Respostas apropriadas a uma pandemia: como estão seus sete sistemas emocionais?

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O COVID-19 afeta o sistema respiratório e circulatório. Mas também, inevitavelmente, afeta todas as nossas emoções. Em vez de assumir a posição prejudicial de ficar a categorizar as respostas como sendo um reflexo da saúde mental e as rotular como ‘distúrbios’ que nos desumanizam, uma maneira mais útil de entender essas reações é considerar os ‘sistemas emocionais’ que nos unem e nos conectam a nós mesmos, uns aos outros e a toda a vida em nosso planeta.

Sistemas emocionais – o que são?

Segundo o neurocientista Jaak Panksepp, os sistemas emocionais são antigos mecanismos evolutivos incorporados profundamente em nosso corpo, nossa mente e nossa alma. E você não precisa pensar e saber sobre eles para experimentar o seu sistema emocional – eles são importantes demais para necessitar disso.

É nosso direito de nascença que nosso sistema emocional nos guie e que nos guie bem. Ficar em sintonia e em equilíbrio com nossos guias internos desenvolvidos ao longo da evolução nos levará longe. No entanto, nossas experiências como crianças e adultos frequentemente criam barreiras após barreiras para bloquear a nossa conexão com o nosso mundo emocional. Como resultado, os problemas emocionais ocorrem de várias formas, a mais importante delas é o problema de não se prestar atenção ao sistema emocional de si próprio e o dos outros.

A maioria das pessoas com quem converso, ensino e trabalho – incluindo psicólogos – nunca ouviu falar de sistemas emocionais. Mas você sabe tudo sobre eles; eles o dirigem, esteja você consciente deles ou não.

E por que não chamá-los de ‘emoções’ em vez de ‘sistemas emocionais’? Bem, pela mesma razão que consideraríamos todo o sistema respiratório, em vez de apenas focarmos na respiração. Há muito mais no processo de se obter oxigênio pelo corpo do que a respiração, assim como há muito mais na assertividade do que uma voz forte. Essa ênfase nos sistemas emocionais também nos ajuda a parar de nos concentrar na emoção como uma experiência exclusivamente humana. As emoções – evocam movimentos – tão claramente que não são exclusivamente uma experiência humana: são sistemas desenvolvidos por tudo o que é vida.

Jaak Panksepp optou por terminar abruptamente o seu doutorado em psicologia clínica no final de seu primeiro ano, tal foi o choque que teve com a disparidade entre os problemas que as pessoas experimentam (emocionais) e os ‘tratamentos’ que recebem (não focados nas emoções). Sou eternamente grata por ele não ter suportado esse desafio ético. Querer ajudar pessoas com sofrimento emocional e enfrentar tratamentos físicos muitas vezes desumanos que não respeitam as emoções do ser humano angustiado é um dilema que todos os que trabalham nos serviços de saúde mental já enfrentaram. É um caminho real para a depressão entre os profissionais que cuidam – sentindo-se impotentes e repetindo métodos que não funcionam para tentar trazer a pessoa de volta ao seu pleno potencial. Jaak se afastou dessa situação em particular e dedicou a sua vida à construção de uma base de pesquisa, para que futuros tratamentos pudessem se basear em emoções. Essa decisão não deixou de ter seus próprios problemas – por exemplo, no acesso a bolsas de pesquisa e na falta de reconhecimento de seus colegas acadêmicos – no entanto, ele perseverou.

Sistemas emocionais e a crise do COVID-19

Panksepp trabalhou por muitas décadas para encontrar e entender os sete sistemas emocionais que existem entre as espécies animais. Panksepp e Biven [1] compartilham uma descrição detalhada das evidências da pesquisa – a ciência por trás dos sistemas que compartilho aqui com vocês.

Nosso sistema emocional fundamental é o sistema de busca. Ele monitora e atende às nossas necessidades básicas (comida, abrigo, água, oxigênio, segurança, parceiros), bem como às nossas necessidades mais sofisticadas (aprendizado, desafio, hobbies). Esse sistema é ativado quando nossos recursos internos ou externos encontram-se esgotados, bem como quando os recursos úteis estão acessíveis, e nos move para corresponder à tarefa que se impõe. Os detalhes de nossas buscas pessoais diferem entre pessoas, espécies e formas de vida, mas toda a vida tem sua própria versão de busca para satisfazer as suas necessidades.

Nas semanas anteriores ao nosso atual bloqueio para proteger a nós e aos nossos serviços de saúde do impacto do COVID-19, vimos o sistema de busca nosso a funcionar totalmente. Passamos a estocar comida de uma maneira que eu nunca vi e, pessoalmente, meu interesse em investigar as notícias sobre esse assunto em particular cresceu muito. Essas são respostas naturais a tempos incomuns.

A intensidade das respostas de busca precisa ser temperada com a ativação dos outros sistemas emocionais. A resposta de busca por acumular comida e informação é algo natural. No entanto, a ativação simultânea de todos os sete sistemas emocionais é necessária em uma sociedade complexa, onde os indivíduos têm direitos, liberdades e responsabilidades.

Nosso próprio sistema de busca evoluiu para trabalhar a nosso favor, no entanto, o sistema de busca presente nas outras pessoas pode ser perigoso para nós. O vírus que causa o COVID-19 está entre o ‘vivo’ e o ‘não-vivo’, mas com certeza procura hospedeiros que podem permitir que ele viva. Portanto, o segundo problema que podemos enfrentar é o perigo quando o sistema de busca das outras pessoas é uma ameaça ao nosso; nossa capacidade de distinguir segurança e perigo também é fundamental para nossa sobrevivência. O sistema de segurança é o segundo sistema emocional que começou a se formar há mais de meio bilhão de anos atrás.

A função mais básica dos sistemas emocionais é evocar o movimento, movendo-se para o que precisamos, amamos, e para longe do que nos coloca em perigo. Portanto, é útil considerar o que vai no sentido do liga / desliga ou no sentido oposto de cada sistema. Portanto, apesar de chamá-lo de sistema de segurança porque ele nos leva à segurança, é o mesmo sistema geral do que temos para lidar com o medo que nos afasta do perigo – assim como o mecanismo para receber oxigênio e remover o dióxido de carbono faz parte do mesmo sistema respiratório . Nossos sistemas de segurança têm sido alertados em diferentes níveis desde janeiro de 2020, quando a epidemia de coronavírus veio à tona na China. A adequação dessa resposta ao medo precisa ser destacada, em parte porque ela nos protegerá e em parte porque devemos normalizar essa resposta em vez de vê-la como um “distúrbio”. O nível de ativação dessa resposta ao medo estará relacionado à nossa situação externa, ao nosso nível de controle e ao impacto que o COVID-19 pode ter em nosso mundo. Há um número crescente de vozes exigindo que os fatores sistêmicos destacados tão claramente por essa pandemia sejam respeitados, e que o foco em fatores individuais (fatores biológicos ou genéticos) seja reduzido. Enquanto animais sociais, a segurança que temos é entrelaçada com a nossa situação social, nosso grupo e com a nossa posição social. Não podemos intervir com sucesso em nível individual em relação à segurança, medo ou à ansiedade.

Foi o casal Terry & Beatriz Sheldon que iluminou uma maneira de ativar efetivamente os sistemas em termos psicoterápicas, propondo a ‘integração complexa dos múltiplos sistemas cerebrais’. Eles me ensinaram a importância de enfatizar a abordagem desses sistemas emocionais, uma lição que nunca esqueci.

Portanto, não temos ‘transtornos de ansiedade’, temos sistemas de segurança alertados. Que perigo está presente, ou tem estado presente, a tal ponto que o sistema permanece no modo de sobrevivência? Há muito mais a dizer sobre isso, mas, por enquanto, você percebe a diferença quando se aborda a sua experiência emocional como uma indicação de sistemas emocionais ativados que estão tentando resolver problemas em sua vida, esteja você consciente deles ou não?

Em nosso mundo, nossa necessidade de recursos chega em termos competitivos. O terceiro problema da competição, que é resolvido ‘afirmando’ e, quando necessário, ‘lutando’ pelo que precisamos, é o trabalho do sistema de assertividade. Cada um dos sistemas emocionais possui diferentes níveis de intensidade. Falar com uma voz forte se intensificará tornando-se raiva e ira quando nossa vida estiver ameaçada ou nossos entes queridos, a comunidade ou o modo de vida estiver ameaçado. Vozes furiosas gritando em voz alta sobre a maneira como nossas comunidades são impactadas por decisões e pelo esgotamento crônico do nosso sistema de saúde parecem ser uma resposta saudável de nossos sistemas de assertividade individual. Faz mais sentido trabalharmos juntos. Meu sistema de assertividade me ativou para começar a escrever este artigo às 23h30, apesar do cansaço. Eu tenho algo a dizer, e se não for agora, quando será?

Com o nosso sistema de busca nos ajudando a investigar o que precisamos saber e encontrar, nosso sistema de segurança se mantém alerta contra ameaças para nos manter seguros e nosso sistema de assertividade nos permitindo lutar pelo que é importante, é o nosso sistema para se sentir bem que nos diz sobre nossas prioridades e o que é certo para nós. A comida nunca tem um gosto tão bom quanto quando você está passando fome – nosso sistema de ‘sinta-se bem’ garante que o que mais precisamos pareça incrível quando ele surge.

Minha história pessoal do COVID-19

Para destacar esses sistemas emocionais com minha própria história pessoal do COVID-19, meus sistemas de ‘busca’, ‘assertividade’ e de ‘segurança’ foram entrelaçados, focados em quatro tópicos, desde que fiquei isolada com minha família há 40 dias:

  • Investigando e integrando informações sobre o COVID para que eu possa entender e agir para proteger a mim e à minha família;
  • Criando um ambiente seguro, amoroso e interessante para que possamos viver juntos da melhor maneira possível, mantendo um forte sistema imunológico pelos próximos meses;
  • Considerando formas de proteger meus clientes, estagiários, negócios e funcionários; eu poderia perder algo importante (financiamento, por exemplo) e sair do negócio, exatamente no momento em que o mundo precisa de conexão emocional.
  • Considerando maneiras de conectar-me autenticamente e servir. Ficar em casa é absolutamente a coisa certa a fazer para mim, mas eu trabalhei no NHS por muitos anos e treinei muitos de seus funcionários. Faz parte de quem eu sou, então quero servir enquanto me protejo.

E estou monitorando o que funciona e o que não está relacionado a tudo isso usando o meu sistema para sentir-se bem, monitorando os períodos de descanso e recuperação, bem como minha necessidade de ação e trabalho. Existem outros três sistemas que fazem parte de ser um animal, e especialmente um mamífero.

A vida sobreviveu e prosperou por milhões de anos com os quatro (já mencionados) sistemas emocionais. No entanto, com um ambiente rico em espécies diferentes, evoluíram soluções criativas para o problema de como aumentar as taxas de sobrevivência dos filhos por meio de um sistema de cuidados. Peixes, sapos e lagartos inteligentes começaram a cuidar de seus filhotes de várias maneiras que aumentaram a sua sobrevivência. Portanto, esse sistema começou há 400 milhões de anos. Esse sistema abriu o caminho para nossas cabeças grandes e nosso longo período como criança dependente dos outros.

Equilibrar o apoio aos jovens com o impacto nos pais remonta a centenas de milhões de anos – com maior probabilidade de morte dos pais como o sacrifício último. Essa solução de atendimento parental traz consigo um novo problema: como os pais que cuidam podem se manter seguros? Os sistemas de conexão nos permitem trabalhar juntos para apoiar todos em nosso clã e entre as espécies. Eles permitem que laços estreitos sejam construídos e mantidos, nos ajudam a reparar as conexões quando estão se rompendo e lamentam quando elas se vão. Os sistemas de conexão estão dentro de nós (neuroquímicos como a ocitocina e partes específicas do cérebro) e estão entre nós (como o impacto de estar em uma equipe de apoio ou de ser um gêmeo), indo muito além do nosso entendimento científico atual, mas não além do nosso reconhecimento da conexão quando a sentimos ou a vemos.

E qual é o outro desses sete sistemas? Com tanto para aprender, com tão pouco tempo, a velocidade com que nós e nossos filhos aprendemos é questão de vida e morte. Temos mecanismos inconscientes super-rápidos para nos ajudar a aprender quando enfrentamos um perigo real – nosso sistema de segurança resolve isso. Temos um sistema que nos ajuda a aprender a lidar com os desafios conscientemente também, pois são aqueles que se prepararam para os desafios que a vida os lançará antes que aconteçam pondo em risco a vida. A natureza fez uma coisa linda para ajudar isso, ela se tornou divertida. Para nos ajudar a obter experiência, a solução da natureza é a ferramenta de aprendizado mais poderosa de todas: o sistema de jogar.

Por fim, para destacar todos os sete sistemas emocionais em minha história pessoal com o COVID-19: Meus sistemas de segurança, assertividade e assistência estão trabalhando duro para proteger meu marido do vírus, que tem um distúrbio pulmonar grave. Estou atenta aos perigos e levo meu sistema de segurança a sério, agindo de acordo com o que meu curioso sistema de busca me guiou a aprender e encontrar. Principalmente, eu só preciso comunicar o poder do meu sistema de assistência para ajudar meus filhos a responder efetivamente, mas às vezes ativamos o sistema de segurança deles, alertando-os ativamente sobre os perigos. Às vezes, precisamos usar vozes fortes para nos comunicar usando nossos sistemas de assertividade. Eles testemunham nossos sistemas de cuidado, segurança e assertividade em nossos rituais e respostas.

Temos rituais de sistemas de assistência e conexão com carinho e proximidade pela manhã e principalmente na hora de dormir – dando-lhes as boas-vindas durante o dia e relaxando e ajudando-os a se sentirem seguros à noite. Esse foi um dos desafios mais difíceis nos estágios iniciais; permanecer fisicamente distante causou muita angústia, com nossos sistemas de medo querendo se acalmar com ocitocina e GABA emitindo chamegos. No entanto, a intimidade, quer dizer a proximidade, não se sentiu segura nas duas primeiras semanas de isolamento, tal é a natureza de nossos tempos.

Os sistemas de busca precisam buscar, os sistemas de jogo precisam brincar – enfatizamos a importância de aprender e ser produtivos – apenas para o bem desses sistemas, não para a educação deles, não para este momento que vivemos. A ativação de todos esses sistemas para nos permitir abordar o que é importante ativa o nosso sistema para sentir-se bem uma e outra vez. A mídia social também ativa esse sistema, mas é claro que falta complexidade. São todos os sete sistemas emocionais, ativados simultaneamente, que dão vida e poder aos sistemas emocionais e nos protegem do impacto prejudicial de um ou dois sistemas substituindo os outros. Um sistema de busca assertivo não equilibrado com segurança, cuidado e conexão retira os últimos 100 rolos de papel higiênico da loja ou sobe o Snowdon em meio à atual crise. Em vez disso, visando a ativação simultânea, meu objetivo pessoal é que cada sistema seja considerado e integrado ao lado dos outros seis.

“Viva com curiosidade, admiração e reverência (busca), equilibrando segurança e aprendizado através do jogar, compartilhando o que é importante para você (sentir-se bem) de forma assertiva, ao mesmo tempo em que cuidando e autenticamente se conectando consigo mesmo, com os outros e com o mundo.”

Mesmo nestes tempos, especialmente nos momentos atuais, precisamos almejar isso mais do que nunca.

  1. Panksepp, J., & Biven, L. (2012). The Archaeology of Mind: Neuroevolutionary Origins of Human Emotions. New York, NY W. W. Norton & Company.
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Jessica Bolton é psicóloga clínica, psicoterapeuta, instrutora e escritora. Uma defensora apaixonada de nossa capacidade emocional inata, ela cria espaços onde as pessoas podem se mover e crescer, se adaptar e florescer. Ela trabalhou nas instituições de saúde mental de adultos do NHS por muitos anos e foi líder sênior em serviços psicológicos no NHS. O apoio a cursos de treinamento em psicologia clínica em todo o país tem sido uma presença consistente em sua carreira profissional e ela é ex-presidente da Associação Internacional de Terapia Dinâmica Experimental. Nos últimos 7 anos, ela trabalhou de forma independente, fornecendo treinamento e apoio aos profissionais de saúde através do EmotiHealth; e ela também dirige o Connection Studio, um serviço psicoterapêutico baseado em uma abordagem não patológica, com foco na capacidade emocional e nos sete poderosos sistemas emocionais.