Kit de Sobrevivência em Saúde Mental e Retirada dos Medicamentos Psiquiátricos. Cap. 1

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Apresentação para a edição em português

Um mito nos é vendido há décadas. Não se trata da origem do universo ou de que se os chineses saltassem ao mesmo tempo eles mudariam o eixo de rotação da Terra. O mito de que estamos falando é uma narrativa que afeta sociedades dos cinco continentes e tem sido capaz de transformar a forma como o homem reconhece e se relaciona consigo mesmo e com os outros. É o mito da cura química criada pela psiquiatria. Com este mito, pensa-se que os comportamentos e experiências das pessoas são causados por desequilíbrios químicos em seus cérebros e que os medicamentos psiquiátricos corrigem esses desequilíbrios. É um mito que transformou nossa civilização, causando danos inestimáveis.

Tenho a honra de apresentar a edição em português, que traduzi a partir do original em inglês. Gøtzsche é provavelmente muito conhecido de um grande público em língua portuguesa, graças a seus muitos livros, aos numerosos artigos publicados nas mais renomadas revistas científicas internacionais, às palestras e eventos internacionais em que participa. Tive o grande prazer de estar com ele pessoalmente em Göteborg (Suécia), em
outubro de 2019, em um evento organizado pelo International Institute for Psychiatric Drug Withdrawal (IIPDW) do qual fazemos parte e ele é um de seus fundadores. Em nossas conversas, vi as expectativas que tinha sobre ele serem confirmadas; seu compromisso com o rigor científico, sem contudo ser arrogante com seus interlocutores; uma crítica radical em relação à psiquiatria e seu modelo biomédico de doença, embora sem perder a ternura e o senso de humor diante do que seria cômico se não fosse trágico; e, em particular, sua esperança de que a realidade dos cuidados mudará, à medida que usuários, ex-usuários e sobreviventes da psiquiatria ganham voz, poder e reconhecimento como os principais atores.

O leitmotiv do livro é “a psiquiatria faz mais mal do que bem”. E com cada página, cada capítulo lido, o que à primeira vista pode parecer estranho, pouco a pouco nos sentimos racionalmente convencidos de que temos que pensar no cuidado da saúde mental em termos de pós-psiquiatria.

A maioria dos psiquiatras não sabe que eles fazem muito mais mal do que bem. Eles se tornam surdos às queixas dos pacientes e dos familiares. E insistem em ignorar as evidências científicas, preferindo ser guiados por sua própria experiência clínica traiçoeira, pela propaganda da indústria farmacêutica e pela educação contínua realizada diretamente nos consultórios através das amostras grátis e dos folhetos.

Faz parte do mito que os medicamentos psiquiátricos têm como alvo as doenças subjacentes. O que é uma fraude, que Gøtzsche denuncia na companhia de vários outros pesquisadores renomados, como Joanna Moncrieff, David Healy, John Read, Peter Breggin, Irving Kirsch e Mark
Horowitz, entre muitos outros; ou por sobreviventes psiquiátricos, como Laura Delano, Olga Runciman, Tina Minkowitz, Peter Groot.

Sendo um pesquisador experiente e um dos fundadores da Colaboração Cochrane, Gøtzsche testemunha suas experiências pessoais para ilustrar como esta fraude é adotada e defendida com unhas e dentes. Não é porque existem algumas evidências sólidas e indiscutíveis para apoiar este pensamento hegemônico, mas porque a fraude científica tem servido aos interesses da profissão psiquiátrica, da indústria farmacêutica e do Estado.
Ao invés de corrigir supostos desequilíbrios químicos no cérebro, as drogas psiquiátricas “funcionam” criando estados mentais alterados, que podem eventualmente suprimir sintomas de distúrbios psiquiátricos, mas junto com outras funções intelectuais e afetivo-sociais. E o que apsiquiatria vem fazendo há décadas? Ela nos vende a ideia de que as
drogas psicoativas prescritas agem contra uma certa “doença mental”, e que consequentemente atingem o alvo responsável por este ou aquele “transtorno psiquiátrico”. As pílulas de depressão são agora chamadas de”antidepressivos”. As drogas para controlar os nervos (inicialmente chamadas “neurolépticos”) são chamadas de “antipsicóticos”. As drogas para acalmar são chamadas de “ansiolíticos”. As drogas para agir sobre os efeitos psicoativos das drogas prescritas, tais como euforia, agitação, falta
de autocontrole, passaram a ser chamadas de “estabilizadores do humor”. E assim por diante.

Um fenômeno muito comum na clínica psiquiátrica é conhecido como “polifarmácia”. O que aparece imediatamente é que, ao usarem medicamentos psiquiátricos, as pessoas não conseguem mais ficar longe de suas drogas novamente. Os diagnósticos psiquiátricos se ajustam mal aos problemas que as pessoas têm e, portanto, muitas pessoas recebem múltiplos diagnósticos, resultando em múltiplos medicamentos. E
finalmente, como os medicamentos são ineficazes, os psiquiatras estão acrescentando cada vez mais medicamentos para lidar com algum tipo de desespero, em vez de perceber que talvez seja melhor não dar nenhum medicamento, mas oferecer psicoterapia e outras intervenções psicológicas ou sociais.

O absurdo é que a psiquiatria não reconhece que as suas drogas virtualmente produzem dependência química, que pode ser tão ou mais grave do que aquela criada com as chamadas drogas ilegais. Gøtzsche nos apresenta um histórico de suas lutas para mostrar e provar cientificamente o quanto as drogas psiquiátricas são capazes de produzir “sintomas de abstinência”. A experiência dos usuários destas drogas é eloquente do que é para muitos deixar de tomar drogas psiquiátricas. Os “sintomas de abstinência” são normalmente chamados pelos psiquiatras de “recorrência da doença”, culpando os próprios pacientes. Isto porque, ao considerar as diretrizes oficiais instituídas pelas agências que são complacentes com os interesses corporativos, as drogas psicotrópicas não são equivalentes às drogas ilegais na criação da dependência química, e a suposição é que um médico sabe como proceder com a prescrição. O que é outra mentira na psiquiatria. Se aqueles que prescrevem esta ou aquela droga psiquiátrica seguem as diretrizes oficiais, os resultados serão na maioria das vezes catastróficos para os pacientes e suas redes sociais.

As dosagens fabricadas não são adequadas para regimes de afilamento lento. Por exemplo, a dose mais baixa do medicamento venlafaxina é uma cápsula de 37,5 mg que não pode ser esmagada ou cortada em doses menores, tornando praticamente impossível reduzir gradualmente a dose e forçando as pessoas a cair abruptamente de 37,5 mg para zero, o que pode não ser bem tolerado.

Não é por acaso que, no campo da saúde mental, existem “sobreviventes da psiquiatria”. Gøtzsche chama a nossa atenção para três palavras que, juntas, dizem muito. Não ser mais um “usuário” da psiquiatria. E muito mais do que isso, o antigo usuário se reconhece como alguém que, apesar de toda a violência da psiquiatria, conseguiu retomar a vida, que retirou da instituição psiquiátrica a responsabilidade por sua vida que vinha sendo deixada nas mãos dos psiquiatras. É verdade que em nenhuma outra especialidade médica os pacientes se autodenominam “sobreviventes”. Em geral, os pacientes são gratos pelo tratamento recebido. Na psiquiatria, isto é raro. Como Gøtzsche aponta muito bem ao longo de seu livro, é graças às vozes dos “antigos usuários”, mas especialmente dos “sobreviventes” da psiquiatria, que o conhecimento relacionado no campo da saúde mental
vem sendo liberado dos mitos criados pela psiquiatria.

O que a psiquiatria faz não se baseia em bases científicas. Sua prática nega os próprios imperativos da medicina da evidência. Para cada nova edição do DSM (ou CID), as categorias de diagnóstico aprovadas não se baseiam em evidências científicas rigorosamente examinadas por pesquisas isentas de interesses particulares. É chocante o que Gøtzsche nos mostra como essa pesquisa é feita de forma deficiente, geralmente com
forte apoio da indústria farmacêutica, e como ela é examinada e aprovada pelos órgãos reguladores. E quanto erro ou fracasso é sistematicamente escondido do público!

Gøtzsche não se abstém de fazer sugestões. Como esta aqui: “Se você tem um problema de saúde mental, não consulte um psiquiatra. É muito perigoso e pode ser o maior erro que você cometeu em toda a sua vida”. Quanto mais a sociedade reclama por mais assistência psiquiátrica, o resultado é: mais diagnósticos psiquiátricos são feitos; mais pessoas começam a receber uma pensão por invalidez, porque são incapazes de funcionar devido ao tratamento psiquiátrico que recebem; há mais suicídios e mais violência.

Viver sem o modelo biomédico de doença criado pela psiquiatria. Esta é a nossa utopia.

– Fernando F. P. de Freitas
Psicólogo, PhD em Psicologia (Université Catholique de Louvain)
Pesquisador Titular – LAPS/ENSP/FIOCRUZ
Rio de Janeiro
Brasil
Coeditor do site www.madinbrasil.org

1. Este livro pode salvar a sua vida

Escrevi este livro para ajudar os pacientes, e quando decidi escrevê-lo um dos meus títulos provisórios foi: “Ouvindo as vozes dos pacientes”. A maioria das pessoas com quem falei sobre questões de saúde mental, seja a minha família, amigos, colegas, parceiros esportivos, cineastas, jardineiros, faxineiros, garçons e recepcionistas de hotel, tiveram experiências ruins com a psiquiatria ou conhecem alguém que tenha tido.

Vindo de um background de especialista em medicina interna, que é completamente diferente, aos poucos fui percebendo o quão prejudicial a psiquiatria é. Leva-se anos de estudo minucioso para descobrir que a psiquiatria faz muito mais mal do que bem [1], e a minha própria pesquisa contribuiu para revelar isso.

As minhas descobertas ressoam intimamente com o que o público em geral concluiu com base em suas próprias experiências. Uma pesquisa com australianos mostrou que as pessoas pensavam que as pílulas da depressão (também chamadas antidepressivos), os neurolépticos (também chamados antipsicóticos), os eletrochoques e a internação em uma enfermaria psiquiátrica eram mais frequentemente prejudiciais do que benéficos.[2] Os psiquiatras sociais que haviam feito a pesquisa ficaram insatisfeitos com as respostas e argumentaram que as pessoas deveriam ser treinadas para chegar à “opinião correta”.

No início de 1992, o Royal College of Psychiatrists, em associação com o Royal College of General Practitioners, lançou no Reino Unido uma “Campanha para Derrotar a Depressão” em cinco anos.[3] O objetivo da campanha era fornecer educação pública sobre a depressão e o seu tratamento, a fim de encorajar a busca por tratamento mais precoce e redução do estigma. As atividades da campanha incluíram artigos em jornais e revistas, entrevistas na televisão e rádio, conferências de imprensa, produção de folhetos, fichas em línguas das minorias étnicas, cassetes de áudio, um vídeo de autoajuda e dois livros.[4] Quando 2.003 leigos foram entrevistados, pouco antes do lançamento da campanha, 91% acharam que as pessoas com depressão deveriam receber aconselhamento; apenas 16% acharam que deveriam receber pílulas da depressão; apenas 46% disseram que elas eram eficazes; e 78% as consideraram como viciantes.[3] A opinião dos psiquiatras sobre estas respostas foi que, “Os médicos têm um papel importante na educação do público sobre a depressão e a lógica do tratamento antidepressivo. Em particular, os pacientes devem saber que a dependência não é um problema com os antidepressivos”. Quando questionado sobre o fato de que as faculdades haviam aceitado doações para a campanha de todos   os   principais    fabricantes    de comprimidos   da   depressão ISRS, o presidente do   Royal College of Psychiatrists, Robert Kendall, reconheceu que “um de seus principais motivos era a esperança de que um maior reconhecimento das doenças depressivas, tanto pelo público em geral quanto pelos médicos de clínica geral, resultaria para eles em um aumento das vendas.” [5] Ele não disse quais eram os outros principais motivos das empresas. Duvido que houvesse algum outro. O dinheiro é o único motivo que as empresas farmacêuticas têm.

Os psiquiatras embarcaram em sua campanha de reeducação. Mas as pessoas não foram facilmente convencidas de que estavam erradas. Um jornal de 1998 relatou que as mudanças foram da ordem de apenas 5-10% e que as pílulas da depressão ainda estavam sendo consideradas como viciantes e menos eficazes do que o aconselhamento.[4] Interessantemente, 81% dos leigos concordaram que, “a depressão é uma condição médica como outras doenças” e 43% atribuíram a depressão a mudanças biológicas no cérebro, mas a maioria das pessoas, no entanto, a atribuiu a causas sociais como luto (83%), desemprego (83%), problemas financeiros (82%), estresse (83%), solidão/isolamento (79%) e divórcio/fim do relacionamento (83%).[4] Algo não deu certo com a campanha.

A minha interpretação é que, apesar de há anos ser afirmado, muito  antes de 1992 [1], que os transtornos psiquiátricos são causados por desequilíbrios químicos no cérebro, o público não está tão disposto a aceitar esta falsidade.

Em 2005, os psiquiatras dinamarqueses relataram o que 493 pacientes lhes haviam dito sobre o tratamento com pílulas da depressão.[6] Cerca da metade dos pacientes concordou que o tratamento poderia alterar a sua personalidade e que eles passaram a ter menos controle sobre os seus pensamentos e sentimentos. Quatro quintos concordaram que, enquanto tomavam as drogas, não sabiam realmente se elas eram necessárias, e 56% concordaram com a afirmação de que, “seu corpo pode ficar viciado em antidepressivos”. Os psiquiatras se recusaram terminantemente a acreditar no que os pacientes lhes haviam dito, o que eles consideravam errado, e os chamaram de ignorantes. Eles também sentiram que os pacientes precisavam de “psicoeducação”. O problema com isso era que os parentes compartilhavam a opinião dos pacientes.

“Educar o público” e “psicoeducação” – para que possam chegar à “opinião correta” – é o que normalmente chamamos de lavagem cerebral. Particularmente quando o que os pacientes e o público relatam é mais do que apenas opiniões; eles tiram conclusões baseadas em sua própria experiência e na dos outros.

Não é somente na pesquisa que os psiquiatras recusam o que seus pacientes lhes dizem, eles também o fazem na prática clínica. Muitas vezes, eles não ouvem ou não fazem as perguntas apropriadas sobre a experiência e a história de seus pacientes e, portanto, não descobrem que os sintomas atuais são muito provavelmente causados por trauma ou estresse severos, e não por um qualquer “transtorno psiquiátrico”.

Por favor note que quando generalizo, isso não se aplica a todos, é claro. Alguns psiquiatras são excelentes, mas eles estão em uma pequena minoria. Não é de se admirar que a pesquisa dessa pré-campanha britânica tenha descoberto que “a palavra psiquiatra carregava conotações de estigma e até mesmo de medo”.[3]

O termo “sobrevivente psiquiátrico” diz tudo isso em apenas duas palavras. Em nenhuma outra especialidade médica os pacientes se chamam sobreviventes no sentido de que sobreviveram apesar de haverem sido expostos a essa ou aquela especialidade. Em psiquiatria, eles lutam para sair de um sistema que raramente é útil e que muitos sobreviventes descrevem enquanto uma prisão psiquiátrica, ou um local onde há uma porta de entrada, mas não há uma porta de saída.

Em outras especialidades médicas, os pacientes são gratos por terem sobrevivido por causa dos tratamentos que seus médicos lhes aplicaram. Nunca ouvimos falar de um sobrevivente da cardiologia ou de um sobrevivente de uma doença infecciosa. Se você sobreviveu a um ataque cardíaco, não se sente tentado a fazer o oposto do que o seu médico recomenda. Na psiquiatria, você pode morrer se fizer o que seu médico lhe disser para fazer.

Muitos sobreviventes psiquiátricos descrevem como a psiquiatria, com o seu uso excessivo de drogas nocivas e ineficazes, roubou 10 ou 15 anos de suas vidas antes que um dia se decidiram a assumir a responsabilidade por suas próprias vidas, resgatando-a de seus psiquiatras, e descobrindo que a vida é muito melhor sem as drogas. Dizem frequentemente que o que os despertou foi haverem lido alguns dos livros sobre psiquiatria dos psiquiatras David Healy, Peter Breggin ou Joanna Moncrieff, ou do jornalista científico Robert Whitaker, ou os meus próprios livros.

Há milhares de histórias pessoais de sobreviventes psiquiátricos na Internet, por exemplo, em sobreviventes de antidepressivos.org. Em muitas delas, as pessoas explicam como se retiraram das drogas psiquiátricas, uma a uma, muitas vezes contra o conselho do seu médico e muitas vezes com grande dificuldade, porque as drogas as haviam tornado dependentes e porque a profissão psiquiátrica havia falhado totalmente em fornecer orientação adequada sobre como assim proceder. Os psiquiatras não só não se interessaram em enfrentar este imenso problema, mas que negaram ativamente a sua existência, como você acabou de ver e verá muito mais sobre isso neste livro.

As questões de saúde mental impedem que você viva uma vida plena e elas permanecem em sua mente. Psicoterapia deve ser oferecida a todos os pacientes, que é também o que 75% deles desejam.[7] Entretanto, isto não é o que eles recebem, o que mostra mais uma vez que a profissão psiquiátrica não dá ouvidos aos seus pacientes. Uma grande pesquisa americana com pessoas com depressão mostrou que 87% receberam pílulas da depressão, 23% psicoterapia, 14% ansiolíticos, 7% neurolépticos e 5% “estabilizadores de humor” (um eufemismo que os psiquiatras nunca definiram, mas que geralmente significam drogas antiepilépticas e lítio, cujo principal efeito é sedar as pessoas).[8]

A maioria das pessoas tem de vez em quando problemas com a sua saúde mental, assim como tem problemas com a sua saúde física. Não há nada de anormal nisso.

Ao longo deste livro darei conselhos baseados nas evidências científicas, tendo boas razões para acreditar que levarão a melhores resultados do que se forem ignorados. Mas note que o que quer que você faça e qualquer que seja o resultado, você não pode me responsabilizar. As informações que forneço não substituem as consultas com profissionais de saúde, mas podem capacitá-lo a participar de discussões significativas e informadas ou a se decidir a tratar das questões você mesmo.

Começarei com um pequeno conselho e darei os antecedentes para ele no resto do livro:

1. ADVERTÊNCIA! As drogas psiquiátricas são viciantes. Nunca as interrompa abruptamente, porque as reações de abstinência podem consistir em sintomas emocionais e físicos graves, ser perigosas e levar ao suicídio, à violência e ao homicídio.[1]

2. Se você tem um problema de saúde mental, não consulte um psiquiatra. É muito perigoso e pode vir a ser o maior erro que você cometeu em toda a sua vida. [9]

3. Não acredite no que lhe é dito sobre os transtornos psiquiátricos ou as drogas psiquiátricas. É muito provável que esteja errado. [1]

4. Acredite em si mesmo. Você provavelmente está certo, e o seu médico é quem está errado. Não ignore os seus palpites ou os seus sentimentos. O seu destino pode ser alterado, se não confiar em si mesmo. [10]

5. Nunca deixe que outros tenham responsabilidade pela sua vida. Mantenha-se no controle e faça perguntas.

6 Seu cônjuge ou o seu pai podem ser o seu melhor amigo ou o seu pior inimigo. Eles podem acreditar no que os médicos lhes dizem e podem até ver que é vantajoso para eles manter você drogado.

Muitas das histórias que tenho recebido de pacientes têm um tema comum. Os pacientes não tinham ideia de como é perigoso tornar-se um paciente psiquiátrico e confiaram em seus médicos, seguindo voluntariamente os seus conselhos, até descobrirem, anos depois, que as suas vidas haviam sido arruinadas.

O que é particularmente diabólico é que a deterioração psicológica e física muitas vezes ocorre gradualmente e, portanto, passa despercebida, como se você se tornasse míope, o que você não descobre até que um dia

um amigo pergunte por que você não consegue ler uma placa de estrada perto de você. Os pacientes podem até ficar gratos pelas drogas que receberam, embora possa ser óbvio para os outros que eles foram prejudicados.

A deterioração gradual e despercebida não é o único problema. Um cérebro sob influência química pode não ser capaz de se avaliar a si mesmo. Quando o cérebro está entorpecido por substâncias psicoativas, os pacientes podem não saber que não podem mais pensar claramente ou avaliar a si próprios. Esta falta de percepção dos sentimentos, pensamentos e comportamentos é chamada de enfeitiçamento medicamentoso.[11,12] Os feitiços dos medicamentos são geralmente ignorados, tanto pelos pacientes quanto pelos seus médicos, o que é surpreendente porque todos nós sabemos que as pessoas que beberam em demasia não podem julgar a sua capacidade para dirigir um veículo.

Aqui está a história de um paciente que ilustra muitas das questões comuns.

A “carreira” psiquiátrica de um paciente

 Em novembro de 2019, recebi um relato excepcional de Stine Toft, uma paciente dinamarquesa que conheci quando dei uma palestra para ” Psiquiatria Melhor”, que é uma organização formada por parentes de pacientes psiquiátricos.[13]

Stine foi seriamente prejudicada por drogas psiquiátricas; a sua vida ficou ameaçada; e ela sofreu um excruciante processo de retirada porque não recebeu a orientação necessária. Mas ela está indo bem hoje, aos 44 anos de idade.

Stine deu à luz a sua segunda filha em 2002, após um período difícil com “todos os tipos de testes e tratamentos hormonais”. Depois disso, ela passou a não estar bem. Ela tinha medo de perder a sua filha e de não ser capaz de protegê-la o suficientemente bem. Seu médico a diagnosticou com depressão, e foi-lhe dito que isso era perfeitamente comum e que apenas ela deveria tomar Effexor (venlafaxina, um comprimido da depressão) para que o seu cérebro funcionasse novamente – possivelmente pelo resto de sua vida, senão por pelo menos cinco anos.

A sua vida mudou acentuadamente. Ela ganhou 50 kg e teve vários episódios estranhos que ela não entendeu. Uma vez ela quis cavar uma caixa de areia para os seus filhos, mas acabou colocando um trampolim inteiro 70 cm no chão, removendo sete metros cúbicos de terra com uma pá. Ela também derrubou uma parede da cozinha sem aviso e sem ser de forma alguma uma artesã, pois sentiu que a família precisava de uma cozinha inteligente para a conversação. Um dia, durante um processo de seleção de emprego, ela disse ao consultor de trabalho que queria se tornar uma advogada, mesmo sendo disléxica e haver nunca sido capaz de conseguir isso.

Stine foi novamente atrás de uma psiquiatra, e 15 minutos depois o caso ficou claro – o problema é que havia se tornado bipolar. Ela foi enviada para a psicoeducação e informada de que a sua condição iria definitivamente durar pelo restante da sua vida. Ela foi treinada para notar até mesmo as pequenas coisas que confirmariam que ela estava de fato doente, e foi tomado um cuidado especial para garantir que não deixasse de tomar os seus remédios.

“Eles conseguiram colocar um medo enorme em mim”, escreveu Stine, e ela se identificou claramente como sendo uma pessoa doente que tinha que enfrentar a vida de uma determinada maneira para sobreviver.

O tempo passou e ela acabou deixando o seu marido de 15 anos. Em 2013, ela conheceu o seu atual marido, e ele lhe perguntou muito rapidamente “qual era a doença”, porque ele não podia ver nada. Após um ano e meio, ela se rendeu e concordou em fazer um pequeno teste com uma pequena retirada do medicamento. Ele ficou feliz com essa decisão, porque já havia visto várias vezes como era desastroso quando ela se esquecia de tomar o medicamento. Uma vez ela arruinou uma viagem de verão a um parque de diversões, porque havia esquecido de levar os remédios com ela. Com o passar do dia, ela foi ficando cada vez pior, com dores de cabeça e vômitos, estava confusa e só queria deitar e dormir, até conseguir os remédios novamente.

A sua lista de medicamentos incluía Effexor, mais tarde mudado para Cymbalta (duloxetina), Lamotrigina e Lyrica (pregabalina), dois antiepilépticos, e Seroquel (quetiapina, um neuroléptico). Além disso, ela recebeu medicação para os efeitos adversos causados pelas drogas e para o seu problema metabólico.

Este é um coquetel perigoso. As pílulas da depressão dobram o risco de suicídio, não apenas em crianças, mas também em adultos [1,14-18], antiepilépticos também dobram o risco de suicídio,19 e tanto as pílulas da depressão quanto os antiepilépticos podem tornar as pessoas maníacas,18,19 o que aconteceu com ela e resultou em um diagnóstico errado de haver se tornado bipolar.

O processo de retirada levou dois anos e meio, com o seu marido ajudando o melhor que pode para tornar o processo o mais suave quanto o possível. Eles não entenderam na época, mas pelo caminho descobriram o que significa a curva de saturação do receptor, ou seja, que se necessita reduzir a dose cada vez em menor quantidade, quanto mais se desce. São poucos os médicos que estão cientes disto,20 e a maioria das recomendações oficiais são totalmente perigosas; por exemplo, eles podem dizer que se deve reduzir a dose em 50% a cada duas semanas, quando se está a afilar as pílulas da depressão.[21] Assim, já após duas reduções, se está com apenas 25% da dose inicial, o que é rápido demais para a maioria dos pacientes.

A vida de Stine ficou em perigo. Ela estava morrendo de medo de que isso acabaria mal e muitas vezes pensava em desistir. Ela introduziu várias pausas no processo. Os pensamentos de suicídio eram extremamente urgentes durante os momentos em que ela afunilava, porque eram absolutamente horríveis.

Inexplicavelmente, Stine havia aceitado que obviamente odiava a vida e que queria pôr um fim a tudo. Ela é uma pessoa enérgica que ama a vida; nunca havia tido pensamentos suicidas antes de começar a tomar as  drogas, nem voltará a tê-los depois que parou de tomá-las. Mas o processo de abstinência foi completamente “louco”, e ela frequentemente considerava se não seria o mais humano tirar a sua própria vida.

Durante a retirada, ela teve algumas “experiências muito estranhas”. No bom sentido, ela as assumiu várias vezes, como foi aquela experiência de começar a ouvir a natureza e as aves. Foi uma experiência muito forte, porque ela não conseguia se lembrar da última vez que tinha vivido isso ao longo dos anos em que esteve “dopada”. Um pouco mais triste foram os outros sintomas que acompanharam a retirada. Os sintomas de abstinência incluíam mergulhos na tristeza que podiam ser facilmente interpretados como depressão, e durante a retirada da Lyrica, ela ficava ansiosa e sentia que a vida era insuportável. Uma manhã, no banho, ela começou a chorar, porque apenas sentir a água em seu corpo era algo que ela não observava há muitos anos.

Neste momento, ela tomou conhecimento de dois de meus livros sobre psiquiatria1,22 e percebeu que tudo o que ela havia vivido era bem conhecido e perfeitamente normal. Foi realmente chocante para ela ler sobre como ser exposta ao inferno pelo qual ela passou é uma experiência comum, mas também uma experiência libertadora descobrir que é normal; que provavelmente não estava doente; e que não havia nada de errado com ela.

Ao final da retirada, ela teve uma experiência estranha, por cerca de meio ano, quando ela se sentia quase que torta em seu corpo. Ela tinha uma sensação constante de inclinar-se para a esquerda e tinha dificuldade para andar em linha reta. Durante vários períodos, outros grupos musculares falharam. Quando uma vez ela estava a jogar um jogo que é um bastão ser atirado depois de blocos de madeira e a sua mão não conseguir soltar o bastão.

Após concluir a retirada, as coisas começaram a melhorar e ela queria voltar a trabalhar, mesmo estando fora do mercado de trabalho há muitos anos e com uma pensão por invalidez. Ela planejava tirar a carteira de motorista e dirigir um táxi, mas “Oh não, oh não! Houve um grande não da polícia”. Eles enviaram uma carta afirmando que a sua carteira de motorista era por tempo limitado e que ela precisaria fornecer documentação a cada dois anos de que não estava doente.

“É algo bastante terrível o fato de terem optado por um diagnóstico extra depois, de alguém ter estado a tomar pílulas da depressão”, escreveu ela. “Hoje em dia, por esse motivo devo renovar a minha carteira de motorista a cada dois anos. Mas você não imagina como foi difícil evitar que eles me a tirassem definitivamente. Quando entrei em contato com a psiquiatria  por causa do meu contato com a polícia, eles primeiro se recusaram a me ver – porque eu estava bem. E assim, eu não consegui a ajuda deles para provar que eu não estava doente e, portanto, que estava apta para dirigir. Após uma intensa pressão minha, o meu próprio médico finalmente os persuadiu a me levar para uma conversa e a fazer uma declaração, que dizia secamente que a minha ‘doença’ não estava ativa. A vontade que tive foi de estrangulá-los, porque isso significa que eu ainda estar doente e, aos olhos da polícia, que sou alguém que precisa ser monitorado no futuro”.

Stine discorda completamente do diagnóstico bipolar. Ela nunca teve episódios maníacos antes de começar a tomar o medicamento, e nunca os teve depois de parar. Mas o diagnóstico está colado a ela para o resto de sua vida, embora seja bem conhecido que as pílulas da depressão podem desencadear mania e, assim, fazer com que os psiquiatras deem um diagnóstico errado, confundindo o dano da droga com uma nova doença.

É negligência médica fazer um novo diagnóstico, como se houvesse algo errado com o paciente, quando a condição poderia ser um dano causado pelo medicamento. Os psiquiatrias fazem isso o tempo todo.

Stine desistiu da ideia de se tornar taxista. Ela se tornou uma professora particular e continuou a estudar para se tornar psicoterapeuta. Ela trabalha com muitas pessoas diferentes e ajuda os pacientes a retirar as suas pílulas da depressão, com grande sucesso. As pessoas estão recuperando a vida, vendo que estão seguindo em frente. Ela sabe que é importante apoiá-los quando se retiram, para que não venham a enfrentar os mesmos problemas que ela enfrentou. Há muitos pensamentos e medos, e muitas pessoas têm dificuldade de definir se não estão mais doentes. A combinação de afilamento da medicação e terapia parece ter um efeito extremamente benéfico. É difícil convencer as pessoas de que parar as suas drogas seja uma boa ideia. Muitos acreditam apaixonadamente nelas, porque lhes foi dito que estão doentes, e muitas vezes há uma grande pressão de seus parentes. Stine experimentou ela mesma o que significa ficar sozinha com a retirada. Hoje, ela não vê mais a sua família. Eles mantiveram a afirmação de que ela estava doente e que só precisava tomar os seus remédios. Esta visão equivocada é alimentada pelo fato de que três quartos dos websites ainda hoje afirmam falsamente que as pessoas adoecem com depressão devido a um desequilíbrio químico em seu cérebro (veja abaixo). [23] Se você acredita nesta falsa crença, você também acredita que não pode passar sem o remédio.

Há alguns anos, Stine comprou o nome de domínio medicin-fri.dk (medicine-free.dk) porque ela quer fornecer informações sobre o consumo de drogas e os seus danos, em cooperação com outros colegas, bem como fornecer ajuda e apoio para o processo de retirada.

Poucas pessoas conhecem os problemas ou já ouviram falar deles. Stine quer mudar isso e quer ter certeza de que não dá conselhos e informações incorretas. Portanto, ela me escreveu e perguntou se eu conhecia outros que gostariam de se juntar a uma rede organizada sobre essas questões.

Além de seu trabalho diário com os clientes, Stine dá palestras, mas tem dificuldade de “ser permitido” que ela faça com que a mensagem seja divulgada. Ela deu uma palestra para a Psiquiatria na Região da Capital sobre ser bipolar, o que foi fácil, pois todos querem ver uma pessoa doente e ouvir a sua história. Mas uma história de sucesso que coloque o sistema em questão não é interessante.

Stine é apaixonada por mudar as coisas e criou, por exemplo, vários grupos de autoajuda; deu palestras para a Associação de Depressão; foi voluntária na Cruz Vermelha; iniciou grupos para pessoas solitárias; e orientou jovens.

Ela sugeriu à Psiquiatria Melhor, em sua cidade natal, que me convidassem para dar uma palestra. Eles não sabiam quem eu era, e a presidenta apresentou a reunião dizendo que se mais dinheiro fosse destinado à psiquiatria, provavelmente seria ok. Comecei a minha palestra dizendo que não tinha certeza de que esta seria uma boa ideia. Se mais dinheiro entrasse, ainda mais diagnósticos seriam feitos, ainda mais drogas seriam usadas, e ainda mais pessoas acabariam recebendo pensão por invalidez porque não podem funcionar quando estão drogadas.[24]

Stine quer dar palestras sobre o tema: “Sobrevivendo à psiquiatria”. Ela acha avassalador viver uma vida que, depois de tantos anos sob  medicação, pensava que estaria completamente fora de alcance. Embora a sua vida passada tenha sido “tolamente tratada por vários psiquiatras e outros médicos bem intencionados”, ela não quer estragar tudo pedindo acesso aos seus arquivos. Ela prefere olhar em frente e informar os outros através de sites e palestras sobre como é prejudicial ficar cegamente medicada – muitas vezes sem nenhuma razão.

Stine está convencida de que praticamente nenhuma de suas estranhas experiências durante os 14 anos em que foi drogada teria acontecido se não lhe tivessem sido dado os medicamentos. A sua memória sofreu um duro golpe, mas está melhorando.

Ela não consegue entender por que seus médicos não interromperam a drogadição. Nada poderia justificar a sua drogadição massiva, e mesmo quando ela ganhou peso de 70 a 120 kg, os médicos não responderam, além de dar-lhe medicamentos para aumentar o metabolismo, o que era “completamente louco … extremamente incapacitante em todos os sentidos, e em si mesmo era quase que algo para o qual eles podiam dar um diagnóstico de depressão, porque era uma coisa triste expor o meu corpo da forma como ele se encontrava”.

Stine considera o sistema sem esperança. O colossal uso excessivo de drogas psicoativas produz pacientes crônicos, muitas vezes tomando como base problemas temporários, [24] como explicarei a seguir.

Referências

Capítulo 1. Este livro pode salvar sua vida

[1] Gøtzsche PC. Deadly psychiatry and organised denial. Copenhagen: People’s Press; 2015.

[2] Jorm AF, Korten AE, Jacomb PA, et al. ”Mental health literacy”: a survey of the public’s ability to recognise mental disorders and their beliefs about the effectiveness of treatment. Med J Aus 1997;166:182-6.

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