Violência Doméstica e Familiar na Pandemia de COVID-19

Fiocruz lançou uma cartilha sobre casos de violência contra mulheres, crianças, idosos e contra si mesmo, com importantes orientações.

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Fiocruz lançou uma cartilha sobre violência domiciliar e familiar na Covid-19, com o objetivo de auxiliar à todos os envolvidos na resposta ao coronavírus. A necessidade da cartilha se deve aos indicadores que veem demonstrando o agravamento de casos já existentes, assim como o surgimento de novos casos de violência durante a pandemia. É o que percebemos na China, onde os casos de violência doméstica triplicaram, já na França houve aumento de 30%, enquanto a Itália indicou que as denúncias desse tipo de violência sofreram ascensão e no Brasil há um aumento de 50% nas denúncias. A OMS adverte que a violência é um problema de saúde pública

Com o desencadeamento da pandemia, as rotinas familiares e sociais sofreram profundas mudanças, gerando novos focos de tensionamento e estresse. Ademais, a pandemia atinge as famílias de maneira desigual, dependendo de marcadores sociais como cor de pele, gênero, etnia, faixa etária e estrato social.

“As crianças,
em geral, estão fora da rotina escolar/creche, com acesso restrito a
atividades de grupo e esportes. Homens e mulheres estão em trabalho
remoto ou impossibilitados de trabalhar, o que também implica em
sobrecarga, desafios na conciliação de rotinas e exigências com a casa
e com cuidados com crianças e outros membros da família. Sendo
assim, é possível que as pessoas sintam preocupação recorrente
sobre ser infectado, ficar doente, como garantir a subsistência, como
encontrar novas opções de cuidados aos idosos e crianças, entre
outras.”

Existem alguns fatores de risco com as medidas de distanciamento social e que podem aumentar as taxas de tentativas de suicídio: estresse econômico, diminuição do
acesso às redes socioafetivas, diminuição do acesso a tratamentos de saúde mental (cancelamento de consultas e restrição de atendimentos na Rede de Atenção Psicossocial – RAPS), problemas graves de saúde física prévios à infecção e excesso de cobertura
midiática na COVID-19, podendo dar a impressão que outros serviços de saúde estão desativados.

Os grupos mais vulneráveis durante a pandemia de COVID-19, além de mulheres, crianças e idosos em situação de violência familiar, são as pessoas com baixa renda, vivendo em assentamentos ilegais, minorias, indígenas, migrantes e refugiados, pessoas privadas de liberdade, pessoas com deficiência, LGBTI, pessoas em situação de rua, entre outros.

A cartilha pede aos profissionais da rede de atenção e cuidado às pessoas em situação de violência, que estejam atentos e cientes do risco de aumento de casos durante a pandemia, lembrando que segundo a OMS a violência pode ser de natureza física, sexual, psicológica, em forma de privação ou abandono. Além disso, as situações de violência podem ser detectadas por professores, vizinhos, família extensa, equipes de saúde e assistência social, entre outros. O material está dividido em quatro tipos de violência doméstica: contra crianças, contra mulheres, contra idosos e contra si mesmo.

Contra crianças, a cartilha chama a atenção que a maioria dos casos de violência acontecem dentro do lar, o que pode gerar subnotificação dos casos em contexto de pandemias, já que este tipo de violência normalmente é denunciado por pessoas fora da família. Um dado importante destacado pela cartilha são as notificações de um número expressivo de pedófilos nas rede sociais digitais, portanto é necessário redobrar a atenção com crianças e adolescentes no uso da tecnologia.

A cartilha orienta profissionais a garantirem a essas famílias o acesso à políticas públicas, para garantir empregos e renda, auxílios emergenciais, entre outros. Além de orientar aos pais que informem de maneira tranquila, honesta e apropriada para cada idade, sobre a pandemia aos filhos; mantenham uma rotina com a criança e adolescentes; prestem atenção no uso da mídia e desenvolvam uma escuta ativa, buscando a compreensão das crianças e adolescentes. Assim como, orientar aos pais que procurem dialogar com redes de apoio nas quais tenham confiança, como grupos de pais, igrejas, profissionais de saúde ou líderes comunitários.

Com relação à violência contra a mulher, estima-se que um terço das mulheres de todo mundo vivenciarão violência física/sexual em algum momento da vida. A violência cometida pelo parceiro íntimo é a forma mais comum e envolve uma complexidade de fatores individuais, relacionais, sociais e culturais.

A cartilha recomenda a diversificação de canais de denúncia e seus canais de comunicação, como mercados, farmácias e locais públicos; criar campanhas que encorajem a denúncia por parte da sociedade e garantir respostas rápidas por parte das autoridades. Para os profissionais que atendem essas mulheres, recomenda-se que as oriente a conversar com alguma pessoas de confiança sobre as agressões/ameaças; verificar se há locais seguros onde possa ficar até conseguir ajuda; procurar a delegacia da mulher mais próxima ou ligar para o disque 180 ou 190. Em casos de ferimento, orientar qual unidade de saúde mais próximo de sua casa está funcionando e certificar-se que ela será atendida.

A repeito da violência cotra o idoso, estima-se que um entre cada seis idosos ao redor do mundo vivenciam alguma forma de violência, o que pode se agravar com a pandemia de COVID-19. Já sabemos que houve um aumento de 13% nos casos de violência contra o idoso, em relação ao ano passado. As violências mais comuns são negligência, violência psicológica, violência patrimonial (seus bens são detidos ou destruídos) e violência física. O idoso costuma viver a violência em silêncio, devido à dependência, afeto, insegurança e medo, principalmente porque os autores da violência costuma ser os próprios cuidadores.

A cartilha recomenda a implementação de estratégias de biosegurança nas Instituições de longa permanência, políticas públicas que aprimorem a proteção e o cuidado com idosos. Os profissionais devem estimular os idosos a acessarem sua rede socioafetiva, assim como a ficarem atentos, assim como o restante da sociedade, a sinais de desorientação, falta de cuidado pessoal/ higiene, mudanças bruscas de personalidade. Em casos de denúncia, podem entrar em contato com o disque 100 ou 190, ou procurar uma delegacia.

Acerca da violência contra si, já é esperado o aumento desses casos no contexto de pandemia. A OMS informa que esses atos incluem autolesão (sem a intenção de se matar) ou atos com o fim de cessar a própria vida, podendo ir da ideação até o suicídio. A cartilha afirma que é essencial estabelecer e manter redes comunitárias e de atenção psicossocial para atender às necessidades de saúde mental em momentos de crise. Recomenda-se identificar casos de pessoas que estejam em risco e encaminhar para a rede de atenção psicossocial e acompanhar, ainda que remotamente, a pessoa durante o período de isolamento social. Também pode-se orientar a pedir ajuda a pessoas de confiança, organizações sociais próximas à pessoa e ao Centro de Valorização da Vida (CVV) pelo disque 188, como uma forma adicional de apoio.

“Estudos baseados em evidências recomendam estratégias de prevenção
ao suicídio que podem ser realizadas remotamente. Por exemplo,
estudos mostram que ligações telefônicas e cartas foram efetivas
na diminuição de taxas de suicídio em estudos clínicos. Estratégias
solidárias e utilização de vídeo conferências para comunicação
com familiares e amigos podem fortalecer mecanismos sociais de
fortalecimento do senso de pertença a uma comunidade, e portanto,
diminuir taxas de suicídio.”

A cartilha também faz referência aos profissionais de saúde e cuidadores domiciliares, como um grupo que necessita de cuidados específicos durante a pandemia,  por exemplo, um espaço para o atendimento e acolhimento de suas emoções, e se necessário, acompanhamento psicossocial. Além disso, ressalta a importância de instituir uma rotina saudável e com equilíbrio entre as atividades que tragam prazer, satisfação e conexão social. Bem como, a importância de garantir para esses profissionais biossegurança, horas de descanso, pausa durante plantões, remanejamento de equipes nas áreas de maior risco, suporte emocional tanto a trabalhadores como a suas famílias e garantia de direitos trabalhistas.

A cartilha, além de trazer orientações de ações possíveis e evidenciar os motivos pelos quais a violência contra estes grupos pode aumentar em período de pandemia, Também  conta com uma rica bibliografia. Não deixe de ler a cartilha completa!

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MELO, Bernardo Dolabella et al. (org). Saúde mental e atenção psicossocial na pandemia COVID-19: violência doméstica e familiar na COVID-19. Rio de Janeiro: Fiocruz, 2020. Cartilha. 22 p. (Link)

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Graduada em Psicologia pela UERJ, especialista em Terapia Familiar pelo IPUB/UFRJ, com ênfase em saúde mental. Pesquisadora auxiliar do Centro de Estudos Estratégicos da Fiocruz Antonio Ivo de Carvalho (CEE/Fiocruz) e Laboratório de Estudos e Pesquisas em Saúde Mental e Atenção Psicossocial(LAPS/ENSP/Fiocruz) Produtora e apresentadora do podcast Enloucast. Além de atuar como psicóloga clínica. Áreas de interesse: Saúde Mental, Terapia Sistêmica, Diálogo Aberto, Construcionismo Social, Medicalização e Patologização da vida