Contribuições de Frantz Fanon para a Saúde Coletiva

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O ensaio publicado na revista Ciência & Saúde Coletiva, pelos pesquisadores Gil Sevalho e João Vinícius Dias, faz um percorrido pelas ideias e práticas do psiquiatra Frantz Fanon, referência na crítica a dominação colonial e do racismo. Sua obra é referência para pensadores como Paulo Freire e Boaventura de Sousa Santos, e precursora na atenção à saúde mental. Os autores destacam que apesar de ser citado por Franco Basaglia, não foi um autor de referência para a reforma psiquiátrica brasileira, mas que seu pensamentos decolonial e antirracista pode contribuir muito com o campo da saúde coletiva.

O artigo Frantz Fanon, descolonização e o saber em saúde mental:
contribuições para a saúde coletiva brasileira inicia apresentando quem foi o psiquiatra Frantz Fanon. Nascido em 1925 nas ilhas Martinica, submetida ao domínio colonial francês, provém de uma família de classe média negra. Em 1944 se alista ao exército francês para combater o nazismo, sofrendo racismo se seus companheiros. Após o período de em que serviu ao exército, Fanon se torna psiquiatra e vai estudar com François Tosquelles, quem influenciou a sua prática como diretor do hospital psiquiátricode Blida-Joinville, na Argélia. Fanon ingressa na Frente de Libertação Nacional argelina, após perceber o impacto da dominação colonial em sua atividade médica.

“Comparando o isolamento colonial com o asilar, Fanon se posicionava contra o segregamento e a estigmatização da loucura.”

À frente do Hospital Psiquiátrico de Blida, implementa algumas intervenções inovadoras para a época: suprime a separação nos atendimentos a nativos argelinos e europeus, abre as portas do hospital para aqueles considerados aptos para o convívio externo, institui programas de terapia ocupacional e, sobretudo, reformula a atenção priorizando a integração entre os serviços e a comunidade.

Fanon foi precursor na descentralização dos serviços gerais substitutivos da hospitalização e no uso de paramédicos, práticas só estabelecidas em 1970. Além disso, Fanon identificou o racismo como favorecedor da dominação e da opressão e incorpora essa reflexão nas práticas psiquiátricas.

“Para Fanon (p. 94), uma sociogênese da doença mental deve ser associada a uma organogênese e a uma psicogênese, considerando-se uma participação fundamental de “fatores externos”, que não são “nem orgânicos nem psíquicos”, mas antropológicos, referentes a dimensões “institucionais, sociais e culturais”. Fanon, aponta Khalfa (p. 168), releva o papel da cultura e recusa todas as formas de naturalização da doença mental, plenas de “um biologismo racista”.”

Os autores concluem que apesar de Fanon ter influenciado de maneira marcante Franco Basaglia igualmente influenciou a reforma psiquiátrica brasileira, mas que esse esquecimento é associado ao racismo estrutural à brasileira.

“O racismo estrutural conforma “a concepção de mundo dos sujeitos e estrutura as relações institucionais, sendo reproduzido nos diversos espaços, inclusive nos serviços que substituem os hospitais psiquiátricos nas políticas públicas e na formação profissional”13 (p. 85). Para a autora, o esquecimento de Fanon privou a luta antimanicomial brasileira de uma fundamental essência antirracista.”

Porém, não é uma falta apenas do campo da saúde mental, mas de toda a saúde coletiva. Fanon, por tudo que foi citado no artigo, pode ter uma enorme contribuição para os dois campos, principalmente com suas ideias antirracistas e decoloniais.

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Sevalho, Gil e Dias, João Vinícius dos Santos. Frantz Fanon, descolonização e o saber em saúde mental: contribuições para a saúde coletiva brasileira. Ciência & Saúde Coletiva [online]. 2022, v. 27, n. 03 [Acessado 19 Julho 2022] , pp. 937-946. Disponível em: <https://doi.org/10.1590/1413-81232022273.42612020> (link)