Este informe, assinado por Joan Ramón Laporte e David Healy e disponível em castellano, catalán e inglês, escrito na crise sanitária atual, foi simultaneamente publicado em distintos espaços na internet, como NoGracias e Postpsiquiatría. Seu interesse é alertar sobre medicamentos de uso comum que aumentam, segundo os estudos que citam, o risco de pneumonia. Entre eles, os psicofármacos ocupam um lugar muito essencial, e por este motivo, o reproduzimos em Mad in Brasil.
Na situação atual de pandemia por SARS-CoV-2, é imperativo evitar a pneumonia / pneumonite e fatores de risco relacionados, tanto quanto o possível. O consumo de vários medicamentos comumente usados aumenta o risco e as complicações de pneumonia.
Os medicamentos podem aumentar o risco de pneumonia ou pneumonite, ao diminuir a imunidade e outros mecanismos de proteção, por exemplo: os agentes imunossupressores, os antipsicóticos, alguns analgésicos opioides, os inibidores da bomba de prótons; causando sedação, que pode aumentar o risco de aspiração, diminuindo a ventilação pulmonar e favorecendo a ocorrência de atelectasias, por exemplo: os analgésicos opioides, as drogas anticolinérgicas, os agentes psicotrópicos; ou por uma combinação desses mecanismos.
O impacto na saúde pública da associação entre exposição a certos medicamentos e infecção ou pneumonia depende da prevalência de uso do medicamento em questão, da magnitude do risco relativo e da incidência inicial da condição (ou seja, infecção, pneumonia).
Drogas que aumentam o risco de pneumonia
Medicamentos antipsicóticos (APs)
Os agentes antipsicóticos (aripiprazol, olanzapina, quetiapina, risperidona, haloperidol, entre outros) estão associados a um risco de 1,7 a 3 vezes de hospitalização por pneumonia [1,2,3,4,5,6] e de mortalidade por pneumonia. Como o risco associado aos APs de segunda geração não é menor que o dos agentes de primeira geração, a sedação e a hipoventilação resultante, os efeitos anticolinérgicos e seus efeitos na imunidade foram propostos como os principais mecanismos, e não os efeitos extrapiramidais. No entanto, esses medicamentos também podem causar discinesia respiratória que pode ser confundida com asma ou outras condições pulmonares e levar a tratamento inadequado.
Tendo em vista os danos induzidos pelo uso de agentes antipsicóticos (APs) no tratamento sintomático da agressão e sintomas psicóticos em pacientes idosos em residências para idosos [7,8 ], em 2008 as agências reguladoras nacionais europeias recomendaram limitar seu uso a pacientes que não respondem a outras intervenções e reconsiderar sua prescrição em cada visita de acompanhamento [9], com um criterioso acompanhamento do paciente. Apesar dessas advertências, os APs são em sua maioria prescritos a pessoas de idade avançada em indicações não autorizadas [10], em doses inadequadas e por períodos demasiado longos 1. Nessas situações, os danos causados são consideráveis [14]. A variabilidade internacional em seu consumo [15,16, 17, 18] se deve mais provavelmente a variabilidade em sua prescrição em indicações não autorizadas do que a variabilidade na prevalência de transtornos mentais.
Por exemplo, na Catalunha, cerca de 90.000 pessoas com mais de 70 anos recebem tratamento contínuo com AP (média de sete suprimentos mensais por ano). Destes, cerca de 22.000 vivem em residências para idosos. Se o estimador de risco relativo mais baixo for o considerado, de 1,7, se a incidência anual de pneumonia em os não expostos for de 10% em uma residência para idosos, a incidência nos expostos será de 17% e seriam esperados 70 casos adicionais de pneumonia para cada 1.000 pacientes tratados (100 a 170). Para 20.000 pessoas expostas que vivem em residências, o número anual de casos adicionais seria 70 x 20 = 1.400.
É importante lembrar também que o Cloridrato de Metoclopramida (Plasil), Proclorperazina e muitos outros remédios prescritos para a náusea e outras moléstias intestinais são essencialmente antipsicóticos e podem ser causa de discenesia tardia e respiratória, assim como dos demais problemas que são derivados do consumo destes remédios.
Medicamentos anticolinérgicos
O consumo de drogas anticolinérgicas aumenta o risco de pneumonia em 1,6 a 2,5 vezes [19, 20, 21].
Vários medicamentos de diferentes grupos terapêuticos têm efeitos anticolinérgicos: anti-histamínicos H1 (por exemplo, Clorfenamina, Difenidramina, Hidroxizina), antidepressivos (por exemplo, Amitriptilina, Clomipramina, Doxepina, Imipramina, Paroxetina), antiespasmódicos urinários (por exemplo, Flavoxato, Oxibutinina, Tolterodina), antiespasmódicos gastrointestinais (por exemplo, Diciclomina, Hioscina), medicamentos para vertigem (por exemplo, Meclizina, Promometazina), antipsicóticos (especialmente Clorpromazina, Clozapina, Olanzapina e Quetiapina), por exemplo, antiparkinsonianos (por exemplo Amantadina, Biperideno, Triexifenidil), analgésicos opiáceos, antiepiléticos (Carbamazepina, Oxcarbazepina) e outros.
Medicamentos anticolinérgicos são frequentemente prescritos para idosos. As estimativas publicadas de prevalência de consumo variam de 4,3% a mais de 20% [22, 23, 24, 25]. O padrão de consumo varia de país para país; aqueles com maior prevalência de consumo são Codeína (associada ao Paracetamol), antidepressivos (Amitriptilina, Dosulepina, Paroxetina) e urológicos (predominantemente Oxibutinina e Tolterodina).
Muitos desses medicamentos agem por outros mecanismos que também podem contribuir para os efeitos sedativos e aumentar o risco de pneumonia. O efeito anticolinérgico também pode contribuir para a produção de atelectasias no contexto de uma infecção respiratória viral.
Analgésicos opioides
Os analgésicos opioides causam depressão respiratória com consequente hipoventilação pulmonar; alguns deles (Codeína, Morfina, Fentanil e Metadona) também têm efeitos imunossupressores. Eles aumentam o risco de pneumonia e mortalidade respiratória em 40 a 75% [26, 27, 28].
Em 2018, cerca de 50 milhões de pessoas nos EUA (15% da população adulta, 25% entre maiores de 65 anos) receberam uma média de 3,4 prescrições para analgésicos opioides e 10 milhões de pessoas reconheceram o consumo exagerado de analgésicos prescrição médica [29]. Na Europa, nos últimos anos, o consumo de opiáceos leves e fortes aumentou, principalmente entre os idosos [30, 31]. O Fentanil e a Morfina são os opiáceos fortes mais comumente consumidos e, mais recentemente, a Oxicodona. O Tramadol, que também é um inibidor da recaptação de serotonina, é o opiáceo leve mais consumido. Em dois estudos observacionais publicados recentemente, o consumo de Tramadol, comparado ao dos AINE, foi associado a uma mortalidade 1,6 a 2,6 vezes maior [32, 33], principalmente em pacientes com infecção e em pacientes com doença respiratória.
Hipnóticos e sedativos
Vários estudos mostraram um aumento no risco de pneumonia de 20% [34] para 54% [35] em usuários de hipnóticos e sedativos, especialmente aqueles tomados em conjunto com outros medicamentos que deprimem o sistema nervoso central (por exemplo, opioides, gabapentinoides).
Nos países europeus da OCDE, o consumo nacional de hipnóticos e sedativos apresenta ampla variabilidade internacional, de 5 DDD por 1.000 habitantes por dia na Áustria a 68 em Portugal [36], concentrando-se nos idosos. Na Catalunha, 38% das pessoas com mais de 70 anos consomem pelo menos um desses medicamentos [37].
Antidepressivos
Em um estudo de coortes com mais de 130.000 pacientes, um aumento de 15% na morbidade respiratória e um aumento de 26% na mortalidade respiratória foram registrados em pacientes com doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC) exposta a antidepressivos ISRS [38]. Outros estudos relataram um risco aumentado em pacientes expostos a antidepressivos e outros depressores do sistema nervoso central.
Em parte, esses resultados podem ser uma consequência das alterações rinofaríngeas de natureza extrapiramidal que esses medicamentos podem causar, o que levou ao fato de que, em ensaios clínicos com um antidepressivo ISRS, 5 a 10% dos pacientes foram diagnosticados com rinofaringite quando, na verdade, era sobre efeitos da distonia. Na presença de um risco COVID-19, um erro de diagnóstico pode causar problemas.
Nos países europeus da OCDE, o uso de antidepressivos varia de 11 DDD por 1.000 por dia na Letônia a 98 na Islândia [36]. No Reino Unido, entre 2008 e 2018, o número de prescrições de antidepressivos dobrou [39].
Gabapentina e Pregabalina
Em dezembro de 2019, a FDA alertou para um aumento do risco de pneumonia e insuficiência respiratória grave associada ao consumo de Gabapentinóides, especialmente associado a opioides, analgésicos hipnóticos e sedativos, antidepressivos e anti-histamínicos [40]. Em 2017, a EMA alterou a folha de dados da Gabapentina e incluiu avisos de depressão respiratória grave, que podem afetar até 1 em 1.000 pacientes tratados [41,42].
A folha de dados técnicos da Gabapentina afirma que a incidência de infecções virais em ensaios clínicos foi “muito frequente” (mais de 1 em cada 10 pessoas tratadas) e que a incidência de pneumonia e infecção respiratória foi “frequente” (entre 1 em cada 10 e 1 em 100). A ficha téncia da Pregabalina alerta que em pacientes tratados a incidência de rinofaringite é “frequente” (entre 1 em 10 e 1 em 100) (43).
A Gabapentina e a Pregabalina têm eficácia limitada no tratamento da dor neuropática e são ineficazes em seus usos primários (não autorizados) na prática: dor nas costas com possível radiculopatia [44, 45, 46]. Apesar de tudo isso, desde 2002 o consumo mais que triplicou nos EUA [47, 48], no Reino Unido [49] e em outros países europeus [50, 51], frequentemente em combinação com analgésicos opioides e hipnóticos [52]
Inibidores da bomba de prótons (IBP, Omeprazol e análogos)
A acidez gástrica reduzida e o aumento da colonização bacteriana gástrica e intestinal induzida por esses medicamentos também podem aumentar o risco de pneumonia. Duas metanálises de estudos observacionais mostraram aumentos de 34% [53] para 50% [54]. Estudos mais recentes confirmaram a magnitude desse risco [55, 56, 57].
Inúmeros estudos mostraram um aumento vertiginoso no consumo de IBP nos últimos anos. 30% da população na França [58], 15% no Reino Unido [59], 19% na Catalunha [60], 7% na Dinamarca [61] ou 15% na Islândia [62] recebem PPI sem justificativa aparente em um terço dos casos. Portanto, é essencial identificar os pacientes que não precisam desses medicamentos, mas também é necessário estar ciente da repercussão dos sintomas gástricos e da ansiedade que podem aparecer com a sua retirada.
Quimioterápicos antineoplásicos e imunossupresores
Os pacientes que recebem esses medicamentos são mais suscetíveis a infecções virais e não virais e geralmente não devem interromper o tratamento. No entanto, entre 20 e 50% dos pacientes com câncer incurável recebem quimioterapia nos 30 dias anteriores à sua morte. Em pacientes com câncer terminal, o uso de quimioterapia paliativa alguns meses antes da morte resulta em um risco aumentado de necessidade de ventilação mecânica e ressuscitação cardiopulmonar e de morrer em uma unidade de terapia intensiva [63]. No contexto da pandemia de COVID-19, pacientes, cuidadores e oncologistas devem estar mais conscientes dos riscos potenciais para si e para os outros decorrentes do planejamento e da quimioterapia paliativa contínua.
Muitos pacientes também recebem imunossupressores para condições inflamatórias crônicas, como psoríase, doença inflamatória intestinal ou artrite reumática de gravidade leve ou moderada, apesar de esses medicamentos serem indicados apenas em pacientes com doença grave que não respondem a tratamentos de primeira linha. Muitos desses pacientes podem se beneficiar de uma interrupção escalonada ou uma pausa em seus tratamentos por um tempo, com o monitoramento de seu estado clínico.
Os corticosteroides, sistêmicos e inalatórios e, às vezes, tópicos ou colírios, têm efeito imunossupressor e aumentam o risco de pneumonia em pacientes com asma e em pacientes com DPOC [64, 65]. Pacientes com asma não devem desistir de corticosteroides, mas muitos pacientes recebem corticosteroides inalados por infecções respiratórias superiores. Por exemplo, na Catalunha, anualmente, 35.000 crianças com menos de 15 anos recebem receita médica de corticosteroide inalado, para uso ocasional e aparentemente injustificado [66] (exceto laringite com estridor). Da mesma forma, uma parcela dos pacientes com DPOC não obtém nenhum efeito benéfico dos corticosteroides inalados e pode evitá-los. Em um estudo, a retirada de corticosteroides inalatórios foi seguida por uma diminuição de 37% na incidência de pneumonia [67].
Inibidores da enzima conversiva da angiotensina (IECA) e bloqueadores da angiotensina (ARA-2)
Além do debate sobre um possível aumento do risco de complicações associadas aos IECAs e ARA-2s [68, 69], um estudo publicado em 2012, com 1.039 casos e 2.022 controles, não encontrou aumento no risco de pneumonia adquirida na comunidade. associado a esses medicamentos [70].
Em pacientes com insuficiência cardíaca, doença cardíaca isquêmica ou hipertensão, parece mais importante ajustar o tratamento para limitar o número de medicamentos ao necessário do que retirar os IECA e ARA-2.
Ibuprofeno ou paracetamol para a febre?
Dados os efeitos dos anti-inflamatórios não esteróides (AINEs), é biologicamente plausível que as complicações respiratórias, sépticas e cardiovasculares da pneumonia sejam mais frequentes e graves se a febre for tratada com um AINE em vez de acetaminofeno. Em ensaios clínicos e estudos observacionais, uma maior incidência de infecções respiratórias superiores e inferiores associadas aos AINEs foi registrada [71], e a ficha técnica de vários AINEs alerta para isso. Essas infecções respiratórias inferiores são causadas por gripe e outros vírus (incluindo coronavírus do resfriado comum [72]), e os AINEs podem ter contribuído para muitas mortes por ano em todo o mundo. Existem argumentos poderosos que indicam que, na pandemia de gripe de 1918, o consumo indiscriminado de altas doses de ácido acetilsalicílico contribuiu para uma alta mortalidade [73]. Embora essas doses não sejam usadas atualmente, a experiência é preocupante.
Consumo concomitante de vários remédios
Na medicina contemporânea, o consumo concomitante de vários medicamentos mencionados neste relatório é frequente e, nesse caso, o risco de pneumonia se multiplica [74]. O uso simultâneo de vários medicamentos, principalmente em idosos, tem sido geralmente associado a maiores taxas de internação e mortalidade hospitalar [75, 76].
Em particular, o consumo de um IBP com um ou mais medicamentos psicotrópicos parece ser altamente prevalente em residências de idosos [77], onde o risco de infecção e pneumonia é maior.
Analgésicos opioides, antipsicóticos e antidepressivos têm efeitos no coração e prolongam o intervalo QT no ECG. A Azitromicina e a Hidroxicloroquina também prolongam o intervalo QT, e a adição desses medicamentos ao tratamento do paciente pode causar problemas.
Conclusões
Vários medicamentos comumente usados, como antipsicóticos e antidepressivos, analgésicos opioides, anticolinérgicos, gabapentinóides, inibidores da bomba de prótons e corticosteróides inalados podem aumentar o risco de pneumonia em 1,2 a 2,7 vezes.
Pacientes idosos são mais propensos a receber um ou mais desses medicamentos.
Esses tratamentos geralmente são ineficazes, prescritos por períodos desnecessariamente longos, nas doses erradas ou para indicações não autorizadas.
Embora o consumo desses medicamentos mostre ampla variabilidade internacional, sua prevalência de uso em idosos costuma ser superior a 10% e, às vezes, chega a 40-50%.
Como esse consumo é muito alto, com uma alta incidência inicial de infecção viral e pneumonia, eles podem ter um efeito negativo significativo na saúde pública, e o número de vítimas pode ser da ordem de centenas por milhão de habitantes.
Na atual situação de pandemia, tratamentos desnecessários e prejudiciais devem ser revistos e eventualmente interrompidos.
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É urgente revisar e interromper temporariamente o consumo de drogas psicotrópicas (especialmente antipsicóticos), drogas anticolinérgicas e analgésicos opiáceos e monitorar o paciente.
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É especialmente importante revisar a medicação de pessoas que vivem em residências de idosos.
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Durante a atual pandemia de COVID-19, todos os medicamentos devem ser revisados criticamente e descritos sempre que possível, a fim de diminuir não apenas o risco de pneumonia e suas complicações, mas também outros efeitos adversos que são uma causa frequente de admissão hospitalar (por exemplo, fraturas).
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Há uma necessidade urgente de revisões sistemáticas detalhadas de ensaios clínicos e estudos observacionais sobre a associação entre a exposição a medicamentos e o risco de pneumonia e suas complicações.
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Também é necessário organizar a colaboração para apoiar os profissionais de saúde na adaptação dos planos de medicamentos à situação de pandemia e desenvolver uma colaboração internacional na pesquisa observacional dos fatores de risco para pneumonia e morte por pneumonia.
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——
(Trad. Fernando Freitas)
- 12.13 ↩