Experiência de Implementação dos Princípio do ‘Diálogo Aberto’ em Vermont

O estudo acompanhou o processo de implementação de uma abordagem inspirada no 'Diálogo Aberto', apontando os desafios e sucessos da empreitada.

0
1326

A revista Psychiatric Quarterly publicou recentemente um artigo sobre a adaptação e implementação da abordagem ‘Diálogo Aberto’ na cidade de Vermont nos EUA. O estudo qualitativo realizado por Ana C. Florence, Gerald Jordan, Silvio Yasui e Larry Davidson explorou as experiências de 22 membros das equipes de dois serviços, através da participação desses profissionais em grupos focais, além de realizar entrevista com 3 desenvolvedores da abordagem.

Inspirado pela Terapia de Família Sistêmica, o ‘Diálogo Aberto’ enfatiza a perspectiva da rede social e concebe que problemas de saúde mental são problemas relacionais. O foco está na criação de significado através da linguagem, na qual a psicose e outras crises de saúde mental são compreendidas como experiências extremas não faladas. Portanto, a meta do tratamento é gerar diálogo terapêutico através do compartilhamento de todas as vozes, possibilitando uma conversa compartilhada a fim de produzir a criação conjunta de significados.

Alguns autores veem chamando a atenção para o alinhamento do ‘Diálogo Aberto’ com o paradigma dos Direitos Humanos. As práticas do ‘Diálogo Aberto’ promovem uma compreensão contextualizada das necessidades de saúde mental; equilibra as diferenças de poder durante o tratamento; e reduz o risco de excesso de medicalização dos problemas de saúde mental. Além do que, é bem sucedido em prevenir violência e coerção nos tratamentos e sistemas.

No caso de Vermont, foi desenvolvida em 2010 um adaptação do ‘Diálogo Aberto’ denominada Collaborative Network Approach (CNA). Um currículo de treino foi criado, engloba as principais técnicas e princípios do ‘Diálogo Aberto’, assim como outras várias modalidades de treinamentos curtos. Alguns dos princípios da CNA é a reflexão; ouvir sem uma agenda; desacelerar e levar um tempo antes de tomar decisões; evitar explicações e interpretações em prol da escuta com curiosidade; convidar todas as vozes a serem a escutadas durante os encontros e garantir segurança para a rede. Esses princípios também podem ser praticados em sessões de terapia individual, equipes de supervisão, suporte à crises e outras práticas.

Os temas comuns encontrados em todas as entrevistas com o pessoal das equipes foram: o impacto do treinamento, a cultura organizacional e a adesão. No princípio da implantação da CNA, os entrevistados informaram que a cultura organizacional foi favorável a incorporação dos princípios do ‘Diálogo Aberto’, por causa do seu conjunto de valores humanisticos. A maioria concordou que as técnicas aprendidas foram úteis de uma maneira geral, influenciando suas relações com clientes, familiares e colegas.

“O psiquiatra mencionou que a filosofia do CNA se encaixa bem com suas preocupações sobre uso de medicamentos e efeitos colaterais e permitiu discussões adicionais com as redes sobre a introdução ou aumento de medicamentos antes de tomar decisões.”

Outro elemento destacado pelo artigo, é a importância da adesão de diferentes níveis do serviço de saúde, colegas, gerência e departamento de saúde mental o que possibilitou implementar as mudanças necessárias.

Enquanto que os principais desafios destacados pelos entrevistados, foram as estruturas de cobranças inadequadas, treinamento caro e demorado, e resistência em mudar a cultura organizacional para integrar a CNA nas agências.

Esses achados, por fim, mostraram ser coerentes com outros estudos já realizados sobre a implementação de abordagens derivadas do ‘Diálogo Aberto’ em outros locais do EUA, assim como em outros países. Porém, ainda há uma defasagem em materiais sobre o assunto, bem como uma falta de medidas padronizadas para determinar a fidelidade dessas abordagens ao modelo original e a adaptabilidade dos princípios do ‘Diálogo Aberto’ em diferentes contextos, dificultando determinar em qual grau essas adaptações se assemelham ao modelo original do ‘Diálogo Aberto’.

•••

Florence, A.C., Jordan, G., Yasui, S. et al. Implanting Rhizomes in Vermont: a Qualitative Study of How the Open Dialogue Approach was Adapted and Implemented. Psychiatr Q (2020) (Link)

Artigo anteriorAlerta de suicídio no rótulo de antidepressivos é justificado, dizem pesquisadores
Próximo artigoCoronavírus e o paradoxo do isolamento
Graduada em Psicologia pela UERJ, especialista em Terapia Familiar pelo IPUB/UFRJ, com ênfase em saúde mental. Pesquisadora auxiliar do Centro de Estudos Estratégicos da Fiocruz Antonio Ivo de Carvalho (CEE/Fiocruz) e Laboratório de Estudos e Pesquisas em Saúde Mental e Atenção Psicossocial(LAPS/ENSP/Fiocruz) Produtora e apresentadora do podcast Enloucast. Além de atuar como psicóloga clínica. Áreas de interesse: Saúde Mental, Terapia Sistêmica, Diálogo Aberto, Construcionismo Social, Medicalização e Patologização da vida