Manual de Psiquiatria Crítica, Capítulo 8: Depressão e Mania (Transtornos Afetivos) (Parte Seis)

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Texto originalmente publicado no Mad in America e traduzido ao português por Letícia Paladino.

Nota do editor: Nos próximos meses, a Mad in Brasil publicará uma versão serializada do livro de Peter Gøtzsche, Manual de Psiquiatria Crítica. Neste blog, ele descreve como a indústria farmacêutica e os reguladores de drogas distorceram os resultados dos ensaios clínicos para esconder tentativas de suicídio e mortes causadas por pílulas para depressão. A cada quinze dias, uma nova seção do livro será publicada e todos os capítulos estão arquivados aqui

Escondendo suicídios e homicídios: fraude, crime organizado e cumplicidade da FDA

Fluoxetina (Prozac ou Fontex) foi o primeiro ISRS a entrar em uso generalizado. A história por trás dele é sombria e os estudantes de psiquiatria deveriam conhecê-la, também porque a aprovação desta droga abriu caminho para uma série de drogas semelhantes. Isso ilustra que o marketing supera totalmente a ciência na influência sobre se os médicos utilizam as drogas e, se sim, quais eles utilizam |2,6:202|

Fluoxetina é uma droga tão terrível que a alta administração da Eli Lilly queria descartá-la após ter considerado seu marketing para distúrbios alimentares|2|. Mas a Lilly estava em sérios apuros financeiros e, se a fluoxetina falhasse, a Lilly poderia “afundar”|197,343,344|.

A FDA observou sérias falhas nos estudos da Lilly|2|. Pacientes que não tiveram bons resultados após duas semanas tiveram seus códigos revelados, e se estavam no grupo placebo, foram mudados para o grupo da fluoxetina|345|. Desta forma, seis semanas de fluoxetina foram comparadas com duas semanas de placebo. Também ficou claro que 25% dos pacientes haviam tomado uma droga adicional, e quando a FDA em 1985 removeu pacientes em uso de benzodiazepínicos e outras drogas dos estudos da Lilly, não houve efeito significativo da fluoxetina.

A FDA fez de tudo para fazer parecer que a fluoxetina funcionava|345|. Talvez o fato de a Lilly ser uma empresa americana tenha desempenhado um papel nisso. A fluoxetina foi aprovada quando Bush pai era presidente e ele havia sido membro do conselho de administração da Lilly. O vice-presidente Dan Quayle era de Indiana, onde fica a sede da Lilly, e tinha pessoas da sua equipe que haviam trabalhado anteriormente na Lilly e fazia parte de um comitê de supervisão da FDA|21|.

O regulador de medicamentos da Alemanha considerou a fluoxetina “totalmente inadequada para o tratamento da depressão” e, além disso, observou que, de acordo com as autoavaliações dos pacientes, houve pouca ou nenhuma resposta, ao contrário das avaliações dos médicos|2,5,346|. Isso também vale para outras drogas para depressão e também para crianças. Quando os pacientes avaliam o efeito eles mesmos, ele é inexistente (tamanho do efeito 0,05 ou 0,06)|347,348,349|. Somente os psiquiatras acham que funcionam (tamanhos de efeito de 0,25 a 0,29), mas eles não são aqueles a serem tratados.

Quando a Lilly mostrou alguns de seus dados para psiquiatras suecos, eles riram e não acharam que a Lilly estava falando sério|350|. Mas era crucial obter a aprovação da fluoxetina na Suécia, pois seria mais fácil obter a aprovação da FDA. O diretor sueco da Lilly, John Virapen, convidou médicos para o Caribe por uma semana, com muita diversão, incluindo “mergulho, surf, vela, garotas bonitas e noites quentes”|350|. Ele veio a Copenhague para me visitar e me contar mais sobre isso que publicou em seu livro |350|, e documentos oficiais confirmam sua história|7:59|.

Ao plantar perguntas indiretas para as secretárias de psiquiatras proeminentes, Virapen identificou o especialista independente, psiquiatra Anders Forsman, que examinaria a documentação clínica para a agência de medicamentos da Suécia. Forsman foi um dos que riram sobre a ideia de conseguir aprovar a fluoxetina, mas já em sua segunda reunião, ele sugeriu $20,000 como uma quantia razoável para uma aprovação rápida, que, além disso, não deveria ser conhecida pelo fisco mas seria resolvida pelo escritório da Lilly em Genebra. Ele também exigiu uma boa quantia de dinheiro para pesquisa. O dinheiro foi dividido e a segunda metade seria paga quando a droga fosse aprovada. Assim é como a máfia age quando ordena um assassinato.

Forsman até sugeriu falsificar o pedido de registro, por exemplo, tentativas de suicídio eram chamadas de “efeitos diversos”, e ele colocou sua própria carta de recomendação pessoal.

Como os critérios para o diagnóstico de depressão eram muito mais rigorosos e relevantes do que hoje, não havia muitas pessoas deprimidas na época, e a fluoxetina, portanto, foi comercializada como um elevador de humor, assim como traficantes vendem cocaína.

A aprovação na Alemanha também seguiu “métodos de lobby não ortodoxos exercidos sobre membros independentes das autoridades regulatórias”, como Virapen disse|350|. Depois de ter sido extremamente útil para a Lilly, Virapen foi demitido. Isso também é como na máfia. Quando uma pessoa de nível mais baixo foi solicitada a matar uma figura política conhecida, é mais seguro matar o assassino depois. A explicação oficial foi que a Lilly tinha certos princípios éticos. Quando jornalistas me perguntam o que acho dos princípios éticos da indústria farmacêutica, digo que não tenho resposta, pois não posso descrever o que não existe. O único princípio da indústria é o dinheiro, e quanto pior o crime, mais dinheiro será ganho|6|.

O nome de Forsman se tornou conhecido na imprensa, mas ele simplesmente continuou e passou a trabalhar para o tribunal, como avaliador psiquiátrico para a Suécia. Virapen tentou processá-lo, mas isso não foi possível porque ele não era funcionário da autoridade de saúde. Após esse caso, a lei anticorrupção sueca foi alterada.

A Lilly transformou sua terrível droga, que nem mesmo gostava, em um sucesso de vendas, o que contribuiu para tornar a empresa uma das dez maiores do mundo.

A Lilly promoveu a fluoxetina ilegalmente para várias doenças não aprovadas, como timidez, distúrbios alimentares e baixa autoestima, e ocultou que a droga causa suicídio e violência|2,122,351|.

Em 1990, apenas dois anos após a fluoxetina chegar ao mercado, Martin Teicher et al. descreveram seis pacientes que se tornaram suicidas e reagiram de maneira bizarra, com uma intensa e violenta preocupaçõa suicida enquanto tomavam a droga, algo completamente novo para eles|352|. As observações de Teicher eram muito convincentes. No entanto, mais tarde, documentos internos da Lilly que vieram à tona durante um caso de litígio|353| revelaram que a FDA trabalhou com a Lilly na questão do suicídio. Os psiquiatras corrompidos pela Lilly foram úteis enquanto o próprio cientista da Lilly deixou de fora informações nas subsequentes audiências da FDA em 1991 que demonstravam que a fluoxetina aumenta o risco de suicídio|122|. Anteriormente, a Lilly havia enviado dados ao órgão regulador de medicamentos da Alemanha mostrando que as tentativas de suicídio quase dobravam com a fluoxetina em comparação com o placebo.

O presidente do comitê da FDA, o psiquiatra Daniel Casey, interrompeu brutalmente Teicher para que ele não pudesse apresentar seus resultados e razões. Ele só foi autorizado a apresentar alguns slides enquanto o pessoal da Lilly apresentou muitos. Alguns anos depois, a esposa de Teicher recebeu uma oferta de emprego na Lilly para ser a principal cientista em oncologia sem ao menos ter se candidatado, oferta a qual ela aceitou.

Em 2004, o BMJ recebeu uma série de documentos internos da Lilly e estudos sobre a fluoxetina de uma fonte anônima, que estavam disponíveis há dez anos em um caso de litígio|353|. Eles revelaram que a Lilly sabia desde 1978 — dez anos antes da fluoxetina chegar ao mercado — que a fluoxetina pode produzir em algumas pessoas um estado de espírito estranho e agitado que pode desencadear nelas um impulso irresistível de cometer suicídio ou homicídio|344|. Em 1985, dois anos antes da aprovação da fluoxetina, o avaliador de segurança da FDA observou sob o título “Eventos catastróficos e graves” que alguns episódios psicóticos não haviam sido relatados pela Lilly, mas foram detectados pela FDA ao examinar relatórios de casos em microficha. O avaliador observou que o perfil de efeitos adversos da fluoxetina se assemelhava ao de uma droga estimulante, o que pode ser o motivo pelo qual a Lilly comercializou a fluoxetina como um elevador de humor.

Já em 1985, uma análise interna de ensaios controlados por placebo encontrou 12 tentativas de suicídio com fluoxetina em comparação com uma no placebo, mas depois que o código foi quebrado, os consultores contratados da Lilly descartaram seis das tentativas com fluoxetina|111:258|.

A Lilly estava ansiosa para eliminar a palavra “suicídio” completamente de seu banco de dados de eventos adversos experimentados por pacientes e sugeriu que, quando os médicos relatavam uma tentativa de suicídio com fluoxetina, a equipe da Lilly deveria codificá-la como “overdose”.

A fraude da Lilly era incomparável. É difícil se matar por overdose de fluoxetina, e os suicídios ocorriam em doses normais. Além disso, a Lilly excluiu 76 de 97 casos de suicidabilidade com fluoxetina em um estudo de vigilância pós-comercialização que enviou à FDA|354,355|. A Lilly instruiu sua equipe a codificar “ideação suicida” como “depressão”|197|, o que é o script usual para empresas farmacêuticas, órgãos reguladores de medicamentos e psiquiatras: Culpar a doença, não a droga|7:208|.

A Lilly também manteve suicídios completados fora da vista pública. Em 2004, o corpo de uma estudante universitária de 19 anos foi encontrado enforcado por um cachecol em uma barra de chuveiro em um laboratório em Indianápolis dirigido pela Lilly|354|. Ela havia participado de um estudo clínico como voluntária saudável para ajudar a pagar sua mensalidade universitária após ter sido submetida a testes médicos detalhados para excluir depressão ou tendências suicidas. Ela havia tomado duloxetina, outro medicamento da Lilly. Quando a jornalista do BMJ, Jeanne Lenzer, fez pedidos de acordo com a Lei de Liberdade de Informação para todos os dados de segurança relacionados à duloxetina, ela recebeu um banco de dados que incluía 41 mortes e 13 suicídios. Ausente do banco de dados estava qualquer registro da estudante universitária e de pelo menos outros quatro voluntários conhecidos por terem se suicidado enquanto tomavam duloxetina para depressão|354|.

Um dos documentos vazados observou que em ensaios clínicos, 38% dos pacientes tratados com fluoxetina relataram nova ativação em comparação com apenas 19% dos pacientes tratados com placebo. A ativação pode levar à agitação ou acatisia, e a Lilly recomendou desde cedo que, em seus ensaios com fluoxetina, tais pacientes também deveriam tomar benzodiazepínicos|2|, que reduzem os sintomas. Portanto, não sabemos qual é a verdadeira extensão da acatisia. Outras empresas adotaram a mesma estratégia, e tranquilizantes menores foram permitidos em 84% dos ensaios controlados por placebo de drogas para depressão|356|.

As amplas atividades criminosas da Lilly e a corrupção de médicos funcionaram. Em 1997, o Prozac foi a quinta droga mais prescrita nos Estados Unidos|357|. Também se tornou a droga mais criticada|1:287|.

Em relação a processos judiciais, Healy encontrou nos rascunhos iniciais da bula do Prozac a afirmação de que a psicose poderia ser precipitada em pacientes suscetíveis por pílulas para depressão|357|. O aviso sobre a psicose não foi incluído na bula final para os Estados Unidos e nem mesmo está incluído hoje|33|, enquanto o órgão regulador de medicamentos da Alemanha o exigia. Em 1999, a FDA recebeu relatos de mais de 2000 suicídios associados ao Prozac e um quarto dos relatos especificamente se referia à agitação e acatisia|2:171|. Como sempre, a FDA protegeu a droga e não os pacientes, pois disse que não teria permitido que uma empresa colocasse um aviso sobre acatisia ou suicídio na embalagem; teria considerado isso um rótulo errôneo|357|.

Outras empresas também se envolveram em fraudes e crimes organizados|6:208|. A SmithKline Beecham, posteriormente incorporada à GSK, começou a comercializar a paroxetina (Paxil ou Seroxat) em 1992 e falsamente afirmou pelos próximos 10 anos que a droga não era viciante|358|, embora o pedido de licença mostrasse que a paroxetina leva a reações de abstinência em 30% dos pacientes|359|. O regulador de medicamentos do Reino Unido também negou que houvesse um problema, enquanto a BBC relatou em 2001 que a OMS havia descoberto que o Paxil apresentava os problemas de retirada mais difíceis de qualquer pílula para depressão. Até 2003, o regulador de medicamentos do Reino Unido propagou a falsidade de que os ISRS não são viciantes, mas no mesmo ano, a OMS publicou um relatório que observou que três ISRS (fluoxetina, paroxetina e sertralina) estavam entre as 30 drogas mais bem classificadas para os quais a dependência de drogas já havia sido relatada|307|.

O regulador de medicamentos do Reino Unido também distorceu os dados ao descrever as reações de retirada como geralmente sendo raras e leves. Pesquisadores independentes mostraram que as reações foram classificadas como moderadas em 60% dos casos e como graves em 20% pelo mesmo regulador do Reino Unido que disse ao público que eram leves|360|.

Em 2003, a GSK revisou silenciosamente e em letras pequenas sua estimativa anterior do risco de reações de retirada nas instruções de prescrição de 0,2% para 25%,307 um aumento de 100 vezes.

A partir de 2002, a BBC apresentou quatro documentários sobre ISRS em sua série Panorama, o primeiro chamado Segredos do Seroxat. O porta-voz da GSK, o médico Alastair Benbow, mentiu em frente às câmeras. Ele negou que a paroxetina pudesse causar suicidabilidade ou autolesão, enquanto enviava dados ao órgão regulador de medicamentos um mês depois que mostravam exatamente isso, e que imediatamente levou a uma proibição de uso da droga em crianças.

O regulador de medicamentos afirmou que essa informação era completamente nova para a GSK, que, no entanto, já sabia disso há dez anos. Além disso, o chefe do órgão regulador de medicamentos ecoou a falsa afirmação das empresas farmacêuticas de que era a doença, não o medicamento, que causou os eventos suicidas.

O senador Charles Grassley perguntou à GSK por quanto tempo a empresa sabia que a paroxetina representava um risco de suicídio|361|. A GSK mentiu quando escreveu de volta que eles “não detectaram nenhum sinal de possível associação entre Paxil e suicidabilidade em pacientes adultos até o final de fevereiro de 2006”. Investigadores do governo descobriram que a empresa tinha os dados em 1998 e Healy encontrou evidências em documentos internos da empresa de que 25% dos voluntários saudáveis experimentaram agitação e outros sintomas de acatisia enquanto tomavam paroxetina|357|.

Healy realizou um estudo com sertralina em 20 voluntários saudáveis e, para sua grande surpresa, dois deles se tornaram suicidas|2:179|. Uma estava a caminho de se suicidar na frente de um trem ou de um carro quando uma ligação telefônica a salvou. Ambos os voluntários permaneceram perturbados vários meses depois e questionaram seriamente a estabilidade de suas personalidades.

Estudos próprios da Pfizer em voluntários saudáveis mostraram efeitos deletérios semelhantes, mas eles esconderam a maior parte dos dados em arquivos da empresa.

Os reguladores de medicamentos também ocultaram os danos letais. Quando revisores da FDA e pesquisadores independentes descobriram que as empresas farmacêuticas haviam ocultado casos de pensamentos e atos suicidas, rotulando-os como “labilidade emocional”, os chefes da FDA suprimiram essa informação|2,362|. Quando o próprio oficial de segurança da FDA, Andrew Mosholder, concluiu que os ISRS aumentam o risco de suicídio entre adolescentes, a FDA o impediu de apresentar suas descobertas em uma reunião consultiva e suprimiu seu relatório. Quando o relatório foi vazado, a reação da FDA foi realizar uma investigação criminal sobre o vazamento|355,363|.

Houve outros tipos de fraude. Em dados enviados pela GSK à FDA no final dos anos 1980 e início dos anos 1990, A empresa adicionou tentativas de suicídio ocorridas durante o período de eliminação aos resultados do grupo placebo, mas não aos do grupo de paroxetina. A empresa adicionou tentativas de suicídio ocorridas durante o período de eliminação aos resultados do grupo placebo, mas não aos do grupo de paroxetina. Pelo menos três empresas, GSK, Lilly e Pfizer, adicionaram casos de suicídio e tentativas de suicídio em pacientes do grupo placebo de seus ensaios, embora os casos não tenham ocorrido enquanto os pacientes estavam randomizados para tal grupo|2,141,353,364,365|.

Healy escreveu em 2002|364| que, com base em dados que ele obteve da FDA, três de cinco tentativas de suicídio no placebo em um ensaio clínico com sertralina|366| ocorreram durante o período de eliminação e não no placebo, e que dois suicídios e três de seis tentativas no placebo em um ensaio clínico com paroxetina|366| também ocorreram no período de eliminação. As observações de Healy não foram negadas pela Pfizer e GSK|367,368|, mas a GSK forneceu outro exemplo gritante de que suas mentiras não são deste mundo|368|.

A análise “medicamento” versus “verdadeiro placebo” descrita pelo Dr. Healy não apenas é cientificamente inválida, mas também enganosa. O transtorno depressivo maior é uma doença potencialmente muito séria associada a morbidade, mortalidade, ideação suicida, tentativas de suicídio e suicídio consumado substanciais. Conclusões não justificadas sobre o uso e risco de antidepressivos, incluindo a paroxetina, prejudicam pacientes e médicos.

A fraude sistemática pode ser importante para as empresas em casos judiciais. Em 2001, quando um homem em uso de paroxetina assassinou sua esposa, filha e neta e cometeu suicídio, a GSK disse em sua defesa que seus ensaios não mostraram um aumento do risco de suicídio com a paroxetina|369|. Isso parecia estar incorreto. Em 2004, um pesquisador publicou uma meta-análise com base nos relatórios completos dos ensaios da GSK que foram disponibilizados na Internet como resultado de litígios. Ele descobriu que a paroxetina aumentava significativamente as tendências suicidas, com uma razão de chances de 2,77 (1,03 a 7,41)|370|.

Os relatórios clínicos que analisamos também incluíam ensaios em adultos|326|. Não pudemos abordar completamente os danos porque alguns deles apareciam apenas em listagens de pacientes nos apêndices, os quais possuíamos para apenas 32 dos nossos 70 ensaios incluídos. Além disso, não tínhamos os formulários de relatório de casos. Mas encontramos muitos eventos alarmantes, que você nunca verá em periódicos médicos e aqui estão alguns:

Quatro mortes foram relatadas erroneamente pela empresa, em todos os casos favorecendo a droga ativa.

Um paciente recebendo venlafaxina tentou suicídio por estrangulamento sem nenhum indício prévio e morreu cinco dias depois no hospital. Embora a tentativa de suicídio tenha ocorrido no 21º dia dos 56 dias de tratamento randomizado, a morte foi chamada de evento pós-estudo, pois ocorreu no hospital e a droga havia sido descontinuado devido à tentativa de suicídio.

Embora narrativas de pacientes ou listagens individuais de pacientes mostrassem que eram tentativas de suicídio, 27 de 62 dessas tentativas foram codificadas como labilidade emocional ou piora da depressão, que é o que você vê nas publicações, não as tentativas de suicídio.

Uma tentativa de suicídio (superdose intencional com paracetamol em um paciente em fluoxetina) foi descrita nas tabelas de eventos adversos como “elevação de enzimas hepáticas”, o que você pode obter se beber álcool.

Para as drogas da Eli Lilly, fluoxetina e duloxetina, comparamos nossas descobertas com os relatórios resumidos dos ensaios no site da empresa. A apresentação da Lilly era seriamente enganosa|8,326|. Na maioria dos casos, os eventos adversos eram mostrados apenas se ocorressem em, por exemplo, pelo menos 5% dos pacientes. Dessa forma, as empresas podem evitar relatar muitos danos graves. Apenas 2 de 20 tentativas de suicídio (17 com a droga, 3 com placebo) foram documentadas. Nenhum dos 14 eventos de ideação suicida (11 vs 3) foi mencionado, e apenas 3 eventos de acatisia (15 vs 2) foram mencionados.

Em três ensaios clínicos com sertralina em que tínhamos acesso tanto aos termos verbais quanto aos termos preferidos codificados, a acatisia foi codificada como “hipercinesia”, e a má codificação parecia ter sido prevalente também em ensaios com paroxetina, já que não encontramos um único caso de acatisia.

Como explicado anteriormente, a acatisia aumenta o risco de suicídio, violência e homicídio. Só pudemos identificar a acatisia se tivéssemos acesso aos termos literais, mas mesmo assim descobrimos que, como a agressão, a acatisia era vista duas vezes mais frequentemente nos medicamentos do que no placebo|326|.

É de particular relevância para os muitos tiroteios em escolas que os seguintes eventos para 11 pacientes em uso de pílulas para depressão foram listados como agressão em narrativas de pacientes para eventos adversos graves: ameaça homicida, ideação homicida, agressão, abuso sexual, ameaça de levar uma arma para a escola, danos à propriedade, socos em itens domésticos, ameaças verbais e agressivas, e beligerância.

Muitos dos assassinos estavam usando pílulas para depressão. As autoridades rotineiramente ocultam tais informações para não levantar preocupações sobre a segurança dos medicamentos, e portanto demorou bastante tempo antes de descobrirmos que o piloto da Germanwings que levou todo um avião consigo quando cometeu suicídio nos Alpes, e que o motorista belga de ônibus que matou muitas crianças ao dirigir seu ônibus contra uma parede, também nos Alpes, estavam ambos usando pílulas para depressão.

Para ver a lista de todas as referências citadas, clique aqui.

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Mad in Brasil (Texto original do site Mad in America ) hospeda blogs de um grupo diversificado de escritores. Essas postagens são projetadas para servir como um fórum público para uma discussão – em termos gerais – da psiquiatria e seus tratamentos. As opiniões expressas são próprias dos escritores.