Um novo estudo, publicado em Frontiers in Psychiatry, discute uma controvérsia que está ocorrendo na Austrália, após a recomendação da FDA do uso da tarja negra advertindo que o uso de antidepressivos pode causar um aumento de pensamentos e comportamentos suicidas em pessoas com menos de 18 anos com um diagnóstico de depressão ou outros transtornos. Os autores do estudo também revisam dados sobre prescrição de antidepressivos e tendências suicidas e de autoflagelação para avaliar se diferentes perspectivas sobre a segurança desses medicamentos são apoiadas por evidências do mundo real.
O artigo sugere que pesquisadores e psiquiatras proeminentes têm sistematicamente apresentado uma narrativa de que os antidepressivos são seguros e que reduzem o risco de suicídio em jovens sem evidências que apoiem estas alegações, negligenciando evidências convincentes de que o oposto pode ser verdade.
Os pesquisadores, liderados por Martin Whitely, um defensor dos direitos dos pacientes mentais e pesquisador da Universidade Curtin na Austrália, explicam que as principais instituições psiquiátricas têm se recusado a reconhecer essa questão:
“Várias proeminentes organizações australianas de defesa da saúde mental e psiquiatras australianos influentes contestaram o nexo entre o antidepressivo e o suicídio dos jovens, e alegaram que o uso de antidepressivos, quando tudo é levado em conta, reduziu o risco de suicídio dos jovens.”
Há evidências crescentes que mostram que tomar antidepressivos aumenta o risco de pensamentos e comportamentos suicidas em pessoas com menos de 18 anos de idade. No entanto, a opinião pública e profissional continua a minimizar os riscos e a fazer alegações não fundamentadas sobre o perfil de segurança do medicamento.
De acordo com os autores, várias agências – tanto governamentais quanto independentes – e indivíduos têm emitido relatórios e declarações públicas que ignoram evidências indispensáveis que dão suporte ao nexo antidepressivo-suicidalidade. Os líderes de opinião, como pesquisadores e psiquiatras, também têm desempenhado um papel fundamental para minimizar os riscos e para insistir que os antidepressivos reduzem o suicídio.
“A maior autoridade da Austrália na prevenção de suicídios fez alegações não referenciadas, deturpou as conclusões da revisão de Gould et al., ignorou as principais conclusões da revisão da Cochrane, e minimizou a importância dos avisos de suicídio da FDA e da TGA”, escrevem os pesquisadores.
Os principais líderes de opinião do país – que muitas vezes receberam financiamento da indústria farmacêutica – têm citado incorretamente pesquisas para apoiar as alegações de que os antidepressivos são seguros e reduzem o risco de suicídio. Os autores do estudo mostram que as pesquisas usadas para apoiar tais alegações ou eram muito mais cautelosas em suas conclusões do que os formadores de opinião sugerem, ou simplesmente não foram citadas apropriadamente.
Em um caso, devido a uma discrepância entre o resumo e o texto completo do artigo, “os resumos não relataram a taxa significativamente maior de ideação/tentativa suicida com a fluoxetina em comparação com placebo”.
Além disso, a maioria dos antidepressivos (90,4%) são prescritos por médicos de clínica geral (GPs) na Austrália. Os autores sugerem que os médicos de clínica geral frequentemente repetem prescrições iniciadas por psiquiatras. Uma entrevista de rádio citada pelos autores mostrou que alguns GPs seniores podem estar a trabalhar com evidências desatualizadas sobre os antidepressivos que há muito se provou serem imprecisas. Os órgãos governamentais também diminuíram os riscos do uso de antidepressivos na juventude, contribuindo potencialmente para uma falta de consciência do público e dos consumidores.
O estudo reviu e analisou dados nacionais sobre o uso de antidepressivos, suicídio e tendências de automutilação, tendo como plano de fundo o debate e a controvérsia em torno da segurança e dos riscos associados a esta classe de drogas.
Na Austrália, o segundo maior consumidor per capita de antidepressivos entre os países desenvolvidos, 101.174 pessoas entre 0 e 18 anos de idade receberam antidepressivos entre julho de 2017 e junho de 2018. O número de jovens australianos que receberam uma prescrição de antidepressivos diminuiu significativamente após o aviso da FDA ter sido emitido. No entanto, os autores sugerem que um aumento subsequente na dosagem de antidepressivos e nas taxas de suicídio apoiadas pelos dados pode ter sido influenciado por conselhos que contrariaram diretamente as advertências da FDA.
Nos últimos 10 a 15 anos, tem havido uma preocupante tendência de aumento tanto na prescrição de antidepressivos quanto nas taxas de suicídio e automutilação na juventude. “279 australianos com menos de 25 anos morreram por suicídio em 2009, e 458 em 2018”, escrevem os autores.
Entre os anos de 2006 e 2016, houve um aumento de 98% nas intoxicações anuais intencionais, sendo os antidepressivos prescritos a crianças e adolescentes muitas vezes o meio de automutilação.
Os pesquisadores mostram que existe um padrão consistente de associação entre o aumento da dose de antidepressivos e o aumento das taxas de suicídio:
Os autores alertam os leitores para a interpretação dos dados. Muitos fatores contribuem para fenômenos complexos como suicídio e automutilação, e a correlação não significa causa. No entanto, apesar dos dados, os principais líderes de opinião e agências governamentais continuam a desempenhar um papel essencial na elaboração da narrativa sobre o risco e a segurança dos antidepressivos na juventude.
“Visto que os Professores McGorry e Hickie continuam a ser tão influentes, como evidenciado pelo seu papel proeminente na mesa redonda pós-eleitoral sobre o suicídio, a sua contínua defesa do uso de antidepressivos como meio de reduzir o suicídio é significativa”.
Este estudo foca uma área negligenciada de pesquisa: como a opinião de especialistas e o discurso público podem moldar as tendências de prescrição e a consciência do risco. Além de apresentar os dados sobre suicídio e automutilação de jovens, o estudo contextualiza as descobertas, articulando as forças e poderes em jogo e mostrando que as evidências científicas podem ser mal interpretadas ou apresentadas apenas parcialmente no discurso público com consequências para as políticas públicas e a prática clínica.
Os autores terminam com uma nota sóbria:
“Há evidências claras de que mais jovens australianos estão tomando antidepressivos, e mais jovens australianos estão se matando e se auto-mutilando muitas vezes por causa de uma overdose intencional das próprias substâncias que supostamente os ajudarão”.