Um novo estudo destaca a conexão entre fatores socioeconômicos e taxas de suicídio. De acordo com o estudo, o desemprego, a desigualdade educacional e o acesso inadequado a cuidados médicos estavam entre os correlatos identificados do aumento de mortes por suicídio.
O estudo, conduzido por Shannon Lange do Institute for Mental Health Policy Research (Instituto de Pesquisas Políticas de Saúde Mental) em Ontário, Canadá, foi publicado no The Lancet Regional Health: Americas.
A equipe de pesquisa examinou duas décadas de dados e identificou vários fatores sociais e econômicos que desempenharam um papel nas taxas de mortalidade por suicídio da região. Eles escrevem:
“Especificamente, usando 20 anos de dados, identificamos os seguintes fatores contextuais como tendo contribuído para as taxas de mortalidade por suicídio na região, a saber: uso de álcool, desigualdade educacional, gastos com saúde, taxas de homicídios, uso de drogas intravenosas, número de médicos empregados, densidade populacional e taxa de desemprego”.
Taxa de mortalidade por suicídio padronizada por idade entre homens e mulheres e a tendência ao longo do tempo na Região das Américas, 2000–2019. Os diamantes indicam pontos de inflexão identificados. AAPC: Variação percentual média anual; APC: Variação percentual anual.
Os pesquisadores queriam determinar por que as Américas (Norte, Sul e Central) viram um aumento nas mortes por suicídio nas últimas décadas, enquanto outras partes do mundo experimentaram um declínio nas taxas de mortalidade por suicídio.
Para realizar o estudo, eles reuniram as taxas de mortalidade por suicídio, por idade e sexo, para 33 países das Américas de 2000 a 2019. Uma ampla variedade de fatores contextuais foi incluída na análise, retirada de organizações como o Banco Mundial e pesquisas como o Estudo da Carga Global de Doenças (GBD). Isso permitiu que os pesquisadores comparassem as mudanças ao longo do tempo, ao mesmo tempo em que observavam como diferentes fatores se aplicavam em outros países.
A baixa densidade populacional, a taxa de desemprego e o acesso precário a cuidados médicos foram associados ao aumento das taxas de suicídio tanto para homens quanto para mulheres. No entanto, os pesquisadores observaram que o suicídio envolve fatores socioculturais que são afetados por sexo e gênero, portanto, eles também determinaram fatores específicos exclusivos de homens e mulheres(1).
Somente para os homens, o suicídio aumentava se houvesse mais homicídios e se o abuso de álcool e drogas fosse mais prevalente. Apenas para as mulheres, o suicídio foi aumentado por taxas mais altas de desigualdade educacional.
“Embora a maioria dos fatores contextuais identificados pareçam relativamente intuitivos e sejam apoiados pela literatura atual”, escrevem os autores, “a proporção do país com uma densidade populacional moderada é menor à primeira vista”.
“No entanto, recentemente, Steelsmith et al. descobriram que, entre 1999 e 2016, as taxas de suicídio foram mais altas e aumentaram mais rapidamente nas áreas rurais do que nas grandes cidades metropolitanas dos EUA; sugerindo que as áreas rurais podem ser mais sensíveis ao impacto da privação social do que os condados metropolitanos. Embora aumentar a densidade populacional de um país não seja uma estratégia realista de saúde pública para reduzir a taxa de mortalidade por suicídio, pode valer a pena explorar a conexão social a as oportunidades cívicas como potenciais estratégias de prevenção do suicídio”.
Os esforços atuais de “prevenção do suicídio” concentram-se principalmente no indivíduo e envolvem principalmente o fornecimento de tratamento psiquiátrico aqueles considerados em riscos. No entanto, não está claro o quão eficaz essa estratégia tem sido, uma vez que as taxas de suicídio continuam a aumentar, apesar do aumento significativo das taxas de tratamento de saúde mental nos Estados Unidos.
Em alguns casos, os próprios tratamentos administrados para a prevenção do suicídio podem estar causando mais mal do que bem. Por exemplo, descobriu-se que os antidepressivos – muitas vezes prescritos para problemas emocionais leves nos Estados Unidos – mais do que dobram o risco de suicídio. Estudos também descobriram que a hospitalização involuntária (forçada) – comum para aqueles que expressam pensamentos suicidas – leva ao aumento do suicídio e também impede os jovens de pedir ajuda no futuro. E rastrear adolescentes para depressão também não melhora os resultados.
Embora o suicídio seja frequentemente visto como parte de uma doença neurobiológica teórica(como a depressão), os preditores mais consistentes de suicídio são sentimentos intensos de dor, desesperança e solidão, que são os efeitos de muitos dos correlatos encontrados neste estudo – desigualdade, falta de assistência médica, baixa densidade populacional, desemprego, etc.
Assim, os pesquisadores escrevem que, em vez de focar no individuo, o meio mais eficaz de prevenção do suicídio é a mudança social:
“Medidas multissetoriais voltadas para a saúde e o bem-estar sócia na sociedade, que são informadas e desenvolvidas com base em evidências sobre fatores contextuais locais, devem ser enfatizadas nas iniciativas de prevenção do suicídio”.
(1) O estudo estratificou os participantes em categorias “masculinas” e “femininas”. Usei os termos “homens e mulheres” ao longo do artigo para facilitar a leitura, mas também deve ser observado que o estudo não forneceu nenhuma informação sobre experiências trans ou não binárias.
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Lange, S., Cayetano, C., Jiang, H., Tausch, A., & Oliveira e Souza, R. (2023). Contextual factors associated with country-level suicide mortality in the Americas, 2000–2019: a cross-sectional ecological study. The Lancet Regional Health: Americas, 20(100450). https://doi.org/10.1016/j.lana.2023.100450 (Link)
Tradução de Marco Guedes: Psicólogo, aluno de pós-graduação em Saúde Mental e Atenção psicossocial (ENSP/FIOCRUZ).