Por que as pessoas escolhem um tratamento de saúde mental sem medicamentos?

Um estudo com uma metodologia mista explora os relatos dos usuários de serviços sobre a razão pela qual eles escolheram ser tratados em um centro de tratamento sem medicamentos na Noruega.

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Um novo artigo publicado na revista Patient Preference and Adherence documenta as muitas razões pelas quais os indivíduos em Oslo, Noruega, optam por buscar a saúde mental sem qualquer intervenção farmacêutica, como é direito deles, de acordo com o Ministério da Saúde e Cuidados com a Saúde da Noruega.

Os dados sugerem que o Tratamento Sem Medicamentos (MFT) é amplamente desejado. E, talvez mais importante, revela que o atual paradigma baseado em drogas encontrado nos Estados Unidos, Canadá, Europa e Brasil prejudica seus usuários de serviços, ao tornar a medicação e a intervenção farmacêutica onipresentes com o tratamento.

“Em conjunto, nossas conclusões apóiam que, embora as experiências sejam variadas, uma grande proporção dos usuários de serviços teve experiência anterior desrespeitada por não querer medicação, e mais da metade dos usuários de serviços relatam ter sofrido pressão para tomar medicamentos ou falta de alternativas a eles”, escrevem os pesquisadores.”

Os pesquisadores acrescentam: “Isto lança uma luz importante sobre o porquê da necessidade de unidades MFT. Isso também destaca as lacunas na percepção da realidade entre os usuários dos serviços e os profissionais de saúde quanto à disponibilidade de opções… os profissionais de saúde podem não estar suficientemente conscientes do impacto do desequilíbrio de poder na comunicação sobre estas questões”.

A eficácia e segurança das intervenções farmacêuticas para transtornos psiquiátricos e doenças mentais são frequentemente questionadas; não apenas aumentam o risco de suicídio, como também são turvadas por conflitos de interesse financeiros, e ainda não está claro como reduzir as doses e como parar de tomar o medicamento com segurança.

O anterior Relator Especial das Nações Unidas sobre o direito de todos a desfrutar do mais alto padrão de saúde alcançável, Dainius Pūras, compreendeu estes inconvenientes dos medicamentos e durante todo o seu mandato exortou os pesquisadores e formuladores de políticas a buscar alternativas ao tratamento baseado em medicamentos.

No novo estudo, pesquisadores da Universidade de Oslo liderados por Kari Standal procuraram não apenas documentar uma alternativa ao modelo esperado de tratamento da saúde mental baseado em medicamentos, mas também as razões pelas quais os usuários desejavam um tratamento sem medicamentos.

De maio de 2018 a abril de 2020, eles entrevistaram 46 participantes com questionários. Cinco dos participantes também foram entrevistados, em um desenho exploratório de método misto. Cada participante estava anteriormente ou atualmente em tratamento na unidade de MFT em um hospital geral em Oslo. Foram excluídos os usuários de serviços com vícios ativos, comportamento suicida e/ou comportamento agressivo. Os questionários foram preenchidos durante a permanência dos participantes no tratamento e as entrevistas foram realizadas no final de sua permanência.

Foram citadas algumas razões-chave para os usuários quererem o MFT:

  1. Eles estavam cientes dos efeitos colaterais negativos e deletérios da medicação psicotrópica.
  2. Eles tinham experimentado anteriormente a pressão para usar medicação.
  3. MFT era a única alternativa à medicação.
  4. A medicação conflitava com a compreensão que tinham de sua experiência.

De acordo com os pesquisadores, “A maioria dos participantes relatou que o MFT era o seu próprio desejo e declarou razões que estavam relacionadas ao objetivo pretendido do MFT… MFT estava [também] associado a relações mais dialógicas e contendo relações em contraste com ser avaliado e medicado ou ‘colocado no chão’. A crença num processo terapêutico melhor sem medicação, o desejo de lidar sem medicação e as associações entre fortalecimento, aceitação e estar livre de medicação também eram temas no material qualitativo”.

No conjunto, os autores especulam que estas questões podem se encaixar em um tema maior, que é que os usuários do serviço e os pacientes querem ser tratados como iguais. Ou seja, os usuários de serviços querem ter uma escolha em seu tratamento, ou no mínimo, participar da tomada de decisão compartilhada com seu médico.

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Standal, K., Solbakken, O. A., Rugkåsa, J., Martinsen, A. R., Halvorsen, M. S., Abbass, A., & Heiervang, K. S. (2021). Why service users choose medication-free psychiatric treatment: A mixed-method study of user accounts. Patient Preference and Adherence15, 1647. (Link)

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Samantha Lilly traz a sua formação em filosofia, bioética e justiça social para o seu trabalho como suicidóloga crítica, com a crença de que a suicidologia, no seu melhor, é um trabalho de justiça social. Antes de iniciar um doutoramento em Saúde em Ciências Sociais na Universidade de Edimburgo, Sam recebeu uma bolsa Thomas J. Watson Fellowship. O seu projecto, "Understanding Suicidality Across Cultures", deu-lhe o privilégio de trabalhar ao lado de especialistas em ética, académicos e defensores dos direitos nos países da Benelux, Lituânia, Argentina, Aotearoa, e Indonésia. A investigação actual da Sam dedica-se a trazer metodologias feministas e descoloniais para a prevenção do suicídio.