Jovens adultos em todo o mundo estão sofrendo de uma deterioração geracional nas conexões sociais com a família e amigos e um declínio significativo relacionado à saúde mental dos jovens, de acordo com o mais recente Mental State of the World Report (Relatório do Estado Mental do Mundo em tradução livre) da Sapien Labs.
Em comparação com a geração de seus pais, os jovens são três vezes mais propensos a relatar relacionamentos ruins com sua família adulta e duas vezes mais propensos a não ter amigos com quem possam contar em momentos de necessidade – formas de privação social que, por sua vez, afetam o bem-estar. Como resultado, afirma o relatório:
“O risco de problemas de saúde mental é dez vezes maior entre aqueles que não têm relações familiares e amizades próximas em comparação com aqueles com muitos familiares e amigos próximos.”
O relatório recém-divulgado, citando resultados de pesquisas online internacionais de 2022, observa uma desintegração substancial e crescente dos laços familiares em todo o mundo e descreve uma população “ainda com cicatrizes mentais” pela pandemia do COVID-19, com dados mostrando recuperação mínima ou inexistente do bem-estar mental. Além disso:
“Embora muitos fatores como a Internet provavelmente contribuam para a diminuição do Eu Social e dos laços de família e amizade, um fator significativo também pode ser as tendências culturais na criação dos filhos, que tem trocado aconchego, amor e estabilidade por um maior foco no conforto material e conquistas.”
Uma organização sem fins lucrativos que administra o Mental Health Million Project , a Sapien usa o Mental Health Quotient (MHQ) (Quociente de Saúde Mental em tradução livre), disponível em 9 idiomas e que pode ser respondido em 15 minutos, para agregar dados sobre bem-estar mental de quase meio milhão de usuários da Internet em 64 países. Esses números refletem um aumento considerável desde o relatório de 2021, tornando-o o maior banco de dados desse tipo no mundo. Os dados da pesquisa também foram utilizados em um artigo recente da Sapien sobre o declínio da saúde mental dos jovens e o aumento de denúncias de bullying e abuso em relação às gerações anteriores.
O MHQ avalia 47 elementos da função mental e os vincula aos critérios diagnósticos do DSM-5, classificando os resultados de “em sofrimento” a “prosperando”. Também gera subpontuações em cinco categorias: cognição, conexão mente-corpo, ímpeto e motivação, humor e perspectiva e Eu Social.
Segundo o Mental State of the World Report de 2022, a média global do MHQ para 2022 foi de 64, ou “administrando”. De todos os entrevistados, 27% pontuaram “em sofrimento” ou “lutando”, enquanto 38% estavam “tendo sucesso” ou “prosperando”. Os países com a pontuação mais baixa foram Reino Unido, África do Sul e Brasil, com pontuações MHQ de 46 a 53. Quanto ao mais alto, “Tanzânia liderou a lista com 94”, embora as pessoas com a pontuação mais alta geralmente fossem falantes de espanhol da América Latina.
E, no entanto, como os resultados mostram, “o sul e o sudeste da Ásia de língua inglesa, bem como a América Latina, têm a maior queda nas pontuações do Eu Social ao longo das gerações, apesar das altas pontuações em geral, enquanto os países da África Subsaariana encontram-se relativamente mais estáveis ao longo das gerações”.
Definido como “uma métrica da maneira como vemos a nós mesmos e nossa capacidade de formar e manter relacionamentos com os outros”, o Eu Social representa a área de declínio mais drástico. Depois de avaliar o estado das amizades e relações familiares, “uma degradação progressiva ao longo das gerações” tornou-se aparente como um fator significativo, afirma o relatório. Essas quedas nas conexões sociais e no bem-estar mental foram significativas em vários países e idiomas.
Tudo isso “representa uma reversão acentuada dos padrões documentados antes de 2010, indicando um declínio drástico no bem- estar mental com cada geração mais jovem, em vez de um aumento no bem-estar à medida que envelhecemos”, escreve Tara Thiagarajan,
fundadora e cientista-chefe da Sapien Labs e cientista principal Jennifer Newson em sua introdução ao relatório de 2022.
Na entrevista do Mad in America do ano passado, Thiagarajan discutiu a pesquisa de 2021 e os resultados indicando que os números do Eu Social e da saúde mental dos jovens diminuíram de geração em geração.
“É realmente a dimensão que parece ter diminuído mais substancialmente em relação a todas as outras, embora seguida de perto pelo humor e perspectiva”, disse ela. “Se pensarmos sobre isso da perspectiva de diferentes desafios para nosso comportamento social e capacidade de integração ao tecido social, isso também nos dá uma maneira diferente de pensar sobre soluções.”
Em sua introdução ao novo relatório, Thiagarajan e Newson encerram com uma reflexão sobre a “natureza profundamente relacional da psique humana” e o que significa viver e se sentir sem conexões autênticas com os outros. Em relação aos dados, eles escrevem:
“Eles convidam cada um de nós a refletir sobre nosso papel na crescente desintegração social. O que valorizamos e por quê? Onde focamos nossa atenção? E com tempo finito, quantas vezes deixamos de lado um compromisso afetuoso ou de fortalecimento social para obter sucesso material ou mesmo apenas para navegar sem pensar na Internet? Não podemos mudar o passado, mas com alguma reflexão coletiva talvez possamos mudar como será o desenrolar para as gerações futuras.”
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Tradução:
Leticia Paladino : Graduada em Psicologia pela UERJ, doutoranda em Saúde Pública pela ENSP/Fiocruz, mestre em Saúde Pública pela ENSP/Fiocruz e especialista em Saúde Mental e Atenção Psicossocial pela ENSP/Fiocruz. Pesquisadora e Colaboradora do Laboratório de Estudos e Pesquisas em Saúde Mental e Atenção Psicossocial (LAPS/ENSP/Fiocruz).