Nota do Editor: Todos os artigos, matérias, notícias e traduções publicadas no Mad in Brasil são previamente autorizadas e revisadas pelo nosso editor-chefe, Paulo Amarante.
A criação de um grupo de apoio mútuo para aqueles que vivenciam experiências auditivas únicas representa uma iniciativa crucial na promoção da saúde e na melhoria da qualidade de vida. Conforme orientações do The International Network for Training, Education and Research in to Hearing Voices – Rede Internacional de Treinamento, Educação e Pesquisa em Ouvidores de Vozes (INTERVOICE) – INTERVOZES (tradução livre), ouvir vozes vai além da simples percepção de sons e vozes inaudíveis para outros.
A perspectiva que encara a audição de vozes como uma expressão não patológica da existência, digna de acolhimento e abordagem apropriada, desafia a predominância do modelo biomédico neste campo. Isso não apenas traz benefícios significativos para aqueles que experimentam essas vivências, mas também reverbera positivamente entre amigos, familiares e profissionais envolvidos. Além disso, essa abordagem fomenta a pesquisa e impulsiona o desenvolvimento de redes de apoio, as quais têm desempenhado um papel vital ao permitir que muitas pessoas escapem do sistema centrado em hospitais psiquiátricos e serviços de saúde, superando o estigma associado aos diagnósticos psiquiátricos.
Nesse contexto, é possível adotar diversas abordagens para compreender e se relacionar com as vozes ao longo da vida, sem necessariamente associá-las a transtornos mentais. A criação de um espaço de acolhimento e troca de informações e experiências contribui para a redução do estigma e do isolamento social dessas pessoas, bem como para o fortalecimento de sua rede de apoio social e emocional. Os grupos passam a ser estratégias de cuidado, respeito e pertencimento para as pessoas que ouvem vozes.
Assim, iniciativas como grupos de ouvidores foram surgindo no mundo todo e no Brasil. Se você é um profissional ou até mesmo um ouvidor e/ou familiar de alguém que possui essa experiência, e quer implementar um grupo na sua cidade, serviço de saúde ou até mesmo em qualquer local da comunidade como centro de eventos, salas em prefeituras, dentre outros locais, aqui estão algumas dicas importantes para iniciar o processo.
O Grupo (e o mediador ou mediadores) deve ter em mente os princípios do Intervoice, ou seja, de como o mediador vai olhar o fenômeno das alucinações. São eles: a audição de vozes pode ser entendida como parte natural da experiência humana; diversas explicações são aceitas para explicar a origem das vozes; ouvidores devem ser encorajados a empoderar suas experiências e explicá-las à sua maneira; a audição de vozes é explicada pelo contexto de vida e dia a dia de cada um; aceitar e entender suas vozes é mais benéfico do que as suprimir e evitá-las; e, suporte e colaboração de pares empoderam e ajudam na recuperação.
Além disso, serão necessárias leituras previas sobre como estabelecer uma outra linguagem, visão e percepção sobre a audição, principalmente nós profissionais da saúde. É preciso uma postura horizontal e uma comunicação sem jargões e termos técnicos.
Em Cuiabá, no Mato Grosso, o grupo de ouvidores foi criado em 2023 e os encontros iniciaram em uma das salas no CAPS infanto juvenil. Foram convidados a participar do grupo adolescentes com idade mínima de 15 anos. Esta delimitação da idade pode ser importante a depender da sua demanda e, portanto, conhecer as pessoas ajuda a estabelecer um formato para o grupo. Inicialmente você pode realizar uma divulgação ampla por meio de cartazes em unidades de saúde, durante os atendimentos individuais e por meio do convite dos outros profissionais da equipe.
Para os encontros, organize a sala em forma de roda, pois é mais convidativo para que os participantes possam compartilhar suas experiências, dúvidas e angústias. Você pode ter alguém para colaborar na mediação e se necessário realizar anotações e observações em um caderno que pode ser compartilhado e lido ao final por todos os participantes. Não há um número máximo de participantes, mas quanto mais pessoas, menos tempo cada um terá para expor a sua experiência. Desta forma, procure realizar grupos com no máximo 15 pessoas.
Além disso, a frequência e o tempo de duração podem ser definidos pelo próprio grupo após o primeiro encontro. Esse é um ponto importante para a manutenção dos vínculos: o grupo deve ser um espaço de trocas e as definições devem ser discutidas em conjunto. Na experiência do CAPS de Cuiabá foram os próprios adolescentes que escolheram o nome do grupo passando a serem chamados de “Amigos dos Ouvidores da Mente”. Os encontros ocorrem toda segunda-feira e com assuntos escolhidos pelos adolescentes vão para além da escuta de vozes.
A estrutura de um grupo é sem dúvida importante, mas o mais importante mesmo é a compreensão da audição de vozes como uma expressão não patológica da existência – que deve ser acolhida e tratada adequadamente – contribuindo para questionar a hegemonia do modelo biomédico, trazendo benefícios para as pessoas que ouvem vozes, bem como para seus amigos, familiares e profissionais. A implementação dos grupos são importantes, pois auxiliam no processo terapêutico e desmedicalizantes, colaborando para o trabalho da equipe interprofissional.
Como mencionado anteriormente, as leituras são sempre necessárias se você também pode conhecer outros grupos por meio das redes sociais.
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