O podcast “O Assunto” da jornalista Natuza Nery, produzido pelo G1, que foi ao ar no dia 20 de maio de 2024 (Zolpidem: epidemia e novas regras da Anvisa), destacou a “epidemia” de Zolpidem no Brasil. Natuza entrevista a médica Dalva Poyares, neurologista especialista em sono, pesquisadora do Instituto do Sono e professora na Unifesp, que alerta para a gravidade dos casos de dependência que o medicamento vem causando. Entre as causas dessa “epidemia”, a neurologista aponta para a prescrição de forma indiscriminada dos colegas médicos, o aumento da insônia nos brasileiros, a demanda em querer dormir mais rápido, a maior propaganda do remédio, o aumento das marcas farmacêuticas que produzem o Zolpidem e a automedicação.
O podcast apresenta algumas informações relevantes:
- Segundo dados, mais de 7 milhões de pessoas apresentam problemas de insônia no Brasil;
- Entre os brasileiros, 9 a cada 10 pessoas se automedicam;
- Segundo a Anvisa, quase 18 milhões de caixas de Zolpidem foram vendidas em 2023 no país.
A Anvisa preocupada com os efeitos colaterais apresentados pelo remédio, como amnésia, sonambulismo e alta dependência, estabeleceu novas regras para a compra do Zolpidem e Zopiclona (uma variação do Zolpidem). A partir de agora, estes medicamentos só poderão ser vendidos para quem apresentar uma receita azul, o que promete limitar o acesso ao medicamento.
As receitas podem ser classificadas em receitas do tipo A (receita amarela), que sempre são acompanhadas do CID e com a justificativa para o uso do medicamento. Já as receitas do tipo B (receita azul) são as utilizadas para os medicamentos de controle especial, elas também devem vir acompanhadas do CID e da justificativa para o seu uso. Os medicamentos controlados são aqueles que têm potencial de causar dependência e efeitos colaterais graves. Segundo a neurologista Dalva Poyares, não são todos os médicos que têm acesso à receita azul, mas aqueles que trabalham com o Sistema Nervoso Central (SNC).
O Zolpidem é um medicamento vendido desde os anos 90, porém de alguns anos para cá vem sendo assunto de matérias jornalísticas alertando para seu potencial uso abusivo e dependência. Para a médica Dalva Poyares isso se deve a maior popularização deste medicamento, pela sua promessa inicial de ser mais seguro e superar os medicamentos anteriores da mesma categoria. Apesar de não aprofundar tanto, ela relata a maior propaganda do remédio e o aumento de prescrição por parte dos médicos, além de pontuar a automedicação e as mudanças de sociais como outras possíveis causas, que acaba sendo mais aprofundado no decorrer da entrevista.
Dentre as causas sociais, estão as mudanças de expectativas das pessoas em relação ao sono e a piora da qualidade do mesmo. Cada vez mais pessoas têm procurado especialistas manifestando o desejo de dormir mais rápido, considerando que o sono saudável não implica esperar para dormir. No entanto, a neurologista alerta que a demanda dos pacientes deve se ajustar à realidade, pois dormir não é como apertar um botão de desligar. Existe um processo que deve ser respeitado, e esperar até o sono chegar é parte dele. As pessoas têm confundido dormir com desmaiar, adverte ela. Por outro lado, está ocorrendo um fenômeno de piora na qualidade do sono dos brasileiros em geral, o que pode estar associado a maus hábitos, mas também ao maior índice de estresse no trabalho e em outras áreas da vida.
O Mad in Brasil vem sendo pioneiro na denúncia do uso abusivo e da dependência que os psicofármacos causam, não só o Zolpidem. O remédio hipnótico vem ganhando destaque na mídia brasileira graças a seus efeitos de alta dependência, amnésia e sonambulismo. Relatos de compras impulsivas de valor muito alto, alucinações, perda de memória, entre outros relatos graves são cada vez mais comuns nas redes sociais e nos jornais. Porém, não é apenas o Zolpidem que apresenta efeitos colaterais graves e risco de dependência, os antidepressivos, antipsicóticos e estimulantes também. Cada vez mais relatos de usuários de psicofármacos e a literatura científica vem embasando tal afirmação .
Apesar de ser um importante avanço um podcast de grande audiência, como “O Assunto”, denunciar a “epidemia” de Zolpidem, ainda é pouco abordado a influência nefasta da indústria farmacêutica sobre esta “epidemia”. O jornalista Robert Whitaker, assim como diversos pesquisadores e estudiosos ao redor do mundo, vêm denunciando essa relação corrupta entre a comunidade médica e a Big Farma há muito tempo. Porém, o que vemos é a grande mídia não “botar o dedo na ferida” e não revelar ao grande público como tal relação é importante causadora do uso abusivo dos psicofármacos e do aumento de diagnósticos psiquiátricos. Enquanto tal assunto não for debatido pela sociedade de forma ampla, continuaremos vendo cada vez mais relatos de pessoas sendo gravemente afetadas pelo uso abusivo e inadequado de medicamentos.
É preciso falar mais sobre formas de cuidado que não passem pelo uso de medicamentos. Dalva sugere que pessoas ativas física e mentalmente, que socializam, apresentam mais chances de terem um sono de maior qualidade. Além disso, alerta que nem todo problema com o sono vai necessitar do uso de medicamentos, e quando necessário, deve ser usado de maneira muito pontual e por um curto tempo. Mudanças de hábitos e comportamento podem ter efeitos positivos para a qualidade do sono, enquanto se esforçar para dormir pode ter o efeito contrário e causar ainda mais insônia.
Por fim, observamos que a “epidemia” de Zolpidem no Brasil revela não apenas a preocupante escalada do uso abusivo de medicamentos, mas também expõe lacunas no sistema de saúde e na relação entre a indústria farmacêutica e a prática médica. O alerta emitido pelo podcast “O Assunto” e pela Anvisa representa um passo importante na regulamentação do acesso a esses medicamentos. No entanto, é essencial que a discussão se amplie para incluir uma abordagem mais holística do cuidado com a saúde, destacando a importância de hábitos saudáveis, atividades físicas, e métodos não farmacológicos no tratamento da insônia e de outros distúrbios do sono. A conscientização sobre os riscos associados ao uso indiscriminado de psicofármacos, aliada a uma abordagem mais ampla de saúde mental, é fundamental para reduzir os danos causados pela dependência e pelos efeitos colaterais desses medicamentos.