As pesquisas veem se debruçado, com especial interesse, nas consequências psicológicas da pandemia de COVID-19 e as possibilidades de intervenções nesse contexto. Não é diferente com o artigo de Faro et. al, COVID-19 e saúde mental: A emergência do cuidado.
Os autores fizeram uma pesquisa dos impactos de tal crise na saúde mental ao redor mundo e as medidas tomadas para lidar com situações desse tipo, em três momentos distintos: pré-crise, intracrise e pós-crise.
“O combate a situações como esta já vinha sendo motivo de debate na OMS, que, em 2007, publicou um documento ressaltando a necessidade de haver planejamento prévio por parte dos países, para o enfrentamento de crises e desastres inesperados. Cabe ainda dizer que outros estudos sobre crises em saúde pública também haviam ressaltado que os cuidados em saúde mental deveriam ser tão primordiais quanto os cuidados primários de saúde.”
O contexto de pandemia mundial, além do medo de contrair a doença, tem causado uma sensação de insegurança em todos os aspectos da vida, do funcionamento diário da sociedade às modificações nas relações interpessoais. Os profissionais de saúde ficam exaustos, e o método mais efetivo de controle da doença, o distanciamento social, impactam consideravelmente a saúde da população. Tudo isso, aumenta as chances de vivenciar elevadas experiências e emoções negativas, suscitando a necessidade de apoio psicológico.
Há estudos mostrando que no período de quarentena, há o aumento se casos de ansiedade, depressão e suicídios. Para que o distanciamento social seja o menos danoso possível, algumas medidas podem ser adotadas, como a informação e redes de apoio social. Comunicar o que está acontecendo e os motivos, explicando por quanto tempo isso pode durar, evitando informações ambíguas. As redes de apoio também são necessárias, já que as rupturas de conexões sociais e físicas são facilitadores de impactos psicológicos negativos.
Os autores citam três grandes momentos em uma pandemia: pré-crise, intracrise e pós-crise. Citarei apenas as duas últimas, por considerar as mais importantes no contexto brasileiro, visto que já passamos da fase pré-crise.
A fase intracrise é a fase aguda, o problema de saúde se instala e se constata sua gravidade. Nessa fase, podemos presenciar situações extremas, como o colapso no sistema de saúde e funerário, assim como os familiares e amigos não conseguirem velar ou acompanhar o enterro de pessoas queridas, complexificando as questões emocionais presentes no luto.
“Neste momento da crise percebe-se que as pandemias não são apenas um fenômeno biológico, pois afetam indivíduos e a sociedade em vários níveis, causando diversas perturbações.”
Em vários países, as medidas adotadas para diminuir o impacto social da pandemia, instituições médicas e universidades, abriram plataformas online de aconselhamento psicológico, visando minimizar o pânico e a separação da família. Movimento parecido com o que aconteceu no Brasil, quando o Conselho Federal de Psicologia (CFP) indicou o atendimento online nas políticas públicas de atenção à saúde e em instituições privadas.
No caso da pós-crise, pode ser considerada uma fase se reconstrução social. O surto de contaminação tende a estar sob controle, as medidas de distanciamento social são reduzidas. Até o momento da publicação do artigo, apenas a China estava nessa fase.
“Em pesquisa realizada na crise da COVID-19, verificou-se que, dentre 1.210 participantes, 53% apresentaram sequelas psicológicas moderadas ou severas, incluindo sintomas depressivos (16,5%), ansiosos (28,8%) e estresse moderado a grave (8,1%).”
Outras consequência observada é a discriminação e isolamento vivenciadas por imigrantes chineses, por serem considerados portadores em potencial do coronavírus. Deve -se evitar também termos como “vítima da COVID-19”, “COVID positivo”, “contaminado pela COVID” ou “caso de COVID-19”, pois coisificam e causam maior sofrimento, além de estigmatizar. É preferível o uso de expressões como “pessoa que foi diagnosticada com a COVID-19”, “pessoa que está com a COVID-19” ou similares que não privilegiem a doença em detrimento do indivíduo.
No Brasil, diversos projetos de acolhimento e atendimento psicológico têm sido realizados por psicólogos, assim como o governo tem convocado profissionais de saúde para prestar trabalho voluntário.
Por fim, os autores reafirmam a necessidade do poder público colocar sua atenção na questão da saúde mental, pois as consequências serão mais nítidas somente após a pandemia. É preciso reafirmar que o contexto social em que vivemos, conjuntamente a instabilidade política, geram sofrimento na população, por tanto, o apoio psicológico não se trata de individualizar questões sociais, mas diminuir o impacto do sofrimento na vida das pessoas.
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FARO, A., et. al. COVID-19 and mental health: The emergence of care. Scielo Preprints, 2020. DOI: https://doi.org/10.1590/SciELOPreprints.146