientação ética possível, decidi, foi insistir no fim do experimento e recusar-me a participar.

Recusar-se a adotar uma postura sólida contra as atrocidades resulta em pessoas e instituições violentas que se viram com coisas como ECT e lobotomia, e palmadas severas ou espancamentos de crianças, para esse assunto. Como os psiquiatras que se recusam a rejeitar a ECT para uso em crianças ou adultos, muitos educadores defendem por sua vez a  “punição corporal” como um benefício para algumas crianças desde que usadas judiciosamente. Linguagem suave assim impediria a abolição desses abusos e daria poder a aqueles que desejam dar eletrochoque, lobotomizar ou espancar crianças e adultos, dizendo que apenas quando for “necessário”.

O que queremos dizer com a ECT “algumas vezes funciona”?

Talvez a ECT “funcione” com a mesma frequência que uma surra severa infligida a uma criança. Contos como esse não nos dizem nada, porque mesmo se fosse verdade que algumas pessoas foram supostamente ajudadas pela ECT, mesmo como efeito placebo, não temos como separar a potencial vítima de ECT que parece ser ajudada daquelas milhares de pessoas que sabemos que são prejudicadas. O mesmo seria verdade se olhássemos para o espancamento de crianças, que muitos pais até hoje ainda juram que funciona. Alguns adultos acreditam que seus espancamentos na infância os transformaram em adultos melhores, uma conclusão que eles também costumam infligir a seus próprios filhos.

Quem está fazendo tal julgamento que a ECT funciona? Quase sempre são os médicos que preferem um rosto de pedra a um triste ou irritado. São também os enfermeiros que preferem um paciente mais complacente, aquele que nunca “reclama”. Às vezes é um membro da família opressivo que prefere um marido, esposa ou filho mais dócil, ou um ente querido equivocado que confunde passividade e falta de queixas verbalizadas por uma melhoria.

A maioria dos pacientes de ECT, especialmente aqueles que são “ajudados”, estão muito prejudicados para avaliar ou entender completamente o que lhes aconteceu. Como eu descrevo comparando alguns efeitos semelhantes de neurotoxicidade de drogas psiquiátricas e danos cerebrais induzidos por ECT , a disfunção do lóbulo frontal diminui faculdades finamente sintonizadas, tais como autoconhecimento ou autoconsciência. Além disso, essas vítimas podem estar dizendo que foram ajudadas a fim de evitar serem submetidas a mais do mesmo, assim como crianças em lares violentos e internos em hospitais psiquiátricos agirão gratos pelo que estão recebendo, a fim de evitar mais danos. De fato, os pacientes ensinam uns aos outros a concordar com tudo no hospital psiquiátrico, para que possam sair mais rápido e com mais segurança.

Protegendo os sentimentos das pessoas que não sabem que estão prejudicadas?

E quanto às sensibilidades das pessoas que pensam que foram ajudadas pela ECT? Eu frequentemente sou consultado por pessoas que se sentem lesadas pela ECT ou pelas drogas psiquiátricas. Eu até já vi pessoas que foram feridas por psicocirurgia. Todas essas pessoas são quase sempre mais prejudicadas do que imaginam, e, no entanto, quando eu falo com elas de maneira cuidadosa e honesta sobre esses danos, elas se sentem aliviadas e profundamente gratas. Finalmente, depois de tantos profissionais minimizar ou negar o dano causado a elas, elas se sentem compreendidas e se sentem reconhecidas. Elas se sentem melhor sabendo o que foi feito com elas e contar com um médico que empaticamente compreende suas perdas, tristezas e indignação. O que eu descrevo em  The Heart of Being Helpful como uma ” presença de cura “requer uma combinação de ser honesto, respeitoso e atencioso.

Depois de discutir os danos com a vítima e dar apoio aos membros da família de forma compreensiva, posso então compartilhar com elas outra verdade – que nós seres humanos temos tão grandes recursos psicológicos e espirituais que podemos aprender a viver bem, apesar dos danos causado em nosso funcionamento mental.  Às vezes, podemos construir vidas muito melhores – às vezes melhor do que nunca – aprendendo a viver da maneira mais responsável e amorosa possível. Mas quanto melhor teria sido evitar o trauma físico e emocional da ECT e, em vez disso, ter sido ajudado na construção de uma vida boa pelos primeiros profissionais de quem procuramos ajuda.

A mulher que deu um depoimento sobre a ECT

Em uma grande conferência da ECT financiada pelo governo, onde eu era o único especialista em danos causados ​​pelo tratamento, uma mulher testemunhou no pódio que a ECT a ajudou. Ela parecia muito triste enquanto falava. Depois, na coletiva de imprensa oficial, ela gentilmente apertou meu braço quando passou por mim e colocou uma nota rabiscada em meu bolso. Sua nota dizia: “Dr. Breggin, obrigado por falar. Mesmo sendo essa mulher que professou em público que a ECT a ajudou, fico secretamente grata por senhor haver dito abertamente que isso machuca as pessoas e que deveria ser interrompido”.