Antecipando as conseqüências psicológicas das quarentenas do COVID-19

Como lidar com os impactos psicológicos negativos de intervenções necessárias de saúde pública, como quarentena, à luz da pandemia do COVID-19.

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Devido à crescente ameaça da pandemia do COVID-19, os pesquisadores do King’s College London realizaram uma revisão da literatura científica sobre os efeitos psicológicos das quarentenas. O objetivo foi fornecer informações para o desenvolvimento de métodos preventivos baseados em evidências que melhorem o sofrimento psicológico de curto e longo prazo associado a essas medidas de saúde pública. De acordo com a Dra. Samantha Brooks e sua equipe:

“A quarentena costuma ser uma experiência desagradável para quem  por ela passa. A separação dos entes queridos, a perda de liberdade, a incerteza sobre o status da doença e o tédio podem, ocasionalmente, criar efeitos dramáticos. Em surtos anteriores, foi relatado suicídio, raiva substancial gerada e ações judiciais após a imposição de quarentena. Os benefícios potenciais da quarentena de massa obrigatória precisam ser pesados cuidadosamente com relação aos possíveis custos psicológicos. O uso bem-sucedido da quarentena como medida de saúde pública exige que reduzamos, tanto quanto o possível, os efeitos negativos associados a ela.”

Pixabay

Problemas de saúde mental relacionados à pós-quarentena

Os pesquisadores encontraram cinco estudos que compararam resultados psicológicos entre pessoas que estavam em quarentena e pessoas que não estavam. Os membros da equipe do hospital em quarentena eram mais propensos a se sentir irritados e exaustos, a se separarem de outras pessoas, a sentirem-se ansiosos em torno de pessoas com febre, experimentavam pouca concentração e aumentavam a indecisão, seu desempenho no trabalho era empobrecido e eram mais propensos a se sentir relutantes em trabalhar e a considerar a possibilidade de desistir de tudo.

Para esses funcionários, a quarentena também foi um previsor fenômenos que vão ao encontro dos critérios de diagnóstico de sintomas depressivos graves, transtorno de estresse agudo e transtorno de estresse pós-traumático (TEPT). O TEPT também foi quatro vezes maior em crianças em quarentena, enquanto 28% de seus pais preencheram os critérios de diagnóstico para esse transtorno. Durante um surto australiano, aqueles em quarentena experimentaram níveis mais altos de sofrimento psicológico do que a população em geral.

A pesquisa não comparativa encontrou altos níveis de sintomas psicológicos gerais, distúrbios emocionais, depressão, estresse, humor baixo, irritabilidade, insônia, sintomas de estresse pós-traumático, raiva e exaustão emocional. As pessoas em quarentena relataram altos níveis de medo, nervosismo, tristeza e culpa e baixos níveis de felicidade ou alívio. Pesquisas qualitativas (ou baseadas em entrevistas) encontraram resultados semelhantes, acrescentando confusão, dormência e insônia induzida pela ansiedade ao restante dos sintomas identificados.

Os resultados de outro estudo podem sugerir que os sintomas de ansiedade e raiva podem ser parcialmente reduzidos de 3 a 6 meses após a quarentena. Outros, porém, descobriram que ficar em quarentena poderia prever TEPT e abuso de álcool até três anos após o evento. Muitos também desenvolveram comportamentos de evitação, como diminuir o contato direto com os pacientes, não se reportar ao trabalho, evitar pessoas que tossiam e espirravam, manter-se distante de espaços fechados com pessoa juntas e não frequentar os espaços públicos semanas após o evento. As pessoas que tinham histórico de diagnóstico psiquiátrico antes das quarentenas eram mais propensas a sentir raiva e ansiedade meses depois de não serem mais colocadas em quarentena.

Estressores durante quarentena

Foram igualmente achados outros estressores que influenciavam o sofrimento psicológico durante as quarentenas. A frustração de não ter suprimentos básicos durante a quarentena foi associada à ansiedade e raiva meses depois de ser liberado. Além disso, as pessoas relataram sentir-se confusas por não terem informações claras o suficiente e perceberem falta de transparência e negligência por parte das instituições coordenadoras de saúde pública.

Quarentenas de maior duração foram associadas à piora da saúde mental – especificamente, eles experimentaram sintomas de estresse pós-traumático, comportamentos de esquiva e raiva. Para aqueles que temiam infectar os outros, se encontravam mais preocupados com seus sintomas físicos durante a quarentena e continuaram a se preocupar com eles meses após o evento. Finalmente, estando separadas dos outros e quebrando suas rotinas, as pessoas começaram a sentir tédio, frustração e uma sensação de isolamento.

Os principais estressores que as pessoas experimentaram após serem colocadas em quarentena encontradas na literatura foram perda financeira e estigma. Os que estão em quarentena são incapazes de trabalhar e, como os surtos ocorrem sem aviso prévio, não podem se preparar para o golpe financeiro que poderão sofrer. Isso tem efeitos a longo prazo, pois a angústia socioeconômica afeta negativamente o bem-estar psicológico, na medida que as pessoas experimentam ansiedade e raiva relacionadas a finanças muito depois que a quarentena termina.

Em alguns casos, a raiva surgiu por não receber apoio financeiro pós-quarentena ou um apoio insuficiente e tardio. Pessoas com renda mais baixa eram mais propensas a apresentar sintomas depressivos e pós-traumáticos a longo prazo – o que é consistente com os resultados do estudo, destacando a relação entre desemprego e subemprego, depressão e suicídio. Para as pessoas em quarentena por causa da exposição ou infecção com o Ebola, estas experimentaram os efeitos do estigma à medida que outras pessoas se distanciavam delas por medo de contágio.

Recomendações

As quarentenas são frequentemente intervenções de saúde pública necessárias, pois evitam o aumento da incidência de doenças novas e letais; porém, medidas práticas e intervenções adicionais possam amortecer seus efeitos psicológicos adversos. Depois de analisar os dados disponíveis, os pesquisadores recomendam reduzir ao máximo o tempo de quarentena, fornecendo o máximo possível de informações claras e oportunas, reduzindo o tédio e aumentando a comunicação tanto quanto possível devido às formas contemporâneas de tecnologia, como dispositivos eletrônicos móveis e a internet.

Fornecer serviços adicionais de saúde mental aos profissionais de saúde, na medida que a literatura mostra que eles correm mais risco de desenvolver sofrimento emocional de longo prazo após quarentenas devido ao maior risco de exposição. Finalmente, as políticas devem ter como objetivo abordar antecipadamente as questões financeiras e os efeitos do estigma, educando o público sobre a doença e fornecendo apoio econômico às pessoas afetadas.

Este estudo fornece informações úteis sobre o que podemos esperar das medidas tomadas para controlar a pandemia do COVID-19. Ao antecipar os efeitos da quarentena e ao desenvolver diretrizes para resolver esses problemas, podemos nos preparar como cidadãos, pesquisadores e profissionais de saúde.

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Brooks, S.K., Webster, R.K., Smith, L.E., Woodland, L., Wessely, S., Greenberg, N., and Rudin,G.J. (2020). The psychological impact of quarantine and how to reduce it: a rapid review of the evidence. Lancet, 395, p.912–20 (Link)

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José G. Luiggi-Hernández José G. Luiggi-Hernández é doutorando em Psicologia Clínica na Universidade de Duquesne, com formação em saúde pública. Suas pesquisas e interesses clínicos atuais envolvem a compreensão da experiência vivida da colonização usando estruturas fenomenológicas, psicanalíticas e descoloniais. Ele já trabalhou em pesquisas relacionadas a questões LGBTQ, comportamentos de saúde, atenção à dor crônica, TCC para diabetes e depressão, entre outros projetos.